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VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE: UMA QUESTÃO DE GÊNERO OU UMA MERA COINCIDÊNCIA?

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VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O

ADOLESCENTE: UMA QUESTÃO DE GÊNERO OU UMA MERA

COINCIDÊNCIA?

Paloma Rodrigues Carvalho1 Andréia Lopes2 Prof. Dra. Nivia Valença Barros 3 INTRODUÇÃO

As análises sobre a violência e suas diversas formas de manifestação atualmente, tem ganhado espaço nas pautas de discussões e debates sobre a realidade brasileira. É nesse sentido que devemos compreender que a violência “deve ser tratada enquanto violências, pois engloba diversas modalidades e tipologias, que se entrecruzam, mas que mantêm singularidades e especificidades que as diferenciam e caracterizam um perfil societário próprio” (BARROS, 2005, p.23). Entretanto a ideologia dominante de caráter culpabilizador tem associado constantemente a questão da violência à noção de pobreza, ou seja, o discurso da criminalização da pobreza tem sido difundido, as representações sociais do que seria a pobreza se fundamentam em estigmas, naturalizações e conseqüentemente em uma triste vinculação de todo tipo de violência à questão da pobreza.

Partindo de uma concepção que analisa a violência em sua multicausalidade e na complexidade de sua produção e reprodução (ARAÚJO, 2002), percebemos a necessidade da sua compreensão longe dos padrões de banalização da mesma tendo, como base a noção de que a violência se insere dentro de um contexto que envolve questões de poder, questões de gênero, ou seja, relações sociais que muitas vezes visam uma tentativa de anulação do outro através de tais questões.

VIOLÊNCIA: CONHECENDO O CONCEITO

A noção de violência tem sido discutida de diversas formas dentro do universo das linhas teóricas que se faz presente no mundo acadêmico. É neste sentido que o presente artigo parte da

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Acadêmica de Serviço Social UFF- Bolsista PIBIC UFF do Projeto Violência Silenciada

2 Acadêmica de Serviço social UFF- Bolsista Treinamento UFF do Projeto Violência Silenciada 3 Orientadora e coordenadora do Projeto Violência Silenciada

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concepção de violência como uma conversão de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdades, que objetiva a dominação, a exploração e a opressão, caracterizada pelo silêncio, pela passividade e pelo impedimento da fala e da ação de outro sujeito (ARAÚJO, 2002 apud CAHUÍ, 1985).

É importante destacar que a categoria poder está intrinsecamente ligada à noção de violência. Tal categoria aqui pode ser compreendida como uma relação onde há uma desigualdade – que pode ser de força física, de gênero, de geração – na qual os envolvidos encontram-se em posições diferentes, sendo que, aqueles que são mais vulneráveis acabam se tornando as vítimas dessas relações de violência como, por exemplo, as mulheres, as crianças e adolescentes, idosos, deficientes, dentre outros.

É dentro deste ambiente que a violência pode ser caracterizada em sua multiplicidade sendo a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes uma tipologia relevante que envolve questões importantes que serão abordadas ao longo deste trabalho.

1. Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes

A violência intrafamiliar tem sido muito discutida, porém há a necessidade de se esclarecer alguns conceitos que vem sendo usados para caracterizar as violências que ocorrem dentro do espaço familiar e doméstico, visto ser um fenômeno complexo e que muitas vezes tem sido objeto de algumas confusões teóricas no meio acadêmico.

Araújo (2002) faz uma diferenciação entre violência intrafamiliar e violência doméstica, na qual

Violência intrafamiliar designa a violência que ocorre na família, envolvendo parentes que vivem ou não sob o mesmo teto, embora a probabilidade de ocorrência seja maior entre parentes que convivem cotidianamente no mesmo domicílio. A violência doméstica, por sua vez, não se limita à família. Envolve todas as pessoas que convivem no mesmo espaço doméstico, vinculadas ou não por laços de parentesco. (ARAÚJO, 2002, p. 4)

Vemos assim na concepção da autora citada acima que a violência intrafamiliar é um tipo de violência doméstica, ou seja, a violência doméstica abarca as concepções de violência entre pessoas que possuem laços de sangue (intrafamiliar), mas também pessoas que podem não possuir esse tipo de laço, mas que possuem laços de afinidade, não sendo pessoas estranhas às vítimas e que compartilham do mesmo espaço doméstico.

