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Setor Elétrico no Brasil: A Agenda Esquecida

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Academic year: 2021

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Setor Elétrico no Brasil: A Agenda Esquecida

Cyro Vicente Boccuzzi *

O Brasil vem atravessando o período mais difícil e incerto já vivido pelo seu setor elétrico, decorrentes de decisões questionáveis de gerenciamento do clima, e simultaneamente de muitas mudanças regulamentares e legislativas inoportunas, decididas unilateralmente pelo governo brasileiro sem o devido planejamento, avaliação das consequências e articulação setorial, a partir de setembro de 2012.

Existem simultaneamente condições adversas do lado climático, econômico e fiscal, atingindo a totalidade de públicos interessados, sejam as empresas de energia (Geração, Transmissão e Distribuição), os comercializadores, a indústria fornecedora de bens e serviços ao setor e, finalmente, e mais importante, os consumidores, que foram inicialmente preservados, mas agora estão sentindo as consequências e contribuindo duramente para o ajuste de contas. Enfim, todos os agentes e públicos interessados foram afetados e ninguém parece estar satisfeito.

Dentro deste cenário de incertezas e preocupante no curto prazo, com custos e riscos aumentando para todos os agentes, estão se acumulando um numero absurdo de pendências relevantes em temas fundamentais que ainda não foram adequadamente avaliados e tampouco consensualmente endereçados;

• Discussões sobre a conveniência de racionalização voluntária ou de um racionamento formal, na medida em que a primeira medida traz resultados incertos e custos insustentáveis ainda não lastreados para alguns agentes. Além disso, caso medidas de contenção simples permitam afastar no curto prazo o racionamento, estas medidas, se insuficientes, podem implicar, dependendo do regime de chuvas futuro, em um racionamento mais profundo e danoso no médio e longo prazo;

• Dúvidas essenciais e elementares quanto ao incerto futuro das concessões de várias distribuidoras, que estarão expirando em 2015, sem sequer o inicio das discussões organizadas das regras para a sua definição. A partir de julho de 2015 e até 2017 expiram 35 contratos de importantes empresas do setor, como Cemig (MG), Copel (PR), a CEB (Brasília), a Celesc (Santa Catarina) e a CEEE (Rio Grande do Sul), além de todas as sete distribuidoras controladas atualmente pela Eletrobras que respondem por estados como Alagoas, Piauí, Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Mais uma vez o governo federal informou que as regras, apesar de ainda não divulgadas, já foram definidas, novamente sem transparência, discussão e planejamento envolvendo os agentes. O governo federal, surpreendentemente, em meio à maior crise de liquidez das distribuidoras, informou apenas que considera cobrar a outorga de uma eventual renovação....

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• Enquanto isso segue morosamente e sem definições as discussões sobre o modelo de revisão tarifária das distribuidoras de energia, a partir do 4º ciclo, cujas regras influenciam em demasia a sustentabilidade das concessões e com certeza a definição do item anterior, apesar da corrida contra o tempo.

Entretanto, todas estas muitas discussões urgentes acabam por deixar em um plano de menor importância a questão da modernização dos sistemas elétricos brasileiros, contrariamente do que vem ocorrendo em nível mundial. A área de energia elétrica está em uma rápida transformação em todo o mundo, face ao progresso de uma serie de novas tecnologias agrupadas sob o nome genérico de Smart Grid, que permitem aos consumidores atenderem suas necessidades com recursos não disponíveis há poucos anos. Tecnologias de uso eficiente, produção de eletricidade e calor em pequena escala e localmente, sistemas de automação e de armazenamento de energia, estão trazendo opções factíveis e cada vez mais competitivas economicamente aos consumidores, impensáveis há poucos anos.

Enquanto no mundo todos os governos e agentes estão se engajando no aproveitamento destas maravilhosas transformações tecnológicas e articulando discussões construtivas sobre como planejar o futuro do setor e da sociedade incorporando estas tecnologias, aqui no Brasil seguimos debruçados sobre as nossas muitas crises já enumeradas e sem considerar este cenário de rápida transformação. No Brasil a ficha ainda não caiu: o futuro não será a continuidade do passado!!

Precisamos incorporar com a mesma urgência estas discussões de teor mais visionário às nossas crises imediatas, pois ao contrário abriremos um GAP tecnológico que será de difícil e custoso preenchimento no futuro.

Em meados de fevereiro de 2015, o Fórum Latino Americano de Smart Grid realizou um chamamento pessoal aos lideres e empresas que tem atuado nessas discussões de modernização do setor no âmbito do setor energético brasileiro, para obter aconselhamentos e propostas para o desenvolvimento da Conferencia Internacional do Fórum de 2015, que será realizada em Novembro, em São Paulo, SP.

Tivemos um elevadíssimo índice de respostas, da ordem de 75%, mesmo considerando o relativamente curto prazo concedido, e que vários destes profissionais se encontravam ainda em férias, principalmente no Brasil, onde aconteceu também o feriado de carnaval no período do chamamento.

