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FEMINILIDADE X HISTERECTOMIA: IMPLICAÇÕES DA CIRURGIA NO UNIVERSO FEMININO (2011) 1

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FEMINILIDADE X HISTERECTOMIA: IMPLICAÇÕES DA CIRURGIA NO

UNIVERSO FEMININO (2011)

1

ALVES, M. S.

2

; KRUEL, C. S.

3

1 Trabalho Apresentado à Disciplina de Estágio Específico I _UNIFRA

2 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil 3

Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

E-mail: m.alves86@hotmail.com; cristinask@terra.com.br

RESUMO

Este trabalho objetivou explorar os aspectos psicológicos presentes no discurso de mulheres que iriam passar ou já submetidas a histerectomia., Os relatos foram coletados a partir de uma experiência de estágio curricular em Psicologia. O estágio ocorreu no primeiro semestre do ano de 2011 e foi realizado a partir de atendimentos a pacientes vinculadas ao Ambulatório de um Hospital Municipal de Santa Maria/RS. Foram realizados atendimentos semanais, sendo que o número de atendimentos de cada paciente variou de 01 (uma) a 03 (três) encontros. Mesmo com atendimentos breves, as pacientes conseguiram expressar o que sentiam em relação à histerectomia e foi possível concluir que a imagem do feminino destas pacientes ainda está fortemente relacionada ao útero e a reprodução. Além disso, percebeu-se que estes atendimentos proporcionaram as pacientes um momento para falar sobre seus sentimentos em relação a histerectomização, fazendo assim com que pudessem refletir sobre o que estavam vivenciando.

Palavras-chave: Histerectomia; Feminilidade; Psicologia.

1. INTRODUÇÃO

A histerectomia traz implicações bastante significativas ao universo feminino, uma vez que as mulheres submetidas a este procedimento cirúrgico tendem a apresentar comportamentos e sentimentos diferentes aos de outras cirurgias. A retirada do útero pode produzir emoções conflitivas, traumáticas, de insegurança, ansiedade e inquietudes na mulher em relação à sua própria condição feminina (NUNES et al, 2009). Portanto, a literatura aponta para importância de que a equipe que atua na atenção a saúde da mulher histerectomizada esteja capacitada para realizar um acolhimento a essas pacientes, considerando as vicissitudes deste procedimento cirúrgico, a fim de promover um espaço propicio para que as mulheres possam falar e consequentemente refletir sobre o processo pelo qual estão passando.

Frente a isso, o presente trabalho visa explorar aspectos psicológicos presentes no discurso de mulheres, pacientes pré e pós-cirúrgicas, que iriam passar ou já submetidas a histerectomia, atendidas no Ambulatório, de um Hospital Municipal do Município de Saqnta

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durante o período de estágio, supervisões em grupo semanais e estudo sistemático sobre os aspestos psicológicos de mulheres submetidas a histerectomia..

2. REVISÃO TEÓRICA

2.1 Histerectomia e Feminilidade

A cirurgia de extirpação do útero, denominada histerectomia, vem aumentando gradativamente em todo o mundo. Estudos indicam que o número de histerectomias realizadas varia conforme o país. Nos Estados Unidos, são realizadas cerca de 600.000 histerectomias/ano, na Austrália, a proporção é de 1:1000 mulheres/ano, e no Reino Unido, são realizadas 100.000 histerectomias/ano. Já no Brasil, entre janeiro de 2000 e setembro de 2002 foram realizadas cerca de 300.000 histerectomias, e em 2005, foram realizadas 107.000 histerectomias através do SUS (TOZO, 2011).

A histerectomia ocupa o segundo lugar entre as cirurgias mais realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), entre mulheres em idade reprodutiva, sendo superada apenas pela cesárea. Em estudo publicado em 1999, identificou-se um total de 93.597 histerectomias em unidades hospitalares do SUS, e destas, apenas 5,1% decorrentes de neoplasias malignas (ARAÚJO & AQUINO, 2003).