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É dentro deste mesmo debate que concordamos com Saffioti (2001) na compreensão de que a

violência doméstica não é o mesmo que violência intrafamiliar, (...) Enquanto na segunda a violência recai exclusivamente sobre membros da família nuclear ou extensa, não se restringindo, portanto, ao território físico do domicílio, cabem na primeira vítimas não-parentes consangüíneos ou afins. (SAFFIOTI, 2001, p. 130) Como já colocado, a violência é uma relação de poder, uma relação entre desiguais, é neste sentido que os mais vulneráveis muitas vezes são as vítimas, onde podemos destacar as crianças e os adolescentes.

Ao longo da história podemos perceber comportamentos e ações que antes eram naturalizadas e que hoje vem sendo colocadas como atitudes de violência contra as crianças e os adolescentes. Observamos que a representação social da violência é construída socialmente ao decorrer do tempo assim como a noção de infância e de adolescência. Vemos assim, que a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes

portanto, é uma construção histórica, social e cultural e pode manifestar-se através da violência física, sexual, simbólica, psicológica, abandono, negligência, podendo atingir indistintamente qualquer classe social, faixa etária e ambos os sexos. (BARROS, 2005, p. 41 apud AZEVEDO, 1999)

É desse modo que devemos estar atentos para uma análise deste tipo de violência intrafamiliar a partir de suas manifestações e do modo de como esta se dá no atual contexto societário, percebendo assim suas diversas configurações. Neste sentido podemos visualizar segundo Barros (2005) tais manifestações tendo como base as categorias: negligência; abusos físicos, psicológicos e sexuais; exploração e abandono. É importante destacar a relevância para esse estudo da categoria abuso sexual, que será analisada a seguir, visto ser um fenômeno que tem se acentuado, tornando-se evidente a necessidade seu enfretamento.

VIOLÊNCIA/ABUSO SEXUAL4: CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Quando falamos em abuso/violência sexual partimos da compreensão de que devemos analisar as questões sexuais relacionadas à violência intrafamiliar contra criança e adolescente não só em seus aspectos individuais, mas sociais, políticos e culturais, resultantes de um processo construído

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historicamente, de forma plural. É neste sentido que podemos perceber que a sexualidade deve ser analisada como produto de uma construção social, ou seja,

o estudo da sexualidade põe em evidência a idéia mais relevante da teoria sociológica: a relação entre sociedade e indivíduo e como são produzidos contextualmente os nexos entre esses dois pólos. Os roteiros sexuais espelham as múltiplas e diferentes socializações que uma pessoa experimenta em sua vida: família, tipos de escolas, acesso a distintos meios de comunicação, redes de amizade e vizinhança. (HEILBORN, 2006, p. 46)

Vemos assim que a questão da sexualidade deve ser apreendida em suas especificidades concebendo a mesma como fruto de relações sociais, onde percebemos que essa sexualidade se funda em bases de oposição e hierarquização entre masculino/feminino, estabelecendo assim uma ligação com a dominação onde o homem é o sujeito e a mulher é o objeto (ANJOS, 2000 apud BOZON, 1999).

É dentro deste contexto que a categoria abuso sexual de crianças e adolescentes como uma das configurações da violência intrafamiliar, se perpetra como uma

forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e geração (...) é freqüentemente praticado sem o uso da força física e não deixa marcas visíveis, o que dificulta a sua comprovação, principalmente quando se trata de crianças pequenas. (ARAÚJO, 2002, p. 5 – 6)

O número de crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual no Brasil é muito grande, entretanto tal questão ainda se torna oculta em muitos casos. O fenômeno do abuso sexual pressupõe o envolvimento de crianças e adolescentes em práticas sexuais, seja de forma coercitiva, persuasiva ou até mesmo tolerada ou “consentida”, no caso de adolescentes. O consentimento como justificativa é colocado como uma violência, pois a infância e a adolescência são etapas bastante peculiares de desenvolvimento não tendo a vítima condições ainda de se autodeterminar, de concordar com essa relação sexual (BARROS, 2005).

