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A HISTORIOGRAFIA E A EXCLUSÃO DA HISTÓRIA DAS MULHERES

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Academic year: 2021

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A HISTORIOGRAFIA E A EXCLUSÃO DA HISTÓRIA DAS MULHERES

Maria Gabriela Evangelista Soares da Silva (PG), Universidade Federal do Rio de Janeiro/HCTE

gabriela@hcte.ufrj.br

Nadja Paraense dos Santos (PQ), Universidade Federal do Rio de Janeiro, IQ/HCTE

Resumo

A historiografia por um longo período excluiu as mulheres de seus relatos, em partes por contemplar espaços nos quais elas não estavam inseridas, mas também porque os responsáveis pela escrita eram homens, preocupados em contar a história de seus pares. Somente no século XX, com o advento da nova corrente historiográfica, denominada ​Escola de Annales e, posteriormente com o movimento feminista, as mulheres passam a ter voz e a escrever a sua própria história. Esses movimentos garantiram uma releitura do passado, proporcionando novas interpretações dos fatos históricos, assegurando o constante desvendamento de mulheres como sujeitos históricos em diferentes setores da sociedade. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo fazer uma revisão do papel da mulher na escrita da história.

Palavras-chave:​ Historiografia; Mulher; Gênero.

A história de um povo ou de um lugar vem sendo registrada de diferentes maneiras ao longo dos séculos, visando transmitir as experiências de uma época para as posteriores.

A forma de registro da história ganha um método a partir de Heródoto e Tucídides, que são considerados os primeiros historiadores. Ambos utilizam o registro oral da história e suas próprias experiências para descrever os fatos. Contudo, o primeiro não possui uma preocupação com a constatação da veracidade desses fatos, enquanto Tucídides defende que a escrita tem como um dos principais elementos, a crítica às fontes, pela busca da verdade dos acontecimentos.

Ao longo dos séculos, os responsáveis pela escrita da história foram criando e defendendo novos métodos, mas esses ainda não possuíam um caráter científico, que lhes assegurassem um reconhecimento verdadeiro e universal.

Diante dessa necessidade de conceder à história um valor de ciência, o século XIX vivencia a institucionalização da história, que passa a fazer parte da cátedra. Dessa maneira, a escrita da história torna-se um ofício exclusivo dos historiadores.

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Esse fato levanta um intenso debate sobre a relevância histórica dos escritos anteriores à criação dessa profissão. Contudo, muitos historiadores defendem que esses escritos devem sim ser considerados parte da historiografia de determinada época e que seus autores são os historiadores daquele tempo. Essa afirmativa evidencia-se nas palavras de Malerba:

Pensar o estatuto do texto histórico, produto da arte ou da ciência dos historiadores, de qualquer modo resultado do seu lavoro, do seu ofício, fez-se mister no cotidiano dos profissionais da história, particularmente vinculados a instituições acadêmicas. Por outro lado, desde há muitos, alguns deles já haviam percebido a riqueza potencial insondável acumulada na obra de inúmeras gerações de historiadores que construíram, cada qual sob as luzes de seu tempo e de acordo com a maquinaria conceitual disponível, um patrimônio próprio da memória das sociedades, constituído por sua historiografia (MALERBA, 2006. p.11)

Além disso, a disciplina de história também trouxe uma nova metodologia que deveria ser utilizada para a escrita. Ela baseava-se na análise do particular para a compreensão do todo; na consulta de fontes oficiais; na organização cronológica dos fatos e na imparcialidade.

Os debates metodológicos não tiveram fim com a institucionalização da história; ao contrário, eles foram ampliados, suscitando novos questionamentos.

No contexto geral, a historiografia pode ser definida como o registro da história de determinado lugar ou pessoa em um período específico, expondo os interesses dominantes na época. Nesse sentido, a definição de historiografia ao mencionar os interesses dominantes em um período específico, traz uma preocupação além da metodologia que transforma a escrita em um registro histórico. Ela questiona as temáticas e os personagens abordados nesses registros.

Essa análise temática revela que há uma dificuldade em identificar a história da mulher. A história geral, ao longo dos séculos, excluiu a presença das mulheres e a historiografia, por muitos anos, reservou à mulher um papel de coadjuvante, ofertando a ela e a sua própria história, um espaço de pouca ou nenhuma representação. Esse episódio está associado tanto aos fatos de registro quanto às suas fontes, que refletem

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uma disputa de poder e de produção da verdade que é considerada relevante para o futuro.

A historiadora Angelika Epple (2006) respalda essa disputa de poder e verdade através da análise da obra “As palavras e as coisas” (2000) de Foucault, afirmando que “as condições de poder determinam a ordem do conhecimento em certo momento, pois elas definem o que será aceito como verdade e aplicado” (EPPLE, 2006. p.142). Ela ainda complementa dizendo que “a aceitação e a validade da verdade são historicamente variáveis, sem negar necessariamente a possibilidade de reconhecimento da verdade” (EPPLE, 2006. p.142).

