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Musicoterapia e Psicodrama: Relações e similaridades

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Academic year: 2021

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Célio de Oliveira Lima1

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo relacionar alguns conceitos do psicodrama com a musicoterapia. Primeiramente falamos sobre o psicodrama, sua origem, alguns conceitos e técnicas; em seguida, faremos a relação entre psicodrama e musicoterapia abordando, através de uma revisão da literatura, os seguintes tópicos: espontaneidade, catarse, objeto intermediário, a música no psicodrama, comunicação, alegria, musicoterapia e psicodrama. Concluímos que há muitos pontos em comum entre musicoterapia e psicodrama e que estas abordagens terapêuticas podem ser utilizadas conjuntamente.

Palavras chaves: musicoterapia, psicodrama. ABSTRACT

This study focuses on relating some concepts of psychodrama with some of music therapy ones. Initially, psychodrama, its brief historic and some of its concepts and techniques are presented; in sequence, the relation between psychodrama and music therapy is discussed, referring, through a literature review, the following topics: spontaneousty, catarse, intermediate objects, music in psychodrama, communication, cheerfulness, music therapy and psychodrama. In conclusion, it is found that there are many similarities between music therapy and psychodrama and that these therapeutic references may be used simultaneously.

Key-words: music therapy, psychodrama.

1 Artigo apresentado como requisito para a obtenção do título de especialista em musicoterapia pelo Conservatório Brasileiro de Música – Centro Universitário. 2003.

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INTRODUÇÃO

Neste artigo escreveremos sobre o psicodrama e a musicoterapia procurando relacioná-los. Os motivos pelos quais escolhi este tema são os seguintes:o psicodrama tem suas origens no teatro, que é uma arte como a música, instrumento primordial da Musicoterapia; fiz psicoterapia psicodramática e durante a mesma pude conhecer e/ou enxergar minhas dificuldades, conseguindo separá-las, discernindo minhas prioridades, e ampliando minha capacidade de solução dos problemas pelo resgate da minha confiança e da espontaneidade.

Pude perceber a eficácia desta técnica mais objetivamente, quando trabalhei como ego-auxiliar num grupo de Terapia pelo Canto. Este grupo foi conduzido por uma psicodramatista que utilizou a Psicomúsica e princípios de musicoterapia.

Este trabalho tem como objetivo relacionar alguns conceitos do psicodrama com a musicoterapia.

SOBRE O PSICODRAMA O Criador do Psicodrama

Jacob Levy Moreno, psiquiatra, pai do psicodrama, da sociometria e da psicoterapia de grupo, nasceu em Bucarest, na Romênia, em maio de 1889. Aos cinco anos de idade, Moreno mudou-se para Viena. Sua família era de origem judaica (sefardim), conforme Gonçalves et all (1988).

Na juventude, Moreno era um homem religioso, teve como influência o Hassidismo, o existencialismo e o humanismo. Sócrates, Dante, Kierkegaard, Nietzsche e Bergson foram alguns dos autores lidos por Moreno, segundo Marineau (1992). Foi colaborador da Daimon Magazine, revista existencialista e expressionista que contava também com Martin Buber, Max Scheller, Jakob Wasserman, Kafka e outros.

Quando estudava na Faculdade de Medicina trabalhou com prostitutas vienenses, aplicando técnicas grupais conscientizando-as do risco das doenças venéreas e de sua situação, o que facilitou a organização das mesmas num sindicato.

Seu principal interesse após se formar foi o teatro, fundando o Teatro Vienense da Espontaneidade em 1921. Fazia um teatro de vanguarda para a época que experimentava revoluções nesta arte. Tendo descoberto o valor terapêutico do teatro transformou o Teatro terapêutico em Psicodrama terapêutico.

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Em 1925, Moreno emigrou para os Estados Unidos e foi nesse país que Moreno introduziu o termo Psicoterapia de Grupo e fez estudos para a mensuração das relações interpessoais criando a Sociometria.

Foi em Beacon House, a 90 km de Nova York, que Moreno continuou o desenvolvimento de seu trabalho, com formação de profissionais e realização de Psicodrama Público, semanalmente.

