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A privatização da CEDAE

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Academic year: 2022

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A privatização da CEDAE Jerson Kelman*

A discussão sobre a privatização da Cedae tem sido pontuada por visões divergentes sobre a fronteira entre as atribuições do governo do estado e as atribuições de governos municipais. Por exemplo, autoridades da administração Marcello Alencar destacam o fato de que os municípios não têm o domínio das águas para defender o conceito de que a privatização é tema exclusivamente estadual.

Trata-se de argumento irrelevante porque uma coisa é água bruta, sem tratamento, encontrada nos cursos d’água, e outra coisa, completamente diferente, é água tratada e fornecida no domicílio do consumidor pelas companhias de saneamento. A administração da água bruta, recurso natural finito, disputado nos rios e lagos por diversos setores usuários (abastecimento urbano, hidroeletricidade, irrigação, consumo industrial), deve ser feita segundo a Lei 9.433/97, que regulamente o artigo 21 da Constituição. É com relação a esta água bruta que a União ou o estado, dependendo do domínio, tem competência para expedir outorgas de uso. Assim como uma indústria, por exemplo a CSN, também uma companhia de saneamento necessita de outorga para captar água num cursos d’água e para lançar o esgoto, após tratamento, de volta ao curso d’água.

O serviço de abastecimento de água e de coleta de esgoto, exercido por “companhia de saneamento”, como a Cedae, constitui um monopólio natural, usualmente exercido dentro dos limites de uma única municipalidade. Nessas circunstâncias, a Constituição assegura que compete ao município “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, ... (art. 30)”. Como na maioria dos casos os serviços de água e esgoto são sistematicamente independentes dos serviços de outras cidades, o poder concedente é o município. Não faz qualquer diferença quem seja o detentor do controle acionário da concessionária, se o próprio governo, como no caso atual da Cedae, ou se particulares, como seria o caso de uma Cedae privatizada.

Aliás, vale esclarecer que não há qualquer dúvida quanto à legalidade da venda das ações da Cedae, embora se possa argumentar contrariamente à legitimidade desta iniciativa, ao apagar das luzes da administração. De toda a forma, a disputa jurídica não tem relação com a venda da empresa e sim com a detenção de concessões de exploração de serviço público, sem as quais a Cedae pouco vale.

O problema surge quando algumas etapas do serviço são compartilhadas por municípios vizinhos, como acontece por exemplo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde o Sistema Guandu, de captação e de tratamento de água, serve tanto á cidade do Rio de Janeiro quanto à maior parte da Baixada Fluminense. O Sistema Imunama-Laranjal serve tanto a Niterói quanto a São Gonçalo. Nesses casos, a Constituição é omissa sobre quem é o poder concedente. Se o serviço fosse segmentado em seus vários componentes, seria mais fácil caracterizar o que é exclusivamente de interesse local e o que é de interesse compartilhado. Numa região metropolitana, seria de interesse exclusivamente local a rede capilar, existente nas ruas, tanto de abastecimento de água como de coleta de esgoto. Os troncos coletores e as estações de tratamento de esgoto poderiam ser de interesse exclusivamente local, caso se adotasse um sistema de tratamento distribuído com grande número de estações de pequeno porte, ou de interesse compartilhado, caso de adotasse um sistema de tratamento concentrado, com pequeno número de estações de grande porte.

O município seria incontestavelmente o poder concedente para os componentes do serviço de interesse exclusivamente local. Já para os componentes de interesse compartilhado, o poder concedente poderia ser exercido pelo estado e pelos municípios afetados, como proposto no Projeto de Lei 266/96, aprovado com emendas pela Comissão de Constituição, Justiça de Cidadania do Senado Federal.

Este Projeto de Lei, originalmente concebido pelo atual ministro da Saúde, José Serra, estabelece em sua versão mais recente que “o poder concedente dos serviços públicos de saneamento básico, observadas as normas legais supletivas ou complementares dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, será exercido pelos estados, em conjunto com os municípios

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interessados, quando abranger a prestação de serviços que atendam a interesses comuns a dois ou mais municípios integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões”.

As recentes negociações entre o governador Marcello Alencar e o prefeito Luiz Paulo Conde sobre a privatização da Cedae estariam no caminho certo, se os prefeitos dos demais municípios afetados estivessem também participando da discussão, e se esta iniciativa contasse com o apoio do futuro governador. Não sendo esta a situação...

* Professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ

KELMAN, J. A Privatização da CEDAE. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11/11/98.

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