UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO CENTRO DE ENGENHARIAS
ENGENHARIA MECÂNICA
ÁLEFT VERLANGER ROCHA GOMES
ANÁLISE DA CICLAGEM TERMOMECÂNICA DE FIOS ORTODÔNTICOS DE UMA LIGA NiTi
MOSSORÓ-RN
2017
ÁLEFT VERLANGER ROCHA GOMES
ANÁLISE DA CICLAGEM TERMOMECÂNICA DE FIOS ORTODÔNTICOS DE UMA LIGA NiTi
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Centro de Engenharias para a obtenção do título de Engenheiro Mecânico.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Quirino da Silva Júnior – UFERSA.
MOSSORÓ-RN
2017
sejam devidamente citados e mencionados os seus créditos bibliográficos.
O serviço de Geração Automática de Ficha Catalográfica para Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC´s) foi desenvolvido pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) e gentilmente cedido para o Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (SISBI-UFERSA), sendo customizado pela Superintendência de Tecnologia da Informação e Comunicação (SUTIC) sob orientação dos bibliotecários da instituição para ser adaptado às necessidades dos alunos dos Cursos de Graduação e Programas de Pós-Graduação da Universidade.
G633a Gomes, Áleft Verlanger Rocha.
Análise da ciclagem termomecânica de fios ortodônticos de uma liga NiTi / Áleft Verlanger Rocha Gomes. - 2017.
43 f. : il.
Orientador: Manoel Quirino da Silva Júnior.
Monografia (graduação) - Universidade Federal Rural do Semi-árido, Curso de Engenharia Mecânica, 2017.
1. Ligas NiTi. 2. Efeito memória de forma. 3.
Superelasticidade. I. Silva Júnior, Manoel Quirino da, orient. II. Título.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por toda a sabedoria concedida e pela presença contínua no meu dia a dia, tornando a realização da sua vontade em minha vida possível.
À minha mãe e minha vó, pelo incentivo e suporte para realização dos meus sonhos.
À minha namorada Ana, pela presença, carinho e compreensão.
Ao meu professor e orientador Manoel Quirino da Silva Júnior, pelas instruções.
RESUMO
Tendo em vista que as ligas do sistema NiTi aplicadas em fios ortodônticos reduzem eficazmente o tempo dos tratamentos dentários com uso de aparelhos ortodônticos, assim como proporciona um menor desconforto ao paciente, o presente trabalho tem o intuito de estudar o comportamento da curva tensão-deformação de fios ortodônticos de uma liga NiTi passível do efeito memória de forma submetidos a ensaios de tração e ciclagem termomecânica. Após uma pesquisa bibliográfica para embasamento teórico a respeito das ligas do sistema NiTi, foram realizados, em fios ortodônticos intraorais superelásticos, ensaios de tração e ciclagem termomecânica com ensaios de carga e descarga com temperatura variada por meio de um soprador térmico no Laboratório de Ensaios Mecânicos da UFERSA.
Foi possível verificar por meio da análise das curvas obtidas nos ensaios de tração que as tensões aplicadas são contínuas, exibindo grandes deformações elásticas, o que permite um maior ajuste do fio em relação aos braquetes sem variação da tensão. Por meio da análise das curvas obtidas pelos ensaios de ciclagem termomecânica, pode-se certificar-se do efeito da superelasticidade, no qual o fio recupera a sua forma original, apesar de ter sido submetido a vários ensaios de carregamento e descarregamento, o que permite uma maior deflexão do fio, sem que ocorram deformações permanentes.
Palavras-chave: Ligas NiTi. Efeito memória de forma. Superelasticidade.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Plano de hábito ... 11 Figura 2 – Representação esquemática da variação de Energia Livre e da temperatura de equilíbrio T
0entre as fases austenita e martensita ... 12 Figura 3 – Transformação de fase por indução de temperatura em uma liga com memória de forma sem carregamento mecânico ... 13 Figura 4 – Esquema de uma liga com EMF, mostrando a “desgeminação” do material com aplicação de carga ... 13 Figura 5 – Transformação de fases por indução de temperatura na presença de carga aplicada ... 14 Figura 6 – Demonstração do EMF em uma mola de liga Ti-50.0at%Ni, (a) T < M
f; (b) T < M
fcom carregamento, (c) T > A
f. ... 14 Figura 7 – Mecanismo de EMF; (a) fase austenita, (b) martensita auto-acomodada, (c-d) deformação na fase martensita passando de multivariante para univariante, (e) depois do aquecimento até acima da A
f... 15 Figura 8 – Demonstração do duplo efeito memória de forma; (a) comprimento inicial e T <
M
f. (b) Após um aquecimento acima da A
s, sendo que neste instante as fases austenita e
martensita coexistem. Depois de aquecer acima da A
f, como visto em (c), o material será
totalmente austenítico. (d) Após um resfriamento T < A
f,a amostra deforma automaticamente,
(e) após um novo aquecimento T < M
f. ... 16
Figura 9 – Representação esquemática da estrutura cristalina da austenita (a), fase R (b) e
martensita (c) ... 17
Figura 10 – Diagrama de fase do sistema NiTi ... 17
Figura 11 – Vista de um modelo de asa inteligente ... 20
Figura 12 – Imagens ilustrativas do siri robótico com seis pernas (a) e da mão robótica com
fios de EMF (b) ... 21
Figura 13 – (a) Representação do filtro de Simon, acima (vista do topo) e abaixo (vista
lateral); (b) uma representação do uso das ligas EMF como implante ósseo artificial ... 22
Figura 14 – Fotografias de um caso clínico revelando a incrível potencialidade mecânica dos
fios de NiTi, podendo ser observado o alinhamento e nivelamento dental após o fio retornar à
configuração original ... 23
Figura 15 – Representação esquemática dos aparatos utilizados para realização do ensaio de
tração ... 24
Figura 16 – Esboço da curva obtida no ensaio de tração para um aço de baixo carbono (curva
tensão-deformação convencional) ... 25
Figura 17 – Curva tensão-deformação de NiTi a 70°C e esquema das mudanças micro estruturais associadas, com material inicialmente na fase austenita ... 27
Figura 18 – Curvas tensão-deformação típicas de liga NiTi, obtidas por ensaios a diferentes temperaturas. (a) T > M
d; (b) T < M
s; (c) A
f< T < M
d... 28
Figura 19 – Amostras dos fios ortodônticos de NiTi... 31
Figura 20 – Curva DSC do fio de NiTi à temperatura ambiente ... 33
Figura 21 – Curva de resistividade elétrica ΔR/R versus temperatura do fio de NiTi ... 34
Figura 22 – Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de tração do fio de NiTi à temperatura ambiente e aquecido pelo soprador térmico ... 35
Figura 23 – Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de NiTi à temperatura ambiente ... 36
