Registro: 2016.0000252753
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 2185270-44.2015.8.26.0000, da Comarca de Santo André, em que são agravantes JOICE JAQUELINE MATOS e LAUDICEIA DO NASCIMENTO GOMES (JUSTIÇA GRATUITA), é agravado JAIME JOÃO VIEIRA.
ACORDAM, em 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FELIPE FERREIRA (Presidente sem voto), ANTONIO NASCIMENTO E BONILHA FILHO.
São Paulo, 14 de abril de 2016.
J. PAULO CAMARGO MAGANO RELATOR
AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2185270-44.2015.8.26.0000 AGRAVANTES: JOICE JAQUELINE MATOS E LAUDICEIA DO NASCIMENTO GOMES
AGRAVADO: JAIME JOÃO VIEIRA INTERESSADO: DANIEL GOMES COMARCA: SANTO ANDRÉ VOTO Nº 4849
Agravo de instrumento. Locação de imóveis. Impenhorabilidade do bem de família. Não é oponível a impenhorabilidade do bem de família ao único imóvel do fiador em contrato de locação, de acordo com o artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90. O direito real de usufruto não é penhorável (art. 1.393, CC e art. 833, I, do CPC/2015), mas, tão somente, a nua propriedade. Fiadora detentora dos direitos do usufruto que reside no imóvel com sua família. Inaplicável à hipótese o art. 834, do CPC/2015. Afastada a penhora sobre o direito de usufruto. Recurso parcialmente provido.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por JOICE JAQUELINE MATOS e LAlDICEIA DO NASCIMENTO
GOMES contra decisão proferida em execução por título extrajudicial que
lhes move JAIME JOÃO VIEIRA, do seguinte teor:
“Vistos. JOICE JAQUELINE MATOS e
LALDICEIA DO NASCIMENTO GOMES postulam a desconstituição da penhora lançada sobre imóvel de que são proprietárias. Invocam se tratar a casa de bem de família que não foi dado como garantia no contrato de locação em que constaram como fiadoras. Alegam, ainda, excesso de execução. O
exequente se manifestou a fls. 201/207. É o relatório do essencial. Fundamento e decido. A questão em litígio é exclusivamente de direito. Como se verifica do contrato de locação que lastreia a execução, as executadas foram fiadoras do locatário, fls. 21. O contrato foi celebrado sob a égide da Lei nº 8.245/91. O art. 82 da Lei nº 8.245/91 modificou a mencionada Lei nº 8.009/90, excluindo a impenhorabilidade do bem de família em caso de fiança concedida em contrato de locação. É especificamente o caso dos autos, pelo que de rigor a improcedência do pedido formulado pelas devedoras. Cito: "LOCAÇÃO Fiança Bem da família -Penhora - Lei nº 8.009/90. Sendo proposta a ação na vigência da Lei nº 8.245/91, válida é a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatício da impenhorabilidade do bem de família. Não há ofensa ao artigo 6º do Decreto-lei nº 4.657/42 (LICCB)."(STJ - REsp. nº 74.858 - SP - Rel. Min. Félix Fischer - J. 11.03.97 - DJU 05.05.97). "BEM DE FAMÍLIA -Impenhorabilidade - Lei nº 8.009/90 -Obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação - Penhora válida, ainda que ajuizada a execução sob a égide da referida norma - Inteligência dos artigos 76 e 82, da Lei nº 8.245/91. Execução de alugueres e encargos - Efetivada na vigência da atual Lei de Locações, válida é a penhora de único
imóvel residencial do fiador, mesmo que ajuizada a execução sob a égide da Lei nº 8.009/90. Exegese dos artigos 76 e 82 da Lei nº 8.245/91. Válida, é a penhora, realizada consoante a autorização do artigo 82, porquanto o processo de execução não prevalece a restrição imposta pelo artigo 76 da Lei de Locações."(2ºTACivSP - Ap. c/rev. nº 442.611-00/6 - 6ª Câm. - Rel. Juiz Paulo Hungria - J. 19.12.95). RT 730/264. Ademais, como nua proprietária e usufrutuária são devedoras, nada impede a constrição de ambos os direitos reais, para fins de pagamento ao credor. Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de desconstituição da penhora, e condeno as impugnantes ao pagamento das custas e despesas processuais relacionadas a este incidente, ressalvada a concessão de justiça gratuita. Verifique a serventia: 1. Se foi dado integral cumprimento à decisão de fls. 163, quanto à publicidade da penhora efetivada, via ARISP (item 4 do "decisum"), providenciando-se o necessário e certificando-se; 2. Qual o valor da conta bancária do executado Daniel que continua constrito em razão da decisão de fls. 138, devendo providenciar a transferência a este juízo para liberação em favor do credor, por guia de levantamento, certificando-se; 3. Se já houve liberação, em favor dos respectivos devedores, dos valores cujo desbloqueio foi determinado a fls. 138,
devendo providenciar tal levantamento, salvo quanto ao valor mantido constrito mencionado no item 2. Determino que o exequente se manifeste em termos de prosseguimento, descontando do cálculo atualizado do valor da dívida, que deverá apresentar em 10 dias, junto com a manifestação, a quantia que poderá levantar, bloqueada da conta do executado Daniel. Dispensada a intimação do ex-marido de Joice, quanto à penhora, pois foram casados com separação total de bens. Intimem-se e cumpra-se.”(fls. 10/11).