Grande parte dos profissionais acredita que a histerectomia traz para as mulheres, como consequências, apenas a perda da possibilidade de reprodução e a parada das menstruações, o que não representaria prejuízo à saúde, a partir de um ponto de vista biológico. Isto justifica o fato de que os profissionais da saúde veem este procedimento como simples e de rotina, sendo o impacto psíquico quase sempre subestimado e atribuido como “normal” do procedimento (CARILI & CUNHA, 1998; ARAÚJO & AQUINO, 2003). No entanto, estudos de Araujo & Aquino (2003), mostram que as mulheres submetidas à histerectomia podem apresentar alterações no autoconceito, sintomas depressivos e psicossomáticos, dificuldade de relacionamento conjugal, incluindo o receio de que a relação sexual com o parceiro se modifique, o medo de sentir dor ou desconforto durante o coito, de experimentar sensação de vazio, além da preocupação com a autoimagem, feminilidade, desejo, frequência e satisfação sexual.

O autoconceito e imagem corporal, por exemplo, podem estar associados à antecipação da menopausa para muitas mulheres, e para muitas delas este significa um período de crise e perdas. Nesse sentido percebe-se certas diferenças entre a sociedade ocidental e oriental. Enquanto na sociedade ocidental a parada da menstruação pode

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significar a perda da beleza física, da juventude e da maternidade, que se constituem como aspectos fundamentais para a valorização da feminilidade, na cultura oriental a menopausa é considerada como alcance da maturidade, o que é respeitável. Considerando estes aspectos, a falta do útero nas nossas mulheres poderia desencadear sentimentos de desvalia, tristeza e depressão. Diante disso observa-se que o fator cultural e social é um grande aliado quanto às percepções das mulheres acerca das possíveis mudanças corporais, sexuais e conjugais que ocorreram após a histerectomia (SBROGGIO et al, 2008).

Portanto, o estudo da histerectomia requer uma abordagem ampla, uma vez que essa prática envolve a retirada de um órgão que, além de suas funções biológicas, está relacionado tanto à feminilidade quanto à sexualidade, interferindo na imagem corporal feminina e podendo ocasionar transtornos psicológicos (SBROGGIO et al, 2005; SBROGGIO et al, 2008).

O útero é um órgão biologicamente associado à reprodução e socialmente vinculado à feminilidade e sexualidade, por isso sua extirpação, além de se constituir como um ato agressivo e mutilante, interfere também na expressão da sexualidade feminina e na imagem corporal e na vida social (SBROGGIO et al, 2005). O conceito de feminilidade associado ao útero parte de um ponto histórico, já que há muitos séculos vários significados em torno do conceito de feminilidade tem sido construídos, mas todos eles dão relevância ao papel da mulher como reprodutora, praticamente resumindo a razão da sua existência à maternidade. Assim, as idéias aprendidas pelas mulheres quanto a seu corpo e aos órgãos sexuais, externos e internos, acabavam intimamente atreladas ao propósito social de exercer controle sobre a sexualidade delas, utilizando como justificativa a necessidade de preservá-las para a maternidade, vista como a única área em que as mulheres tinham uma missão social, a de preservar a espécie, produzindo filhos sadios (SBROGGIO et al, 2008).

Como conequencia disso, diante da histerectomia, as mulheres muitas vezes, se deparam com medos quanto à sexualidade, frigidez, perda do parceiro e até de morte. Por outro lado, a histerectomia pode estar fortemente associada à uma sensação de alívio ocasionada pela possibilidade de retomada das condições sociais e sexuais antes interrompidas pelos sintomas que acometiam estas mulheres. Muitos estudos já relatam que algumas mulheres histerectomizadas referem sensação de alívio após a remoção do útero, ocasionada pelo fato de não mais sentirem dores abdominais e sangramentos, advindos das patologias uterinas. A cessação destes sintomas cria nestas mulheres a expectativa de

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retomarem o bem-estar social e conjugal que antes estava comprometido (SBROGGIO et al, 2008).