Moreno morreu em 1974 quando tinha 85 anos e, em sua lápide, pediu para gravar: “Aqui jaz aquele que abriu as portas da Psiquiatria à alegria.”

Muito mais há a ser dito sobre Jacob Levy Moreno, homem à frente do seu tempo, que é inovador até para nossos dias, mas sua fé no ser humano, co-criador com Deus e espontâneo, falam por si. Vemos na história de Moreno a origem do Psicodrama relacionado a uma arte, assim como a musicoterapia. Tendo a musicoterapia como uma de suas prerrogativas, a alegria e o resgate do saudável, assim como o Psicodrama.

O que é Psicodrama?

Para Gonçalves et all (1988, p.43), “o psicodrama é o tratamento do indivíduo e do grupo através da ação dramática”. A ação é um dos pressupostos mais importantes do psicodrama. A ação dramática nos faz experienciar, vivenciar uma nova situação, e esta nova experiência inscreve novas formas de ver a vida em nossa mente.

Bermudez afirma que “o psicodrama é um método psicoterápico com profundas raízes no teatro, na psicologia e na sociologia. Do ponto de vista técnico, é um procedimento de

ação e de interação. Seu núcleo é a dramatização...” (1984, p.1). Para esse autor há, no

psicodrama, uma interação de corpos e suas variadas expressões, interação esta que envolve um compromisso total com o que se realiza. Desta forma, a participação corporal é um valioso método para evidenciar as defesas conscientes e inconscientes do paciente, assim como suas condutas patológicas. Vivenciando-se a ação psicodramática no “aqui – agora”, apresentam-se todos os elementos emocionais e relacionais da situação, tratando o indivíduo em apresentam-seu meio, não desconsiderando o contexto social.

O psicodrama tem como base a crença no homem co-criador com Deus, que tem uma centelha divina em si, nasce espontâneo e conseqüentemente criativo, mas vai embotando sua criatividade, tendo a ação dramática o papel de resgatar essa espontaneidade.

Moreno (1993) apresenta o psicodrama como uma psicoterapia que coloca o paciente em um palco onde ele pode exteriorizar seus problemas com a ajuda de atores terapêuticos.

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Serve tanto ao diagnóstico como ao tratamento. Outro aspecto importante é que se adapta a qualquer tipo de problema ou clientela.

Os instrumentos do psicodrama são o cenário, o protagonista, o diretor, o ego auxiliar e público, e as etapas da sessão de psicodrama são o aquecimento, a dramatização e o compartilhar. Não nos estenderemos nestes tópicos porque têm importância secundária para o objetivo deste trabalho.

Tele e Encontro

Tele é a percepção interna mútua entre dois indivíduos, onde não há projeções, nem transferências, é uma empatia de mão dupla, sendo o Encontro a experiência essencial da relação télica e foi o poeta Moreno quem melhor o descreveu:

“E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus;

E arrancarei meus olhos

Para colocá-los no lugar dos teus; Então ver-te-ei com os teus olhos E tu ver-me-ás com os meus

Assim, até à coisa mais comum serve o silêncio E nosso encontro permanece a meta sem cadeias: O Lugar indeterminado, num tempo indeterminado, A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.” Traduzido de Einladungzu einer Begergnung

(Convite para um Encontro) (Moreno, 1993, p.9).

Podemos ver neste poema o conceito de inversão de papéis e a importância da categoria do momento, pois para Moreno era importante pensar a respeito da interação humana levando-se em consideração o tempo presente.

Matriz de Identidade

“A matriz de identidade, no seu sentido mais amplo, é o lugar do nascimento (locus nascendi). Moreno a definiu também como placenta social pois, à maneira da placenta, estabelece a comunicação entre a criança e o sistema social da mãe, incluindo aos poucos os

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que dele são mais próximos” ( Gonçalves et all, 1988, p.60). É a partir da Matriz que nos definimos como indivíduos.

As fases da Matriz, segundo Moreno, são:

Fase do duplo – fase de indiferenciação, a criança, a mãe e o mundo são uma coisa só. A criança é dependente do outro para fazer o que não pode fazer ainda, necessitando de ego-auxiliar ou doublé (inspirado no cinema).