Segundo Carneiro (2007) devemos compreender a questão do abuso sexual a partir de duas tipologias:

Sem contato físico:

• Voyeurismo: observação da nudez total ou parcial da criança/adolescentes por adulto; • Exibicionismo: exposição intencional a uma criança do corpo nu de um adulto;

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• Telefonemas obscenos: telefonemas em que ofensas de natureza sexual mesclam-se em convites explícitos ou implícitos;

• Abuso verbal: são discussões abertas sobre atos sexuais destinados a despertar o interesse da criança/adolescente ou chocá-la;

• Pornografia: exploração sexual de crianças para fins econômicos

Com contato físico:

• Atos físico-genitais: manipulação de genitais, contato oral-genital e uso sexual do ânus • Sedução: é quando há a penetração vaginal sem o uso da violência, em adolescentes

virgens de 14 a 18 anos incompletos;

• Estupro: situação em que há penetração vaginal com o suo da violência ou grave ameaça, sendo a violência presumida em crianças até 14 anos. Nos casos de penetração anal, que ocorre em ambos os sexos, vários movimentos da sociedade civil defendem que legalmente também seja considerada estupro

• Incesto: atividade sexual entre criança/ adolescente e seus parentes mais próximos, pode ser tipificado como atentado violento ao pudor, corrupção de menores, sedução e estupro.

É dentro destas tipologias que o incesto tem se caracterizado como a configuração do abuso sexual mais habitual entre os casos constatados, demonstrando assim a incidência da violência intrafamiliar, sendo as meninas as maiores vítimas, ou seja, quando se trata de abuso sexual ocorrido no espaço doméstico e familiar, na maioria dos casos as vítimas são do sexo feminino (ARAÚJO, 2002). Vemos assim a manifestação dentro da violência intrafamiliar, configurada no abuso sexual, do que Saffioti (2001) conceitua de violência de gênero, que para tal autora

é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. (SAFFIOTI, 2001, p. 115)

Podemos compreender que a questão de gênero está totalmente associada ao abuso sexual. É claro que existem vítimas do sexo masculino, entretanto buscamos analisar neste trabalho que o fato

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de termos uma maioria de vítimas de sexo feminino não é apenas um dado ou uma coincidência, mas sim uma questão que merece ser discutida. É neste sentido que “entender as relações de gênero como fundadas em categorizações presentes em toda a ordem social, permite compreender não somente a posição das mulheres, em particular, como subordinada, mas também a relação entre sexualidade e poder” (ANJOS, 2000, p. 275)

Diante disso, podemos perceber que o abuso sexual é um fenômeno complexo que envolve questões que fazem parte de nossas relações sociais, culturais, que merecem ser discutidas no que tange aos órgãos de proteção dos direitos das crianças e adolescentes no qual o Conselho Tutelar se insere como órgão de atendimento e garantia desses direitos.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

1. O Projeto de Pesquisa Violência Silenciada – Criança e Adolescente

O Projeto Violência Silenciada – Criança e Adolescente origina-se dos trabalhos e estudos nas áreas da infância e adolescência e do comprometimento com as questões sociais que procurando o aprofundamento do olhar sobre a produção da subjetividade referente à violência intrafamiliar contra criança e adolescente de forma a perceber a complexidade do processo que envolve estes fatos. Orientado pela Prof. Drª Nívia Barros, tal projeto se insere no Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social (NPHPS) do Departamento de Serviço Social de Niterói (RJ), da Universidade Federal Fluminense.

A pesquisa em si tem como objetivo avaliar o processo da construção sócio-histórica da violência intrafamiliar/doméstica contra criança e adolescente e de como. Nesse sentido tem-se buscado apresentar a violência intrafamiliar em sua concretude e o seu impacto avassalador sobre as vítimas, tanto em aspectos objetivos quanto subjetivos, procurando assim, traçar um levantamento teórico conceitual sobre as questões que envolvem a infância e a adolescência, as políticas e práticas de proteção social.

