UNIDADE 3: F´ısica Moderna
Teoria da Relatividade Restrita
(Notas de Apoio ao Programa do 12
ode F´ısica)
Paulo Crawford
1
A Relatividade de Galileu
1.1
O Princ´ıpio da Relatividade e a defini¸c˜
ao de Referencial
Inercial
Como todos sabemos, o movimento e o repouso s˜ao conceitos relativos. Um observador (ou um objecto) pode estar em repouso em rela¸c˜ao a um referencial e em movimento em rela¸c˜ao a outro.
Por isso, quando estudamos o movimento de um corpo come¸camos por escolher o sistema de referˆencia ou referencial onde fazemos as observa¸c˜oes. Escolhemos os refe-renciais inerciais que s˜ao aqueles onde as part´ıculas livres se movem em linha recta, com velocidade constante. Nestes referenciais inerciais a lei do movimento descoberta por Isaac Newton (1642-1727) escreve-se
~
F = m~a
for¸ca = massa × acelera¸c˜ao (1.1)
Esta lei, tamb´em conhecida por segunda lei de Newton, s´o toma esta forma simples nos referenciais inerciais. Nos referenciais n˜ao-inerciais as for¸cas exprimem-se de um modo mais complexo, devido ao aparecimento das chamadas for¸cas de in´ercia. Como consequˆencia do aparecimento dessas for¸cas, o peso (aparente) de um corpo, medido num referencial n˜ao-inercial, pode ser muito diferente do seu peso real.
Recordemos que, de acordo com a primeira lei de Newton, se a resultante das for¸cas que actuam um corpo ´e nula, a acelera¸c˜ao do corpo tamb´em ´e nula e o corpo diz-se isolado. Expressa desta forma a primeira lei parece ser um caso particular da segunda. Contudo, ´e natural come¸car por descrever o movimento de um corpo na situa¸c˜ao de ausˆencia de for¸cas. Essa ´e a situa¸c˜ao descrita pela primeira lei, cujo enunciado pressup˜oe estarmos a utilizar referenciais inerciais. Inversamente, quando detectamos uma acelera¸c˜ao, inferimos, com base na express˜ao ~F = m~a, a existˆencia de uma for¸ca. Mais uma vez, este racioc´ınio ´e v´alido num referencial inercial.
Em geral, um observador deve escolher o referencial que mais facilite a recolha e an´alise dos dados. Torna-se ent˜ao necess´ario relacionar as observa¸c˜oes feitas em referenciais (inerciais) diferentes. Os observadores que fazem a suas observa¸c˜oes em referenciais inerciais dizem-se observadores inerciais.
Comecemos ent˜ao pelos referenciais inerciais, ou seja, os referenciais que se movem com velocidade relativa constante e onde s˜ao v´alidas as leis de Newton na forma em que foram expressas.
Velocidade e acelera¸c˜ao relativas
Considere-se um observador solid´ario com o sistema OXY Z e duas part´ıculas materiais
A e B com • posi¸c˜oes ~rA e ~rB
• velocidades ~vA e ~vB
Ent˜ao
~rBA= ~AB = ~rB− ~rA, ´e o vector de posi¸c˜ao de B relativamente a A,
~rAB = ~BA = ~rA− ~rB, ´e o vector de posi¸c˜ao de A relativamente a B.
A velocidade de B relativamente a A ´e dada por ~vBA=
d~rBA
dt =
d
dt(~rB− ~rA) = (~vB− ~vA)
A velocidade de A relativamente a B ´e dada por ~vAB =
d~rAB
dt =
d
dt(~rA− ~rB) = (~vA− ~vB)
Conclu´ımos que para obter a velocidade de uma part´ıcula em rela¸c˜ao a outra basta conhecer as suas velocidades relativamente a um observador
~vBA= ~vB− ~vA
~vAB = ~vA− ~vB
Derivando as velocidades em ordem ao tempo obtemos as acelera¸c˜oes: a acelera¸c˜ao de B relativamente a A ~aBA= d~vBA dt = d dt(~vB− ~vA) = (~aB− ~aA) e a acelera¸c˜ao de A relativamente a B ~aAB = d~vAB dt = d dt(~vA− ~vB) = (~aA− ~aB)
Em conclus˜ao: para obter a acelera¸c˜ao de uma part´ıcula em rela¸c˜ao a outra basta pois conhecer as suas acelera¸c˜oes relativamente a um observador (referencial)
~aBA = ~aB− ~aA
~aAB = ~aA− ~aB
~aBA = −~aAB
1.2
Princ´ıpio da Relatividade de Galileu
Sejam dois observadores O e O′ solid´arios com os referenciais OXY Z e O′X′Y′Z′
Os referenciais tˆem uma velocidade relativa constante: ~uO′O = −~uOO′ = ~u
Ent˜ao os referenciais tˆem movimento relativo uniforme de translac¸c˜ao. Escolhemos os eixos OX e O′X′ paralelos a ~u.
Dois observadores diferentes pretendem comparar as suas medidas de posi¸c˜ao e de velocidade de um corpo que se move em rela¸c˜ao a eles. Suponhamos que quando t = 0: O e O′ coincidem =⇒ ~r
O′O = ~OO′ = t~u = ut~ux
Admitamos que se trata de uma part´ıcula material
colo-cada no ponto A: • O seu vector posi¸c˜ao em OXY Z ´e ~r
• O seu vector posi¸c˜ao em O′X′Y′Z′ ´e ~r′
Como ~OA = ~OO′+ ~O′A ⇒ ~r′ = ~r − ~ut
~r′ = ~r − ~ut
t′ = t
)
Seja ~v = d~r/dt a velocidade medida em OXY Z e ~v′ = d ~r′/dt′ = d~r′/dt a velocidade em O′X′Y′Z′ Ent˜ao ~v = d dt(~r − ~ut) =⇒ ~v ′ = ~v − ~u
Seja ~a = d~v/dt a acelera¸c˜ao relativamente a OXY Z e ~a′ = d~v′/dt′ = d~v′/dt a
ace-lera¸c˜ao relativamente a O′X′Y′Z′
E como
~a′ = d
dt(~v − ~u) ⇒ ~a
′ = ~a
pois ~u ´e constante.
