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O LAZER NOS MOVIMENTOS DOS SEM-TERRA I. INTRODUÇÃO

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Academic year: 2021

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Prof. Ms. Luiz Fernando Camargo Veronez Universidade Federal de Pelotas Doutorando em Estudos do Lazer/FEF/UNICAMP Profa. Ms. Valdelaine da Rosa Mendes Universidade Federal de Pelotas

I.

INTRODUÇÃO

A super-exploração das classes trabalhadoras, o aniquilamento dos direitos tra-balhistas, o crescimento das desigualdades sociais e a exclusão social configuram a face mais perversa do modo de produção capitalista em sua fase neoliberal e globalizada. Vários autores observam que os efeitos são potencialmente maiores quando nos referi-mos aos países que aderiram a esta “onda” apenas na sua perspectiva econômica, como é o caso do Brasil1. Neste contexto, no âmbito da sociedade civil surgiu, nas últimas duas décadas, movimentos sociais e comunitários organizados que buscam em seu coti-diano construir alternativas de sobrevivência, tentando criar e desenvolver novas rela-ções e valores nas esferas do trabalho, do lazer e da educação. Caracterizando-se como grupos de resistência e exercendo pressão sobre os poderes constituídos para terem suas demandas atendidas, tais movimentos acumulam experiências ainda pouco socializadas entre eles mesmos.

O objetivo deste artigo consiste em relatar e discutir algumas questões relativas as experiências vivenciadas por trabalhadores assentados do Movimento dos Sem-Terra (MST - Piratini - RS) na esfera do lazer. Buscamos identificar o significado destas ex-periências em termos conceituais, o valor e o lugar a elas atribuído, suas contradições e diferenças de apropriação por integrantes deste movimento social. Este trabalho compõe parcialmente resultados obtidos na implantação do projeto de pesquisa-ação “Experiên-cias cooperativas no campo e na cidade: subsidiando políticas públicas em trabalho, educação e lazer”.

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II. O LAZER NO COTIDIANO DOS ASSENTAMENTOS

Podemos considerar o lazer como uma atividade singular, possuidora de certas qualidades e que sua finalidade é a de atender certas necessidades. Também podemos considerar o lazer como uma das atividades que compõem a vida cotidiana2 e que, como tal, sujeita-se a uma hierarquia3 estabelecida por valores ou pela importância que damos ou que somos levados a dar aos nossos diversos tipos de atividades.

Quando observamos a vida cotidiana dos trabalhadores Sem-Terra na maior parte dos assentamentos, verificamos que as condições econômicas e sociais determi-nam sobremaneira os valores atribuídos a cada uma das atividades desenvolvidas para satisfazer suas necessidades de sobrevivência, impondo-se o trabalho e sua organização de forma prioritária e praticamente exclusiva.

(...)E essa questão do lazer também é muito complicado, poucos as-sentamento já têm um trabalho mais desenvolvido nessa questão do lazer, a maioria até por questão de política mesmo do governo federal que tem um projeto para o Brasil hoje, que faz com que escravize o povo e não sobra tempo para o lazer, porque é uma política escravi-zadora porque quanto mais tu trabalha, mais tu vai ter que trabalhar para ti conseguir ter o que comer, o básico, muitas vezes nem conse-gue isso, mas é em função de que se nós não trabalhar nós estamos mal... (Fala de um trabalhador sem terra)

As condições de vida dos trabalhadores Sem-Terra nos assentamentos pesquisa-dos até este momento são muito precárias, difícil até de se imaginar: os assentamentos não possuem infra-estrutura básica (água, energia elétrica, estradas); as escolas na maior parte das vezes são distantes; é comum a terra conquistada não ser apropriada para agricultura e pecuária; o financiamento necessário à produção, quando existe, além da dificuldade de ser obtido, possui juros elevados; faltam informações sobre como e o que produzir; o que é produzido, quando sobra, não é comercializado com facilidade; o

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Situamos o lazer como Agnes HELLER, ou seja, uma atividade humana que pertence à esfera da vida cotidiana. A vida cotidiana é, segundo a autora, "o conjunto de atividades que caracterizam a reprodução dos homens particulares, os quais, por sua vez, criam a possibilidade da reprodução social”.HELLER, Agnes. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ed. Península, 1977, p. 19.

