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Academic year: 2021

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Pensando a psicopatologia na creche – formação de educadores e prevenção

Lou Muniz Atem

Após alguns anos de experiência com formação de educadores de creches e como coordenadora da Ong Infans – Unidade de Atendimento ao Bebê, venho tentando formalizar esse trabalho tendo como referência a psicanálise, o trabalho que desenvolvemos na Ong com pais e bebês e, as propostas existentes de trabalhos em creches, no Brasil e em outros países.

O INFANS tem oferecido desde 2003 alguns cursos de formação a educadores de creches e abrigos, trazendo conteúdos relativos ao desenvolvimento infantil e algumas de nossas preocupações com relação à constituição psíquica da criança, na tentativa de ajudar o educador a refletir e a encontrar soluções para as situações difíceis com que se depara em sala de aula. Os temas abordados em nossos cursos, são :

1. A relação da criança com seu cuidador primordial (pai, mãe ou quem dela se ocupa) e seus efeitos para o desenvolvimento infantil.

2. A adaptação na creche.

3. O significado para a criança, das primeiras separações da família. 4. A agressividade na criança pequena.

5. Os sinais de sofrimento da criança pequena1

. 6. Mordidas

7. Limites

8. Sexualidade infantil

Os cursos de formação têm sido uma oportunidade para os educadores abordarem suas dificuldades cotidianas e trazerem suas diversas questões para discussão.

1 Notamos que esses sinais passam normalmente desapercebidos por aqueles que cuidam da criança

pequena, podendo evoluir para condições que requerem atenção especializada. Por essa razão, o INFANS elaborou uma cartilha denominada CARTILHA PARA EDUCADORES DE CRECHE “Sinais de sofrimento da criança pequena”, na qual aborda situações do cotidiano da criança, olhando-as como possíveis fontes de sofrimento para a criança. São elas: alimentação, olhar, voz, movimento-postura, o brincar e o sono.

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A partir dessas discussões e de leituras, comecei a refletir sobre a instituição creche e, uma vez que vinha refletindo sobre a Psicopatologia do Bebê, tendo em vista as dificuldades vividas na creche, passei a pensar também sobre a possibilidade de uma Psicopatologia da Creche, pautada nas dificuldades e nas relações ali encontradas.

O que vem a seguir, são as reflexões que fiz a esse respeito.

OS FANTASMAS DA CRECHE E SEU PASSADO HISTÓRICO

Na França, o autor Mellier2

trabalha questões relativas à creche há alguns anos vêm fazendo reflexões sobre a instituição creche, seus fantasmas e sua história. Para o autor, a prática do psicólogo na creche passa pela transformação dentro da própria instituição, de seus fantasmas em fantasias, sendo esse um dos objetivos da prevenção na creche!

Para Mellier, os fantasmas do passado e os lutos não-realizados pela instituição, podem ser re-vividos por cada pequeno novo traumatismo que ocorra na atualidade da instituição3

. A instituição tem, assim, um modo de funcionar que é similar ao do aparelho psíquico individual, possuindo mecanismos de defesa através dos quais nega eventos, revive-os como traumas, etc.

Assim como pais que buscam a psicoterapia para seu filho, a instituição creche quando pede que o psicólogo vá até lá, pode mostrar com esse pedido o sinal de uma relação fusional e culpabilizante com uma determinada criança, revelando através de seu pedido seus fantasmas de anormalidade4

.

O autor cita as relações com as crianças e o passado da creche, na França, quando se estruturou logo após o término da guerra. Naquele momento, não haviam condições de higiene, de saúde, de salubridade e a mortalidade infantil era grande, levando a que grande energia fosse gasta nas creches apenas para que essas mínimas condições fossem obedecidas. Anos se passaram até que a sociedade pudesse se reestruturar e novas regras viessem a regulamentar as creches. Ela passou então, a ser

2

MELLIER, D. L’inconscient à la crèche. Dynamique des équipes et accueil des bébés. Èrés, 2005.

3

Idem, pg. 161.

4

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paga pelos pais o que permitiu que o pessoal fosse remunerado, e a creche não pôde mais receber crianças abandonadas, mas apenas aquelas cujas mães trabalhassem; o controle médico da família tornou-se obrigatório, o que fez com que os filhos não fossem mais à creche para obter assistência de saúde5

.