Conclu´ımos que as acelera¸c˜oes medidas por dois observadores, animados de movimento relativo uniforme de transla¸c˜ao, s˜ao iguais.
Diz-se que a acelera¸c˜ao ´e um invariante para as Transforma¸c˜oes de Galileu (Princ´ıpio da relatividade de Galileu).
Comprimentos (distˆancias)
O comprimento de um objecto ´e igual `a distˆancia entre as suas extremidades medidas no mesmo instante. Portanto, se o objecto est´a em movimento relativamente ao observador as posi¸c˜oes das extremidades devem ser medidas simultaneamente.
Considere-se uma barra de extremidades A e B a) em repouso relativamente a O′
b) em movimento relativamente a O
L′ =k ~r′
B− ~rA′ k≡ comprimento medido por O′
L =k ~rB− ~rAk≡ comprimento medido por O
Utilizando as Transforma¸c˜oes de Galileu conclu´ımos: ~r′
Intervalos de tempo Intervalo
de tempo: ´e o tempo que decorre entre dois acontecimentos, medido por um mesmo observador
Considerem-se dois acontecimentos A e B tais que:
• O′ est´a em repouso relativamente ao ponto onde ocorrem os acontecimentos
=⇒ estes ocorrem no mesmo ponto relativamente a O′
• O est´a em movimento relativamente ao ponto onde ocorrem os acontecimentos =⇒ estes ocorrem em pontos diferentes relativamente a O.
∆t′ = t′
B− t′A ´e o intervalo de tempo medido por O′
∆t = tB− tA ´e o intervalo de tempo medido por O
Utilizando as Transforma¸c˜oes de Galileu conclu´ımos que na Mecˆanica Newtoniana: t′
B− t′A= tB− tA=⇒ ∆t′ = ∆t
Comprimentos e Tempos s˜ao invariantes numa Transforma¸c˜ao de Galileu ou seja, quando nos restringimos `as transforma¸c˜oes de Galileu para definir observadores inerciais conclu´ımos que:
Comprimentos e Tempos s˜ao independentes do observador
NOTA: Nos sistemas inerciais a acelera¸c˜ao ´e um invariante. Por outro lado, as for¸cas que s´o dependem das distˆancias (como ´e o caso das for¸cas newtonianas) s˜ao tamb´em invariantes!
Conclu´ımos que: na Mecˆanica Newtoniana, a for¸ca e a acelera¸c˜ao s˜ao (inde-pendentemente) invariantes numa transforma¸c˜ao de coorde-nadas entre observadores inerciais.
Logo, as leis da mecˆanica (leis de Newton) s˜ao as mesmas em todos os sistemas inerciais.
Por outras palavras: todos os referenciais inerciais s˜ao absolutamente equivalentes do ponto de vista das leis da Mecˆanica Newtoniana e n˜ao h´a maneira de distinguir uns dos outros (o movimento ´e relativo!). Quando aplicado unicamente `a Mecˆanica, este resultado ´e muitas vezes designado por Princ´ıpio da Relatividade de Galileu, para o distinguir do Princ´ıpio da Relatividade que se aplica a toda a F´ısica e que est´a associado ao nome de Einstein.
Princ´ıpio da Relatividade de Galileu As leis da mecˆanica s˜ao invariantes em rela¸c˜ao `as leis de transforma¸c˜ao entre sistemas inerciais definidas por 1.2.
2
A Relatividade de Einstein
2.1
Postulados da Relatividade Restrita
O ponto de partida da teoria da relatividade restrita, publicada por Einstein no an-nus mirabilis de 1905 num artigo intitulado “Sobre a Electrodinˆamica dos Corpos em Movimento”, s˜ao os dois postulados fundamentais:
Postulado 1 As leis da f´ısica tomam a mesma forma para todos os observadores que se movem uns em rela¸c˜ao aos outros com velocidade constante (movimento rectil´ıneo e uniforme).
Postulado 2 Todos os observadores medem o mesmo valor para a velocidade da luz quer esta tenha sido emitida por um corpo em repouso ou por um corpo em movimento rectil´ıneo e uniforme.
Notemos os seguintes pontos. Estes postulados n˜ao dizem nada sobre quais s˜ao as leis da natureza. Referem-se exclusivamente a movimentos (rectil´ıneos e uniformes) mas aplicam-se a todas as leis f´ısicas. Tˆem portanto uma natureza cinem´atica e n˜ao dinˆamica.
Os observadores definidos no primeiro postulado designam-se observadores inerciais. E as leis f´ısicas s˜ao as mesmas para todos os observadores inerciais. Dito de outro modo, os observadores inerciais s˜ao totalmente equivalentes do ponto de vista das leis f´ısicas. Este primeiro postulado ´e conhecido por Princ´ıpio da Relatividade de Einstein.
Quando no segundo postulado falamos em velocidade da luz estamos a referir-nos obviamente `a velocidade da luz no v´acuo, que representamos por c e cujo valor ´e aproximadamente 300 000 km/s.