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Uma das principais características da vida cotidiana é a sua "heterogeneidade". Esta heterogeneidade refere-se tanto aos conteúdos como à importância que damos aos nossos tipos de atividades. Por isso, além de heterogênea, a vida cotidiana é "hierárquica." HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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verno local faz o mínimo em benefício dos assentados; é comum a população local con-sidera-los intrusos e hostiliza-los, etc. São estes alguns dos componentes que determi-nam a necessidade de trabalho excessivo, pouco produtivo e o mínimo de tempo para satisfazer outras necessidades além das mais básicas.

Entretanto, são exatamente estas condições que mobilizam os trabalhadores Sem-Terra a buscarem alternativas de trabalho e renda como a organização de coopera-tivas, novos valores definidores de princípios educativos, baseados na solidariedade e na preparação para o trabalho cooperativo e novas formas de relações sociais, baseadas na igualdade, na democracia e na vida comunitária.

Na esfera do lazer observa-se a preocupação dos trabalhadores Sem-Terra com a situação vigente. Eles têm consciência que lazer não é só uma questão de falta de tempo e que existem outras limitações impostas ao desenvolvimento de atividades nesta esfera de ação. Um exemplo disso é o problema da falta de espaços destinados a este tipo de atividades nos assentamentos.

E na questão do lazer, olhando o conjunto da região e olhando o conjunto do movimento, nós estamos discutindo isso inclusive temos encontro da nossa juventude, temos de avançar muito, praticamente nós não temos espaço de lazer olhando o conjunto dos assentamentos. O que nós temos hoje é uma cancha de bocha, sendo que bocha é pa-ra velho. Então, nos assentamentos que tem, o pouco que tem é can-cha de bocan-cha e algum assentamento que hoje está se integrando mais à quanto do futebol, mas no geral nós não temos espaço nem política de lazer e é uma preocupação do movimento, inclusive da nossa ju-ventude que hoje estão se afastando dos assentamentos porque só trabalhar e chega no final de semana não tem o que fazer. (Fala de trabalhador assentado)

Embora a maior parte do tempo seja ocupado com a atividade trabalho e prati-camente não existam espaços mais adequados às atividades de lazer, observamos que os trabalhadores Sem-Terra buscam alternativas nas formas de promoverem e usufruírem experiências nesta esfera de seu cotidiano. Na fala do trabalhador a seguir podemos ob-servar alguns aspectos da organização e os conteúdos das atividades de lazer.

... digamos assim que possa envolver os companheiros homens, as companheiras mulheres, a juventude, então cada um busca fazer o que acha que estaria bom para o momento, tipo assim, os homens são os que mais conseguem estar juntos, vão jogar canastra, jogam uma bochinha, enfim, conseguem fazer, agora as companheiras mulheres

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não têm nenhuma atividade de lazer dentro da cooperativa, ficam umas visitando as outras, outras aproveitam para descansar, enfim, não tem, então a gente não conseguiu organizar isso dentro da coo-perativa. A juventude se organiza, vai jogar futebol, tem uma relação boa com as comunidades vizinhas, joga futebol hoje aqui, três quatro fins de semana encorduado4 vai visitar outras comunidades no fute-bol, alguns outros companheiros e companheiras da cooperativa se envolvem um pouco nisso no sentido de ir, mas não tem nenhuma ati-vidade hoje que a cooperativa desenvolva de lazer que possa juntar. Alguns momentos a gente faz, nas festinhas nosso tipo assim, tem dois ou três companheiros de aniversário no mês a gente junta numa noite, vai lá para o refeitório faz uma galinhada, faz um bailesinho, toma um vinho, então faz um momento de lazer. Isso está um pouco esque-cido hoje dentro da cooperativa, em algum momento esteve melhor, então a gente hoje não têm nenhuma atividade maior planejada no sentido de até resgatar isso que a gente fazia, porque isso tinha uma relação boa entre as famílias no sentido de se encontrar para tomar um vinho, comer uma galinhada, dançar um pouco, está meio esque-cido hoje, na verdade hoje, cada um faz o que acha que é melhor no momento.(Fala de trabalhador assentado)

A fala do trabalhador acima e a próxima demonstram que, embora seja uma preocupação do MST estabelecer relações de igualdade em todas as esferas do cotidia-no, há contradições no que se refere a apropriação e o acesso às atividades de lazer entre homens e mulheres.