Fase do espelho – há dois momentos nesta fase. No primeiro, a criança concentra sua atenção em si e, no segundo momento, passa a concentrar atenção no outro, ignorando a si. Nesta fase a criança olha no espelho e diz ser outro bebê.

Fase da inversão – primeiramente a criança representa o papel do outro, mas não aceita o outro em seu papel; depois passa a haver a inversão simultânea de papéis.

Técnicas Básicas

Não existe psicodrama sem que haja criatividade. Por isso o psicodrama não pode ser reduzido à utilização de técnicas. As técnicas principais, e que servem de fundamento para outras, são, segundo Monteiro (1993):

O duplo – é utilizado quando o protagonista tem dificuldade para se expressar verbalmente. Neste caso, um terapeuta, funcionando como ego-auxiliar adota a mesma postura, expressão corporal e gesticulação do paciente, e fala a partir do sentimento e emoção que capta, devendo o paciente confirmar ou não o duplo. Moreno a utilizava com pacientes psicóticos. A técnica do duplo está relacionada ao primeiro estágio da matriz, em que a criança não se vê separada da mãe e depende desta para fazer aquilo de que necessita, como fazem os doublés do cinema. O espelho – o protagonista é chamado a ser expectador de si mesmo, e assiste à cena onde um ego auxiliar o representa o mais fidedignamente possível. Propicia uma maior autopercepção. Devemos tomar cuidado com o momento de utilizar a técnica para que não fique algo caricatural. Esta técnica está relacionada ao segundo estágio da matriz, o reconhecimento do eu, quando há um processo de reconhecimento da criança frente ao espelho.

A inversão de papéis – neste caso o protagonista toma o papel do outro e vice-versa. Só há inversão quando as duas pessoas estão presentes, quando o contra-papel não está presente há uma inversão incompleta. Esta técnica está relacionada ao terceiro estágio da matriz, o reconhecimento do outro, que acontece quando a criança consegue se colocar ativamente no papel da mãe.

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Há outras técnicas para serem relatadas; porém, no momento, apenas citaremos: auto-apresentação, apresentação do átomo social, solilóquio, interpolação de resistência, concretização, realidade suplementar, onirodrama, etc.

O Conceito de Papel

Para Moreno (1993a), além das definições relacionadas à arte teatral, papel pode ser definido como “uma função assumida na realidade social, por exemplo, um policial, um juiz, um médico, um deputado” (p.206). O autor também define papel como “as formas reais e tangíveis que o “eu” adota””(p.206), tais como o papel de pai, comedor, piloto.

Conforme o mesmo Moreno (1993a), o surgimento do ego é posterior ao desempenho de papéis. O eu nasce a partir dos papéis e as crianças pequenas e os psicóticos também desempenham papéis. “Um sistema do“eu” e do “outro” não requer necessariamente, uma linguagem e um mundo social” (p.210). Antes da linguagem já existem os papéis psicossomáticos: papel de quem come, dorme e anda (Moreno, 1992).

Os papéis e suas relações entre si são os fenômenos mais importantes de uma cultura, (Moreno, 1993b), sendo todo papel uma fusão de elementos coletivos e individuais, ou seja, elementos privados, sociais e culturais.

Para Gonçalves et all (1988), o conceito de papel envolve inter-relação e ação, pressupondo o papel complementar: pai-filho, professor-aluno, etc, e é a menor unidade observável da conduta. A base psicológica para todo desempenho de papéis é a matriz de identidade onde estes surgem.

Podemos dizer que há três tipos de papéis:

Psicossomático: papel de quem come, dorme, etc. Estes papéis não permitem uma relação pessoa para pessoa, pois não há diferenciação, mas são complementados pelos papéis de matriz (a mãe que alimenta, faz duplo e outras);

Social: opera na função realidade e na dimensão social de inter-relação, a mãe, o filho, o professor e o cristão, são exemplos de papéis sociais;

Psicodramático: corresponde à dimensão psicológica do “eu” e em sua função fantasia, uma mãe, um professor, um marido.

Os papéis psicodramáticos e sociais surgem na terceira fase da matriz juntamente com a brecha entre a fantasia e a realidade e a inversão de papéis.

Para o aprendizado e a medição de papéis utilizamos (Moreno 1992):

Role taking ou tomada de papéis que é a representação do papel já estabelecido, sem que haja liberdade no desempenho.