Figura 24 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carregamento a uma temperatura acima da A
fe descarga a temperatura ambiente do fio de NiTi ... 38
Figura 25 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de NiTi a uma temperatura acima da A
fno descarregamento ... 39
Figura 26 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de
NiTi a uma temperatura acima da A
fdurante todo o ensaio ... 39
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Características dos ensaios realizados ... 32
Tabela 2 - Composição química do fio de NiTi ... 33
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 09
2 OBJETIVOS ... 10
2.1 OBJETIVO GERAL ... 10
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 10
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 11
3.1 TRANSFORMAÇÕES MARTENSÍTICAS ... 11
3.2 EFEITO MEMÓRIA DE FORMA ... 14
3.3 LIGAS DO SISTEMA NI-TI ... 16
3.4 APLICAÇÕES ... 19
3.4.1 Aplicações ortodônticas ... 22
3.5 ENSAIO DE TRAÇÃO ... 23
3.5.1 Método e normas ... 24
3.5.2 Curva Tensão-Deformação ... 25
3.5.3 Curva Tensão-Deformação para ligas de NiTi ... 27
3.6 ENSAIO DE RESISTIVIDADE ELÉTRICA ... 29
4 MATERIAIS E MÉTODOS ... 31
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ... 33
5.1 FLUORESCÊNCIA DE RAIOS-X ... 33
5.2 ENSAIO DE CALORIMETRIA DIFERENCIAL DE VARREDURA (DSC) ... 33
5.3 ENSAIO DE RESISTIVIDADE ELÉTRICA ... 34
5.4 ENSAIOS DE TRAÇÃO E CICLAGEM TERMOMECÂNICA ... 35
6 CONCLUSÕES ... 41
REFERÊNCIAS ... 42
1 INTRODUÇÃO
Devido às suas propriedades extraordinárias, o estudo dos materiais inteligentes, os quais são utilizados nos sensores e atuadores das chamadas estruturas inteligentes, têm se intensificado. Alguns dos materiais mais utilizados são as ligas com efeito memória de forma, as quais têm a capacidade de retornar a forma original após serem deformadas e, posteriormente, submetidas a determinadas temperaturas ou tensões.
Para que o material apresente o efeito memória de forma, é necessário, primeiramente, que ocorra uma transformação martensítica, na qual o material é deformado e, subsequentemente, quando aquecido, adquire a capacidade de retornar a sua forma original. A carga aplicada para que ocorra a deformação pode ser de qualquer tipo, desde que esteja abaixo de um valor crítico, em que não suceda deformação plástica.
As ligas do sistema NiTi pertencem a um grupo particular de ligas metálicas que exibem o efeito memória de forma, sendo que elas possuem excelentes propriedades físicas e mecânicas, assim como ótima biocompatibilidade, o que permite aplicações na medicina, como em instrumentações médicas, cateteres e aparelhos ortodônticos, tanto nos fios como nos braquetes.
Na liga NiTi com efeito memória de forma existem duas diferentes fases chamadas martensita (de baixa temperatura) e austenita (de alta temperatura). A superelasticidade das ligas de níquel-titânio utilizadas em ortodontia é atribuída à transformação austenita- martensita, a qual inicia com o carregamento do fio, onde haverá a predominância da fase austenita, a qual se transformará em martensita à medida que a deformação é aumentada. Se a carga for removida, os fios tenderão a retornar à sua configuração original, sucedendo a transformação reversa martensita-austenita, com liberação da energia acumulada de forma suave e constante.
As ligas do sistema NiTi aplicadas em fios ortodônticos reduzem eficazmente o tempo
para tratamentos dentários com uso de aparelhos ortodônticos, assim como proporciona um
menor desconforto ao paciente, tendo em vista que as forças aplicadas são suaves e contínuas,
exibindo grandes deformações elásticas que estão relacionadas à transformação martensítica
que ocorre em sua microestrutura. Devido a isso, o presente trabalho foi realizado com o
propósito de estudar o comportamento da curva tensão-deformação de fios da liga NiTi
passível do efeito memória de forma submetidos a ensaios de tração e ciclagem
termomecânica.
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar a ciclagem termomecânica de fios ortodônticos de uma liga NiTi.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Obter os fios da liga NiTi;
Realizar ensaio de resistividade;
Realizar ensaios cíclicos de tração/compressão;
Obter e analisar o gráfico tensão-deformação da liga NiTi.
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1 TRANSFORMAÇÕES MARTENSÍTICAS
A transformação martensítica é uma mudança de fase adifusional que ocorre nos sólidos, em que os átomos se movem cooperativamente, geralmente por um mecanismo de cisalhamento. Nos aços, a transformação martensítica ocorre por têmpera a partir de altas temperaturas e apresentam transformações irreversíveis, enquanto em algumas ligas não ferrosas há uma transformação termoelástica, sendo reversível pelo aquecimento e resfriamento em uma estreita faixa de temperatura (OTSUKA, WAYMAN, 1998).
De acordo com Silva Júnior (2010), as transformações martensíticas são formadas por um movimento cooperativo de átomos proveniente de um cisalhamento de planos específicos da matriz (austenita). Os átomos se movimentam a distâncias menores que uma distância interatômica com alta velocidade de transformação, não ocorrendo modificação na composição química, ou seja, a concentração de átomos de soluto dissolvidos na fase martensita é igual à da fase austenita.
Essa transformação ocorre pelo movimento da interface que separa a fase matriz (austenita) da fase produto (martensita) que é, geralmente, um plano de átomos não distorcido, macroscopicamente invariante, pois pertencem a ambas as fases, denominado plano de hábito, como mostrado na Figura 1 (GONZALES apud SILVA JÚNIOR, 2010).
Figura 1 – Plano de hábito.
Fonte: Gonzales (2002)
A diminuição da variação da energia livre favorece a transformação de fase, sendo que desta variação resulta a força motriz necessária para nucleação de uma fase. No resfriamento, a energia livre para transformação da martensita é inferior à energia livre para a formação da austenita. Como mostrado, esquematicamente, na Figura 2, se T
0é a temperatura abaixo da qual essa condição é assegurada, neste caso a fase com menor energia livre será a mais estável (SILVA JÚNIOR, 2010).
Figura 2 – Representação esquemática da variação de Energia Livre e da temperatura de equilíbrio T
0entre as fases austenita e martensita.
Fonte: Silva Júnior (2010)
Há quatro temperaturas características associadas às temperaturas de transformação.