É nesse mesmo pensamento que para apresentar este panorama estamos trabalhando na pesquisa de campo debruçando-nos sobre prontuários registrados no I, II, III Conselhos Tutelares de Niterói (RJ), selecionando os registros relativos às diversas categorias não só da violência intrafamiliar, mas também de violação de direitos, de conflito familiar e de violência social. Tais informações estão sendo reunidas em um banco de dados, onde estamos procurando agrupar estes

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dados de forma a traçar quadros quantitativos e qualitativos sobre o funcionamento destes Conselhos e de outros órgãos de atendimentos à criança e adolescente frente a violência intrafamiliar delineando assim, um perfil societário da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e de sua implementação no município de Niterói.

É nesse sentido que visamos analisar a violência intrafamiliar e doméstica contra crianças e adolescentes em suas intercorrências, partindo das categorias negligência; abusos físicos,

psicológicos e sexuais; exploração e abandono de modo que se possa compreender o fenômeno em

sua concretude a partir da análise dos dados obtidos nos prontuários dos respectivos Conselhos Tutelares compreendendo assim, tal violência de forma ampla e, mais do que tudo, destacar seu impacto avassalador nas crianças e adolescentes tanto em termos objetivos quanto subjetivos.

1.1. PROCESSO METODOLÓGICO

O nosso campo de atuação, como já colocado anteriormente, se desenvolve no I, II e III Conselhos Tutelares (CT) da cidade de Niterói. Estes foram escolhidos como cenário principal para o trabalho de campo por serem os órgãos centralizadores das denúncias e notificações de violações de direitos, inclusive da violência intrafamiliar.

A cidade de Niterói pode ser considerada pequena, comparada a outras cidades próximas, pela extensão territorial tendo 129km² de área territorial. Mesmo assim, tem características de metrópole. Em 2004, ocupava a quinta posição em população e densidade demográfica no Estado, com 3.486 habitantes por Km² sendo que em 2007 já contava com uma população estimada de 474.002 habitantes.

É dentro deste contexto territorial que se encontram os três Conselhos Tutelares pesquisados, que são concretamente nosso campo de atuação.

O Conselho Tutelar é um “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (ECA, art. 131), é nesse sentido que o Conselho Tutelar pressupõe a não vinculação a partidos ou outros órgãos políticos ou subordinação ao poder local ou a outros órgãos jurisdicionais. Vincula-se à prefeitura, mas a ela não se subordina. Sua fonte de autoridade pública é o próprio Estatuto. Os conselheiros tutelares atuam na operacionalização de política de atendimento e no auxílio a profissionais e instituições que trabalham com a infância e adolescência, sempre que solicitados. Podemos perceber assim que

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O Conselho Tutelar se constitui em uma primeira etapa legal de ruptura com o processo de jurisdicionalização das questões relativas à infância e adolescência, especialmente nas camadas mais pobres. Conseqüentemente, apesar de todos os avanços, a ampliação desse espaço social abre caminho para que crianças e adolescentes não sejam somente “tratados” como caso de justiça e de polícia, mas que todo um aparato de profissionais e instituições possa intervir em prol de suas causas específicas; ou seja, a intervenção do Estado nesta faixa de idade e em suas famílias se alarga. (BARROS, 2005, p. 140)

Funcionando como órgão de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, os Conselhos Tutelares atuam da seguinte forma: os primeiros atendimentos normalmente são realizados pelos conselheiros tutelares5, nos quais constatam a denúncia de violação de direitos registrando nos prontuários e encaminhando para a aplicação das medidas legais cabíveis a cada caso. A partir da avaliação preliminar da denúncia, o conselheiro, de acordo com a necessidade, solicita a atuação do técnico e seu perecer (geralmente profissionais do Serviço Social, Psicologia, Pedagogia, Direito).