Quatro temas, por ordem de menção e importância, foram destacados. Entretanto, a questão do estabelecimento de Políticas Governamentais, foi a questão mais citada e priorizada, para a criação de um Plano Governamental e da sua decorrente Regulação, feita de forma transparente e negociada.

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Para que atingir este primeiro e fundamental objetivo de estabelecer Política e Regulação, três outros grandes temas, não menos relevantes, foram elencados como habilitadores e como contribuição necessária no caminho crítico do primeiro: a Construção das Comunidades Inteligentes, base da Sociedade do Futuro; a Transformação Liderada pelos Consumidores, pelo uso dos recursos descentralizados de energia; e a construção de Sustentabilidade Econômica e de quadros de referencia para viabilizar a transformação pretendida.

A. Construção das Comunidades Inteligentes

A energia elétrica é a tecnologia fundamental da sociedade moderna e a base das comunidades inteligentes do futuro. Outras tecnologias das comunidades modernas dependem de energia.

Cada vez mais os clientes e as jurisdições locais querem controlar as suas fontes de energia e usos, e reduzir suas pegadas ecológicas e atuam trabalhando iniciativas locais para mitigar mudanças do clima e perturbações econômicas:

- Cidades aprovam planos ambientais e de convergência de serviços municipais;

- Buscam maior resiliência local para grandes perturbações climáticas.

Neste temário são discutidas as tecnologias habilitadoras que compõe a cesta tecnológica do Smart grid e seu impacto e fundamento para a construção da sociedade do Futuro:

- tarifas e medição inteligentes;

-automação de sistemas elétricos e resposta a eventos climáticos;

- sistemas de monitoramento de condição de ativos e previsão/ prevenção de desligamentos;

- Gestão e Integração de Recursos Distribuídos de Energia;

- Tecnologia de Informação e Sistemas Avançados de Operação e Gestão Empresarial (ERP, BILLING, SCADA, DMS, OMS, WFM, etc..)

- Telecom – própria ou privada? Habilitadora de IoT? Política de frequências dedicadas? Como compartilhar custos, usos e serviços?

- Plataformas de serviços aos clientes – gestão de energia, conectividade e relacionamento.

- Mercado competitivo

- Multisserviços e Convergência de Gestão

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B. Transformação Liderada pelos Consumidores

As tecnologias de Energia do Século 21 só podem ser viabilizadas com os consumidores ocupando o papel dos agentes centrais da transformação. Os Recursos Distribuídos de Energia - RDE são a alternativa que transformará de maneira mais radical as empresas de hoje em futuro muito breve.

RDEs é o nome genérico atribuído às melhores práticas de:

- Eficiência energética

- Gerenciamento da demanda

- Co-geração

- Geração de energia em pequena escala e de forma distribuída

- Automação predial

- Armazenamento de energia

- Micro-redes

- Ilhamento

- Geração de backup e confiabilidade

A discussão sobre viabilidade e o desenvolvimento dos RDEs - Recursos Distribuídos de Energia como fatores importantes para o futuro – geração distribuída, micro geração, gerenciamento da demanda, eficiência energética – foge ao senso comum de avaliação das empresas e dos reguladores, pois estes recursos estão instalados após o medidor e fora do controle de ambos!

Por isso, em vários países, eles tem sido o foco do maior e mais rápido desenvolvimento tecnológico e de penetração mercadológica, e esta penetração no mercado consumidor altera substancialmente a forma de operação e otimização dos ativos e coloca em cheque o mercado cativo das empresas, objeto das concessões.

Esta evolução tem especial valor e interesse aqui no Brasil, ela conjuntura atual e como ferramenta de eficiência energética. Entretanto, as empresas e o governo daqui não têm devotado atenção como em outros países para esta transformação, no sentido de integrar estes recursos à sua operação e modelos de negócio, principalmente no que tange ao gerenciamento da demanda, integração de micro geração e promoção dirigida de eficiência energética, bem como modelos tarifários adequados para a correta precificação e remuneração destes recursos.

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C. Sustentabilidade Econômica

Trata-se da discussão da Sustentabilidade Econômica, logicamente ancorada na sustentabilidade Social e Ambiental, para criar um quadro de referência compartilhado por todos os interessados sobre os benefícios e valor de cada oportunidade tecnológica.

A questão central reside no exame da viabilidade econômica das novas tecnologias, e na adequada avaliação de benefícios, de um modo mais amplo e envolvendo uma matriz ampliada de interessados, não só as empresas e os reguladores, mas os consumidores e a sociedade como um todo. A questão central é: como fazer a conta e se possível viabilizar a modernização pelos próprios benefícios?

De longe, no Brasil, a questão das perdas não técnicas é sempre a primeira oportunidade vista como benefício viabilizador de justificativas de investimentos, mas somente muito recentemente houve progresso na postura regulatória em incorporar e reconhecer previamente investimentos a serem feitos pela concessionária Light com este propósito. Outras empresas estarão trilhando o mesmo caminho neste aspecto, mas é necessário avançar o mesmo conceito para outras tecnologias. Medidores inteligentes só se justificam com tarifas inteligentes e ainda existe um campo pouco explorado nesta área, pelas empresas e pelo regulador, que precisa avançar rápido.