Durante o resfriamento, sem aplicação de carga, o material começa a mudar para martensita
geminada, a qual é formada por uma combinação de variantes da martensita auto acomodada,
em uma temperatura chamada martensita inicial – start (M
s) e completa a transformação para
martensita na martensita final – finish (M
f). Neste estágio, a transformação está terminada e o
material está completamente na fase martensita. Semelhantemente, quando ocorre o
aquecimento, a transformação reversa inicia com a temperatura conhecida como austenita
inicial (A
s) e é completa com a austenita final (A
f), como mostrado na Figura 3
(LAGOUDAS, 2008).
Figura 3 – Transformação de fase por indução de temperatura em uma liga com memória de forma sem carregamento mecânico.
Fonte: Lagoudas (2008)
De acordo com Lagoudas (2008), se for aplicada uma carga mecânica no material que esteja na fase martensita geminada, é possível que este se rearranje em uma martensita
“desgeminada” por reorientação de um certo número de variantes. Este processo de
“desgeminação” resulta em uma mudança na forma macroscópica, onde a configuração deformada é conservada após a retirada da carga, como mostrado na Figura 4. Um aquecimento até uma temperatura acima da A
f, resultará em uma transformação de fase reversa (de martensita “desgeminada” para austenita), conduzindo a uma completa recuperação de forma.
Figura 4 – Esquema de uma liga com EMF, mostrando a “desgeminação” do material com aplicação de carga.
Fonte: Lagoudas (2008)
Quando o material, no estado austenítico, é submetido a uma carga mecânica elevada, a transformação de fase resultará na formação de martensita “desgeminada”, chamada de martensita induzida por tensão (MIT), produzindo uma mudança de forma, como é exibido na Figura 5.
Figura 5 – Transformação de fases por indução de temperatura na presença de carga aplicada.
Fonte: Lagoudas (2008)
3.2 EFEITO MEMÓRIA DE FORMA
O efeito memória de forma (EMF) é um fenômeno que ocorre quando um material é deformado abaixo da A
s, e recupera sua forma original em virtude de uma transformação reversa que ocorre quando o material é aquecido acima da A
f. Portanto, a origem do efeito é a transformação reversa através do aquecimento (OTSUKA, WAYMAN, 1998). Uma ilustração deste efeito está mostrada na Figura 6.
Figura 6 – Demonstração do EMF em uma mola de liga Ti-50.0at%Ni, (a) T < M
f; (b) T < M
fcom carregamento, (c) T > A
f.
Fonte: Autoria própria (2015)
Quando um material que está no estado austenítico é resfriado, forma-se a martensita auto-acomodada (geminada). Posteriormente, se o material for submetido a um carregamento mecânico, haverá um rearranjo das variantes da martensita, e então a martensita multivariante passará para martensita univariante. Finalmente, a forma inicial do material é recuperada através de aquecimento acima de A
f(OTSUKA, WAYMAN, 1998 apud FIGUEIREDO, 2006). Uma ilustração desse mecanismo está representada na Figura 7.
Figura 7 – Mecanismo de EMF; (a) fase austenita, (b) martensita auto-acomodada, (c-d) deformação na fase martensita passando de multivariante para univariante, (e) depois do aquecimento até acima da A
f.
Fonte: Otsuka; Wayman (1998)
Existem algumas limitações para as ligas com memória de forma, sendo uma dela o fato de que apenas deformações de aproximadamente 8% são recuperáveis descarregando e aquecendo. Uma deformação plástica permanente será induzida se forem aplicada tensões que provocam deformações acima do valor limite. Para que não sejam alteradas as características da liga, a temperatura de operação para os dispositivos de memória de forma não deve distanciar-se significativamente das temperaturas de transformação (SILVA JÚNIOR, 2010).
De acordo com Silva Júnior (2010), as ligas que apresentam o efeito memória de
forma, memorizando apenas a fase austenita, são chamadas simplesmente de ligas com efeito
memória de forma. Contudo, é possível memorizar a forma da fase martensítica, sob certas
condições de tratamento termomecânico, fornecendo o duplo efeito memória de forma ou
efeito memória de forma reversível (conhecido na literatura como efeito two-way). Tal
fenômeno está ilustrado na Figura 8.
Figura 8 – Demonstração do duplo efeito memória de forma; (a) comprimento inicial e T <
M
f. (b) Após um aquecimento acima da A
s, sendo que neste instante as fases austenita e martensita coexistem. Depois de aquecer acima da A
f, como visto em (c), o material será totalmente austenítico. (d) Após um resfriamento T < A
f,a amostra deforma automaticamente, (e) após um novo aquecimento T < M
f.
Fonte: Autoria própria (2015)
3.3 LIGAS DO SISTEMA NI-TI
As propriedades das ligas com memória de forma são conhecidas desde 1930, mas somente despertaram o interesse na década de 1960, quando Buehler, pesquisador do U.S.
Naval Ordinance Laboratory, e sua equipe descobriram o efeito memória de forma (EMF) em uma liga equiatômica de NiTi, conhecida como Nitinol, que é um acróstico das palavras Nickel, Titanium e Naval Ordinance Laboratory. Essas ligas são amplamente utilizadas na engenharia e na área biomédica (ANTUNES SOUZA, 2006).
Em ligas NiTi equiatômicas existem geralmente três fases, sendo uma delas a
austenítica, que é estável em altas temperaturas (acima da A
f) e que apresenta apenas uma
orientação cristalográfica com estrutura cristalina cúbica de corpo centrado. Outra fase é a
martensítica romboédrica, chamada de fase R. Observa-se também a fase martensítica,
formada em baixas temperaturas (abaixo da M
f) e que possui uma estrutura monoclínica. A
representação da estrutura dessas fases é mostrada na Figura 9 (OTSUKA, WAYMAN,
1998).
Figura 9 – Representação esquemática da estrutura cristalina da austenita (a), da fase R (b) e da martensita (c).
Fonte: Antunes Souza (2006)
Essas fases apresentam dois comportamentos importantes: a superelasticidade (SE), que é a capacidade de recuperar grandes deformações durante ciclos de carregamentos e descarregamentos sucessivos com uma temperatura constante, e o efeito memória de forma.
Estes ocorrem em associação com a transformação martensítica termoelástica da fase matriz (β) com uma estrutura B2 (fase austenita) para uma fase com uma estrutura monoclínica B19’
(martensita), ou com mais frequência em associação com a transformação da fase β para a fase R, e então para a fase B19’ (OTSUKA, WAYMAN, 1998).
Os efeitos de memória de forma e superelasticidade em ligas NiTi equiatômicas são produzidos e aprimorados através de tratamentos termomecânicos. A composição final de interesse para EMF e SE é TiNi + Ti
3Ni
4. A fase Ti
3Ni
4forma-se nos primeiros estágios de envelhecimento a baixas temperaturas, na forma de plaquetas finas coerentes com a matriz.