É muito complicado essa questão do lazer, mesmo porque o tempo que sobra para lazer é muito pouco, o lazer é raro, principalmente na questão das mulheres que têm muito pouco tempo para lazer.(Fala de trabalhador assentado)

Podemos inferir pela fala deste trabalhador, na ênfase que dá “principalmente

na questão das mulheres que têm muito pouco tempo para lazer”, que a situação da

mulher nos assentamentos pode estar se reproduzindo tal qual na sociedade tradicional tão criticada pelo movimento. Ou seja, a mulher continua cumprindo a dupla jornada de trabalho: além de acompanhar o homem na jornada do trabalho economicamente produ-tivo, na esfera do trabalho doméstico, economicamente não produprodu-tivo, é ela que assume sozinha as responsabilidades.

Outra fala, agora de uma trabalhadora, nos dá elementos para inferir também que determinados valores da sociedade estejam se reproduzindo na esfera do lazer. Como podemos observar, na sociedade capitalista, há “tradições” que determinam o que é

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vidade masculina e o que é atividade feminina. Embora a divisão por gênero tenha sido rompida na esfera do trabalho economicamente produtivo, em outras esferas do cotidi-ano nos assentamentos isso ainda é precário. No lazer, o jogo de cartas, o jogo de bocha e o jogo de futebol parecem ser atividades exclusivamente masculinas. Para as mulhe-res, além de ficarem “visitando umas as outras”, parece que o espaço de jogo também tem que assumir contornos de gênero:

Nós agora estávamos tentando organizar um campo de vôlei para a mulhe-rada, daí eu acho que agora vai sair, aí nós vamos ter lazer para nós.(trabalhadora assentada)

III.

O

SIGNIFICADO DE LAZER NO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

SEM-TERRA: APONTANDO ALGUMAS CONTRADIÇÕES

A singularidade das atividades de lazer face às outras atividades da vida cotidi-ana, facilmente constatada nas representações dos trabalhadores Sem-Terra, poderia nos levar a concluir, de modo semelhante a outros autores, que, quando o homem está situ-ado nesta esfera, há um "rompimento" com a vida cotidiana. No entendimento destes autores, a vida cotidiana tem de ser interrompida para que seja possível saciar nossa necessidade de recreação e compensar nossas insatisfações.

Jofre DUMAZEDIER, ao analisar uma das funções do lazer – a que compreende o divertimento, recreação e entretenimento –, concorda que o lazer constitui uma ruptu-ra com o cotidiano.5 Referindo-se a Henri LEFEBVRE, quando este salienta que as conseqüências da alienação do ser humano na época contemporânea o conduzem "a um

sentimento de privação e à necessidade de ruptura com o universo cotidiano", o

soció-logo observa que, de acordo com a circunstância,

"ela (a ruptura) poderá ser um fator de equilíbrio, um meio de

supor-tar as disciplinas e as coerções necessárias à vida social. Daí a busca de uma vida de contemplação, de compensação, de fuga por meio de divertimento e evasão para um mundo diferente, e mesmo diverso, do enfrentado todos os dias.6

A possibilidade de se distinguir o lazer das demais atividades que compõem a

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vida cotidiana, não significa que esta esfera rompa com as demais. Aliás, diversamente da forma como DUMAZEDIER considera a ruptura da qual fala LEFEBVRE, conforme Paulo de Salles OLIVEIRA esclarece, "mesmo sendo interpretado como resposta para

determinadas insatisfações sociais, nem sempre efetivamente traduz uma ruptura". De

acordo com o autor, citando ainda LEFEBVRE, ela pode ocorrer apenas na aparência. 7 Por outro lado, alguns autores, ao atribuírem às atividades de lazer o predicado "compensação", não o fazem referindo-se a todas as atividades cotidianas, mas, especi-ficamente, apenas a uma determinada atividade presente nesta esfera. Na maior parte das vezes, esta atividade é o trabalho. De acordo com Nelson Carvalho MARCELLINO, são muitos os estudiosos que se "referem à oposição que se verifica entre o trabalho –

alienado, mecânico, fragmentado e especializado – das sociedades modernas, e a rea-lização individual. Nesta ótica, o lazer compensaria a insatisfação e a alienação do trabalho.8

Newton CUNHA salienta o aspecto contraditório do trabalho humano, isto é, por um lado, nós o desejamos, pois é o meio de satisfazermos nossas necessidades básicas; por outro, o negamos "como se houvesse, permanentemente, uma outra ordem de

ca-rências que ele não apenas não pode, como impede de satisfazer."9 O lazer seria, então, uma compensação às próprias relações de trabalho.

