• Nenhum resultado encontrado

GÊNERO E SEXUALIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR: O QUE ISSO REPRESENTA?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "GÊNERO E SEXUALIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR: O QUE ISSO REPRESENTA?"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Anais da

Semana de Pedagogia da UEM

ISSN Online: 2316-9435

XX Semana de Pedagogia da UEM

VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor

Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.

GÊNERO E SEXUALIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR: O QUE ISSO REPRESENTA?

FRANÇA, Fabiane Freire prof.fabianefreire@gmail.com (Universidade Estadual de Maringá - UEM/ Universidade Estadual do Paraná Campus de Campo

Mourão UNESPAR-FECILCAM) CALSA, Geiva Carolina (Orientadora) –

gcacalsa@hotmail.com (Universidade Estadual de Maringá – UEM)

Educação e diversidade

INTRODUÇÃO

Ao considerar a relevância política e social da discussão sobre gênero e sexualidade na educação buscamos responder as seguintes questões: quais representações de gênero e sexualidade circulam no espaço escolar? De que maneira problematizá-las? Neste sentido, o objetivo deste artigo consiste em analisar as representações de gênero e sexualidade de professoras e funcionárias dos anos iniciais (1º ao 4º ano) de uma escola da rede pública da cidade de Campo Mourão-PR.

Do ponto de vista empírico e metodológico, as respostas a estas questões e objetivos foram buscadas em grupos de estudos configurados como um círculo dialógico (FREIRE, 1983; JOVCHELOVITCH 2008; ACCORSSI, 2011) realizados com 18 participantes que trabalham na escola supracitada.

Em diálogos, essas profissionais manifestaram suas representações e foram incitadas a refletir sobre algumas maneiras de perceber as relações de gênero e sexualidade. A escola, lócus desta investigação, indicada pelo Núcleo Regional de Educação de Campo Mourão-PR, foi selecionada após seu aceite para o desenvolvimento da pesquisa.

Na sequência apresentaremos uma breve discussão teórica sobre os Estudos de Gênero e a Teoria das Representações Socais, a descrição metodológica da pesquisa, seguida da análise de um dos grupos de estudos – círculo dialógico – realizado com as participantes. Por fim consideramos a relevância social e política da realização de pesquisas que articulem gênero, sexualidade e educação.

(2)

OS ESTUDOS DE GÊNERO E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO

Qual a relação entre gênero e representações sociais? O que essa discussão tem a ver com a educação? Angela Arruda (2002) aponta pontes de articulação teórica entre a Teoria das Representações Sociais (TRS) e os Estudos de Gênero, sendo que ambas nasceram na mesma conjuntura e tiveram necessidades de novos instrumentos conceituais para pensar seu tempo. A autora argumenta a respeito da convergência destas áreas, tanto as teorias de gênero quanto as TRS nascem em um bojo de conflitos, disputas e negociações para serem aceitas e incorporadas nas ciências sociais.

Com base nas afirmações de Arruda (2002) e nas leituras destes campos de estudos (LOURO 2007; WEEKS, 2007; JOVCHELOVITCH, 2008 ; MOSCOVICI, 1961; 2011) nos propomos a pensar em caminhos teóricos e metodológicos para problematizar as nossas representações sociais de gênero, sobretudo, no processo de formação de professore/as e profissionais envolvidas neste processo.

Ancoradas nos autores supracitados compreendemos gênero como uma produção histórico-social sobre feminilidade e masculinidade, permeada por relações de poder, contradições e negociações entre indivíduos e grupos. Enquanto a sexualidade envolve as diferentes possibilidades de expressar desejos e sentidos. “Gênero e sexualidade são dimensões diferentes que integram a identidade pessoal de cada um, produzidas pelos efeitos do poder e transformadas conforme os valores sociais vigentes em cada época” (FRANÇA, 2009, p. 40).

A Teoria das Representações Sociais teve origem na Europa no campo da Psicologia Social. O marco destas discussões foi a obra La Psychanalyse: son image et son public do psicólogo social Serge Moscovici (1961). Para Duveen (2011) Moscovici foi capaz de demonstrar a necessidade de considerarmos conceitos psicológicos e sociológicos para entender os fenômenos sociais. Estudar as representações sociais seria, portanto, entender a “visão de mundo” que os indivíduos ou grupos têm e aplicam em suas ações e posicionamentos.