O passado de assistencialismo da creche, para Mellier, tornou-se uma fonte de trauma para a instituição, que passou a definir-se através “daquilo que não deve ser”6

. Será esse passado e história, o que será transmitido às novas gerações que passam pela creche, e que será re-vivido a cada vez que a instituição atravessar momentos difíceis ou cruciais.

No Brasil, da mesma maneira, as creches “têm sido historicamente, criadas, dirigidas ou subvencionadas pela assistência social, e estiveram voltadas predominantemente aos cuidados físicos de saúde, alimentação e bem-estar da criança, com nenhuma ou pouca atenção aos objetivos educacionais”7

.

Assim, várias podem ser as fontes de trauma dentro da creche: não só seu passado de assistencialismo, como a condição de pobreza em que vivem a maior parte das famílias que levam seus filhos à creche, e que, ainda hoje; esperam que a instituição possa prover aquilo que elas não possuem condições de fornecer a seus filhos.

Desse histórico da creche, podemos inferir diversos fatores relacionados à marca trazida pelos cuidadores presentes na instituição, marcas que subsistem ainda hoje, mesmo após a creche ter saído, do ponto de visto político e social; do setor da assistência social e passado ao setor da educação. Entre os cuidadores, com pouca formação para exercer a profissão, vemos se prolongar a marca da assistência social, para a qual, para se cuidar de crianças, não é necessária muita formação, mas sim; “é possível cuidar das crianças dos outros como se elas fossem nossas”, a única exigência

feita a quem cuida de crianças é que gostem de crianças”, e; há o pensamento corrente

de que “é preciso dar tudo às crianças que nada têm”.

5

Idem, pg. 165.

6 Idem, pg. 166. 7

DIDONET, Vital. As implicações das competências do bebê para a pedagogia da infância. In: O bebê, o corpo e a linguagem. ORTH DE ARAGÃO, Regina (org.) São Paulo: Casa do psicólogo, 2004, pg. 236.

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Assim, nos abrigos para crianças abandonadas, as mulheres contratadas para trabalhar são hoje em dia chamadas de “mães sociais”, termo que pretende juntar, em uma só palavra, a função materna, e a função social e coletiva de uma mesma função. Um abrigo pesquisado na internet, tinha como requisitos para as “mães sociais” os seguintes: - tomar conta da criança em tempo integral, - procurar promover o convívio familiar entre as crianças, - gostar de crianças, - ter acima de 25 anos, - ser solteira ou viúva, - não ter filhos dependentes, - ter ensino médio completo, - gostar e ter habilidades domésticas, - ser criativa.

Desse modo, vemos que aquilo que hoje tenta se transformar em relação à creche, está ainda bastante presente no que diz respeito aos abrigos, não havendo nenhum requisito maior de formação para aqueles que ali se ocupam das crianças.

No abrigo de Loczy, em Budapeste, criado logo após a guerra para crianças órfãs, uma das perguntas que a criadora do abrigo fazia às cuidadoras que passavam por seleção para trabalhar, era como elas tinham sido cuidadas quando crianças. Assim, mais do que saber se gostavam ou não de crianças, procurava saber e remetê-las à sua própria infância, questionando suas lembranças sobre a forma de cuidados que receberam e que agora iriam repassar às crianças que iriam cuidar.

Para Barroso França, quando esperamos, basicamente, que a “mãe social” goste de crianças, propomos que essa função “deixe de ser uma profissão para ser um exercício de dedicação e amor”8

. Para a autora, isso faz com que se tenha a ilusão de se acreditar possível reproduzir o amor materno dentro das instituições de abrigo, instituição que não diferenciaria a mãe da função profissional denominada “mãe social”.

8

FRANÇA, Dirce Barroso. Mãe social: o mito da reprodução do amor materno nas instituição de abrigo. In: Cuidados no início da vida, ATEM, Lou Muniz (org.), São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008 (no prelo)

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O PSIQUISMO DA INSTITUIÇÃO

Para MELLIER, a instituição creche realiza dois movimentos psíquicos antagônicos. Um é caracterizado pela ruptura periódica do vínculo entre pais/bebê, no momento em que deixam a criança na creche. O outro, é dado pelo apego periódico da criança aos educadores. Assim, ao entrar na creche, a criança passa por operações psíquicas ainda não vividas por ela: a perda temporária da proximidade com os pais e o recente apego a pessoas novas para ela, os educadores.