2.3 A intervenção psicológica diante da histerectomia

O paciente submetido a qualquer procedimento cirúrgico apresenta sintomas psicológicos significativos, principalmente em relação ao medo. Sente medo da dor, da anestesia, de ficar desfigurado ou incapacitado, de mostrar o medo, e, sobretudo, sente medo de morrer. Diferentemente de muitos outros temores, o medo da cirurgia tem, pelo menos em parte, uma base concreta (SEBASTIANI, 2002). Ao deparar-se com a necessidade de realizar uma cirurgia, o paciente sente a sua integridade física e psicológica ameaçadas, manifestando sentimentos de impotência, medo da morte, medos das mudanças que a cirurgia poderá acarretar, entre outros (ANGERAMI-CAMON, 2003).

Um bom acompanhamento psicológico no período pré-operatório tem influência direta nas reações do paciente no trans e pós-operatório, já que o estado emocional do paciente perpassa as três fases da cirurgia (SEBASTIANI & MAIA, 2005). As condições emocionais determinarão uma parcela bastante significativa no processo de recuperação do paciente no período pós-cirúrgico, não apenas no seu ímpeto de recuperação do processo de hospitalização em si, mas, principalmente, na maneira como a doença será configurada e sedimentada em seu imaginário (ANGERAMI-CAMON, 2003).

A psicologia, a despeito das categorizações e classificações vigentes, salienta o fato de que a angustia de um paciente é diferente da de um outro e que, embora até possam apresentar reações orgânicas semelhantes, ainda assim o sofrimento de uma pessoa não tem como ser dimensionado com o de uma outra. Ao apresentar tais constatações, a psicologia demonstra a necessidade de um olhar humano sobre o paciente e do toque humano na realidade hospitalar; a eficácia da escuta diante do desespero provocado pela dor e pelo sofrimento; a escuta num contraponto ao consumo de ansiolíticos e antidepressivos; a ousadia da palavra diante dos programas de informática; a crença na condição humana contra a precisão dos diagnósticos computadorizados (ANGERAMI-CAMON, 2003).

Frente a isso, o psicólogo deve atuar com o objetivo de minimizar a angústia e ansiedade do paciente, favorecendo a expressão dos sentimentos e auxiliando na compreensão da situação vivenciada, proporcionando assim, um clima de confiança entre o paciente e a equipe de saúde, e facilitando a verbalização das fantasias advindas do processo cirúrgico. É necessário ainda que o psicólogo venha a atuar no sentido de reorganizar o esquema da

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consciência do paciente no mundo, ou seja, seu novo esquema corporal que foi modificado pela intervenção cirúrgica, pois, cada indivíduo, vivencia de acordo com sua estrutura de personalidade, graus diferenciados de adaptação à nova imagem corporal. É fato que a reconstrução positiva desta nova imagem é necessária para o êxito da reestruturação do auto-conceito, já que a imagem corporal e o auto-conceito representam a consciência da própria individualidade (SEBASTIANI & MAIA, 2005).

Pode-se observar, até aqui, que uma gama enorme de sentimentos confusos e dolorosos podem acompanhar a pessoa a partir do aparecimento da doença e ser agravada com a internação hospitalar (SEBASTIANI & MAIA, 2005). É preciso compreender a doença e a hospitalização na significação particular e específica que tem para cada individuo, cuja configuração fazem parte fatores genéticos, psicodinâmicos e experiências pregressas ao adoecer, e em outros (PENNA, 1992).

Uma das técnicas mais adaptadas ao contexto hospitalar são as chamadas Psicoterapias Breves, que se desenvolveram nas décadas de 40 e 50 a partir de dois conceitos teóricos principais: a teoria psicanalítica e a teoria de crise. Quando o paciente precisa de uma intervenção psicoterápica, não há tempo a perder em divagações teóricas. A situação deve ser compreendida dentro de um critério de estresse – adaptação – resolução. As intervenções podem ser brevíssimas, de um só encontro, conquanto que sejam precisas; ou podem decorrer durante um longo tempo de internação (PENNA, 1992).