Jovchelovitch (2008, p. 32) define representação como um processo fundamental da vida humana que envolve o desenvolvimento do indivíduo, da sociedade e da cultura. “Representar, isto é, tornar presente o que está de fato ausente por meio do uso de símbolos, é fundamental para o desenvolvimento ontogenético da criança”. Representar, para a autora, seria “apresentar de novo” a sua leitura sobre o mundo. O saber, por exemplo, seria como uma

(3)

representação que expressa o desejo de representar de tal maneira, de determinada perspectiva mediante relações de poder e de interesse envolvidos na comunicação entre o “Eu” e “Outr@”. Como o saber representa? Por que o saber representa? O que e para que o saber representa? Essas são algumas das questões que a autora anuncia como objetivos de compreensão do campo das representações sociais.

O conceito de representação nos permite questionar verdades absolutas e propõe perceber representações alternativas ao problematizar: Quem é representad@? Quem não é representad@? Quem pode ser representad@? Tais discussões vão ao encontro das problematizações dos estudos de gênero: como mulheres e homens são representad@s? Como podem ser representad@s?

Jovchelovitch (2008, p. 44) questiona: “o conhecimento é linear? O conhecimento evolui de um estágio a outro, deixando para trás formas primitivas? Diferentes estágios e modalidade coexistem e/ou se integram? A autora evidencia que os saberes são selecionados para serem abordados ou não e em determinados espaços gerando limites de comunicação entre sistemas de conhecimento. Esta abordagem nos faz recordar que por muitos anos a história das mulheres não era considerada um saber necessário à discussão da esfera pública, deveria ficar confinado ao espaço privado, pois as mulheres eram (e são em alguns contextos) consideradas inferiores (PERROT, 2005).

Moscovici (2010, p. 56) evidencia este mesmo movimento ao citar doentes mentais e pessoas pertencentes a outras culturas. Sujeitos diferentes incomodam a ponto de serem considerados “sem cultura”, “bárbaros”, “irracionais”. As coisas, ou pessoas banidas, @s que foram exilad@s causam desconforto exatamente por serem percebid@s. “Então, algo que nós pensamos como imaginação se torna realidade diante de nossos próprios olhos; nós podemos ver e tocar algo que éramos proibidos”. Esta discussão nos evidencia como a sociedade ainda tem muitas dificuldades em trabalhar com a diferença, com o não familiar. Um exemplo são as próprias falas de algumas professoras participantes desta pesquisa que assinalam que não são contrárias a uma orientação sexual diferente da heterossexual, porém esta não deve ser explícita. Discussões como estas evidenciam pontes entre os campos de representações sociais e gênero para a compreensão de significados e sentidos atribuídos pelos e sobre os sujeitos.

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Com a intenção de realizar uma pesquisa que articulasse as discussões da academia com a prática de professores/as e funcionários/as das séries inicias encaminhamos quatro

(4)

projetos de pesquisa de iniciação científica de três acadêmicas do 2º ano de Pedagogia e uma acadêmica do 3º ano de Pedagogiai para apreciação, todos com temas vinculados ao meu projeto de doutorado pela Universidade Estadual de Maringá e projeto de dedicação exclusiva da universidade que atuo – Universidade Estadual do Paraná – Campus de Campo Mourão. Aprovados os projetos, a intenção foi de vincular a formação inicial das acadêmicas com a ação docente das séries inicias mediante os estudos de gênero na escola. Além disso, foi possível enriquecer a pesquisa com mais quatro olhares e registros em caderno de campo.

Os dados foram coletados durante os meses de agosto, setembro, outubro e novembro de 2011 por meio de oito encontros coletivos às terças-feiras, das 17h às 18h30, correspondentes às discussões sobre as temáticas de gênero e sexualidade. O trabalho contou com a participação de 18 profissionais, mulheresii ao todo, que se desdobram em 11 professoras, 2 orientadoras, 2 auxiliares de serviços gerais, 1 diretora, 1 auxiliar de cozinha e 1 servente geral funcionárias de uma Escola Municipal da cidade de Campo Mourão-PR.

A proposta adaptada do círculo de cultura de Paulo Freire (1983) foi utilizada nesta pesquisa como um recurso pedagógico capaz de favorecer e acompanhar o movimento de conflitos e negociações das reflexões e falas dos sujeitos acerca dos temas gênero e sexualidade no transcorrer dos encontros de observação e diálogo em grupo, por isso o nominamos de círculo dialógico.