Pugnando pela reforma da decisão recorrida, sustentam as agravantes que o imóvel penhorado não foi dado como garantia do contrato de locação. Além disso, o imóvel é bem de família, portanto, a sua penhora seria inconstitucional. Alegam que a parte do imóvel destinado à agravante Laldicéia é gravada com usufruto, o que impede a penhora.
Recurso tempestivo, sem preparo diante dos benefícios da assistência judiciária gratuita às agravantes (fls. 87 e 113) e objeto de contraminuta (fls. 216/222).
Ausente pedido de efeito suspensivo.
É o relatório.
Não é oponível a impenhorabilidade do bem de família ao único imóvel do fiador em contrato de locação, de acordo com o artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90.
O tema já está pacificado neste Egrégio Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula nº 8, segundo a qual “é
penhorável o único imóvel do fiador em contrato locatício, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009, de 29/03/1990, mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 26, de 14.02.2000”.
Por sua vez, o C. STF, em sede de
repercussão geral, pacificou o entendimento assentado na jurisprudência daquela Corte, reconhecendo a constitucionalidade da penhora sobre o bem de família do fiador, mesmo após a EC 26/2000 (Repercussão Geral nº 612.360/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe 03/09/2010).
De outra banda, desnecessário que o fiador ofereça o seu imóvel em garantia do contrato de locação, para que seja autorizada a penhora sobre ele.
Aliás, tal situação caracterizaria oferta de duas modalidades de garantia, caução e fiança, eivando de nulidade o contrato, diante da vedação expressa do artigo 37, parágrafo único da Lei 8.245/91,.
Assim, é justamente o fato de as fiadoras não terem ofertado o seu imóvel como garantia da locação que autoriza recair a penhora sobre ele.
Todavia, o direito real de usufruto não é penhorável (art. 1.393, CC e art. 833, I, do CPC/2015), mas, tão somente, a nua propriedade.
Ademais, ante a notícia, não impugnada, de que a fiadora detentora dos direitos do usufruto reside no imóvel com sua família, inaplicável à hipótese o art. 834, do CPC/2015.
Nesse sentido, os seguintes julgados deste E. Tribunal de Justiça:
“Locação - Embargos à execução - Execução
de título judicial, consistente em acordo homologado entre as partes - Por ausência de amparo legal não se admite penhora sobre o exercício de usufruto do imóvel onde reside a fiadora, já que o usufruto em questão não gera rendimentos nem frutos à devedora - Recurso provido.” (Apelação nº 9225438-81.2006.8.26.0000, Rel. Silvia Rocha, J. 08/02/2011).
“Cumprimento de sentença. Penhora. Impugnação. Acolhimento. Alegação de bem de família. Benefício que não pode ser invocado por quem figura no negócio jurídico como fiador. Exclusão prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei 8.009/90. Reconhecimento pelo STF da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador do contrato de locação. Constrição permitida, mas limitada à nua propriedade. Impenhorabilidade do usufruto. Recurso provido em parte. A exceção de impenhorabilidade do bem de família não alcança a fiança dada em contrato de locação de imóvel (art. 3º, VII, da Lei
8.009/90), reconhecendo o Supremo Tribunal Federal, pelo Pleno, a constitucionalidade da norma federal. Mas, a constrição deve recair tão somente na nua propriedade, mesmo porque impenhorável o usufruto instituído em favor da co-devedora, não havendo suporte, ainda, para sustentar excesso de penhora.”
(Agravo de instrumento nº
2068981-62.2014.8.26.0000, Rel. Kioitsi Chicuta, J. 03/07/2014).
“Locação de imóveis - ação de despejo por
falta de pagamento cumulada com cobrança -execução - embargos de terceiro opostos pelos fiadores sentença de improcedência -apelação dos embargantes - o direito real de usufruto não é penhorável, mas a nua propriedade é, e tendo a constrição judicial sobre esta recaído em 19.06.2001, pouco importa haver sido averbada na matrícula, em 24.06.2002, a cláusula de impenhorabilidade que gravava o imóvel doado com reserva daquele, pois naquela altura tal gravame era desconhecido pelo exequente, não o alcançando consequentemente, isso validando a penhora lavrada - recurso improvido.”
(9198738-05.2005.8.26.0000, Rel. Palma Bisson, J.19/01/2012).
Assim, a penhora não poderia ter recaído sobre os direitos de usufruto da fiadora Laldicéia do Nascimento Gomes, nos termos em que lançada (fls. 147).
Portanto, merece parcial reforma a r. decisão agravada, apenas para afastar a penhora sobre os direitos de usufruto, mantida no tocante à nua propriedade.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso.
J. PAULO CAMARGO MAGANO RELATOR