A educadora que trabalha na creche vivencia a dificuldade de ter que re-encontrar e separar-se diariamente das crianças, o que pode ser vivido imaginariamente e inconscientemente como uma perda da criança para suas próprias mães (já que por um longo período do dia foram elas quem estiveram com a responsabilidade de cuidar da criança). Além disso, pode ser sentido como uma incapacidade sua de ser boa cuidadora (pois no final do dia, quem acabou ficando com a criança foi a mãe!).

Por essas e outras razões, o ofício de educador coloca em jogo várias emoções relativas à infância e ao cuidar, principalmente para mulheres; pois traz à tona a capacidade que se tem de cuidar de crianças sem que elas sejam seus filhos, de separar-se delas todos os dias, mesmo que tenha ficado o dia inteiro com elas, de vê-las em dificuldades familiares mesmo que não se possa modificar a dinâmica e estrutura familiar que essas crianças encontram em casa.

Assim, trabalhando com crianças cujas famílias são pobres e enviam seus filhos à creche, muitas vezes; mal-vestidos, com traços de maus-tratos, doentes, etc, os educadores acabam entrando em rivalidade com os pais e culpabilizando a família pelas dificuldades que encontram nas crianças.

Dentro da questão da rivalidade, alguns autores têm trabalhado as noções de prevenção na creche e da creche como terceiro, para auxiliar no trabalho desenvolvido junto aos educadores.

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A FANTASIA DE ADOÇÃO DA CRIANÇA

Para Mellier, há uma fantasia inconsciente que perpassa os educadores e que diz respeito à uma imaginária adoção das crianças com as quais se trabalha. Esta seria uma forma de o educador se recompensar pelo fato de separar-se todos os dias das crianças de quem cuida e de imaginar que, ficando com ele, ela estaria melhor cuidada do que com os pais. Tal fantasia estaria presente normalmente, em qualquer creche ou escola, não se apresentando em situações específicas ou especiais.

Porém, quando crianças encontram-se em condições de negligência, ou com nítidos sinais de sofrimento; esta seria uma condição favorável para que tal fantasia emergisse e para que a rivalidade com os pais de algumas crianças venha a se acentuar – normalmente aquelas que vivem em piores condições.

Mas, ainda que muitas vezes as condições da criança levem, num primeiro momento, a uma proteção por parte dos educadores, que passam a rivalizar com os pais, há também, ao mesmo tempo, sentimentos de ambivalência com relação às crianças, uma vez que elas suscitam diversos afetos.

A INTOLERÂNCIA-AMBIVALÊNCIA E A RIVALIDADE COMO AFETOS VIVIDOS PELO EDUCADOR

Tanto ambivalência quanto rivalidade, não podem ser considerados conceitos em psicanálise, mas sim; noções utilizadas pela psicanálise quando se trata de apontar uma determinada posição do sujeito diante de um objeto de amor ou diante do mundo. Tomá-los como afetos, é uma forma de situá-los dentro da metapsicologia freudiana, na qual o afeto foi uma noção aos poucos desenvolvida ao longo da obra e que continua sendo debatida na atualidade.

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Tendo se originado com Breuer e Freud nos estudos sobre a histeria, a noção de afeto denota uma expressão emocional de conflitos constitutivos do sujeito, e que pode eventualmente ser reprimida. Está intrinsecamente ligado às noções de pulsão e de angústia, sendo que, normalmente quando um afeto causa angústia no sujeito, pode vir a ser reprimido e não ser tomado em consciência pelo sujeito ou ao contrário, ser fonte de satisfação a partir da ligação pulsional com o outro9

.

Ambivalência e rivalidade podem ser considerados então como dois afetos geradores de angústia, no sentido de que, na relação com o outro são causadores de conflitos psíquicos, podendo gerar uma repressão e tornar inconsciente um desses afetos e assim, impedir a elaboração e transformação dos mesmos em outros afetos que possam ser fonte de satisfação para o sujeito. Assim, o afeto que é fonte de angústia para o sujeito, só pode vir a ser fonte de satisfação pulsional se elaborado e transformado em outro afeto.

Ambivalência foi um termo usado por Freud para falar da situação em que o sujeito manifesta dois sentimentos ou duas atitudes diferentes em relação a um mesmo objeto de amor, conduzindo-o a conflitos psíquicos e a atitudes normalmente contraditórias. Pode então, ser considerada como uma noção em psicanálise, pois designa um mecanismo constitutivo do aparelho psíquico, fazendo parte de sua própria existência, ou seja; não existe sujeito psíquico sem existir ambivalência.