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Role playing ou jogo de papéis onde se exercita um papel em status nascendi, havendo alguns parâmentros estabelecidos.

Role creating ou criação de papéis no qual se permite grande liberdade, colocando-se situações para que se possa reagir espontaneamente.

Muitos profissionais utilizam a teoria e a prática da sociometria e da teoria de papéis de Moreno em suas atividades.

PSICODRAMA E MUSICOTERAPIA Espontaneidade

Gonçalves, et al (1988) afirmam que:

"na visão moreniana, os recursos inatos do homem são a espontaneidade, a criatividade e a

sensibilidade", e continua: "a revolução criadora moreniana é a proposta de recuperação da espontaneidade e da criatividade, através do rompimento com padrões de comportamento estereotipados, com valores e formas de participação na vida social que acarretam a automatização" (p.45) .

A música é uma forma de expressar a emoção que necessita de espontaneidade para se expressar. Através da música vivemos muitas emoções e situações antigas e novas e encontramos a expressão criativa, abrindo também novas perspectivas e maneiras de resolver problemas. É uma forma de se colocar no mundo que atua no corpo, na mente e na alma. Quando entramos no sentimento de uma música conseguimos nos transportar inclusive para experiências e vivências até então inaceitáveis para nós.

Por meio da música expressamos e sentimos o antes incompreendido, conseguimos o encontro, com vivências da humanidade, com o autor da música, com personagens e com papéis da nossa vida.

Nascemos balbuciando sons que parecem música, nossa fala tem seu ritmo próprio, individual. A música por si só nos transporta para diversas emoções e sentimentos, ainda mais se formos nós mesmos os instrumentos ativos, como acontece na musicoterapia.

Segundo Eugênio Martin (1996), Moreno define concisa e objetivamente espontaneidade quando escreve que é a resposta adequada para situações novas ou ainda uma resposta nova a uma situação antiga. Espontaneidade significa também estar preparado para uma ação livre.

Com a musicoterapia vamos resgatando a espontaneidade na medida em que vamos reconhecendo a nós mesmos, vamos caminhando para a ação livre.

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Fregtman (1989b) propõe que quando o homem renuncia a sua musicalidade, renuncia a sua espontaneidade:

"A música pode transmutar nossa vida modelando-a com as suas pulsações. Convertermo-nos em músicos pela paz é compreender que estamos imersos numa seqüência rítmica de circuitos interconectados”, e que “a perda dos inocentes jogos com os sons é a renúncia à espontaneidade e a queda na rigidez" (p.17).

“Cada homem é o agente mais capaz de retratar-se a si mesmo e de dramatizar sua situação vivida” (p.12), assim entendia Moreno (1965). Para ele, um grande ator poderia dar às ações de um indivíduo uma ênfase diferente, o que aniquilaria seu caráter único. Apesar de termos um substrato comum a todos homens, cada indivíduo tem sua própria experiência que enfatiza determinados aspectos e não outros. Por isso a necessidade de não sermos só espectadores do drama, mas sim atores da nossa vida, no espaço psicodramático e fora dele. Quando improvisamos ou resolvemos problemas musicais somos atores mudando nossa vida e emoção, somos agentes de transformação da nossa vida.

Como vemos, teatro e música são artes, portanto produtos da ação espontânea do homem que exorcisa seus males através destes.

A Música no Psicodrama

A música é muito utilizada pelos psicodramatistas, seja nos jogos (pesquisa de ritmo, de aquecimento, dentre outros), no aquecimento, como trilha sonora das dramatizações, ou para o encerramento e a contenção dos afetos, no final de dramatizações. Em seu livro Jogos Dramáticos, Regina Fourneaut Monteiro (1994) fornece-nos diversos exemplos de utilização da música nos jogos.

Moreno (1993), escrevendo sobre Psicomúsica, fala da elitização da música pelos virtuoses, e do desencorajamento de sua forma primária de espontaneidade musical residente no próprio organismo do indivíduo. Para ele existiam duas formas de psicomúsica: a forma orgânica, onde o instrumento é o próprio organismo, e a forma instrumental, onde são utilizados outros instrumentos como funções e extensões da espontaneidade do próprio indivíduo. Moreno diz da necessidade de se voltar às formas mais primitivas de produção musical, da importância do corpo como instrumento na vivência musical – e da improvisação como treino de espontaneidade – e que todos estes itens são contemplados quando se utiliza a musicoterapia. Moreno entendia a psicomúsica dentro dos conceitos psicodramáticos, como ação criativa e rematrizante.