Em cada encontro, buscamos problematizar os saberes considerados verdades absolutas, o que significou interrogá-los do ponto de vista histórico, social e cultural, como também discutir a possibilidade de reorganizá-los a partir dos novos elementos expostos pela pesquisadora e originados da própria interação do grupo (ACCORSSI, 2011; JOVCHELOVITCH, 2008).

Apresentaremos a seguir algumas das representações das participantes durante um dos círculos dialógicos com base na Teoria das Representações Sociais e nos Estudos de Gênero. Considerando a quantidade de anotações em caderno de campo e transcrições das falas das participantes durante o círculo dialógico fizemos recortes voltados a cada um dos projetos de pesquisa envolvidos. Neste sentido, optamos por apresentar a análise de um dos encontros o qual focalizamos o que das representações sociais de gênero das professoras e funcionárias da escola, participantes da pesquisa.

DAS POLÍTICAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE AO COTIDIANO ESCOLAR: O QUE ISSO REPRESENTA?

(5)

Iniciamos as discussões deste círculo dialógico com os questionamentos: abordar gênero, corpo e sexualidade com meninas e meninos em sala de aula? De que maneira? Para pensar esta problemática seria interessante fazer um levantamento acerca das leis e decretos que foram desenvolvidos mediante a necessidade de se pensar temáticas como estas na sociedade e na escola. Os movimentos feministas desencadearam teorizações que promoveram mudanças no ideário social sobre o papel da mulher na sociedade. Embora os movimentos tenham nascido com uma característica de luta social, política e econômica pelo direito das mulheres, a partir da década de 1980 as discussões se apresentam mais como relacionais, pela busca de reciprocidade entre homens e mulheres (GALINKIN e ISMAEL, 2011; NOGUEIRA, 2001).

As críticas impulsionadas por tais movimentos de resistência a uma educação patriarcal e androcêntrica evidenciaram a necessidade de repensar a práticas pedagógicas não-sexistas. Os parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) publicados pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC) em 1998 são ainda a única referência oficial sobre as temáticas de orientação sexual e gênero no Brasil. Abordar gênero e sexualidade no âmbito escolar não seria esvaziar os conhecimentos científicos, mas seria uma maneira de melhor compreender as relações individuais e sociais e o que significam.

Compreender o “que” das representações ajuda a entender que existe uma história e uma trajetória ligadas às questões com que nos engajamos e aos objetos que tentamos apreender e que outras pessoas, antes de nós e ao nosso redor, também assim o fizeram. Essa história constitui um ambiente que nos apreende e introduz em nossa auto-interpretação a solidez do fato social (JOVCHELOVITCH, 2008, P. 188).

Para a autora, entender o que o objeto – no caso gênero e sexualidade – representa, é fundamental para perceber os sentidos que podemos atribuir à ele e quais a limitações que encontramos em sua criação que envolve sua história, solidez e fixidez perpetuada pelo tempo e espaço. E ao mesmo tempo que esta história é fixa e sólida vai se modificando de acordo com a necessidades individuais e sociais, como explicita o autor a seguir:

Um estudo posterior tratou das representações sociais do corpo. Ele mostrou que nossas percepções e concepções do corpo não eram mais adequadas à realidade que ia surgindo e que uma revolução importante era inevitável. Analisamos, por isso, essas representações; e no decorrer da caminhada, sob a influência dos movimentos de jovens, do movimento de libertação das mulheres e a difusão da biodinâmica, etc., as maneiras de ver e experienciar o corpo foram transformadas radicalmente (MOSCOVICI, 2011, p. 97).

No que diz respeito às mudanças, desde a década de 1990, estados como São Paulo e Porto Alegre realizaram programas contra a homofobia, entretanto os focos principais eram as

(6)

DSTs e a gravidez na adolescência (BRASIL, 2007). Embora, estes temas tenham sua importância pensar as discussões de gênero e sexualidade apenas por essas vias seria limitá-los. Ao apresentar alguns decretos e portarias ao grupo, como por exemplo, o Projeto Brasil Sem Homofobia assinalamos que foram as manifestações e reivindicações de grupos que possibilitaram tais discussões (CONSELHO, 2004). Neste bojo, a professora Mariaiii questiona: Então né, não foi feito uma divulgação na televisão, na mídia, porque nós estamos vendo na novela. E deste quando tá isso?