Para compreendermos o comportamento dos sinais luminosos, imagine-mos dois observadores, A e B, separados por uma grande distˆancia. A e B decidem medir a velocidade da luz a partir do intervalo de tempo que medeia a passagem de sinais luminosos trocados entre si. Suponha-mos que a distˆancia entre eles ´e 300 000 km, e que os seus rel´ogios foram sincronizados antes da experiˆencia. O observador A envia ent˜ao um si-nal luminoso para B, num instante previamente combinado, e um segundo depois B observa o clar˜ao correspondente `a chegada do sinal. Esta foi a t´ecnica utilizada em 1675 por O. Roemer, para medir a velocidade da luz a partir da dura¸c˜ao da sua viagem atrav´es do sistema solar, desde J´upiter `a Terra, a qual dura cerca de uma hora. N˜ao dispondo de um companheiro para lhe enviar um sinal luminoso, Roemer recorreu ao movimento de um dos sat´elites de J´upiter, cujas posi¸c˜oes podia calcular antecipadamente. As “luas”de J´upiter, quando observadas da Terra, chegam ora atrasadas ora adiantadas `as posi¸c˜oes calculadas, pois o tempo que a luz demora a per-correr a distˆancia entre J´upiter e a Terra varia consoante esta se afasta ou se aproxima do planeta. A medida do atraso permitiu a Roemer calcular muito aproximadamente a velocidade da luz, a partir do conhecimento das posi¸c˜oes relativas entre J´upiter e a Terra. Esta foi uma das descobertas cient´ıficas famosas do s´eculo XVII, n˜ao tanto pelo rigor do valor obtido mas por ter estabelecido um valor finito para a velocidade da luz.
Imaginemos agora a seguinte experiˆencia um pouco mais complicada. Os observadores A e B desejam verificar se a velocidade da luz varia de lugar para lugar. Para isso, cada um deles mede n˜ao s´o o tempo que a luz leva a percorrer a distˆancia entre eles, mas tamb´em o tempo que a luz leva a atravessar um tubo de um metro, junto de cada um dos observadores. ´E claro que esta ´ultima medida exige uma electr´onica sofisticada, pois que o tempo que a luz leva a atravessar um tal tubo ´e menor que a cent´esima milion´esima parte de um segundo (∆t < 10−8 s). Ao fim de algum tempo
e depois de repetirem esta experiˆencia v´arias vezes, A e B concluem que a velocidade da luz ´e a mesma ao longo dos seus respectivos tubos e que este valor coincide com a velocidade m´edia tomada entre as suas posi¸c˜oes.
Vejamos agora como estender o Princ´ıpio da Relatividade de Galileu a todas as leis f´ısicas. Ou seja, vamos admitir que as leis da f´ısica, e n˜ao s´o as leis da Mecˆanica, tomam a mesma forma e tˆem o mesmo conte´udo em qualquer referencial inercial (princ´ıpio da Relatividade de Einstein ou primeiro postulado).
Para isso, Einstein come¸cou por notar que as leis do electromagnetismo (as equa¸c˜oes de Maxwell) n˜ao eram invariantes para uma transforma¸c˜ao de Galileu. Mas, no en-tanto, eram invariantes em rela¸c˜ao a um conjunto de transforma¸c˜oes descoberto por H.A. Lorentz e por H. Poincar´e. Se o princ´ıpio de Galileu se aplicasse aos fen´omenos electromagn´eticos ent˜ao as ondas luminosas emitidas por um corpo a deslocar-se com velocidade v num referencial inercial S teriam uma velocidade c ± v em rela¸c˜ao ao mesmo referencial S. Ora, a experiˆencia de Michelson-Morley1
e muitos outros resulta-dos (como a observa¸c˜ao das estrelas duplas) mostram que a velocidade da luz no v´acuo n˜ao depende da velocidade da fonte e ´e a mesma para todos os observadores inerciais. Lorentz e Poincar´e tinham j´a demonstrado que as equa¸c˜oes de Maxwell ficavam formal-mente invariantes se as transforma¸c˜oes de coordenadas entre dois referenciais inerciais S e S′ se relacionassem pelas seguintes f´ormulas
x′ = γ(x − vt) y′ = y z′ = z t′ = γ(t − vx/c2 ) Transforma¸c˜ao de Lorentz (2.3) com γ = q 1 1 − v2 /c2
Comparando com as transforma¸c˜oes de Galileu entre dois referenciais inerciais, S e S′,
com uma velocidade relativa segundo o eixo dos XX e cuja origem inicial ´e comum x′ = x − vt y′ = y z′ = z t′ = t Transforma¸c˜ao de Galileu
vemos que as segundas se obtˆem das primeiras quando v/c ≪ 1, isto ´e, quando a velocidade relativa entre os observadores ´e desprez´avel face `a velocidade da luz no v´acuo.
Tendo em conta a precis˜ao das experiˆencias electromagn´eticas e querendo estender o princ´ıpio da relatividade a toda a F´ısica, Einstein adoptou as Transforma¸c˜oes de Lorentz (TL), eqs.(1.3), como as transforma¸c˜oes de coordenadas entre observa-dores inerciais, tendo para isso sido levado a rever os pr´oprios conceitos de espa¸co e de tempo, que serviam de base a toda a F´ısica e, por consequˆencia, levado a reformular as leis da Mecˆanica.
1Michelson e Morley estabeleceram experimentalmente em 1887 que a velocidade da luz no v´acuo
c´e a mesma na Terra em todas as direc¸c˜oes e n˜ao depende do movimento da Terra em torno do Sol.
Assim enquanto as ondas sonoras, por exemplo, resultam de movimentos de propaga¸c˜ao num meio
el´astico, em rela¸c˜ao ao qual elas tˆem uma velocidade fixa, as ondas electromagn´eticas n˜ao dependem
de um meio material para se propagarem (n˜ao necessitam de um “´eter”, como se pensou durante
Notemos em primeiro lugar que, devido `a constˆancia da velocidade da luz e `a isotropia da sua propaga¸c˜ao no v´acuo, sendo emitido um sinal luminoso num dado ponto do espa¸co e num dado instante, que se tomam respectivamente como origens espacial e temporal dos referenciais S e S′, este deve satisfazer simultaneamente as equa¸c˜oes
x2 + y2 + z2 − c2 t2 = x′2+ y′2+ z′2− c2 t′2= 0. (2.4)
Ou seja, os pontos do espa¸co que num dado instante de cada referencial se encontram na mesma fase de vibra¸c˜ao formam uma onda esf´erica que est´a centrada na origem do referencial respectivo.