Essa exclusão das mulheres na história também pode ser interpretada nas palavras de Manoel Salgado Guimarães quando ele afirma que:

(…) é necessário reconhecer esta escrita como resultando de disputas entre memórias, de forma a compreendê-la como parte das lutas travadas nas sociedades para dar significado ao mundo. Uma escrita que se impõe tende a silenciar sobre o percurso que a levou à vitória, que aparece ao final como decorrência natural; perde-se desta forma sua ancoragem no mundo como parte do drama social humano, quando escolhas são efetuadas, que definem o passado que se deseja, ou que se necessita, como forma de inventar um futuro (GUIMARÃES ​apud

​ TURIN, 2003, p. 23-24).

Além dessa disputa de poder e verdade, o registro da história, de maneira geral, privilegiava os cenários público, políticos, econômico e de guerra, nos quais as mulheres não estavam incluídas. E, segundo Perrot (1988), o “ofício do historiador” é um ofício de homens que escrevem a história no masculino. Os campos abordados são os da ação e do poder masculinos, mesmo quando agregam outros territórios.

Os registros sobre as mulheres são mais facilmente encontrados em arquivos privados e, conforme afirmou Perrot (1988), normalmente, referem-se à diários que elas eram incentivadas a escrever. Contudo, muitos desses diários não foram guardados, por serem considerados sem valor histórico e outros eram queimados pelas próprias autoras, por medo de terem sua vida particular explicitada.

O século XIX, com a institucionalização da história, faz como que, novamente, as mulheres sejam afastadas da historiografia. Primeiro, porque a restrição da escrita à

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pesquisa documental oficial exclui o sexo feminino, que não está registrado nesses documentos e; segundo pois a produção historiográfica sendo considerada apenas aquela feita dentro da academia, as exclui, pois a maioria dessas mulheres não está incluída no meio acadêmico.

O século XX é o primeiro momento de grande mudança nesse cenário de exclusão. Esse processo ocorre por meio da ​Escola de Annales

​ , que permite uma

mudança de foco quanto à imagem e o papel da mulher na história e na própria metodologia de se escrever a história.

Esse movimento de renovação historiográfica foi iniciado na França, em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre​,

e propunha uma escrita da história que privilegiasse o

lado econômico e o social em detrimento do político; fazendo oposição direta à produção historiográfica predominante no século XIX e início do século XX, que tinha grande influência do positivismo.

A outra forte crítica da Escola de Annales à corrente anterior referia-se ao fato de que bastava ao historiador expor as fontes escritas, sem necessidade de interrogar os documentos, de interpretá-los e de confrontá-los com outras fontes para verificar os fatos e produzir uma história completa e verídica.

Nesse sentido, o movimento criou um novo método de investigação histórica, divulgando a concepção de uma história total que deveria ser reproduzida a partir de uma problemática e, deveria utilizar a interdisciplinaridade como meio para se chegar ao conhecimento histórico. Além disso, a Escola também trouxe uma nova visão sobre o documento histórico, deixando de considerar apenas a fonte escrita.

O movimento recebeu este nome porque seus representantes se organizaram em torno do periódico francês ​Annales d'histoire économique et sociale

(Anais de

história econômica e social), o qual utilizavam para publicar seus principais trabalhos. A introdução da História Social por parte dessa corrente historiográfica permite que a mulher passe a fazer parte da história geral, pois ela inclui os contextos em que ela estava inserida, como a vida privada, as práticas cotidianas, a família, o casamento,

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a sexualidade, entre outros. Além disso, a defesa da interdisciplinaridade e a utilização de outras fontes que não unicamente a escrita, permite que a voz das mulheres sobre o passado seja ouvida.

Com uma proposta inovadora, interagindo com a antropologia e a literatura, essa corrente ampliou consideravelmente o campo da História, dando voz a agentes e sujeitos até então desprezados pela historiografia clássica, como por exemplo, setores subalternos da classe trabalhadora, mulheres, e demais tipos comuns (CASTRO, 1997, p. 50-52).

As décadas de 60 e 70, como afirma Scott (ano?), influenciaram a produção da História da Mulher devido ao apogeu do movimento feminista, na Europa e nos Estados Unidos. Nos anos 60, a história da mulher surge associada ao campo político e suas autoras tiveram a intenção de retratar a opressão às mulheres; além de retirar a mulher do esquecimento, mostrando que elas fizeram parte do processo histórico; resgatando, principalmente, as que estavam inseridas nos meios públicos para ratificar essa história. Já os anos 70, apresentam obras que se afastam da política e contemplam os demais aspectos da vida das mulheres no passado.

Del Priori (2001) afirma que o feminismo foi o responsável por identificar a ausência da mulher na historiografia e por si próprio passou a escrever a história das mulheres, antes mesmo das historiadoras.