Os elementos que constituem as falas sobre lazer dos trabalhadores Sem-Terra são produtos de uma aproximação imediata face às suas vivências na esfera do lazer. Como salienta HELLER, "o pensamento cotidiano não é separado das formas de

ativi-dades da vida cotidiana."10. Traduzidas em palavras ou escritas, estas representações manifestam um saber cotidiano. Mas o que é o saber cotidiano? O saber cotidiano, de acordo com HELLER, referindo-se a Platão, "é sempre e somente opinião (doxa), não é

saber filosófico ou científico (episteme).11 Este tipo de conhecimento não está assen-tado numa atitude reflexiva frente à realidade; portanto, está mais sujeito à alienação.

Nas representações de lazer, podemos perceber facilmente que elas estão

6

DUMAZEDIER, Jofre. Op. cit., p. 33. Uma crítica à concepção de vida cotidiana como "o que acontece todos os dias" ou "cotidianamente" é encontrada em HELLER, Agnes. Op. cit., 1977, p. 20-1.

7

OLIVEIRA, Paulo de Salles. O Lúdico na vida cotidiana. In: BRUHNS, Heloisa T. (org.). Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 13.

8

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987, p. .36-7.

9

CUNHA, Newton. A felicidade imaginada. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 8.

10

Idem, ibidem, p. 102.

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cionadas pelas circunstâncias12 a que estão sujeitos os trabalhadores. O significado de lazer em face a estas circunstâncias, que não oferecem outra alternativa a não ser a de suportá-las de forma resignada, não poderia ser outro senão aquele associado às ativi-dades compensatórias que, de alguma forma, distraia, relaxe, divirta e alegre o traba-lhador.

Qualquer conceituação de caráter conclusivo assentado apenas em tais repre-sentações, não ultrapassa o que Karel KOSIK chamou de "formas fenomênicas da

realidade", isto é, "aquelas que se reproduzem imediatamente na mente daqueles que realizam uma determinada práxis histórica, como conjunto de representações ou cate-gorias do 'pensamento comum' (que apenas por 'hábito bárbaro' são consideradas conceitos)."13 De acordo com o autor, se fosse possível conhecer a realidade de forma imediata, não haveria necessidade da ciência e da filosofia.14

Entretanto, percebemos que, no nível acadêmico e na literatura especializada, os conceitos mais aceitos e, portanto, paradigmáticos, são aqueles elaborados levando em consideração apenas as representações dos trabalhadores. São poucos os autores, mesmo aqueles que creditam ao lazer sua capacidade de romper com o cotidiano, que conse-guem ultrapassar este nível ao elaborarem suas conceituações (mais certo, neste caso, seria dizer representação). No máximo, o que fazem é uma reprodução daquelas repre-sentações, obviamente de uma forma mais elaborada, mas apenas reprodução. É assim, por exemplo, que DUMAZEDIER elabora sua definição de lazer. Suas referências são obtidas a partir de uma enquete feita junto a operários numa cidade da França. Escreve o autor:

Lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entgar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, re-crear-se e entreter-se, ou ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.15

Dentro desta mesma concepção, embora partindo de referências obtidas em ou-tros autores, entre eles o conceito de DUMAZEDIER, Renato REQUIXA considera o

12

Sobre o conceito de circunstância, ver HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

13

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

14

Idem, ibidem, p. 17.

15

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lazer como (...) ocupação não-obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vive, e

cujos valores propiciam condições de recuperação psicossomática e de desenvolvimen-to social.16

Os elementos utilizados pelos trabalhadores para expressarem seus pensamentos sobre lazer poderiam já indicar alguns caminhos "seguros" a ser trilhados para a im-plantação de uma política de lazer juntos aos assentamentos. Ainda mais quando tais representações podem ser tão bem referendadas por dois estudiosos do quilate de DUMAZEDIER e REQUIXA.

No entanto, pensamos que as representações de lazer assentadas em valores que lhe dão um sentido de "compensação" às insatisfações cotidianas ou de atividade que conserva a noção de "rompimento" com o cotidiano, não devem ser as mediadoras das ações dos assentamentos neste setor. Podem, no máximo, ser consideradas como um ponto de partida para aquilo que se quer transformar.