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No livro Psicomúsica y Sociodrama, Moreno (1965) relata duas experiências em Psicomúsica; a primeira na forma orgânica, onde propõe um aquecimento com gestos e sons, após o que alguém sobe ao cenário e representa situações reais e imaginárias. O diálogo é acompanhado de exclamações cantadas e de gestos e movimentos. O público repete como um coro, cada uma das exclamações emitidas pelo sujeito. O aquecimento, conforme Moreno, pode ser feito com diversos métodos e o público não deve cair em nenhum procedimento instrumental e em nenhum clichê. Outro método consiste em permitir gradualmente que cada indivíduo vá assumindo espontaneamente a condução e dirija ativamente, incorporado a uma criação comum. Sugere ainda que sejam colocados diretores junto ao público. Para Moreno, "o objetivo do trabalho psicomusical é a catarse psicomusical" (p.18). A segunda experiência, na forma instrumental, foi: entre 1930 e 1931, Moreno forma uma orquestra in promptu (de improvisação), depois de descobrir um conjunto musical adequado em Jack Rosenberg e seus associados, Louis Ackerman, Joseph Gingold, Samuel Jospe, Eli Lifschei e Isaac Sear, membros da Orquestra Filarmônica de Nova York, cuja primeira audição deu-se no Guild Theatre, NY, em 05 de abril de 1931. Para esta forma de improvisação é necessário conhecer a execução do instrumento. Moreno ainda relata um caso de neurose de execução. Nesse trabalho com Psicomúsica, vê-se o gênio adiantado para seu tempo, criativo e inovador para a época.

Martha Figueiredo Valongo, no capítulo Psicomúsica, do livro Técnicas Fundamentais do Psicodrama (Monteiro, 1993), define psicomúsica como processo espontâneo de criação musical de uma pessoa, um grupo ou uma cultura, e propõe um processo com dois momentos: 1º momento – aquecer desbloquear, fazer emergir a música espontânea; 2º momento: trabalhar psicodramaticamente a realidade que a música espontaneamente criada revela. O trabalho da autora foi realizado com músicos com dificuldades de apresentação.

Bermudez (1984) vê a música como tendo a função de objeto intermediário ou como parte da técnica de aquecimento:

"A música para o mesmo autor não é por si um objeto intermediário, mas pode funcionar

como se fosse. Não é porque não possui a maioria das características do O.I., mas em certas condições permite restabalecer a comunicação perturbada. A música, dentro deste enfoque, pode ser utilizada não somente como O.I, mas também pode se incorporar às técnicas de aquecimento" (p.170).

Bermudez classifica a música da seguinte maneira: • Música dirigida ao indivíduo:

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Música suplementar – suscita o sentimento, o tom afetivo a uma dificuldade de desempenho do papel pelo protagonista.

Música indutora – música destinada a estimular o exercício de dado papel pelo protagonista. • Música dirigida ao grupo:

Música homogeneizante – no início ou no final da sessão. No início, para reduzir possibilidades temáticas; no final, para distensionamento grupal e onde comentários verbais emergiriam.

Música facilitadora – para acelerar a aparição do tema grupal ou da catarse, tanto enquanto descarga afetiva quanto como catarse de integração.

Música inibidora – para “acalmar os ânimos”, tanto dramático como verbal.

Desta forma, vemos que a música tem uma função central no drama e no Psicodrama. Música é ação, é criação, pode ser recriada enquanto vivemos ativamente um drama, assim como é parte importante da vida do homem.

Catarse

A catarse é parte importante do trabalho psicoterápico e a música é um instrumento facilitador de catarse, tanto como descarga afetiva ou ab-reação, que ocorre quando acontece uma liberação de conteúdos e emoções reprimidos, como de integração, pela qual, segundo Moreno, enxergamos um novo universo e vemos a possibilidade de um novo conhecimento, realizando o "eu" para maior integração social. Este fato é bem visível na musicoterapia e no Psicodrama.