Já a rivalidade, não é um termo nem uma noção que se encontra nos dicionários de psicanálise, e não pode ser considerada como um mecanismo constitutivo do psiquismo, tal como a ambivalência. Diríamos antes, que na constituição do psiquismo está a agressividade e que a rivalidade pode ser um decorrente dessa última. Assim, não encontramos uma definição específica para a rivalidade, sendo um termo que aparece muito mais em autores específicos, a depender do tema que estão tratando, no caso, pode aparecer como rivalidade ou disputa entre a equipe, ou então, apenas como termo

9 Dicionnaire de la Psychanalyse, sous la direction de CHEMAMA, R. & VANDERMERSCH, B.

Larousse, 1998 et LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B. Vocabulaire de la Psychanalyse, PUF, 2 e. trimestre 1973.

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secundário a outros temas, tais como “conflito e crise na instituição”, ou, “ansiedade na instituição”.

O EDUCADOR EM RELAÇÃO DE INTOLERÂNCIA COM A CRIANÇA

As crianças tidas como “difíceis” na creche, se, num primeiro momento geram um movimento do educador de tentar ajudá-la e entender o que se passa com ela, num segundo momento pode gerar também a ambivalência ou a intolerância, ou seja; fazer com que elas sejam afastadas ou excluídas do grupo.

Mellier chama a este movimento de “relação privilegiada negativa”, e se define pela intolerância narcísica de um educador em relação à uma determinada criança. Aqui, no contato com essa criança, são ativadas projeções persecutórias, onde o adulto vive com a criança, partes más de si próprio que ele gostaria de destruir. Sua capacidade de continência e de acolhimento será alterada e o educador pode passar a não suportar o choro, a agressividade, o comportamento na alimentação daquela criança, demonstrando intolerância para com ela.

O educador terá que realizar um trabalho de renúncia à imagem da criança ideal que ele possui para que possa voltar a poder acolher aquela criança.

No caso de Andréa, a criança que tomava os brinquedos da mão das outras crianças; ao não conseguir mais chegar a um acordo com ela, as educadoras passam a responsabilizá-la: ela é a criança problema, a criança egoísta, a criança que não sabe compartilhar os brinquedos. Sobre ela recai a responsabilidade de “não saber agir da forma correta e compartilhar os brinquedos” aparecendo aí uma intolerância e ambivalência na relação, que, ora procura quer acolher a criança tentando entendê-la, e ora, responsabiliza-a por seus atos como se fosse um adulto!

O trabalho visará a que os educadores possam, por um lado, compreender parte da problemática da criança, a partir de seu histórico familiar e social, deixando de culpabilizar e responsabilizar a própria criança; e, por outro, levá-los a poder suportar o tempo necessário para que um trabalho com a família se dê e estabeleça.

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O EDUCADOR EM RELAÇÃO DE RIVALIDADE COM OS PAIS

Assim como a intolerância em relação às crianças, às vezes encontramos também, nas creche; educadores em posição de rivalidade com os pais, o que se agrava quando as condições de vida da família são ruins e levam a que as crianças cheguem À creche mal-cuidadas, levando a que recaia sobre a família a culpa sobre essa falta de cuidados.

Talvez, além de renunciar à criança ideal, em alguns casos mais dramáticos o educador precisa também renunciar à família ideal!

Mellier, a tratar da questão dos conflitos entre a equipe, utiliza a noção de “narcisismo das pequenas diferenças”, retirada de Freud, na qual a violência e agressividade existente em um grupo é projetada sobre um grupo estrangeiro, de fora, mas imediatamente vizinho, a fim de que não apareça no grupo original. Isso que acontece como mecanismo de defesa dentro das equipes de uma instituição e de uma creche, pode acontecer também entre a equipe e os pais, de modo a que os pais das crianças recebam a agressividade contida na equipe quando certos conflitos surgem e não são elaborados.

A intolerância narcísica (relação privilegiada negativa) que se vê existente em situações de crianças consideradas problemas, acaba se repetindo com os pais dessas mesmas crianças, que serão, por sua vez; culpabilizados pela patologia ou desorganização encontrada na criança10

.

Para Mellier, quando ocorrem esses conflitos, existiriam 3 saídas para a equipe: 1) conter psiquicamente tanto a equipe, quanto as crianças da violência existente no grupo. 2) Quando a equipe não possui de condições de elaborar a situação, ela tenta conter a todo custo a sua violência, fazendo um ataque à sua própria identidade. 3) A equipe não consegue conter sua intolerância narcísica de maneira nenhuma, e entra em crise, se desorganizando em função de seus próprios afetos violentos11

.