A equa¸c˜ao anterior permite definir uma quantidade invariante, isto ´e, uma quantidade que toma a mesma forma em todos os referenciais inerciais—relacionados entre si por uma Transforma¸c˜ao de Lorentz—indissoluvelmente ligada `a invariˆancia da velocidade da luz, e que se escreve
x2 + y2 + z2 − c2 t2 = r2 − c2 t2
Este invariante pode ser entendido como uma generaliza¸c˜ao da defini¸c˜ao habitual de distˆancia a um espa¸co a quatro dimens˜oes, conhecido por espa¸co-tempo de Minkowski2
. Na verdade, tal como a f´ormula euclideana x2
+ y2
+ z2
= r2
caracteriza o espa¸co or-din´ario 3-dimensional, e representa o quadrado da distˆancia do ponto de coordenadas (x, y, z) `a origem, tamb´em a f´ormula r2
− c2
t2
pode servir para caracterizar o espa¸co-tempo de Minkowski e poder´a igualmente designar a distˆancia do ponto (aconteci-mento) de coordenadas (r, ct) `a origem, neste espa¸co-tempo 4-dimensional.
Exerc´ıcio 1 Verifique que as TL (1.3) satisfazem a rela¸c˜ao (1.4).
Dados dois acontecimentos cuja separa¸c˜ao espacial ´e r e cuja separa¸c˜ao temporal ´e t, trˆes situa¸c˜oes diferentes podem ocorrer
a) r2
− c2
t2
= 0, a distˆancia entre os dois acontecimentos ´e exactamente percorrida pela luz no intervalo de tempo que os separa. Diz-se que os dois acontecimentos formam um par tipo-luz.
b) r2
− c2
t2
< 0, a distˆancia entre os dois acontecimentos ´e menor que o espa¸co percorrido pela luz no intervalo de tempo que os separa. Diz-se ent˜ao que os dois acontecimentos formam um par tipo-tempo.
c) r2
−c2
t2
> 0, no intervalo de tempo que separa os dois acontecimentos a luz n˜ao pode percorrer a distˆancia que os separa. Diz-se neste caso que os dois acontecimentos formam um par tipo-espa¸co.
2Hermann Minkowski foi o primeiro a mostrar em 1908 que: “daqui em diante o espa¸co s´o por si e
o tempo s´o por si est˜ao condenados a tornarem-se meras sombras, e s´o uma uni˜ao dos dois preservar´a
Todos os pares de acontecimentos que est˜ao numa rela¸c˜ao de causa-efeito pertencem `as categorias a) ou b). Nenhuma informa¸c˜ao pode ser transmitida com velocidade maior do que a da luz. Logo, dois acontecimentos que perten¸cam `a categoria c) n˜ao podem estar causalmente relacionados. Como as part´ıculas materiais viajam com uma velocidade inferior `a da luz em todos os referenciais inerciais, dois quaisquer aconteci-mentos da vida de uma part´ıcula material formam um par tipo-tempo para todos os observadores inerciais, isto ´e, a sua separa¸c˜ao temporal ´e maior do que a sua separa¸c˜ao espacial.
Consideremos dois acontecimentos do espa¸co-tempo infinitesimalmente pr´oximos. Re-duzindo o espa¸co-tempo a duas dimens˜oes, uma dimens˜ao espacial e uma temporal, e fazendo coincidir essa direc¸c˜ao espacial com a direc¸c˜ao da velocidade relativa entre os dois referenciais, escrevemos o intervalo infinitesimal
ds2 = dx2 − c2 dt2 = dx′2− c2 dt′2. (2.5)
Se os 2 acontecimentos ocorrem no mesmo ponto de S′, dx′ = 0 ⇒ ds2
< 0, e podemos escrever (1.5) da seguinte forma
dx2 − c2 dt2 = −c2 dt′2 e portanto dt′ = dt s 1 −v 2 c2 (2.6)
onde v = dx/dt ´e a velocidade de S′ em S.
Conclu´ımos que o intervalo de tempo ´e diferente em S e S′e que ´e mais curto no
referen-cial onde os acontecimentos ocorrem no mesmo ponto do espa¸co. Esse referenreferen-cial, neste caso S′, designa-se referencial pr´oprio para esses acontecimentos. Assim, em
qual-quer referencial diferente do referencial pr´oprio o tempo ´e dilatado. Note-se ainda que embora dx′ = 0, dx = vdt 6= 0 (use as TL(1.3)), isto ´e, os dois acontecimentos
ocorrem no mesmo ponto de S′ mas ocorrem em pontos diferentes de S.
Consideremos agora dt′ = 0 (acontecimentos simultˆaneos em S′). Vem ds2
> 0 e usando as TL vemos que dt = vdx/c2
, logo ds2 = dx2 − c2 dt2 = dx′2> 0 (par tipo-espa¸co).
Vemos que acontecimentos simultˆaneos em S′, e que ocorrem em pontos diferentes do
espa¸co de S′, n˜ao s˜ao simultˆaneos em S : dt 6= 0.
Consideremos agora uma barra fixa em S cujo comprimento ´e L = ∆x. A diferen¸ca de coordenadas das extremidades da barra em S′, ∆x′, deve ser medida simultaneamente
∆t = v∆x/c2
, vejamos quanto mede a mesma barra em S. Substituindo este valor de ∆t no intervalo ∆s2 = ∆x2 − c2 ∆t2 = ∆x′2, vem ∆x′ = ∆xq1 − v2 /c2
Conclus˜ao: as barras com comprimento L = ∆x no seu referencial pr´oprio s˜ao vis-tas contra´ıdas em qualquer outro referencial! Ou seja, uma barra que esteja em re-pouso no laborat´orio ´e vista contra´ıda por um observador que se desloca em rela¸c˜ao ao laborat´orio com velocidade v (supomos que a barra est´a colocada ao longo do eixo coincidente com a velocidade relativa entre os dois referenciais S e S′).