Estas produzem campos de deformação ao seu redor, afetando as propriedades nas ligas NiTi na medida em que endurecem a fase matriz B2 (fase β), o que aumenta a recuperabilidade da forma (OTSUKA & WAYMAN, 1998). Podemos observar as fases em um diagrama de fase do sistema NiTi mostrado na Figura 10.
Figura 10 – Diagrama de fase do sistema NiTi.
Fonte: Figueiredo (2006)
As deformações das ligas NiTi são dependentes da relação entre a temperatura de deformação (T
d) e as temperaturas de transformação. Existe uma temperatura máxima em que haverá MIT, esta é representada por M
d. Existem quatro regimes de temperatura básicos (MELTON e MERCIER, 1979; MIYASAKI et al. 1981 apud ANTUNES SOUZA, 2006):
a) T
d< M
f– Observa-se uma estrutura martensítica maclada (geminada), composta de várias variantes com orientações diferentes. O processo de maclação resulta na reorientação da martensita, com o crescimento de uma variante melhor orientada em relação à tensão aplicada, à custa de outra adjacente, orientada desfavoravelmente.
b) M
s< T
d< A
f– No carregamento ocorre formação de MIT, que, por ser estável neste intervalo de temperaturas, permanece após a retirada da carga.
c) A
f< T
d< M
d– O material está no estado austenítico. A deformação ocorre através da formação de MIT, que, com a retirada da carga, torna-se instável e retorna à fase austenítica.
d) T
d> M
d– Nesta faixa de temperaturas ocorre deformação plástica da austenita antes que
haja formação de MIT. A tensão crítica para formação de martensita torna-se maior que a
tensão necessária para promover a deformação plástica pelo movimento de deslocações.
Quanto à fabricação das ligas de NiTi com EMF, são apresentados problemas de três naturezas: (1) deve haver uma rigorosidade no controle da composição química; (2) há uma dificuldade de trabalho a frio; (3) é necessário um tratamento termomecânico para produzir a propriedade de memória de forma.
O material para produção da liga deve ser fundido com atmosfera controlada podendo utilizar gás argônio, pelo fato de o Ti líquido reagir rapidamente com o oxigênio. Quando a liga é conformada em temperaturas acima de 527ºC, trabalho a quente, a conformabilidade é favorecida sendo a temperatura ótima em torno de 800ºC. Para conformação a frio, principalmente com teores de Ni acima 51% (%atômico), o processamento é bastante dificultado. Técnicas mais sofisticadas, empregando metalurgia do pó, vêm sendo desenvolvidas para produção de ligas com memória de forma (SUZUKI, 1998 apud FIGUEIREDO, 2006).
As propriedades de efeito memória de forma e superelasticidade são utilizadas sob solicitações cíclicas na maioria das aplicações das ligas de NiTi. A fadiga em ligas com memória de forma é classificada em fadiga funcional e fadiga estrutural. Fadiga funcional refere-se à degradação, consequente do carregamento cíclico, nas propriedades funcionais da liga, como, por exemplo, a amplitude dos deslocamentos recuperáveis. Fadiga estrutural é o processo convencional de fadiga, ou dano microestrutural que se acumula durante o carregamento cíclico, podendo ocasionar falhas por fratura dos materiais de engenharia.
Contudo, quando se refere às ligas com memória de forma, os mecanismos de deformação que atuam são diferentes dos usuais, com grande sensibilidade a variações de temperatura, fazendo com que o estudo de ambos os tipos de fadiga, deva necessariamente considerar a perspectiva das mudanças microestruturais que ocorrem durante a ciclagem (EGGELER et al, 2004 apud FIGUEIREDO, 2006).
3.4 APLICAÇÕES
No mundo todo, materiais atuadores estão ganhando a atenção de engenheiros e cientistas, com maior ênfase nos seguintes pontos: confiabilidade e multifuncionalidade.
Engenheiros vêm desenvolvendo métodos para converter energia térmica em trabalho
mecânico através do uso de ligas com EMF e utilizando estas soluções em diversas
aplicações. Um exemplo bastante conhecido foi na utilização do acoplamento de tubo
hidráulico desenvolvido pela Raychem para o jato Grumman F14. Desde então engenheiros
de várias indústrias têm continuado a utilizar as propriedades únicas das ligas com EMF em
resolução de problemas de engenharia. Essas ligas têm atraído grande interesse em vários campos de aplicações como o da engenharia aeroespacial, naval, automobilística, para a robótica, instrumentação médica, implantes médicos e acessórios (LAGOUDAS, 2008).
Na indústria aeroespacial, destaca-se a aplicação de um tubo de torção para controlar o bordo de fuga das pás da hélice de um helicóptero, assim como o uso de asas inteligentes em aeronaves. A primeira aplicação tem o objetivo de reduzir o barulho e a vibração, acarretando uma maior eficiência e uma redução significante do ruído do ambiente. A segunda tem basicamente o mesmo objetivo, porém é possível alterar o formato da asa dependendo da velocidade do avião (SOUZA, 2005). É exibido na Figura 11 um modelo de asa inteligente.
Figura 11 – Vista de um modelo de asa inteligente.
Fonte: Lagoudas (2008)
Na área automobilística, uma grande variedade de aplicações como: proteção de para- choques, maçanetas, reguladores de faróis, de bancos, de carburador, de climatização, termo atuadores para controle da transmissão do motor. Também utilizadas na união de tubulações permitindo acesso fácil para prováveis manutenções (SILVA JÚNIOR, 2010).
Na área da robótica, a utilização das ligas EMF como atuadores e micro atuadores é
ampla. Uma aplicação bastante conhecidas é o siri robótico com seis pernas, as quais são
feitas de material com memória de forma, utilizado em explorações geológicas e
investigações subaquáticas. Outra aplicação é a de fios atuadores de material com EMF
utilizados em mãos robóticas, onde os elementos atuadores podem ser resfriados por ar que
limita a velocidade do movimento da mão (OTSUKA, WAYMAN, 1998). Na Figura 12 são mostradas imagens dos exemplos supracitados.
Figura 12 – Imagens ilustrativas do siri robótico com seis pernas (a) e da mão robótica com fios de EMF (b).
(a)
(b)
Fonte: Otsuka, Wayman (1998)
Em aplicações médicas, as ligas de NiTi, são empregadas substituindo ligas dos
sistemas Fe-Cr-Ni, Co-Cr e Ti-Al-V. Sendo consideradas biomateriais mais adequados, tendo
em vista suas propriedades de biofuncionalidade (capacidade de desempenhar a função
desejada pelo tempo previsto dentro do corpo), biocompatibilidade (não toxidade durante o período em que estiver implantado), estabilidade mecânica, resistência à corrosão, dentre outras (OTSUKA, WAYMAN, 1998 apud FIGUEIREDO, 2006).