Nos anos 80, em função do crescimento gradual do número de mulheres nas universidades, houve um alargamento dos temas e o surgimento de expressiva publicação sobre o universo feminino, gerando reflexões e novas versões sobre acontecimentos históricos. Nesse sentido, Rago afirma que

esta reflexão se faz tanto mais necessária, quanto mais nos damos conta de que a História não narra o passado, mas constrói um discurso sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a própria subjetividade daquele que recorta e narra, à sua maneira, a matéria da história. (RAGO, 1995. p.81)

Contudo, a inserção da história da mulher como disciplina enfrentou algumas barreiras, tendo que utilizar de estratégias para ser aceita como uma vertente da pesquisa histórica e não considerada com um estudo ideológico, pois o termo ideologia era associado ao conhecimento distorcido por interesses pessoais e isso desqualificava

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o trabalho intelectual. Essa dificuldade pode ser comprovada nas palavras de Scott:

Ao defender novos cursos sobre as mulheres, diante de um comitê curricular universitário em 1975, argumentei como exemplo que a história das mulheres era uma área recente de pesquisa, assim como os estudos da região ou as relações internacionais. Em parte, esse foi um artifício tático (uma jogada política) que tentava, em um contexto específico, separar os estudos das mulheres daqueles intimamente associados ao movimento feminista. Em parte, resultou da crença de que o acúmulo de bastante informação sobre as mulheres no passado, inevitavelmente atingiria sua integração na história-padrão. Este último motivo foi estimulado pela emergência da história social, com seu foco nas identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais. (SCOTT, 1992. p.81)

Após a década de 80, surgiu um questionamento sobre a produção historiográfica da mulher, levando ao rompimento com a história restrita ao universo feminino e surgindo a busca pela compreensão da dicotomia masculino e feminino e suas interações sociais para desvendar as relações de poder e dominação entre eles. Neste contexto, Del Priore afirma através da corrente historiográfica da História Cultural que:

a distinção sexual tornava-se um instrumento analítico a ser utilizado da mesma forma que eram as distinções de classe e raça. Nesse processo homens e mulheres tornavam-se o produto de um processo de aculturação, eles eram, por assim dizer, fabricados e não nasciam como se apresentavam socialmente. (DEL PRIORI, 2001. p.224)

Assim, a pesquisa histórica passa a considerar as diferenças não apenas entre homens e mulheres, mas também dentro da própria categoria de mulher e de homem. O sexo biológico deixa de ser determinante e outras diferenças que produzem e legitimam os sistemas de poder e as desigualdades sociais entre opostos tornam-se relevantes para compreender a história passada.

A partir desse momento, a História da Mulher passou a ser estudada dentro da linha de pesquisa de gênero e pode-se dizer que se tornou uma área de investigação consolidada e livre dos preconceitos iniciais de sua trajetória.

Além disso, permitiu um questionamento sobre o papel central que os homens tradicionalmente ocuparam nas narrativas históricas, levando a uma reavaliação do conhecimento histórico. Rago ratifica essa afirmação ao dizer que:

O alargamento temático e as novas produções intelectuais resultantes merecem, hoje, uma avaliação crítica. Esta reflexão se faz tanto mais necessária, quanto mais nos damos conta de que a História não narra o passado, mas constrói um discurso sobre este, trazendo tanto o olhar quanto a própria subjetividade

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daquele que recorta e narra, à sua maneira, a matéria da história. (RAGO, 1995.p.81)

Assim, pode-se dizer que hoje, apesar dos séculos de esquecimento, o estudo da história das mulheres está representado em muitas áreas de pesquisa, permitindo o crescente desvendamento de mulheres como sujeitos históricos em diferentes setores da sociedade, garantindo não apenas o registro dessa história, mas sim uma releitura do passado que desconstrói verdades e mostra outros aspectos da história passada.

Referências Bibliográficas

CASTRO, Hebe. ​História Social​. In: CARDOSO, Ciro F. S; VAIFAS, R. (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e método. Rio de Janeiro: 1997.

DEL PRIORE, M. ​História das mulheres: as vozes do silêncio​. In: Freitas, M. C. (Org.). Historiografia a brasileira em perspectiva. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 217-235.

DUBY, Georges e PERROT, Michelle. (orgs.) ​Escrever a História das Mulheres​. In:

THÉBAUD, Françoise. História das Mulheres no Ocidente. O século XX. Porto, Edições Afrontamento, 1995.

EPPLE, Angelika. ​Gênero e a espécie da história. In: MALERBA, Jurandir (org). A história escrita. Teoria e história da historiografia. São Paulo: Editora Contexto. 2006. MALERBA, Jurandir (org). A história escrita. Teoria e história da historiografia. São Paulo: Editora Contexto. 2006.

PERROT, Michelle. ​Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros​.

2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

RAGO, Margareth. ​As Mulheres na Historiografia Brasileira​. In: SILVA, Zélia Lopes (Org.). Cultura Histórica em Debate. São Paulo: UNESP, 1995.

SCOTT, Joan. ​História das Mulheres​. In: BURKE, Peter. (org.) A Escrita da História: novas perspectivas. 4 a ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 75.

TURIN, Rodrigo. ​História da Historiografia e memória disciplinar: reflexões sobre um gênero.

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