Adi¸c˜ao de velocidades: a partir das TL obtemos imediatamente u′ = u − v 1 − uv/c2 ou u = u′+ v 1 + u′v/c2 (2.7) onde u = dx dt , u ′ = dx′ dt′
e v ´e a velocidade relativa entre S e S′.
´
E f´acil verificar que se u = c vem u′ = c, concordando com o 20
postulado de Einstein: a velocidade da luz (no v´acuo ´e a mesma em todos os referenciais). A luz de uma estrela que se aproxima do Sol (Terra) viaja com velocidade c, tal como a luz de uma estrela que se afasta. Usando estrelas duplas os astr´onomos verificaram este facto com grande precis˜ao.
Exerc´ıcio 2 Mostre que a f´ormula relativista de adi¸c˜ao de velocidades produz sempre velocidades menores ou iguais a c, sendo a igualdade v´alida se alguma das velocidades u e/ou u′ for igual a c.
Para exemplificar os efeitos cinem´aticos aqui deduzidos vamos considerar a seguinte experiˆencia imaginada.
Vamos alterar ligeiramente a ´ultima experiˆencia. Em vez de A e de B permanecerem em repouso, B move-se agora com velocidade constante na direc¸c˜ao de A. `A medida que B se aproxima de A, B espera que os sinais luminosos, enviados por A, atravessem o seu tubo a uma velocidade superior `a da experiˆencia anterior, quando a velocidade entre eles era nula. N˜ao ´e isso que acontece no nosso quotidiano? Se um observador parado na plataforma duma esta¸c˜ao de caminho de ferro vˆe passar um comboio a 100 km/h, e
no comboio h´a um passageiro a deslocar-se a uma velocidade de 5 km/h em rela¸c˜ao ao comboio, ent˜ao a velocidade relativa entre o passageiro e o observador da plataforma ´e 105 km/h ou 95 km/h consoante o passageiro se afasta ou se aproxima da esta¸c˜ao. N˜ao devia acontecer o mesmo com a luz? Por´em, para grande surpresa dos observadores A e B, a velocidade da luz permanece inalterada ao atravessar os respectivos tubos. E al´em disso, a velocidade medida a partir dos intervalos de tempo que a luz leva a percorrer a distˆancia entre A e B continua a ser a mesma. Consternado com este resultado, B sup˜oe que a sua velocidade em rela¸c˜ao a A ´e ainda muito pequena e recorre a um foguet˜ao para aument´a-la. B aproxima-se de A cada vez mais depressa, na esperan¸ca de receber mais rapidamente os sinais luminosos enviados por A, mas ´e em v˜ao, a velocidade medida localmente continua a ser a mesma. Ao fim de algum tempo, B atinge uma velocidade em rela¸c˜ao a A igual a 99% da velocidade da luz e nota que os sinais luminosos chegam agora muito azulados. Trata-se de um fen´omeno familiar, B sabe que a luz azul significa luz de alta frequˆencia e recorda-se que as ondas sonoras tamb´em se deslocam para as altas frequˆencias quando a fonte e o observador se aproximam um do outro. O efeito designa-se por deslocamento de Doppler e observa-se, por exemplo, quando dois carros se cruzam: o som da buzina soa mais agudo se os carros se aproximam e mais grave se eles se afastam. Voltando `a nossa experiˆencia, apesar do deslocamento de Doppler, B n˜ao observa nenhuma varia¸c˜ao na velocidade da luz, isto ´e, B continua a medir a mesma velocidade para os sinais enviados por A.
B decide-se ent˜ao a utilizar um outro foguet˜ao para inverter o sentido do movimento e, assim, afastar-se de A a toda a velocidade. Verifica agora que os sinais luminosos enviados por A chegam bastante avermelhados, como se as ondas luminosas tivessem sido alongadas, provocando o aumento do seu comprimento de onda, tal como as ondas sonoras da buzina de um carro que se afasta. Ao fim de algum tempo B afasta-se de A a uma velocidade igual a 99% da velocidade da luz. B esperava que a luz enviada por A viajasse ao seu encontro a 3000 km/s (1% da velocidade habitual), mas nada disso acontece. A luz continua a chegar `a mesma velocidade de 300 000 km/s, independentemente da velocidade a que B se desloca em rela¸c˜ao a A.
Numa ´ultima tentativa, e j´a desesperado por esta contradi¸c˜ao entre o comportamento da luz e a experiˆencia quotidiana, B resolve utilizar ainda um outro foguet˜ao com o fim de ultrapassar a velocidade dos sinais lu-minosos na esperan¸ca que, ao viajar a uma velocidade superior `a da luz relativamente a A, os sinais luminosos enviados por A n˜ao o atinjam. En-quanto decorre esta fase da experiˆencia, A verifica que B est´a a fazer um esfor¸co desesperado para atingir a velocidade da luz, mas quanto mais perto se encontra dessa velocidade, maior ´e a energia que necessita para acelerar. A necessidade de combust´ıvel cresce sem limite. Mesmo com toda a energia
dispon´ıvel no mundo, B n˜ao ´e capaz de vencer a barreira que o impede de atingir a velocidade da luz. Parece que `a medida que B se aproxima da velo-cidade da luz, maior ´e a sua in´ercia: toda a nova energia consumida parece ser dispendida para criar mais massa e n˜ao para aumentar a velocidade. Entretanto, os sinais luminosos emitidos por A continuam a atravessar o tubo de um metro, transportado por B, a uma velocidade de 300 000 km/s.
O quadro descrito na experiˆencia anterior est´a em contradi¸c˜ao com a nossa rotina di´aria, fundamentada na mecˆanica de Newton. A relatividade restrita ensina-nos a ser mais cautelosos. Sempre que os objectos se movam com velocidades pr´oximas da velocidade da luz devemos ignorar a nossa experiˆencia quotidiana, e levar a s´erio os postulados desta teoria.