Algumas aplicações mais importantes são na área cardiovascular, ortopédica e em instrumentações cirúrgicas. Uma aplicação cardiovascular é o filtro Simon, utilizado para retirar obstruções nos vasos sanguíneos. Na ortopedia, observamos a utilização de placas para substituir ossos fraturados, enfraquecidos ou lesionados (LAGOUDAS, 2008). Na Figura 13 estão mostrados alguns exemplos de aplicações das ligas EMF na medicina.
Figura 13 – (a) Representação do filtro de Simon, acima (vista do topo) e abaixo (vista lateral); (b) uma representação do uso das ligas EMF como implante ósseo artificial.
Fonte: Lagoudas (2008)
3.4.1 Aplicações ortodônticas
As propriedades das ligas EMF têm sido muito bem implementadas nas variadas aplicações ortodônticas. Arcos ortodônticos de nitinol vêm sendo utilizados desde a década de 1970, sendo mais efetivos que outros materiais alternativos (LAGOUDAS, 2008).
Os fios ortodônticos de NiTi são indicados, preferencialmente, nas fases iniciais do
tratamento, onde o elevado desajuste dental requer um fio ortodôntico de grande flexibilidade
e elasticidade, a fim de que haja grandes deformações no regime elástico (FERREIRA, 2002).
A partir de 1985, uma nova geração de fios NiTi chegou ao mercado, os chamados fios superelásticos representados pelo NiTi chinês, NiTi japonês e o NiTi com cobre. Esses fios superelásticos apresentam algumas vantagens em relação aos tradicionais, tais como:
geram forças mais leves e mais constantes, são mais resistentes às deformações permanentes, possuem maior flexibilidade e apresentam maior eficiência clínica, isto é, movem o dente mais rapidamente e com um menor número de ativações ou trocas de arco (FERREIRA, 2002). Na Figura 14 está mostrado um caso clínico com utilização de fios ortodônticos de NiTi.
Figura 14 – Fotografias de um caso clínico revelando a incrível potencialidade mecânica dos fios de NiTi, podendo ser observado o alinhamento e nivelamento dental após o fio retornar à configuração original.
Fonte: Ferreira (2002)
3.5 ENSAIO DE TRAÇÃO
Dentre vários ensaios para determinação das propriedades mecânicas de um material
metálico, o mais importante é o ensaio de tração, visto que é de fácil execução e possui boa
reprodutibilidade (SOUZA, 1982). Esse tipo de ensaio requer a aplicação gradativa de uma
carga de tração uniaxial crescente nas extremidades de um corpo de prova padronizado,
resultando no levantamento da curva tensão de tração pela deformação sofrida pelo corpo
(GARCIA, 2012).
3.5.1 Método e normas
Segundo Souza (1982), geralmente, o ensaio de tração é realizado em um corpo de prova de formato e dimensões padronizados, a fim de que os resultados possam ser comparados e reproduzidos. O corpo de prova é fixado em uma máquina que aplica esforços crescentes na sua direção axial, sendo que as deformações sofridas devem ser medidas por um aparelho especial (geralmente, um extensômetro), ou por um sensor óptico (encoder) e os esforços ou cargas são medidos na própria máquina de ensaio, sendo o corpo de prova levado até a sua ruptura.
A precisão dos aparelhos de medida interfere na precisão do resultado de um ensaio de tração. Portanto, ao início do ensaio deve-se verificar se o corpo de prova está bem alinhado, ou seja, centrado na máquina, a fim de que a carga seja efetivamente aplicada na direção do seu eixo longitudinal. Um parâmetro que deve ser verificado e influencia nos resultados do ensaio é a velocidade do ensaio, que é geralmente dado pelos métodos de ensaio estabelecidos pelas diferentes Associações de normas técnicas, podendo ser alterada para fins de estudo ou pesquisa (SOUZA, 1982). Na Figura 15 está mostrada uma representação do ensaio de tração.
Figura 15 – Representação esquemática dos aparatos utilizados para realização do ensaio de tração.
Fonte: Callister (2010)
A norma técnica utilizada para realização de ensaios de tração para materiais metálicos, no país, é definida pela ABNT NBR ISO 6892-1:2013 que especifica o método de ensaio de tração de materiais metálicos e define as propriedades mecânicas que podem ser determinadas à temperatura ambiente. Enquanto a norma internacional é a ASTM E8/E8M- 16a com o título Standard Test Methods for Tension Testing of Metallic Materials (GARCIA, 2012).
3.5.2 Curva Tensão-Deformação
Quando um corpo de prova metálico é submetido a um ensaio de tração, pode-se construir um gráfico tensão-deformação pelas medidas diretas de tensão (σ) e da deformação (ε) que crescem continuamente até quase o fim do ensaio. Tensão convencional é diferente de tensão real, porquanto a primeira é definida como a carga aplicada dividida pela seção transversal original, enquanto a tensão real é resultante da carga aplicada pela seção transversal instantânea. Na curva tensão-deformação utiliza-se a tensão convencional, que por muitas vezes é chamada apenas de tensão. A deformação convencional ou nominal trata-se de uma grandeza adimensional resultante da divisão do comprimento útil do corpo de prova (alongamento) pelo comprimento inicial de referência (SOUZA, 1982; GARCIA, 2012). Uma representação de uma curva obtida no ensaio de tração está mostrada na Figura 16.
Figura 16 – Esboço da curva obtida no ensaio de tração para um aço de baixo carbono (curva tensão-deformação convencional).
Fonte: Garcia (2012)
Na Figura 16, podem ser observadas quatro regiões de comportamentos distintos e bem definidas, caracterizadas por um determinado tipo de deformação sofrida pelo corpo de prova durante a execução do ensaio, conforme se segue (GARCIA, 2012):
Região de comportamento elástico (0 < σ
cσ
p) que corresponde à primeira região de deformação. Nela observa-se o fenômeno do efeito elástico, no qual o corpo de prova volta às suas dimensões originais após a retirada da carga.
Região de deslizamento das discordâncias (σ
cσ
e, sendo que na prática considera-se σ
eσ
p) que corresponde ao início da deformação plástica do material; nos estágios iniciais dessa deformação, a tensão pode sofrer oscilações que dependerão da acomodação das discordâncias no interior da rede cristalina do material.
Região de encruamento uniforme (σ
e< σ
cσ
u) correspondente ao encruamento propriamente dito, sendo que à medida que os planos cristalográficos escorregam entre si, são gradativamente travados pelas discordâncias que atingem os contornos de grão, exigindo cada vez mais tensão para que a deformação continue.
Região de encruamento não uniforme (σ
u< σ
cσ
r) que é a última região de deformação; nela inicia o processo de ruptura do corpo de prova. Em um material com alta capacidade de deformação permanente, o diâmetro do corpo de prova começa a decrescer rapidamente ao se ultrapassar a tensão máxima (σ
u). Dessa forma, a carga necessária para continuar a deformação diminui até a ruptura.