É com base neste modo de atuação que nossa pesquisa analisa tais prontuários nos quais se encontram os relatos dos atendimentos realizados pelos conselheiros e pelos técnicos, os dados da criança/adolescente e as medidas e encaminhamentos feitos tanto pelos técnicos quantos pelos conselheiros tutelares.

Cada prontuário é analisado e transcrito para uma ficha de entrada de dados6, que é o nosso principal instrumento de trabalho, onde os casos são caracterizados, a partir dos relatos, em: violência doméstica/intrafamiliar7, violação de direitos (RCN, escola, saúde, pensão), conflito familiar e violência social. Nesta ficha além de tais caracterizações são relatadas as informações da criança/adolescente como idade, sexo, cor e religião; por quem foi atendido, conselheiro ou técnico; qual foi a atuação e encaminhamentos dos profissionais e a justificativa quando se relaciona a violência.

Desse modo, as fichas de entrada de dados são analisadas no intuito de perceber como tais caracterizações estão se corporificando em nossa realidade, para podermos assim traçar um

5 Os conselheiros são escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução, sendo

exigida para tal escolha a idoneidade moral, idade superior a 21 anos, e ter residência no município (ECA, 1990, art., 133, art. 132)

6 Cabe ressaltar que os nomes das crianças/adolescentes e de seus familiares são eticamente preservados, não constando

assim nas fichas

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panorama de como que a violência intrafamiliar e doméstica se apresentam demonstrando da mesma forma seus impactos sobre as vítimas tanto nos aspecto objetivos quanto subjetivos.

1.2. Violência/abuso sexual contra crianças e adolescentes do sexo feminino: analisando a questão de gênero a partir da realidade

Com base em todas as análises feitas ao longo deste trabalho podemos compreender que a violência/abuso sexual contra crianças e adolescentes do sexo feminino é algo que merece uma melhor discussão, no que tange a relação de gênero que está totalmente imbricada nesta questão.

Neste sentido, a partir das pesquisas realizadas nos Conselhos Tutelares podemos perceber que dos 300 prontuários já analisados 7, ou seja, aproximadamente 2,3% são casos de abuso ou suspeita de abuso sexual. Vemos assim, que mesmo sendo algo que não parece muito recorrente – vale ressaltar que esses casos são os que chegam ao Conselho Tutelar, visto que muitos ainda estão ocultos dentro do ambiente familiar – os sete casos existentes necessitam de uma avaliação pois já é um número significativo, visto ser uma questão que infringe diretamente os direitos humanos e sexuais dessas crianças/adolescentes onde o menor número de casos possíveis já é qualitativamente muito grande.

Nestes casos de abuso sexual também podemos perceber a grande incidência de vítimas do sexo feminino, onde dos 7 casos analisados apenas 1 é do sexo masculino, sendo que desses 6 casos onde as vítimas são do sexo feminino, 5 tem como suposto abusador algum homem de sua família ou rede de afinidade como pais, padrastos, tios, empregados e no caso onde a vítima foi do sexo masculino o suposto abusador era um desconhecido da família Ou seja,

As pesquisas apontam que, quando se trata de abuso sexual ocorrido no espaço doméstico e familiar, há uma maior predominância do homem como agressor e da mulher como vítima (...). Os meninos também são vítimas de abuso sexual, mas a incidência maior acontece fora da família, em geral perpetrado por adultos não parentes. Dentre os parentes envolvidos em abuso sexual intrafamiliar, o grande vilão é o pai. (ARAÚJO, 2002 ,p. 6)

Dos casos apontados o único que o abuso não foi perpetrado com contato físico foi o que a vítima era do sexo masculino sendo o ato cometido através do exibicionismo e abuso verbal. Os demais casos onde todas as vítimas eram do sexo feminino, o abuso ocorreu com contato físico, mas aparentemente sem penetração.