No Psicodrama, a importância da catarse é enfatizada por Moreno, tal como expõe Martin (1996): a prova de que o trabalho dramático está sendo terapêutico ou não, é se este produz catarse.

Kellermann (1988) mostra o lugar da catarse no Psicodrama quando diz que a função da catarse é a auto-expressão e o realce da espontaneidade. A auto-expressão envolve mais que liberação afetiva, envolve a comunicação das realidades internas e externas (autoconhecimento). Em outra fase, o que foi liberado precisa ser reintegrado. Deve-se fazer uma ponte entre o afetivo e o cognitivo para integrar a sessão.

Na Musicoterapia a catarse é muito evidente e freqüente, o que podemos constatar nas palavras dos musicoterapeutas, e observar também presente a catarse de integração e a catarse como descarga afetiva, como afirma Fregtman (1989a):

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"Com base em nossa experiência clínica, comprovamos que a produção de um som sempre é acompanhada de uma carga afetiva. Muitas vezes isso é difícil de ser detectado à primeira vista (ou à primeira audição), mas se encontra sempre presente. E continua: ”Procura-se ensinar o paciente a conhecer seus próprios sons, a ligá-los, articulá-los buscando dar nome aos afetos com que carrega cada um deles, entendendo que essa produção sonora pode relacionar-se com seus conflitos...” (p.59).

Os afetos e as emoções relacionados aos sons que emitimos são conhecidos pelo paciente, são articulados, proporcionando crescimento, autoconhecimento e superação de conflitos.

Na musicoterapia, Clotilde Espínola Leinig (1980), referindo-se à catarse como descarga afetiva, diz:

“Juntamente com o aquecimento existe uma descarga tensional simultânea, o que a diferencia de outras técnicas psicoterápicas e por se ver altamente favorecida pela presença do instrumento que atua muitas vezes como objeto intermediário e do som como estímulo de abertura, o que oferece possibilidades de descarga canalizada de energias físicas e psíquicas reprimidas” (p.25).

Barcellos (1980), apresentando atividades que podem ser utilizadas em musicoterapia, cita algumas, tais como a utilização de instrumentos, utilização da voz, utilização do corpo, que podem funcionar como propiciadoras de catarse.

O trabalho musicoterápico proporciona vivência de saúde, alívio e superação de conflitos, o que comprova seu valor terapêutico.

Musicoterapia, comunicação e objeto intermediário.

Já falamos da música funcionando como objeto intermediário, pois permite restabelecer a comunicação do paciente consigo mesmo e com o humano. No Psicodrama utilizamos os jogos, o lúdico, para facilitar o contato com a emoção e o resgate da espontaneidade.

Segundo Wagner, citado por Baranow (1999): "lá onde se detém o poder das palavras, começa a música" (p.32). Utilizando-se a música como instrumento podemos estabelecer canais de comunicação com catatônicos, autistas e deficientes... "Os efeitos dos elementos sonoro-rítmicos musicais podem ocorrer como reações sensoriais, hormonais e fisiomotoras e como efeitos psíquicos podem desencadear descargas emocionais em graus variáveis dependendo do indivíduo, levando-o a se expressar..." (p.19).

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A música comunica sem palavras, com o corpo e a psique restabelecendo canais de comunicação do indivíduo com o mundo. Como podemos ver, o poder da música vai além da audição.

Leinig (1980), em seu trabalho de musicoterapia em Hospital Psiquiátrico, chegou à seguinte conclusão:

"A música exigiu dos pacientes uma conduta objetiva de modo imediato e contínuo permitindo que passassem de uma pauta psicológica menos desejável a uma mais conveniente; provocou uma conduta orientada para a afetividade; aumentou o emprego da discriminação sensorial; suscitou idéias e associações extra-musicais que em certos casos puderam ser empregadas para restabelecer ou recordar, formas de conduta e idéias sadias; ofereceu meios para que se expressassem de modo socialmente aceitável, aumentando a interação social e a comunicação verbal e não verbal; ajudou a uma participação com mais equilíbrio e menos necessidade de se defenderem” (p.26).