E cada região supracitada é definida pelas seguintes tensões de acordo com Garcia (2012):
Tensão proporcional (limite de proporcionalidade) – σ
p– definida como a tensão máxima até a qual vale uma relação linear entre tensão e deformação. Essa tensão estabelece o limite da deformação elástica.
Tensão de escoamento (limite de escoamento) – σ
e– definida como a tensão de início da deformação plástica. Na prática, pode-se assumir como igual a tensão proporcional.
Para alguns materiais, a passagem da região elástica para a plástica ocorrerá com uma oscilação nos níveis de tensão, em que se definem as tensões máximas e mínimas de flutuação.
Tensão máxima (limite de resistência à tração) – σ
u– definida como a máxima tensão
que o material suporta sem apresentar indícios de fratura interna ou externa no corpo
de prova.
Tensão de ruptura – σ
r– definida como a tensão na qual ocorrerá a fratura definitiva do corpo de prova.
Verifica-se que na região de comportamento elástico a curva é linear e representada pela equação:
que corresponde à lei de Hooke (descoberta em 1678 por Sir Robert Hooke). A constante de proporcionalidade E, é conhecida por módulo de elasticidade ou módulo de Young (SOUZA, 1982).
3.5.3 Curva Tensão-Deformação para ligas de NiTi
Na Figura 17 é exibida uma curva tensão-deformação de uma liga NiTi, obtida por meio de um ensaio de tração a 70°C, acompanhado por um esquema das modificações micro estruturais associadas a cada fase do ensaio.
Figura 17 – Curva tensão-deformação de NiTi a 70°C e esquema das mudanças micro estruturais associadas, com material inicialmente na fase austenita.
Fonte: Shaw, Kyriakides (1995) apud Figueiredo (2006)
Observa-se que nessa temperatura, superior a A
f, o material está totalmente austenítico. Quando um nível crítico de tensão (ponto a) é atingido, a austenita torna-se instável e inicia-se a fase martensítica induzida por tensão. A mudança da rede B2 para monoclínica (B19’) resulta em alongamento. No platô (a-b), as fases martensita e austenita coexistem e observa-se um aumento de deformação com tensão constante possibilitado pelo crescimento da martensita. Quando ocorre um descarregamento a partir do final do platô (ponto b), tem-se, inicialmente, um descarregamento elástico da estrutura predominante martensítica e a tensão cai para um valor crítico (ponto b’). Continuando o descarregamento, inicia-se um novo platô de tensão (b’-a’), no qual coexistem martensita e austenita e o corpo de prova encurta e o material volta a transformar-se em austenita até atingir o ponto a’, completando a transformação reversa e completa o descarregamento sem deformação permanente. (SHAW, KYRIADES, 1995 apud FIGUEIREDO, 2006).
Após o ponto b, um aumento de deformação requer um aumento de tensão. Neste momento, o mecanismo de deformação principal é a distorção elástica da martensita. Com uma deformação de aproximadamente 7,5% (ponto c), inicia-se a deformação plástica da martensita. A uma tensão de aproximadamente 1400 MPa, inicia-se uma segunda região de inclinação relativamente pequena na curva, e a continuidade da deformação, culminará na ruptura do corpo de prova. Se for descarregado pouco antes do rompimento (ponto d), haverá uma grande deformação residual (ponto e), como visto na Figura 17. (SHAW, KYRIADES, 1995 apud FIGUEIREDO, 2006).
O comportamento mecânico das ligas com EMF é essencialmente determinado pela faixa de temperaturas em que se dá a solicitação mecânica. Observamos essa dependência nos fenômenos da superelasticidade e efeito memória de forma que são estreitamente relacionados e complementares, porquanto a deformação que não é recuperada quando a carga é retirada pode ser recuperada com um aquecimento acima da A
f(KRISHNAN et al., 1974 apud FIGUEIREDO, 2006). Esse processo de recuperação pode ser mais bem explicado pelo esquema mostrado na Figura 18.
Figura 18 – Curvas tensão-deformação típicas de liga NiTi, obtidas por ensaios a diferentes
temperaturas. (a) T > M
d; (b) T < M
s; (c) A
f< T < M
d.
Fonte: Hodgson et al., (1999) apud Figueiredo (2006)
Na curva (a) da Figura 18, o material foi ensaiado a uma temperatura superior a M
d, portanto o material permanece austenítico e não haverá MIT, observando-se um comportamento elasto-plástico convencional. Na curva (b), o ensaio foi realizado abaixo da M
s, portanto o material está na fase martensita desde o início, sendo que o aumento da tensão causa o rearranjo das variantes. As deformações produzidas podem ser recuperadas por um aquecimento acima da A
s(linha tracejada), se não tiver sido atingida a tensão de escoamento da martensita desgeminada. Esse é um comportamento típico de EMF. Na curva (c), o ensaio ocorreu a uma temperatura intermediária, abaixo da M
de acima da A
f, estando o material no estado austenítico e, ao ser tensionado, sofre transformação martensítica induzida por tensão, possibilitando grandes deformações. Pode haver uma combinação de mudança de fase ou um rearranjo das variantes da MIT no trecho A-B, seguido de uma deformação elástica da martensita desgeminada e, se a tensão continuar aumentando, ocorrerá a deformação plástica da martensita até a ruptura do corpo de prova. Como a temperatura está acima da A
f, se a tensão de escoamento da martensita desgeminada não for atingida, ao ser retirado o carregamento, a deformação é recuperada seguindo a trajetória da transformação reversa (HODGSON et al., 1999 apud FIGUEIREDO, 2006).
3.6 ENSAIO DE RESISTIVIDADE ELÉTRICA
O ensaio de resistividade elétrica era bastante utilizado em estudos das ligas com
memória de forma para determinação das temperaturas de transformação. O resultado do
ensaio é obtido por meio da curva resistividade elétrica em função da temperatura, em que a
variação desta resulta em concomitante variação na resistividade, gerando picos na análise, os quais indicam a mudança de fase. (VILLARINHO et al, 2010; OTSUKA, WAYMAN, 1998).
O método dos quatro pontos, que consiste em soldar quatro fios em uma amostra
através do processo de soldagem por solda ponto, é a técnica utilizada para a medição da
variação da resistividade elétrica. A corrente, que passa pelos fios externos através da
amostra, é fornecida por uma fonte estabilizadora de energia, a qual permite a regulagem da
corrente necessária ao experimento. Os dados adquiridos são plotados em algum software
adequado e as curvas obtidas indicarão as temperaturas de transformação de fase, utilizando-
se o método das tangentes, bem como as histereses de transformação (H
T) e as amplitudes
térmicas de aquecimento (A
T) e resfriamento (M
T) (PINA, 2006).