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violência constitui um componente fundamental do adestramento das mulheres à ordem social patriarcal. A garantia de sobrevivência e de manutenção da família tem na obediência dos filhos e na submissão e dependência das mulheres, a metodologia operativa da dominação patriarcal, terreno fértil para a ocorrência de abusos. (DOSSIÊ, 2005, p. 22)

Na sociedade brasileira o abuso sexual e os maus-tratos de crianças e de adolescentes, podem estar relacionados a diversos fatores sendo a forma de organização e a distribuição do poder e dos papéis no interior da família e as relações de dominação-exploração entre homens e mulheres e entre adultos e crianças estabelecidas historicamente, algo que deve ser enfatizado diante das questões apontadas anteriormente.

Vemos que a ideologia machista (de gênero) e a de idade, que autoriza o poder de adultos sobre crianças e adolescentes têm validado historicamente os homens e os adultos a exercer poder sobre os mais jovens e as mulheres. O patriarcalismo coloca a subordinação da mulher e dos filhos a autoridade masculina no ambiente familiar dando origem assim a culturas de dominação e violência (DOSSIÊ, 2005; CARNEIRO, 2007 apud CASTEL, 1999). “Dentro dessa ótica, a ordem patriarcal é vista como um fator preponderante na produção da violência de gênero, uma vez que está na base das representações de gênero que legitimam a desigualdade e dominação masculina internalizadas por homens e mulheres.” (ARAÚJO, 2008)

Neste âmbito de dominação não só das crianças/adolescentes vemos também que os familiares, sobretudo as mães estão da mesma forma sob este jugo masculino fazendo com que o abuso sexual intrafamiliar se torne um fato que não envolve somente a vítima e o abusador, mas também os outros membros da família,seja no “silêncio”, seja na participação ativa no abuso ou na organização dos papéis sexuais dentro do contexto familiar.

É deste modo que podemos perceber que diante de uma maioria de casos onde as vítimas de abuso sexual são meninas se corporifica uma violência de gênero, ou seja, devemos ter em mente a questão de gênero e da dominação masculina se faz presente demonstrando que o fato de que quase todas as vítimas serem do sexo feminino realmente não é uma mera coincidência, mas sim uma questão que envolve relações que são construídas socialmente em nossa realidade.

Assim, para finalizar vemos a importância do papel dos Conselhos Tutelares como órgãos de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes visto que a violência intrafamiliar e doméstica e mais especificamente abuso sexual

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violência que ocorre dentro da própria família. É difícil também para os profissionais, que muitas vezes não sabem como agir diante do problema. (ARAÚJO, 2002, p. 6)

Portanto devemos atentar para a necessidade da capacitação constante dos profissionais que lidam no atendimento as vítimas dessa violência, em especial os conselheiros tutelares, visando assim, uma maior concretude do Estatuto da Criança e do Adolescente.

REFERÊNCIAS

ANJOS, Gabriele. Identidade sexual e identidade de gênero: subversões e permanências. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 2, nº 4, jul/dez 2000, p.274-305.

ARAUJO, M. F. Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo de poder e dominação. In: Psicologia para América Latina, n 14, México out. 2008

_____. Violência e abuso sexual na família. In: Psicol. estud., jul./dez. vol.7, no.2, 2002, p.3-11 CARNEIRO, Sandra Ricardo da Silva.Um olhar sobre o sistema de atendimento à criança e a adolescente vítimas de violência sexual intrafamiliar. Niterói, 2007, 126 f. Dissertação

(Mestrado em Política Social)- Programa de Pós-Graduação da Universidade federal Fluminense, 2007.

BARROS, Nívia Valença. Violência intrafamiliar contra criança e adolescente.Trajetória histórica, políticas sociais, práticas e proteção social. Rio de Janeiro, 2005, 266 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica, 2005.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8069 de 13/07/1990. Dossiê – Violência de Gênero Contra Meninas, 2005. Disponível em :

http://www.redesaude.org.br/Homepage/Dossi%EAs/Dossi%EA%20Viol%EAncia%20de%20G%E Anero%20Contra%20Meninas.pdf Acessado em: 8 julho 2009

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HEILBORN, Maria Luiza. Entre as tramas da sexualidade brasileira. In: Estudos Feministas, Florianópolis, n 14, janeiro-abril/2006

SAFFIOTI, Heleieth I.B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. In: Cadernos Pagu 16, 2001, p. 115-136.

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