Nesse particular é importante considerar as novas tecnologias não apenas por si só, mas como plataformas habilitadoras fundamentais das comunidades do futuro e ferramentas imprescindíveis para a satisfação do cliente do século 21, no mundo da internet de todas as coisas (IoT).

Aqui permeiam questões fundamentais e escolhas na estruturação alternativa de soluções e de sua correspondente apuração de viabilidade econômica dos projetos, coisas que muitos gestores das próprias empresas, ainda que com escopo de abordagem bastante limitado, ainda têm muita dificuldade de entender.

Por exemplo, a discussão sobre frequências de telecomunicação dedicada às Utilities, fruto de avaliação em andamento no Brasil, ou a ampliação de serviços derivados das redes publicas de telecom existentes, que hoje parecem não atender aos anseios das concessionárias de energia e portanto dos seus consumidores... Qual o valor de cada opção? Ou talvez a melhor resposta possa ser um misto das duas soluções?

A montagem destes quadros de referencia é decorrente da discussão sobre a viabilidade técnica e também econômica das várias tecnologias de redes inteligentes, não somente focadas na Distribuição, mas também abrangendo a Geração e Transmissão. As empresas de geração e transmissão, especialmente no Brasil tem se mantido um pouco à margem destas discussões, na medida em que a implantação de tecnologias mais modernas não tem avançado muito sequer na

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Distribuição pela falta de ambiente propício. Mas existem boas experiências e estudos que precisam ser apresentados e debatidos, neste momento de restrições de energia, que podem fortemente alavancar a superação das restrições existentes.

Neste aspecto figuram também as questões de segurança operativa nos sistemas self healing, seja no sentido de intrusão, modificação, privacidade ou prevenção de acidentes.

D. Política e Regulação: Criando um Plano Governamental e Regulação Transparente e Negociada

Como já mencionado, além da pouca disponibilidade de recursos financeiros e da curta temporalidade de visão das concessões vincendas, hoje não há consenso nem é previsto na regulamentação sobre como estes projetos de modernização e atualização tecnológica se pagarão.

Existem muitos projetos, buscando diferentes objetivos, mas os agentes precisam ter uma visão e regras muito mais claras antes de investir nestas novas tecnologias. É necessário definir regras e premissas transparentes e previamente alinhadas e aceitas por todos para se criar um ambiente de modernização sustentável, que avance com confiança.

As empresas que tomarem decisões de investimento em tecnologias mais modernas precisam ter segurança que poderão recuperar estes custos dentro de certas premissas e condições.

O negócio das empresas de energia do futuro será menos baseada na venda de kwh e kw e mais centrada na prestação de serviços qualificados e de valor adicionada aos clientes. Esta questão foi discutida como tema central na Conferencia do Fórum de 2014 (relatório e apresentações disponíveis para download em www.smartgrid.com.br).

É necessário, clarear, por exemplo, como as concessionárias poderão se beneficiar de novas receitas não exclusivamente baseadas em energia, mas nesses novos serviços, e para isso, a concessão precisa se transformar.

O Fórum foi criado para ajudar a levantar e organizar estes temas, cuja discussão organizada deve ser trazida de forma transparente à contribuição dos agentes para a construção de consenso e de visão comum sobre os custos e os benefícios. Somente assim será possível construir um compromisso de todas as partes envolvidas. Desse consenso e alinhamento de visão sobre os benefícios do Smart Grid dependerá grandemente a credibilidade e a velocidade da sua aplicação no Brasil.

Diferentemente do que tem acontecido, com questões políticas conjunturais impedindo avanços pela falta de um plano a longo prazo, é imprescindível o estabelecimento de um Plano Governamental maior, bastante transparente, com incentivos adequados (regulatórios, tributários, financeiros, etc...). Este Plano permitirá que todos os agentes envolvidos possam avançar com confiança e

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comprometimento, antevendo e medindo resultados e promovendo os ajustes necessários ao longo do caminho, sem rupturas inesperadas de regras.

Quando se fala em renovação de concessões, afinal não se pode esquecer que talvez esta concessão, na forma atual, não faça tanto sentido assim no futuro...

* CYRO VICENTE BOCCUZZI tem 33 anos de experiência atuando no setor de energia e

eletricidade. Desde 2007 é sócio da ECOEE, empresa de engenharia e consultoria focada em gestão e tecnologia de energia, sendo a primeira empresa brasileira com expertise em redes e cidades inteligentes. É Presidente do Fórum Latino Americano de Smart Grid e Diretor da Divisão de Energia do Departamento de Infraestrutura da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Brasil. É também Conselheiro da ABESCO. Foi Vice-Presidente AES Eletropaulo e da ENERSUL, distribuidoras de energia elétrica, e Diretor Executivo da consultoria Andrade &Canellas, além de ter ocupado cargos e funções em várias entidades do setor e também em Conselhos de Administração ao longo de sua carreira. É engenheiro eletricista, pós Graduado em Administração de Empresas e MBA em Finanças e Controladoria de empresas.

Referências

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