4 MATERIAIS E MÉTODOS
Inicialmente, os fios ortodônticos intraorais superelásticos foram obtidos no comércio da cidade de Mossoró com ajuda de um profissional da área. Subsequentemente foram realizados ensaios de Fluorescência de Raios-X, Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC), Resistividade Elétrica, bem como os ensaios de tração e ciclagem termomecânica.
A análise de Fluorescência de Raios-X foi realizada na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte em um Espectrômetro de Fluorescência de Raios-X, modelo EDX-7000 da Shimadzu.
A análise de DSC foi realizada na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em um DSC, modelo Q80 da TA Instruments com taxa de aquecimento de 10°C/min e de resfriamento com -10°C/min.
O ensaio de Resistividade Elétrica foi realizado no Laboratório de Projetos Mecânicos da UFERSA em um equipamento com um sistema composto de um reservatório de aço, um aquecedor de imersão por resistência, um trocador de calor, uma fonte de energia E3633A da KEYSIGHT e uma unidade de aquisição de dados LXI da KEYSIGHT.
Foram realizados ensaios de tração e ciclagem termomecânica com ensaios de carga e descarga com temperatura variada por meio de um soprador térmico no Laboratório de Ensaios Mecânicos da UFERSA. Os materiais, parâmetros e procedimentos utilizados na realização dos ensaios estão dispostos a seguir:
Os corpos de prova utilizados foram fios ortodônticos intraorais superelásticos. Os fios utilizados são da marca Dental Morelli Ltda, do tipo superelásticos na forma de arco, com secção transversal de 0,021’’ (0,53 mm) x 0,025’’ (0,63 mm).
Figura 19 – Amostras dos fios ortodônticos de NiTi.
Fonte: Autoria própria (2015)
A máquina de ensaios utilizada é uma Máquina Universal de Ensaios, modelo DL10000 da EMIC, com capacidade 100kN e software TESC para aquisição de dados, com os seguintes parâmetros de ensaio: ciclo carga/descarga, célula de carga de 30kN, velocidade de ensaio de 0,05mm/s.
Foram realizados seis ensaios com características diferentes, sendo os de ciclagem termomecânica com 10 ciclos e uma curva para o ensaio estático até o rompimento, buscando o perfil de curva mais suave. O detalhamento desses ensaios pode ser observado na Tabela 1.
Tabela 1 – Características dos ensaios realizados.
Número do ensaio
Tipo de ensaio
Comprimento útil (mm)
Temperatura (Carga/Descarga)
1 Estático 91,8 90°C
2 Estático 96,9 25°C
3 Cíclico 96,9 25°C/25°C
4 Cíclico 65,2 90°C/25°C
5 Cíclico 98,0 25°C/90°C
6 Cíclico 95,8 90°C/90°C
Fonte: Autoria própria (2017)
Para medição de temperatura, foi utilizado um termômetro de vidro (fluido mercúrio) escala -10/+150°C com variação de 1°C.
O soprador térmico utilizado para aquecimento dos fios é do modelo SP 3100 da
Britânia, com temperatura máxima de 104°C e potência de 1800W.
5 – RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 FLUORESCÊNCIA DE RAIOS-X
A primeira análise realizada foi a de fluorescência de raios-X, necessária para obtenção da composição química do fio utilizado.
Tabela 2 – Composição química do fio de NiTi.
Elemento Químico Ni Ti Fe Cr Mn
%at. 51,29 34,32 8,83 5,35 0,21
Fonte: Autoria própria (2017)
Por meio da Tabela 2, pode-se inferir que a composição da liga do sistema NiTi é Ni- 34,32Ti-8,83Fe-5,35Cr-0,21Mn.
5.2 ENSAIO DE CALORIMETRIA DIFERENCIAL DE VARREDURA (DSC)
Na Figura 20 está revelada a análise de DSC dos fios utilizados. Essa análise é utilizada para identificar as temperaturas de transformação.
Figura 20 – Curva DSC do fio de NiTi.
Fonte: Autoria própria (2015)
Com base na Figura 20, pode-se mensurar as temperaturas de transformação, pelo método das tangentes, com os seguintes valores: A
s= 5,36°C, A
f= 26,02°C, M
s= 21,25°C e M
f= -2,14°C.
5.3 ENSAIO DE RESISTIVIDADE ELÉTRICA
O ensaio de resistividade é utilizado para identificar as temperaturas de transformação, assim como a histerese de transformação (H
T) e as amplitudes térmicas de aquecimento (A
T) e resfriamento (M
T). O resultado do ensaio está revelado na Figura 21.
Figura 21 – Curva de resistividade elétrica ΔR/R versus temperatura do fio de NiTi.
Fonte: Autoria própria (2017)
Com base na Figura 21, pode-se inferir, pelo método das tangentes, que as temperaturas de transformação são: A
s= 21,65°C, A
f= 27,17°C, M
s= 17,62°C e M
f= - 7,85°C. De igual modo, observa-se que H
T= 12,7°C, A
T= 5,52°C, M
T= 25,47°C.
É evidente a diferença entre as temperaturas de transformação obtidas por meio da
análise de DSC e resistividade elétrica, mormente na temperatura A
s, onde pode-se observar
uma diferença de 16,29°C. Tais diferenças devem-se, possivelmente, à baixa precisão do
ensaio de resistividade. Devido a isso, com base nos valores obtidos na análise de DSC, será
possível definir, de forma mais clara, o comportamento das curvas de tensão-deformação da liga em estudo.
5.4 ENSAIOS DE TRAÇÃO E CICLAGEM TERMOMECÂNICA
As curvas exibidas na Figura 22 são provenientes dos ensaios que ocorreram a uma temperatura de aproximadamente 25°C e com aquecimento promovido pelo soprador térmico.
A temperatura atingida com o soprador térmico foi de 90°C (acima da A
f), sendo esta inferior à máxima obtida devido à perda de calor causada pela distância entre o soprador e o fio.
Figura 22 – Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de tração do fio de NiTi à temperatura ambiente e aquecido pelo soprador térmico.