Na psicoterapia breve os objetivos são limitados, e as metas mais reduzidas que no tratamento psicanalítico tradicional. Tal limitação é característica do procedimento e aparece em função das necessidades mais ou menos imediatas do individuo. Os objetivos podem se colocar em termos da superação dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, com o propósito de que este possa enfrentar mais adequadamente situações conflitivas e recuperar sua capacidade de autodesenvolvimento (BRAIER, 2008).

Espera-se que o psicoterapeuta que esteja capacitado a fazer uma avaliação rápida dos problemas mais evidentes e de formular uma hipótese psicodinâmica explícita dos conflitos predominantes (PENNA, 1992). Além disso é esperado que, na medida do possível, a solução dos problemas e o alívio sintomático deverão, em um sentido psicodinâmico, corresponder à obtenção de um princípio de insight do paciente a respeito dos conflitos subjacentes (BRAIER, 2008). A escuta do paciente, como em todas as demais situações psicoterápicas, requer uma postura de abertura à singularidade do individuo, mantendo-se em lugar de incitamento à surpresa, ao mesmo tempo em que devemos levar em consideração que a subjetividade do paciente hospitalizado é também função da realidade

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externa que age sobre ele, num momento de fragilidade e de regressão emocional. O impacto da realidade é mais forte na dialética de defesas mais frágeis (PENNA, 1992).

É necessário que os profissionais que atuam na área da saúde, e em especial na assistência à mulher em um processo de histerectomia, desenvolvam um conhecimento crítico que não se limite a intervenções baseadas, exclusivamente, nas dimensões biológicas. Dessa forma, poderão proporcionar um espaço para que tanto o corpo biológico quanto o social sejam considerados, visando minimizar as seqüelas que poderão advir (NUNES et al, 2009).

O acolhimento, além das técnicas de psicoterapia breve, apresenta-se como uma prática bastante significativa no atendimento das pacientes histerectomizadas, ou frente à necessidade de submeter-se a este procedimento. Neste sentido, o acolhimento é uma forma de escuta a estas pacientes, a fim de proporcionar à estas um espaço para que possam falar sobre o momento que vivenciam (FRANCO et al, 1999).

3. METODOLOGIA

Para o presente trabalho foi utilizado o método qualitativo, o qual visa uma pesquisa que lida com interpretações das realidades sociais. Os níveis apresentados são o exploratório e o descritivo. O nível exploratório tem como principal finalidade desenvolver vínculo, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou ainda hipóteses pesquisáveis posteriormente, além de proporcionar uma visão geral de tipo aproximativo acerca de determinado fato. Já o descritivo, tem como objetivo primordial à descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou ainda o estabelecimento de relações entre variáveis (GIL, 2006).

Para análise dos dados coletados foi utilizada a análise de conteúdo, a qual é o procedimento que consiste em, após a coleta de dados, o pesquisador interpretar os dados coletados a fim de conseguir encontra subsídios que respondam ao problema de pesquisa proposto pala sua investigação (BARDIN, 2004).

3.1 Participantes

Foram atendidas pacientes pré e pós-cirúrgicas, do sexo feminino, com diferentes faixas etárias. As pacientes eram atendidas no dia em que vinham realizar a consulta com o médico anestesista (dias antes da cirurgia), no dia da cirurgia (ainda no leito, antes de

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serem levadas ao bloco cirúrgico), ou ainda no dia em que vinham ao Ambulatório para consulta de retorno (dias depois de terem sido submetidas à cirurgia).

3.2 Local de estágio

O estágio foi realizado no Ambulatório, do de um Hospital Municipal da cidade de Santa Maria - RS.