10 MELLIER, D. L’inconscient à la crèche. Dynamique des équipes et accueil des bébés. Èrés, 2005, pg.

96.

11

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O autor continua seu texto propondo saídas e citando relatos de como algumas creches nas quais ele trabalhou resolveram conflitos e crises relacionados à intolerância narcísica entre a equipe e, entre a equipe e as crianças. A fim de finalizar esse trabalho, trarei algumas propostas de autores a respeito da prevenção, pensando como esta pode se dar e como pode nos ajudar a pensar e a elaborar os conflitos e crises existentes entre a equipe / pais e crianças na creche.

A PREVENÇÃO E A CRECHE COMO TERCEIRO

Alguns autores têm, recentemente trabalhado a questão da creche, instaurada como um terceiro, para a família que dela se beneficia. Penso que este tema, pode ser muito útil em se tratando aqui, de casos sempre considerados “difíceis”, crianças que criam problemas aos educadores, crianças que, muitas vezes; vêem de famílias que lhes oferecem poucos limites, de famílias sem pai, ou de famílias desestruturadas.

Então, de que maneira podemos pensar a creche como terceiro ¿

Penso que isso pode se dar de algumas formas, dentre elas, quando a creche intervém junto a um caso difícil de maneira a trazer ali um organizador para a família, organizador que antes não se colocava. Assim, a creche pode solicitar uma maior participação do pai em relação a determinado filho, pode pedir que ele comece a participar das entrevistas relativas à criança, o que não se dava antes, ou; pode introduzir uma nova alimentação para uma criança que, antes, só aceitava determinados tipos de alimentos. Pode ainda, intervir em questões relativas ao sono, à fala, ao brincar, tudo o que esteja se manifestando como sinal de sofrimento para a criança e que necessite de intervenção.

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LAMOUR et LETRONNIER realizam pesquisa em 4 creches na cidade de Paris cuja preocupação principal é sensibilizar os educadores da creche ao papel do pai nos 2 primeiros anos de vida e ainda, transformar sua prática em termos do acolhimento oferecido ao pai (que normalmente é sentido como um intruso num território de mulheres e bebês)12

. Nessa pesquisa, a preocupação maior não recai sobre a relação educadores / crianças e, eu diria, nem sobre a relação educadores / pais, pois já existe ali uma suficiente elaboração e trabalho a respeito de tais relações e conflitos. A preocupação nessa pesquisa é sobre como inserir o pai na creche e sobre como sensibilizar os educadores a respeito da importância da função paterna. Assim, não só a creche pode intervir como pode ser sensibilizada à importância da função paterna, a partir do quê, ela passará a se utilizar mais do recurso de chamar os pais para participar da vida dos seus filhos.

Os autores, falam de passagens que a criança realiza quando sai pela primeira vez de casa e vai à creche, passagens que são, para ela, de relações duais, à relações triádicas. Assim, primeiro a criança vive com a mãe, uma relação dual. Em seguida, viverá com a mãe e o pai, uma relação triádica. E, mais à frente, nesse ciclo que era interno à família, a creche se somará e passará a fazer parte dessa relação, na qual não só a criança, mas também pai e mãe terão que confiar para permitir que possam fazer parte da tríade.

E, como podemos pensar a prevenção na creche, a partir desse olhar para a creche como um terceiro ¿

Para Crespin13

, falar em prevenção não significa desejar antecipar a aparição de um sintoma ou mesmo, fazer com que ele desapareça, como durante algum tempo se objetou no meio psicanalítico, quando se começou a falar em prevenção, há cerca de 10-12 anos (no Brasil, ao menos). Para a autora, a prevenção tem a ver com a questão da demanda que se faz ao terapeuta ou analista, ou seja; permitir a elaboração de uma demanda por parte daquele que sofre, já seria um ato preventivo!

12

LAMOUR, M. & LATRONNIER, P. Les pères à la crèche : “En passant par la triade” in LAMOUR, M. & MAURY M. Alliances autour du bébé – De la recherche à la clinique. Paris, PUF, 2000.

13

CULLERE-CRESPIN, G. A clínica precoce: o nascimento do humano. SP: Casa do Psicólogo, 2004, pg. 174, 175.