Como consequˆencia da invariˆancia da velocidade da luz, Einstein foi levado a concluir que o espa¸co e o tempo variam com o estado de movimento do observador. Por exemplo, quando B se aproxima vertiginosamente de A, a distˆancia entre A e B, medida por B, contrai-se. Al´em desta peculiar contrac¸c˜ao do espa¸co, o movimento de B tem tamb´em um efeito muito estranho sobre o tempo. Quando B compara o seu rel´ogio com dois rel´ogios iguais, localizados em s´ıtios diferentes, previamente sincronizados e em repouso em rela¸c˜ao a A, constata que o seu rel´ogio se atrasa em rela¸c˜ao a estes rel´ogios “solid´arios”com A. E vice-versa, o rel´ogio de A atrasa-se em rela¸c˜ao a dois rel´ogios espacialmente separados e solid´arios com B (previamente sincronizados). A conclus˜ao ´obvia a retirar destes factos ´e: a sincroniza¸c˜ao dos rel´ogios ´e um conceito relativo ao observador. N˜ao existe uma sincroniza¸c˜ao universal, simultaneamente v´alida para todos os observadores (inerciais). Rel´ogios parados e sincronizados do ponto de vista de um observador A, n˜ao est˜ao sincronizados para um observador B que se move com velocidade pr´oxima da velocidade da luz em rela¸c˜ao a A. Por outras palavras, se B se aproxima de A a grande velocidade e, pelo caminho, acerta o seu rel´ogio por um rel´ogio que est´a parado em rela¸c˜ao a A, mas a uma certa distˆancia de A, quando B se cruza com A verifica que o rel´ogio de A est´a adiantado em rela¸c˜ao ao seu rel´ogio. Do ponto de vista de B, os dois rel´ogios que est˜ao em repouso relativamente a A, n˜ao foram previamente sincronizados, ainda que o tenham sido do ponto de vista de A. Esta situa¸c˜ao traduz a impossibilidade de definir o conceito de simultaneidade de modo absoluto. Al´em disso, constatamos que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos ´e mais curto para o observador que vˆe os dois acontecimentos ocorrerem no mesmo ponto do espa¸co. Designa-se o tempo medido por esse observador tempo pr´oprio. Dois acontecimentos f´ısicos, que ocorrem em diferentes pontos do espa¸co (isto ´e, espa-cialmente separados) e simultˆaneos para um observador A, n˜ao ser˜ao simultˆaneos para outro observador B que se desloca a grande velocidade em rela¸c˜ao a A. Este car´acter relativo do conceito de simultaneidade ´e uma consequˆencia do valor finito (constante) da velocidade da luz. Este ´e o conceito fundamental da teoria da relatividade restrita. Se as ac¸c˜oes f´ısicas pudessem propagar-se a uma velocidade infinita a simultaneidade
teria um car´acter absoluto: dois acontecimentos simultˆaneos para um dado observador, seriam simultˆaneos para qualquer outro observador, qualquer que fosse o seu estado de movimento. Vejamos este aspecto com o aux´ılio de mais uma experiˆencia de pensa-mento, `a boa maneira de Einstein.
Imaginemos desta feita uma nave espacial que se afasta da Terra a uma velocidade igual a 90% da velocidade da luz. No centro da nave existe uma fonte de sinais luminosos. Para um astronauta que se encontre no centro da nave espacial, os sinais chegam `as duas extremidades da nave simulta-neamente, visto que as ondas luminosas se propagam em todas as direc¸c˜oes e sentidos com a mesma velocidade — a velocidade da luz, c. Contudo um observador terrestre testemunharia uma situa¸c˜ao bem diferente. ´E certo que a velocidade da luz ´e a mesma, de acordo com a teoria da relatividade restrita, para o observador terrestre e para o astronauta que se afasta da Terra. Mas como o observador terrestre vˆe a nave a afastar-se com uma velocidade igual a 90% da velocidade da luz, ´e claro que, do ponto de vista deste observador, os sinais luminosos n˜ao podem chegar simultaneamente `as duas extremidades da nave. O observador terrestre vˆe a cauda da nave a aproximar-se rapidamente da origem do sinal luminoso, enquanto a di-anteira da nave se afasta dessa origem. Durante o intervalo de tempo que a luz leva a atravessar a nave, esta afasta-se da Terra e, por isso, o sinal enviado para tr´as atinge a cauda da nave antes do outro sinal atingir a ex-tremidade dianteira. Assim, dois acontecimentos que s˜ao simultˆaneos para o astronauta ocorrer˜ao em instantes diferentes para o observador terrestre.
Vimos, com este ´ultimo exemplo, como a simultaneidade depende do estado de mo-vimento do observador. N˜ao existe um acordo universal sobre o que ´e o “mesmo ins-tante”para dois acontecimentos que ocorrem em lugares diferentes, ou seja, n˜ao existe uma defini¸c˜ao absoluta de “instantˆaneo”. Um sinal que viajasse “instantaneamente”da frente para a cauda da nave espacial, do ponto de vista do astronauta, seria visto por um observador terrestre como um sinal propagando-se “para tr´as”no tempo. Como o observador terrestre vˆe o sinal atingir a dianteira depois de atingir a cauda, o sinal aparentemente “instantˆaneo”´e visto da Terra como um sinal enviado do acontecimento posterior para o acontecimento anterior, destruindo assim qualquer rela¸c˜ao causal. S˜ao conhecidos os paradoxos que resultam de admitir que ´e poss´ıvel enviar sinais “para tr´as”no tempo. Imaginemos, por exemplo, uma m´aquina ligada a um computador com a seguinte instru¸c˜ao programada: “ `As 4 horas enviar um sinal para o passado”. Este sinal pode reflectir-se num local distante e atingir de novo a m´aquina, digamos, `as 2 horas. O programa pode conter uma instru¸c˜ao para a m´aquina se auto-destruir uma hora ap´os a chegada do sinal. ´E claro, uma tal sequˆencia de acontecimentos ´e total-mente inconsistente: a auto-destrui¸c˜ao `as 3 horas anteciparia a transmiss˜ao do sinal
`as 4 horas, impedindo a recep¸c˜ao do sinal `as 2 horas e, portanto, anulando o acciona-mento do mecanismo de auto-destrui¸c˜ao, em contradi¸c˜ao com a hip´otese original. A inconsistˆencia traduz-se numa quebra da rela¸c˜ao causa-efeito. Assim, para preservar a estrutura causal dos fen´omenos f´ısicos adoptamos a regra: n˜ao ´e poss´ıvel enviar sinais a velocidades superiores `a da luz.