Fonte: Autoria própria (2015)
O ponto A indica material sem carregamento. Para a curva com aquecimento, com
uma temperatura de aproximadamente 90°C, o material está totalmente austenítico, no qual
permanece durante o trecho A-B, sendo que neste intervalo de deformação, a tensão causa
apenas deformações elásticas na austenita. A partir do ponto B, a tensão (530 MPa) é
suficiente para iniciar a transformação da MIT. Contudo, a tensão não é suficientemente
grande para que o material passe totalmente do estado austenítico para o martensítico indicado
no trecho B-C. Neste, possivelmente as duas fases coexistem com predominância da fase
austenita. No ponto C, a tensão (850 MPa) atinge um nível em que a temperatura não é
suficientemente alta para impedir a indução da transformação martensítica no restante do
material, que ocorre no trecho C-D de inclinação relativamente pequena indicando deformação com tensão quase constante. A partir do ponto D, possivelmente o material está totalmente martensítico, ocorrendo um rearranjo das variantes da MIT e o principal mecanismo de deformação é a distorção elástica da martensita desgeminada, seguindo até o ponto E, no qual é atingido um nível de tensão suficiente para que se inicie a deformação plástica da martensita. A uma tensão de aproximadamente 1460 MPa inicia-se uma região de inclinação relativamente pequena, indicativo da estricção, na curva e a continuidade da deformação resulta na ruptura do corpo de prova (ponto F).
Para a curva sem aquecimento, a fase é predominantemente austenítica no ponto A com presença da fase martensita. No decorrer do trecho A-B, a tensão causa apenas deformações elásticas na austenita. A partir do ponto B, a tensão (380 MPa) é suficientemente grande para iniciar a nucleação da MIT. Observa-se que a mudança da fase austenita para a martensita resulta em um alongamento e que a fração volumétrica de martensita aumenta sob tensão aproximadamente constante (platô B’-C’). Possivelmente, nesse trecho as duas fases coexistem e ocorre um rearranjo das variantes da MIT. A partir do ponto C’, um aumento na deformação requer um aumento na tensão. Inicialmente, o mecanismo principal de deformação é possivelmente a distorção elástica da martensita desgeminada, seguindo até o ponto D’, no qual é atingido um nível de tensão suficiente para que se inicie a deformação plástica da martensita. E na tensão de aproximadamente 1445 MPa inicia-se uma região de inclinação relativamente pequena na curva, onde deve iniciar a estricção, e a continuidade da deformação resulta na ruptura do corpo de prova (ponto E’). Indicando que apesar de condições de temperaturas diferentes o material apresenta um limite de resistência (antes da estricção) similar, com variação na deformação final.
Na Figura 23 estão mostradas as curvas obtidas por meio dos ensaios cíclicos (carregamento e descarregamento) à temperatura ambiente.
Figura 23 – Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de
NiTi à temperatura ambiente.
Fonte: Autoria própria (2015)
Os ensaios da Figura 23 foram realizados a uma temperatura de aproximadamente 25°C. O material está inicialmente no estado predominantemente austenítico e no decorrer do trecho A-B sofre somente deformações elásticas da austenita. A partir do ponto B, a tensão (380 MPa) é suficientemente grande para iniciar a nucleação da MIT promovendo uma deformação a tensão constante (platô B-C). As duas fases, possivelmente, coexistem neste trecho e ocorre um rearranjo das variantes da MIT. A partir do ponto C até o ponto D, o principal mecanismo de deformação é provavelmente a distorção elástica da martensita desgeminada. A partir do ponto D, ocorre um descarregamento. No trecho D-E, há a predominância da martensita desgeminada, obtendo a recuperação da distorção elástica da martensita transformada até atingir a tensão de 200 Mpa. E a partir da descarga da tensão de um valor crítico (ponto E), o material passa a transformar-se de volta em austenita. Essa transformação reversa resulta em um novo platô de tensão (E-F), no qual possivelmente coexistem martensita e austenita. Nesse trecho, ocorre um encurtamento do corpo de prova.
No ponto F, o material retorna à fase austenítica e o descarregamento posterior segue o trajeto F-A. Pode-se observar que o fio recupera a sua forma original, apesar de ter sido submetido a vários ensaios de carregamento e descarregamento, indicando estabilidade termomecânica.
As curvas mostradas na Figura 24 são provenientes de ensaios cíclicos que ocorreram
a uma temperatura de aproximadamente 90°C no carregamento, e com descarregamento à
temperatura ambiente. O material, que está inicialmente no estado austenítico, permanece
assim durante o trecho A-B e sofre apenas deformações elásticas na austenita. A partir do ponto B, apesar da temperatura estar elevada, a tensão (450 MPa) é suficientemente grande para iniciar a nucleação da MIT. Contudo, verifica-se uma maior dificuldade para que ocorra totalmente a transformação da fase austenita para a martensita, devido a temperatura elevada, sendo isso observado pela inclinação relativamente maior no trecho B-C. As duas fases, possivelmente, coexistem neste trecho. A partir do ponto C até o ponto D, o principal mecanismo de deformação é provavelmente a distorção elástica da martensita desgeminada. A partir do ponto D ocorre um descarregamento. No trecho D-E, há a predominância da martensita desgeminada, obtendo a recuperação da distorção elástica da martensita transformada até uma tensão de 380 MPa. A transformação reversa ocorre no trecho do platô E-F, no qual ocorre um encurtamento do corpo de prova até o ponto F, onde material retorna à fase austenítica e o descarregamento subsequente segue o trajeto F-A. Pode-se observar que o fio recupera a sua forma original, apesar de ter sido submetido a vários ensaios de carregamento e descarregamento.
Figura 24 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carregamento a uma temperatura acima da A
fe descarga a temperatura ambiente do fio de NiTi.
Fonte: Autoria própria (2015)
Os ensaios que resultaram nas curvas mostradas na Figura 25 foram realizados à
temperatura ambiente no carregamento e a uma temperatura de aproximadamente 90°C no
descarregamento. Do ponto A ao ponto D, é apresentado o mesmo comportamento descrito anteriormente para o fio ensaiado à temperatura de 25°C, mostrado na Figura 23. E a partir do ponto D, ocorre um descarregamento aquecido à temperatura acima de A
f, induzindo a uma porção de transformação reversa, instantaneamente, no decorrer do intervalo D-E. Com o aquecimento, a transformação reversa para a fase austenita é iniciada durante o trecho do platô E-F, onde é observada uma menor faixa de deformação com pouca variação de tensão.
No trecho F-G, o material finaliza a transformação reversa retornando à fase austenítica de forma mais rápida indicado por uma maior inclinação da curva de descarregamento.
Retornando ao Ponto A com a forma original recuperada, apresentando uma ótima estabilidade apesar de ter sido submetido a vários ensaios de carregamento e descarregamento.
Figura 25 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de NiTi a uma temperatura acima da A
fno descarregamento.
Fonte: Autoria própria (2015)
Na Figura 26, estão apresentadas as curvas provenientes de um ensaio cíclico que ocorreu a uma temperatura A
fdurante todo o ensaio de carga/descarga.
Figura 26 - Curvas tensão-deformação resultantes dos ensaios de carga e descarga do fio de
NiTi a uma temperatura acima da A
fdurante todo o ensaio.
Fonte: Autoria própria (2015)