3.3 Procedimentos

Foram realizados atendimentos psicológicos a pacientes pré e pós-cirúrgicas, baseados na Psicoterapia Breve. Estes atendimentos visaram realizar, através do acolhimento às pacientes, uma escuta efetiva a respeito do que sentiam em relação a suas vivências sobre o processo da histerectomia.

4. RESULTADOS

4.1 O “ser mulher” na cultura ocidental

Conforme já mencionado, a histerectomia pode acarretar várias implicações no processo de viver da mulher, uma vez que o útero tem sua função biológica e fisiológica ligada à maternidade e representa socialmente a sexualidade. É possivel ainda que a retirada do útero venha a interferir negativamente na autoimagem e na qualidade de vida das mulheres, intervindo até na mesmo na vida conjugal e nas relações sociais (NUNES et al, 2009). Tais sentimentos negativos atrelados a autoimagem e em relação ao seu lugar no social através da fala da paciente a seguir, que havia feito histerectomia: “[...] coisa triste ser mulher, né?! Eu disse pro meu marido: „se me encostá na sucata, não aproveita mais nada. Nem a pele, porque já tá toda enrugada. Não presta mais nada!‟ Eu não presto pra mais nada. Não me vejo com importância nenhuma. Uma mulher sem nada, oca” (Mulher, 57 anos - paciente pós-cirúrgica).

Percebe-se na fala desta paciente, fortemente marcados os sentimentos relacionados a menopausa e o lugar que a mulher passa a ocupar apartir da meia-idade na sociedade ocidental. A sociedade ocidental valoriza o consumo e onde o bem maior é a produção e, nessa lógica, quem deixa de produzir, deixa de existir. E assim o processpo de envelhecimento tem sido percebido de maneira pejorativa (MORI & COELHO, 2004).

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A incerteza pelo desconhecido pode causar medos que, por sua vez, possam vir a se tornar os principais desencadeadores de sintomas psicológicos, como a ansiedade, tensão e depressão, principalmente no período pré-operatório. O medo que acomete as mulheres pela amputação do útero pode também estar relacionado com a possibilidade de sofrerem mudanças físicas que poderiam ameaçar o seu autoconceito e a imagem corporal (SBROGGIO et al, 2008), o que pode ser observado nos relatos a seguir: “Eu... eu não queria! Na verdade tinha medo de tirar o útero” (Mulher, 48 anos - paciente pós-cirúrgica). “Ah como é que vou dize... eu não queria faze, sabe?! Não é só porque é uma cirurgia, mas é o MEU útero! Meu e ai vão arranca! Tenho medo... medo de... a tu sabe, né?!” (Mulher, 46 anos - paciente pré-cirúrgica). “ [...] é estranho saber que vão tirar um pedaço de mim, uma coisa tão minha!” (Mulher, 46 anos - paciente pré-cirúrgica).

Outra percepção verbalizada pelas pacientes com frequência nos atendimentos da psicologia diz respeito a relação entre feminilidade, completude e maternidade, o que pode ser observado na fala a seguir “[...] uma mulher sem útero, sabe?! Sem um pedaço! Sem o lugar que gerou os filhos! Ai é horrível pensar numa mulher sem tudo, sem útero. Mas ainda bem que já tive os meus filho, [...]” (Mulher, 48 anos - paciente pós-cirúrgica).

Conforme já exposto, historicamente, o conceito de feminilidade vem associado à presença do útero, dando relevância ao papel da mulher como reprodutora e praticamente resumindo a razão da sua existência à maternidade. Considerando este pressuposto, a mutilação do útero estaria associada à perda do seu valor simbólico e real (SBROGGIO et al, 2008).