3
Dinˆ
amica Relativista
De acordo com a dinˆamica newtoniana ´e poss´ıvel acelerar uma part´ıcula at´e que esta atinja uma velocidade superior `a velocidade da luz, violando assim um dos resultados fundamentais da teoria da relatividade e contrariando a evidˆencia experimental. Logo, as leis do movimento de uma part´ıcula em relatividade devem ser diferentes das da teoria newtoniana. De igual modo as leis de conserva¸c˜ao da energia e do momento linear tamb´em devem ser diferentes.
Na mecˆanica newtoniana a massa de um objecto ´e uma quantidade de importˆancia consider´avel pois que a energia e o momento linear de um corpo s˜ao proporcionais `a sua massa. Assim, a massa de um foguet˜ao determina a quantidade de energia necess´aria para coloc´a-lo em ´orbita `a volta da Terra a uma dada distˆancia; a massa de um meteorito determina a quantidade de energia cin´etica que ´e dissipada quando este colide com a superf´ıcie da Lua a uma dada velocidade e forma uma nova cratera; finalmente, a massa de um carro com uma dada potˆencia determina o tempo gasto a atingir a velocidade de 100 km/hora a partir do repouso.
Na mecˆanica newtoniana, a massa m de um objecto ´e independente do movimento do observador que a mede. Por´em, quando os objectos se movem com velocidades n˜ao desprez´aveis em compara¸c˜ao com a velocidade da luz, e ´e necess´ario recorrer `a teoria da relatividade restrita, somos obrigados a distinguir a massa medida por um observador em repouso em rela¸c˜ao ao objecto, que designamos por massa pr´opria e representamos por m0, da massa relativista efectiva m medida por um observador
em movimento em rela¸c˜ao ao objecto. Um outro aspecto importante ´e que na teoria newtoniana a massa total ´e conservada nas interac¸c˜oes; por exemplo, se queimarmos 10 kg de hidrog´enio e 80 kg de oxig´enio para obter ´agua, prevˆe-se que a massa total da ´agua produzida seja 90 kg. Veremos que na teoria da relatividade ´e o conjunto da massa com a energia que ´e conservado.
Na teoria newtoniana o momento linear de um objecto ´e o produto da massa pela sua velocidade ~p = m~v. A sua importˆancia est´a patente nas seguintes propriedades:
1. ~F = d~p/dt , se um corpo est´a isolado (nenhuma for¸ca actua sobre ele) o seu momento linear ´e conservado!
2. Quando tem lugar uma colis˜ao entre part´ıculas, o momento total de todos os objectos envolvidos na colis˜ao ´e conservado.
Considere, por exemplo, uma esta¸c˜ao espacial de 100 toneladas e um meteorito com 50 toneladas aproximando-se um do outro. No sistema de referˆencia de um observador inercial B a esta¸c˜ao espacial move-se inicialmente no sentido positivo do eixo dos xx (+X) com uma velocidade de 0, 1 c e o meteorito move-se segundo (−X) com uma velocidade 0, 5 c. O momento inicial da esta¸c˜ao ´e 100 × 0, 1 c = 10 c no sentido positivo do eixo X, e o momento inicial do meteorito ´e 50 × (−0, 5) c = −25 c no sentido negativo do eixo X. Como n˜ao h´a for¸cas a actuar sobre os dois corpos, estes momentos lineares mantˆem-se constantes; portanto eles aproximam-se um do outro com velocidades constantes. Ao colidirem produzem grande quantidade de calor e fundem num ´unico corpo. Se o corpo resultante tem massa M e velocidade v′ segundo (+X) o
momento total final ´e Mv′. De acordo com a lei conserva¸c˜ao do momento linear, este ´e
exactamente o valor do momento linear inicial total que ´e 10 c+(−25 c) = −15 c. Assim a lei de conserva¸c˜ao diz-nos que mv′ = −15 c, e a velocidade final ´e v′ = −15 c/M. Ora
de acordo com a teoria newtoniana a massa total ´e conservada pelo que a massa final ´e igual `a massa da esta¸c˜ao mais a massa do meteorito, isto ´e, M = 100 + 50 = 150 ton. E v′ = −15 c/150 = −0, 1 c.
Neste exemplo a situa¸c˜ao era muito simples pois tratava-se de um movimento a uma dimens˜ao: todas as velocidades eram paralelas ao eixo X. Se o movimento ´e numa direc¸c˜ao que n˜ao coincide com nenhum dos eixos, podemos escrever o vector velocidade ~v em termos das suas componentes (vx, vy, vz) segundo X, Y e Z, respectivamente; e as
componentes do vector momento linear ~p s˜ao dadas por px = mvx, py = mvy, pz = mvz.
De acordo com a teoria newtoniana, um observador inercial B medir´a que cada uma das componentes de ~p se conserva durante a colis˜ao.
Na teoria da relatividade, tamb´em se verifica a conserva¸c˜ao do momento linear e que pode igualmente ser escrito ~p = m~v, desde que m represente a “massa relativista”, isto ´e, o produto da massa pr´opria m0 (medida em rela¸c˜ao ao referencial do repouso)
pelo factor de Lorentz γ(v) = 1/q1 − v2
/c2
: m = m0γ(v). Agora a massa m0 n˜ao se
conserva mas sim a massa m.