A música ajuda a restabelecer a comunicação dos pacientes e sua saúde, pois reduz defesas e, de forma lúdica, os pacientes entram em contato com seus sentimentos. Aqui fica evidenciado seu papel de objeto intermediário de acordo com as premissas de Bermudez. Musicoterapia e Psicodrama

A influência de Moreno e do psicodrama na musicoterapia pode ser detectada, inclusive na linguagem utilizada por autores, tais como Carlos Daniel Fregtman (1989a) que, referindo-se à catarse, cita Moreno enumerando sua contribuição:

"Fundador do psicodrama e a quem devemos parte da herança da sociometria, da psicoterapia de grupo, do grupo de formação, do grupo de encontro, do role-playing, da teoria da espontaneidade criadora, do encontro no aqui e agora, da interação grupal, da terapia por meio da ação, etc". E conclui: "os jogos, dramatizações que incluem sons, gestos, assim como a utilização dos diversos instrumentos musicais, proporcionam uma canalização expressiva para o conflito particular do paciente”

(p.60).

A dramatização e o jogo são partes do trabalho do autor, tendo o grupo uma participação ativa nas sessões, onde há improvisação, dramatizações sonoras, gravações, exploração de sons, etc. Encontramos aqui uma grande semelhança com o psicodrama, no qual utilizamos a metodologia da ação.

Tendo a musicoterapia como base a música, uma arte, e o psicodrama sua origem no teatro, outra arte, nada mais natural que suas linguagens e instrumentos se cruzem em algum momento.

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A música está intimamente ligada à criatividade, assim também o psicodrama. Para Bruscia (2000), "na musicoterapia, o processo de resolver 'problemas musicais' é concebido de forma semelhante ao processo de resolver 'problemas da vida' " (p.47), generalizando-se para outras situações vividas.

Benenzon (1985) levanta a questão da interface entre as psicoterapias e as terapias. E, prosseguindo, realça a importância da música para o trabalho do psicodramatista, chegando a propor, no V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama, realizado em 1970, que um dos egos auxiliares que participam das sessões de psicodrama deveria ser um musicoterapeuta.

A alegria

A alegria evocada pela música traz à tona nossa espontaneidade, mobilizando afetos e emoções para a resolução de conflitos, o que abre novas possibilidades existenciais para o homem, tornando-o mais inteiro e concluindo etapas do processo de identidade.

A musicoterapia trata pela saúde, pela alegria, treina a espontaneidade.

Apesar disto, não só as emoções de prazer e alegria estão presentes na musicoterapia, a música evoca emoções inerentes à vida do homem, trazendo à tona a tristeza, a raiva, o medo, etc, o que também é terapêutico.

O psicodrama, por sua vez, é uma psicoterapia que enfatiza o resgate do saudável e utiliza técnicas em que são envolvidos o corpo, a mente e o sentimento das pessoas. É uma psicoterapia que eleva os pacientes, trazendo para eles as rédeas da própria vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nestes tempos em que a musicoterapia procura seu espaço, seu reconhecimento, sua legalização como profissão no Brasil e fortalecimento de sua identidade, vejo como algo de suma importância conhecer como outras teorias psicológicas e psicoterapias se utilizam da música com objetivos terapêuticos, pois poderão ser nossos aliados no reconhecimento do valor da musicoterapia.

Pelo que pesquisei sobre o psicodrama, há muitas similaridades entre este e a musicoterapia. Os conceitos de espontaneidade, catarse, objeto intermediário foram explorados por haver ressonância na musicoterapia.

Musicoterapia e psicodrama têm em comum principalmente o prazer que trazem para o paciente, o fazer aqui e agora, do cantar, tocar, representar, interpretar, a possibilidade de se reviver situações dando novas e mais adequadas respostas, permitindo desta forma, enfrentar

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melhor aquilo que se apresenta nas nossas vidas e a ênfase no resgate do saudável que se faz por meio da musicoterapia e do psicodrama.

Durante o trablho que realizei no grupo de Terapia pelo Canto pude ver como a musicoterapia e o psicodrama podem ser eficazes juntos.

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MONTEIRO, Regina Fourneaut. Jogos Dramáticos. 3ª edição, São Paulo: Ed. Ágora, 1994. 111p.

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Referências

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