A fala da professora corrobora que a quantidade de decretos, portarias e materiais desenvolvidos acerca das temáticas gênero e sexualidade não é suficiente para efetivar discussões na prática pedagógica. A participante parece conhecer algumas discussões sobre os temas pelo o que é retratado em novelas. Um dos objetivos de realizar uma pesquisa com o círculo dialógico foi de identificar o que as participantes conheciam sobre gênero e sexualidade. Porque não se discute e não se conhecem estes decretos, estes materiais no cotidiano das participantes? Em que medida a produção destas leis contribui à prática? Como fazer com que estas cheguem às práticas pedagógicas?

Apresentamos alguns dos materiais produzidos pelo Ministério da Educação e Cultural (BRASIL, 2007) às participantes durante o círculo dialógico. Os materiais apresentam discussões de produções políticas às situações de práticas cotidianas no contexto escolar. Este movimento nos sugere perceber quem, como, o que, para que e porque é representado. Movimento este sugerido pela dinâmica do círculo dialógico. E ao pensar nesta dinâmica retomei algumas discussões do cotidiano: meninos e meninas recebem educação muito diferente, embora sentados na mesma sala, lendo os mesmos livros didáticos, ouvindo o mesmo professor. De que maneira isso ocorre? Por quê? Muitos alunos continuarão chegando à sala de aula com idéias preestabelecidas, como o pai deve ser forte e a mãe, meiga e delicada. Qual será a sua reação perante esta situação? (FRANÇA, 2009)

Professora Marta – Voltando há alguns anos atrás era cobrada esta atitude de ser boa, comportada, se tivesse uma menina lá bagunçando a gente ouvia “não sei não, aquela menina é da pá virada” a gente ouvia “ela vive na rua, isso não é coisa de menina ficar correndo pra cima e pra baixo, então, já vinha da própria família, você tem que ser comportada, ser mocinha.

A professora retoma a maneira como foi criada e educada para responder a questão. É perceptível a representação do que significa gênero atrelada ao como e por quem foi constituída. A representação de menina comportada foi constituída pela família da participante. Sem um processo de repensar os sentidos que menina comportada representa,

(7)

pode ocorrer o que já foi postulado, uma fixidez nas representações de ser. Para Jovchelovitch (2008, p. 190) “o ‘que’ do conhecimento é simbólico: ele está radicado em processos representacionais que empregam símbolos para significar e transportar sentido”

Ao perguntar ao grupo “com quem uma menina aprende a ser mulher? Obtive a seguinte resposta de imediato de Marta: “Instinto. Ela também aprende com a mãe”. Pesquisadora: “Com quem um menino aprende a ser homem”? Marília: “Depende, o meu filho aprendeu comigo. Não teve pai”.

Weeks (2007, p. 40) salienta que o sexo é enfatizado socialmente como “instintivo”, como uma necessidade natural do corpo. Tenho a mesma impressão quando a professora Marta responde de imediato que uma menina aprende a ser mulher por instinto. A explicação de gênero parece estar ainda limitada ao sexo, como se fosse da biologia humana o desenvolvimento de aspectos femininos ou masculinos. Há uma literatura, como postula o autor supracitado, que contrapõe esta ideia instintiva baseada na biologia, pois a sexualidade, [acrescento o gênero], é uma “construção social” que precisa ser explorada. Tais abordagens podem ser exploradas na continuidade da fala de Marta “[...] também aprende com a mãe”.

A mesma participante apresenta uma coexistência de pontos de vistas em uma frase. Se por um lado apresenta a construção do gênero como biológica, na sequência, responde, como percebido em falas anteriores, que aprendemos a ser “menina comportada com a família, com a mãe”. E temos ainda a fala de Marília que contrapõe que a mulher só aprende a ser mulher com referências femininas, afinal seu filho aprendeu a ser homem tendo ela, mulher, como referência. Tanto a família pode se constituir como um espaço de fixidez ou construção de conhecimento, quanto a escola se constituir como referência de como ser meninos e meninas, homens e mulheres. E da mesma maneira como questionamos a solidez dos significados na família podemos questionar a escola como um espaço que também ensina como ser, agir e pensar. Retomamos então um dos assuntos que foi discussão no primeiro encontro: “O que vocês fariam se encontrassem um aluno com uma boneca na mochila?”.

Auxiliar Dora: eu acharia normal. Criança pequena, não tem problema. Professora Maria: Também, tem o dia do brinquedo, as crianças levam carrinhos e bonecas. Os meninos pegam as bonecas das meninas para

brincar, é natural.

Professora Renata: ah, eu também agiria normalmente, não teria um espanto. Auxiliar Regina: normal também.