Para ver isto voltemos ao exemplo da esta¸c˜ao espacial e do meteorito. Naturalmente que as massas dadas anteriormente s˜ao massas pr´oprias (embora na teoria newtoniana se representem por m). Em rela¸c˜ao ao observador B, o factor de Lorentz da esta¸c˜ao ´e γ(0, 1 c) = 1/q1 − (0, 1)2
= 1, 005 de modo que px = m0γ(v)vx= 100×1, 005×0, 1 c =
10, 05 c. O factor de Lorentz para o meteorito ´e γ(0, 5 c) = 1/q1 − (1/2)2
= 1, 155, logo o seu momento inicial era 50 × 1, 155 × (−0, 5 c) = −28, 868 c. O momento inicial
total ´e portanto 10, 05 c − 28, 868 c, que dever´a ser igual ao momento final total
M0γ(v′)v′ = −18, 818 c (3.8)
onde M0 ´e a massa pr´opria total do produto da colis˜ao. Para poder determinar v′
temos de conhecer a massa total M0. Ora a massa relativista da esta¸c˜ao em rela¸c˜ao
ao observador B era antes do choque m0γ = 100 × 10, 05 = 100, 5 toneladas, e a massa
inicial do meteorito era 50 × 1, 155 = 57, 75 toneladas. Assim, a massa inicial total era 100, 5 + 57, 75 = 158, 25 toneladas. Se n˜ao tiver sido perdida mais nenhuma massa de qualquer outra forma, conclu´ımos que, em virtude da conserva¸c˜ao da massa relativista, esta ser´a tamb´em a massa final M, ou seja
M = M0γ(v′) = 158, 25. (3.9)
Das rela¸c˜oes anteriores obtemos ent˜ao que v′/c = −18, 818/158, 25 = −0, 119,
substi-tuindo este valor na ´ultima equa¸c˜ao vemos que
M0 = 158, 25/γ(0, 119 c) = 158, 25/1, 0071 = 157, 13 toneladas,
cerca de 7 toneladas mais do que a soma das massas pr´oprias dos corpos que colidem. A fonte desta massa pr´opria extra s´o pode explicar-se pela convers˜ao de parte da energia cin´etica dos dois corpos em massa!
Vejamos ainda um outro exemplo. Um dado observador vˆe uma part´ıcula, de massa em repouso m0, a aproximar-se pela esquerda com uma velocidade v1 = 4/5 c e a colidir
com uma outra part´ıcula que se aproxima pela direita com uma velocidade v2 = 3/5 c;
ap´os o choque ambas as part´ıculas permanecem em repouso em rela¸c˜ao ao observador. Qual ´e a massa pr´opria da segunda part´ıcula?
Suponhamos que essa massa ´e M0. Como o momento linear total ap´os o choque ´e nulo,
o momento linear total antes do choque ´e tamb´em zero (porquˆe?). Portanto, temos m0 q 1 − (4 5) 2 × 4 c 5 − M0 q 1 − (3 5) 2 × 3 c 5 = 0
donde se conclui que M0 ≃ 1, 78 × m0. Comparemos este resultado com o valor obtido
a partir da teoria de Newton. Usando novamente a conserva¸c˜ao do momento linear temos, neste caso, m0× 4 c/5 = M0× 3 c/5, isto ´e, M0 ≃ 1, 33m0, o que d´a um erro
de 25 por cento em rela¸c˜ao ao resultado da teoria da relatividade!
Estes resultados relativistas podem parecer surpreendentes e irrealistas. Mas s˜ao hoje verificados diariamente nos grandes aceleradores de part´ıculas para produzir choques de part´ıculas a altas energias. Foram j´a analisados muitos milhares de choques com base nas leis de conserva¸c˜ao do momento linear da relatividade restrita n˜ao havendo hoje qualquer d´uvida na validade dessas leis. Pode pois afirmar-se que se trata de
leis extraordinariamente bem testadas. Mais uma vez se insiste que estas leis s˜ao uma generaliza¸c˜ao das leis de Newton, necess´aria quando se utilizam grandes velocidades. Quando as velocidades s˜ao pequenas, em compara¸c˜ao com a velocidade da luz, as leis relativistas aproximam-se das leis newtonianas. Para sentir como essa aproxima¸c˜ao se faz rapidamente bastar´a fazer os c´alculos do exemplo anterior com v1 = 0, 2 c e
v2 = 0, 1 c. Embora estas velocidades sejam ainda bastante grandes, obtemos neste caso
M0 ≃ 2, 03×m0, e a teoria de Newton d´a agora s´o um erro de 0,15 por cento em rela¸c˜ao
`a teoria da relatividade. Este ´ultimo exemplo num´erico mostra porque raz˜ao n˜ao ´e necess´ario utilizar as f´ormulas relativistas para estudar choques entre carros, comboios ou mesmo avi˜oes de combate. Todos estes ve´ıculos se deslocam a velocidades muito inferiores `as velocidades mencionadas. Por outro lado, nos aceleradores de part´ıculas, onde se verificam velocidades de cerca de 0, 9 c ´e indispens´avel recorrer `a teoria da relatividade restrita.
Sugest˜oes de Leitura
• Crawford, P e Sim˜oes, A.I., “Tempo e Relatividade I”, Gazeta de F´ısica, 9, 36, Abril 1986.
• Crawford, Paulo, “O Significado da Relatividade no Final do S´eculo”, Col´oquio Ciˆencias, no.16 (1995).
• Henriques, A. Barbosa, “Espa¸co, Tempo e Mat´eria”, Col´oquio/Ciˆencias, no.4 (1989).
• Lage, E., “Espa¸co, Tempo e Relatividade”, Col´oquio/Ciˆencias, no.3 (1988). • Ellis, George F.R., e Williams, Ruth M., “Flat and Curved Space-Times”,