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Porém, ainda para Crespin, quando se trata da creche é necessário perguntar: “quem demanda?”, pois ali, muitas vezes quem percebe e notifica a dificuldade na criança não são os pais, e sim, os educadores, a direção, os avós, enfim, pessoas do entorno da criança que não os próprios pais. A questão acaba chegando aos pais de forma intrusiva, o que faz com que eles desenvolvam reações de negação e recusa a buscar qualquer ajuda14

. Ou, por outro lado, o que ocorre é que os pais têm uma preocupação com relação à criança muito diferente daquela da equipe da creche o que faz com que, da mesma forma, neguem os apontamentos e as indicações de ajuda.

Para a autora, se inicia então o período mais difícil, que é o de “elaboração da demanda”, correspondente a uma subjetivação da questão para os pais, com o objetivo de que eles possam se apropriar de alguma inquietude com relação a seu filho e sejam desejosos de saber mais sobre ele. Neste trabalho de elaboração já estaria embutido o próprio trabalho de prevenção, pois ele permitiria aos pais um novo olhar sobre seu filho, e, a partir daí novas mudanças.

Pensamos que, além desses apontamentos fornecidos por Crespin, há ainda várias outras maneiras de podermos trabalhar e pensar a prevenção na creche. Se estamos chamando de preventivo todo trabalho que se dirige à criança pequena (antes dos 3-4 anos) e tendo como critério a não finalização da constituição do aparelho psíquico, temos então, uma gama de situações a serem trabalhadas na condição de serem tomadas como preventivas. Ao intervir na creche, a médio-longo prazo, temos:

- possibilitar uma melhor comunicação entre pais e educadores, - uma melhor compreensão das chamadas crianças problema por parte dos educadores. A partir desses dois itens, podem se dar, de forma também preventiva: 1) a não instalação de um sintoma na criança; 2) o encontro de soluções criativas para situações difíceis em sala de aula, 3) a conseqüentemente melhora na relação entre as próprias crianças dentro da classe, e, por fim, 4) uma melhor relação entre a creche e os pais.

14

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Assim, penso que a partir dos cursos de formação oferecidos pelo Infans aos educadores, de alguma forma é possível atingir todos esses temas, pois todos eles são trazidos à discussão, uma vez que fazem parte das dificuldades vividas no cotidiano da creche. O educador pode ser então, aquele que, a partir de suas inquietações com relação à criança, passa a elaborar sua forma de compreender a infância, bem como maneiras, soluções e saídas criativas para as diversas dificuldades que encontra.

Se o psicólogo ou psicanalista tem algo a fazer na creche, é ajudar o educador nessas construções, as quais não poderiam ser feitas sozinhas. Cabe ao educador, que está todos os dias com a criança, construir para si uma “psicopatologia da infância”, onde o caminho a ser percorrido dependerá das soluções criativas que cada um inventar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AKKERMAN, E. e ATEM, M.L. Ética e transdisciplina na clínica com o bebê. In MELGAÇO, R.G. A ética na atenção ao bebê. Psicanálise – Saúde – Educação. SP: Casa do Psicólogo, 2006 (Coleção 1ª infância, dirigida por Cláudia Mascarenhas Fernandes).

CULLERE-CRESPIN, G. A clínica precoce: o nascimento do humano. SP: Casa do Psicólogo, 2004.

Dicionnaire de la Psychanalyse, sous la direction de CHEMAMA, R. &

VANDERMERSCH, B. Larousse, 1998 et LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B. Vocabulaire de la Psychanalyse, PUF, 2 e. trimestre 1973

DIDONET, Vital. As implicações das competências do bebê para a pedagogia da infância. In: O bebê, o corpo e a linguagem. ORTH DE ARAGÃO, Regina (org.) São Paulo: Casa do psicólogo, 2004, pg. 236.

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FRANÇA, Dirce Barroso. Mãe social: o mito da reprodução do amor materno nas instituição de abrigo. In: Cuidados no início da vida, ATEM, Lou Muniz (org.), São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008 (no prelo)

LAMOUR, M. & LATRONNIER, P. Les pères à la crèche : “En passant par la triade” in LAMOUR, M. & MAURY M. Alliances autour du bébé – De la recherche à la

clinique. Paris, PUF, 2000.

MELLIER, D. L’inconscient à la crèche. Dynamique des équipes et accueil des bébés. Èrés, 2005.

ROHENKOHL, C.M.F. Do Transitivismo à antecipação in: A clínica com o bebê. ROHENKOHL, C.M.F. (org.), SP: Casa do Psicólogo, 2000.

Referências

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