Professora Aparecida: Meus irmãos brincavam de boneca. Minha mãe saia para trabalhar e ficavam os quatro presos dentro de casa e eles também brincavam.

Professora Marília: embora eles tenham os bonecos, bichos de pelúcia, eles gostam também.

(8)

As primeiras falas das participantes evidenciam uma aparente normalidade no fato de meninos brincarem de boneca em casa ou na escola. Porém, é preciso estar sempre em alerta em relação às nossas atitudes, aos nossos comentários, pois estes estão carregados de representações que ditam brinquedos e brincadeiras diferenciadas a meninos e meninas. Notamos a seguir que houve divergências no grupo:

Professora Rose: se os meninos têm irmã eles brincam de boneca, mas hoje com essa polêmica das questões de gênero e sexualidade, o menino nunca

que vai aparecer com uma boneca dentro da bolsa, de jeito nenhum.

Professora Marilia: eu acho que não vai encontrar um menino com uma boneca, ele já tem esse preconceito, que já vem de casa.

Professora Maria: os pais não deixam.

Professora Rosa – Se hoje eu encontrasse uma boneca na mochila do meu aluno, se eu falar para você que eu acho normal, eu vou ta mentindo pra você [...]

Pesquisadora – você faria algum tipo de intervenção? Professora Rosa – não, jamais, só não acharia normal.

A fala da professora Rose parece evidenciar que as discussões de gênero e sexualidade promovem que os meninos não demonstrem interesses por uma boneca, considerada brinquedo exclusivo de menina, para não serem julgados por sua sexualidade. Seriam mesmo as discussões de gênero e sexualidade que “proíbem” meninos de brincarem de boneca? Ou seriam as representações sociais que foram construídas de uma forma binária? A divisão por cores, brinquedos, modas, utensílios estão marcadas por ações diárias, seja nas conversas entre os sujeitos, nas propagandas e programas televisivos, estamos todo o tempo aprendendo representações que afirmam o espaço que podemos ou não ocupar como homens e como mulheres.

As professoras Marília e Maria respondem a questão com base nos preconceitos que são construídos em casa e reproduzidos pelos alunos na escola. Já a professora Rosa assume como errado o fato do menino brincar de boneca. A fala da última professora nos faz refletir sobre a necessidade de compreender de que forma são construídas as relações de gênero e como vão sendo consolidadas ao longo da vida, para não apresentarmos de forma fixa o que é “certo” e “errado” a meninos e meninas. Ressaltamos ainda que a representação desta professora está vinculada a maneira como ela aprendeu a ser menina e ver os meninos. Parafraseando Soares (2007) olhar de maneira crítica para estas representações não significa

(9)

desvelar sua ideologia e substituí-la por outra “verdade”, mas percebê-las produzidas por relações de poder, que instigam sujeitos a ser, a pensar, a consumir de determinadas maneiras. Em vista disso, ao conduzir meninos e meninas a determinado tipo de brincadeira, transformamos o brincar e o brinquedo em “instrumentos pedagógicos”. Neste sentido, é importante lembrar que escola, família, igreja, mídia, produzem discursos que aprisionam e regulam os sujeitos, subjetivando-os mediante disciplinas que foram construídas pela história e cultura na qual estão introduzidos (BUJES, 2002). As falas a seguir demonstram de que

maneira as brincadeiras, brinquedos e modos de se comportar são regulados:

Diretora Cristina: a questão de encontrar a boneca, a minha reação seria normal. Encontrar um estilete, uma faca, isso me assustaria muito mais do que a boneca que é um brinquedo comum. Só que os pais têm muita

preocupação com os meninos. O menino chegou em casa e disse que a

professora brigou comigo porque eu passei a perna no meu colega. E o pai já imaginou o menino alisando a perna do outro. E o pai chegou na escola

preocupado se o filho iria ser gay, porque não eu mostro as revistas. “olha

filho você ta vendo, isso aqui que é bicho bom!” Forçando o menino de 5

anos a ver revistas de mulheres seminuas, nuas. Filmes pornô também. Os

pais ficam cobrando demais desses meninos [...]. O pai se preocupava mais porque quando chegava com as revistas o menino corria, ele não queria ver. Professora Rita: Eu tenho um aluno que de vez em quando da um ataque de histeria nele, ele chora, ele esperneia e o que o pai fala “deixa de ser marica

moquele!” O próprio pai chama a criança e diz “esse muleque não é homem

não professora! Ta bom pai, se o senhor acha que tá certo falar isso pra

ele. Já vem de casa, se ele encontrar o menino brincando com uma boneca ele vai matar, diante da reação dele.