Alguns sentimentos apresentados pelas pacientes em relação a amputação do útero demonstram um pouco do valor simbólico e real deste, além dos mitos e fantasias produzidos a partir da histerectomização. Muitas destas pacientes tem a imagem do feminino diretamente ligada ao útero e assim a retirada deste implica também no sentido atrelado ao “ser mulher”, como podemos observar nas falas a seguir: “[...] por dentro tá tudo oco, só a carcaça. Já tirei o útero e tudo o que tinha pra arrancar.” (Mulher, 57 anos – paciente pós-cirúrgica). “Primeiro tirei os ovários e as trompas. [...] faz 10 dias tive que tira o que sobrou (pausa, e um suspiro). Tiraram meu útero (mais um suspiro)”! (Mulher, 48 anos - paciente pós-cirúrgica). “Eu fiz uma curetagem e ai não adianto, e agora vo te tira... tira tudo! O útero e todo resto!” (Mulher, 46 anos - paciente pré-cirúrgica). Essas falas demostram o que Sbroggio (2005) apontou em seus estudos, o fato de que existem mitos e fantasias referentes ao significado da remoção do útero. As fantasias e mitos mais recorrentes são: a

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perda da feminilidade, a frigidez, a sensação de não ser mais a mesma, a possibilidade da mudança na imagem corporal, como ficar vazia.

Pode-se observar ainda que as pacientes relatam frequentemente o medo de que a retirada do útero afete suas relações sexuais, como por exemplo: “Sou mulher e tem o meu esposo! Tenho medo de não consegui mais te relação, entende?” (Mulher, 46 anos - paciente pré-cirúrgica). A interferência na vida afetiva e sexual quanto a percepção dos companheiros é apontada pelas mulheres que relatam sentir-se ocas, frias e sem interesse sexual, porém é possível perceber que está interferência só ocorre quando já haviam dificuldades sexuais e conjugais antes mesmo da cirurgia (SBROGGIO et al, 2005).

5. CONCLUSÃO

O presente estudo objetivou explorar os aspectos psicológicos presentes no discurso de mulheres, pacientes pré e pós-cirúrgicas, que iriam passar ou já submetidas a histerectomia. Quanto a isso foi possível notar que a histerectomia tem implicações diretas no universo feminino, sendo que as pacientes submetidas a este procedimento frequentemente atribuem o sentido de “ser mulher” diretamente a “ter útero”. Isso faz com que as pacientes submetidas a este procedimento apresentem comportamentos e sentimentos, muitas vezes, diferentes dos apresentados frente a outras cirurgias. Portanto, a retirada do útero pode produzir emoções conflitivas, ansiedade, insegurança e inquietudes em relação a própria condição feminina.

Os atendimentos realizados apontam ainda para a necessidade de abordar o tema da histerectomia a partir de uma atenção integral à saúde da mulher e em um contexto mais humanizado de atendimento. Fazendo com que a equipe não ignore o impacto emoicional que estas pacientes sofrerão frente a necessidade de realizar o procedimento. No entanto, para que isso ocorrera é preciso capacitar as equipes para que estejam aptas para trabalhar as questões relacionadas com a histerectomia, não apenas com as pacientes, mas também com seus parceiros e familiares. Somente assim será possível tornar essa cirurgia um processo terapêutico tanto no ponto de vista biológico quanto psicossocial, influenciando no modo com que as mulheres conduzirão suas vidas depois da recuperação. Isso requer tempo e um espaço para que elas possam vivenciar a situação e fazerem planos diante de suas emoções.

O presente estudo demonstra a importância de uma atuação eficaz do psicólogo neste contexto. A intervenção psicológica justifica-se como um meio importante para minimizar a ansiedade das pacientes, bem como promover um espaço para que estas

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possam refletir e consequentemente reorganizar-se frente sua nova realidade. A promoção de grupos para que as pacientes que já passaram pela histerectomia e as que serão submetidas a este procedimento pudessem trocar experiências e falar sobre seus sentimentos e anseios, poderia ser uma intervenção significativa por parte da psicologia. Este estudo pode ainda embasar intervenções que venham a ser realizadas com pacientes cirúrgicos no contexto hospitalar.

REFERÊNCIAS

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TOZO, Imacolada Marino. Avaliação da intervenção psicológica na sexualidade de mulheres

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