Concordamos com MARCELLINO quando ele situa as concepções daqueles dois estudiosos no interior das abordagens funcionalistas do lazer, pois, nas palavras do próprio autor, destes conceitos

(...) pode-se depreender uma visão 'funcionalista' do lazer, altamente conservadora, que busca a 'paz social', a manutenção da 'ordem', ins-trumentalizando o lazer como fator de ajuda (...) 'a suportar a disci-plina e as imposições obrigatórias da vida social, pela ocupação do tempo livre em atividade equilibradas, socialmente aceitas e moral-mente corretas'. " 17

Nesta visão de lazer, podemos acrescentar ainda, está implícita toda uma con-cepção de vida em que os valores da sociedade estão baseados em relações de

"subor-dinação" e de "domínio" além de sua "facticidade". Embora ainda esteja por ser

cons-truída a atuação do MST no setor do lazer que tenha como fim romper com esta concepção, acreditamos que é exatamente desta maneira que devemos encará-la. Aqui estamos novamente nos apoiando em HELLER, quando salienta que "todo homem

pen-sante, que queira transcender a sociedade baseada em relações de subordinação e de domínio, critica e rechaça a sua facticidade, situando-se na ótica de uma utopia."18

16

REQUIXA, Renato. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC, 1980, p. 35.

17

MARCELLINO, Nelson C. Op. cit., p. 38.

18

HELLER, Agnes. El ideal del trabajo desde la optica de la vida cotidiana, in: La revolucion de la vida cotidiana. Barcelona: Editorial Materiales, 1979.

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BIBLIOGRAFIA

CUNHA, Newton. A felicidade imaginada. São Paulo: Brasiliense, 1987. DUMAZEDIER, Jofre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976. FIORI, José Luiz. Em busca do dissenso perdido. Rio de Janeiro: Insight, 1995.

HELLER, Agnes. El ideal del trabajo desde la optica de la vida cotidiana, in: La revolu-cion de la vida cotidiana. Barcelona: Editorial Materiales, 1979.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. HELLER, Agnes. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ed. Península, 1977. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.

OLIVEIRA, Paulo de Salles. O Lúdico na vida cotidiana. In: BRUHNS, Heloisa T. (org.). Introdução aos estudos do lazer. Campinas: Editora da Unicamp, 1997. REQUIXA, Renato. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC, 1980.

RESUMO

A sociedade brasileira presenciou, nos últimos quinze anos, paralelamente à implanta-ção das políticas econômicas neoliberais, o surgimento de movimentos sociais organi-zados que buscam construir alternativas de sobrevivência, criando e desenvolvendo novas relações e valores em todas as esferas do cotidiano. Caracterizando-se como grupos de resistência que exercem pressão sobre os poderes constituídos, buscando o atendimento de demandas em termos de políticas públicas que respondam as suas ne-cessidades de melhoria de qualidade de vida, o Movimento dos Sem-Terra (MST) têm acumulado recentemente experiências na esfera do lazer. O objetivo deste trabalho é o de analisar e discutir os significados das práticas e relações sociais estabelecidas no lazer com vistas a contribuir para a elaboração de propostas de políticas públicas nesta esfera da ação humana. Os dados foram coletados em assentamentos do MST, no município de Piratini - RS . Por um lado, observou-se que os significados manifesta-dos por ambos os movimentos estão ainda associamanifesta-dos a uma visão instrumental, com-pensatória e utilitarista do lazer, isto é, o lazer ainda é entendido como uma atividade que tem a capacidade de proporcionar basicamente distração, divertimento, compen-sações aos esforços despendidos e recuperação da força de trabalho. Por outro lado, observou-se também que existe uma preocupação acentuada com a questão do lazer, o que demonstra uma superação de preconceitos históricos em relação ao assunto, ges-tados pela hegemonia da moral do trabalho na sociedade capitalista. Os elementos constituintes dos significados expressos pelos assentados ainda são produto de uma aproximação imediata face às suas práticas na esfera do lazer. No entanto, desde já é possível visualizar alguns desafios colocados para um projeto que objetive subsidiar propostas de políticas públicas nesta área, isto é, re-significar estas práticas de forma a romper com valores sociais construídos a partir de relações de dominação presentes no modo de produção capitalista.

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