As falas de Cristina e Rita evidenciam como são criados mecanismos de violência simbólica, pressão psicológica para que a “normalidade” não seja afetada. Os meninos mencionados parecem ser diariamente vigiados e orientados por seus pais de que maneira devem ser e agir. Foucault (1988) salienta que o suplício, a disciplina são impostos a priori, mas aos poucos vai tornando-se um autogoverno. Vale repensar a escola também como um espaço que vigia e impõe como ser e agir. A escola, a família, a igreja continuam cumprindo o papel do panóptico, só que agora interiorizado. O panóptico seria agora o olhar do outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Questionar as práticas, sentidos e significados foi uma das estratégias utilizadas com o grupo para se repensarem. Mas, de que maneira eu questiono? Questiono o outr@ apresentando uma única forma possível de ser? Agir normal seria questionar o outr@ por parecer fazer algo de estranho, “errado”? São estas práticas que produzem o que Louro (2007,

(10)

p. 25) chama a atenção por construir uma linguagem da sexualidade e apontar o que pode ou não ser dito, expressado, feito. “Na escola, pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras”.

Assim como a autora reconhecemos a existência desta pedagogia da sexualidade que precisa ser repensada e dialogada. Não estamos aqui culpabilizando ou responsabilizando as professoras e a escola por criar esta pedagogia. As/os convidamos para perceber o que, como e o porquê foram criadas categorias e classificações que privilegiam uns e excluem outr@s.

REFERÊNCIAS

ACCORSSI, Aline. Materializações do pensamento social sobre a pobreza. 184 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Faculdade de Psicologia, Pós-Graduação Psicologia Social. PUCRS. Porto Alegre, 2011.

ARRUDA, Angela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de

Pesquisa, n.117, p.127-147, nov. 2002.

BRASIL. Ministério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Cadernos Secad 4. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer

diferenças e superar preconceitos, Brasília: SECAD, 2007.

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro. DP & A, 2002. CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra gltb e promoção da cidadania homossexual. Brasília, DF, 2004.

DUVEEN, Gerard. O poder das ideias. In: MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 7- 29.

FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade: a vontade de saber. V. 1. 18. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

FREIRE,Paulo. Pedagogia do oprimido.13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FRANÇA, Fabiane Freire. A contribuição dos estudos de gênero à formação docente: uma

proposta de intervenção. 2009. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade

Estadual de Maringá, Maringá, PR, 2009.

GALINKIN, Ana Lucia; ISMAEL, Eliana. Gênero. In: TORRES, Ana Raquel Rosas, et al (orgs). Psicologia Social: Temas e Teorias. Brasília: Technopolitik, 2011. p. 503 - 557.

(11)

JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2008. (Coleção Psicologia Social).

LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, G. L. (Org.). O corpo

educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 7-34.

MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse: son image et son public, Paris: PUF. 1961.

NOGUEIRA, Conceição. Um novo olhar sobre as relações sociais de género: feminismo e perspectiva crítica na psicologia social. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 2001.

PERROT, Michelle. As mulheres e os silêncios da história. Tradução Viviane Ribeiro. São Paulo: Edusc, 2005.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO. G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 7-34.

i

Acadêmicas da Universidade Estadual do Paraná campus de Campo Mourão (UNESPAR-FECILCAM), onde atuo como docente atualmente.

ii

Embora tivessem dois homens – um professor da quarta série e um técnico responsável pelo laboratório de informática-, apenas as professoras aceitaram aderir à pesquisa.

iii

Referências

Documentos relacionados

c) Essas informações forem de importância menor para a oferta e não forem susceptíveis de influenciar a apreciação dos valores mobiliários em questão.. Se entre a data em que

Os objetivos específicos são: compreender como os/as professores/as da EJA percebem e lidam com questões de gênero e sexualidade no cotidiano escolar; entender

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Centro Empresarial Encol, Liberty Mall, Torre B, sala 1022, Brasília – DF, CEP: 70712-903, outorgando-lhes os poderes da cláusula ad-judicia, em qualquer

Centro Empresarial Encol, Liberty Mall, Torre B, sala 1022, Brasília – DF, CEP: 70712-903, outorgando-lhes os poderes da cláusula ad-judicia, em qualquer instância ou