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AS NOVAS VESTES DA UNIÃO EUROPEIA. Painel A nova governação económica da União Europeia

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AS NOVAS VESTES DA UNIÃO EUROPEIA

Painel – A nova governação económica da União Europeia

Lisboa e Auditório da Faculdade de Direito de Lisboa, 4 de Abril de 2011 José A. da Silva Peneda

As questões europeias são infelizmente pouco debatidas no nosso país e isso acontece quando é sabido que as opções tomadas a nível europeu são das que mais condicionam o nosso futuro colectivo.

Por isso, quero começar por saudar esta iniciativa do Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito e do Instituto Europeu.

Foi também por ter constatado esta ausência de debate no nosso país sobre as políticas europeias, nomeadamente sobre a zona euro, que o Conselho Económico e Social (CES), por minha proposta, debateu e aprovou, em Julho de 2010, um relatório sobre o “Futuro da Zona Euro”.

O conteúdo desse relatório é muito crítico quanto ao modo como as instituições europeias têm lidado com a crise do euro. O Conselho Económico e Social considera que houve uma excessiva lentidão das instituições europeias na resposta a situações de emergência e que alguns países da zona Euro assumiram posições que privilegiaram mais o interesse nacional de curto prazo em detrimento da própria salvaguarda da coesão da União Europeia.

Nesse relatório são apresentadas pistas sobre os caminhos a seguir,

nomeadamente a necessidade de reconfigurar políticas e instituições

comunitárias de modo a evitar a deriva para a lógica do directório e para o

primado dos interesses nacionais, mantendo, sem concessões, a exigência

de conciliar o princípio da liberdade de concorrência com o princípio da

coesão económica e social.

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Se olharmos para a história da primeira década da existência do euro, concluímos, à primeira vista, que se trata de uma história de sucesso. O euro rapidamente se tornou uma moeda estável, passou a ser a segunda moeda de reserva do planeta e permitiu garantir a estabilidade dos preços.

Se o impacto positivo das taxas de juros relativamente baixas e estáveis na zona Euro superou largamente o impacto negativo resultante de diferenças a nível de competitividade entre países membros, à medida que a economia se foi contraindo, os problemas começaram a surgir porque se tornou cada vez mais difícil camuflar aquelas diferenças.

A crise económica tornou muito mais visíveis os potenciais desequilíbrios da zona euro, porque arrastou dificuldades bem mais acrescidas e complexas aos seus membros mais vulneráveis. Os investidores passaram a exigir progressivamente prémios mais elevados para comprar dívida desses Estados que estão agora a viver o pior dos mundos, uma grave falta de competitividade e taxas de juros elevadas.

E o facto de alguns Estados virem a sofrer estagnação ou recessão económica pode levantar dúvidas sobre a sua solvência, ou sobre a sua capacidade para se manter na zona euro.

Mas enganam-se aqueles que pensam que a crise está confinada a esses Estados. A crise da zona euro tem a ver com toda a zona euro. É uma crise sistémica e, como tal, só pode ser resolvida através de uma solução sistémica.

A forma como o euro foi criado não ajuda à busca de uma solução.

Na zona euro há uma moeda única mas não há um sistema económico europeu. Cada país continua a defender os seus sectores estratégicos.

Na zona euro, há uma moeda única mas não há um sistema financeiro europeu. A este nível a União Europeia não tem capacidade para intervir.

E não tem essa capacidade porque tudo o que é financeiro está

segmentado pelos diferentes Estados-Membros. Fica-se com a ideia de

que o Plano de Acção para o surgimento de um verdadeiro mercado

europeu de serviços financeiros, pensado em 1999, pelo Comissário Mário

Monti, foi ficando pelo caminho.

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Na zona euro, há uma moeda única mas não há uma verdadeira política macroeconómica europeia. Na zona Euro a articulação entre políticas monetárias, orçamentais, fiscais e outras é muito débil.

Na zona euro há uma moeda única mas não há um verdadeiro orçamento da União. A contribuição máxima dos Estados-Membros para o orçamento da União continua a ser de 1,24% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) desde as últimas duas décadas. Entretanto, e desde essa altura, a União ratificou três tratados, realizou três alargamentos e assumiu muito mais responsabilidades.

Mais grave é a questão do modelo de financiamento da União Europeia.

Actualmente, 85% dos recursos financeiros da União não são verdadeiros recursos próprios, pois têm origem nos orçamentos nacionais dos Estados- Membros e são, por vezes, apresentadas como uma rubrica de despesa nos orçamentos nacionais.

Os Estados tendem assim a julgar as políticas e iniciativas da UE mais em termos de retorno do investimento em comparação com as respectivas contribuições nacionais, em vez de analisar essas despesas de um ponto de vista global atendendo ao valor das políticas levadas a cabo a nível europeu. Nestas condições, há que reconhecer que o modelo de financiamento da União Europeia, como existe, está esgotado.

Estes são, entre outros, alguns dos problemas da zona euro que não estão resolvidos, nem pressinto que estão a caminho de o ser de uma forma coordenada e abrangente.

Há que reconhecer que a criação de uma união monetária sem a existência de uma união política, talvez tenha sido um erro. Foi uma ilusão pensar que os critérios de Mastricht seriam suficientes para assegurar a estabilidade da zona euro e, por isso, estamos a pagar um preço altíssimo.

É certo que durante o último ano foi percorrido pelas instâncias europeias

um caminho no sentido de reformar mecanismos de supervisão, de

coordenação económica e de prevenção para situações de crise. É a

chamada governação económica.

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Um dos instrumentos anunciados é a criação de um único sistema integrado de vigilância para avaliar os aspectos orçamentais e económicos e que deverá funcionar a partir do primeiro semestre de 2011.

Falar de governação significa que há regras e procedimentos que têm de ser respeitados A União Económica e Monetária está cheia desses mecanismos, sendo que o critério de convergência é um dos mais importantes, porque define a qualidade de membro da zona euro.

Tenho a maior das dúvidas sobre a forma como este critério foi concebido, porque ele assente exclusivamente na convergência nominal. Tomemos o exemplo da Espanha. Antes da crise estava em linha com todos os critérios de Mastricht. Apresentava um deficit aceitável e a dívida acumulada estava abaixo do exigido, mas a Espanha vinha a perder competitividade porque se tinha focado excessivamente na construção. Ora, este tipo de evolução não é captado através de uma análise nominal.

As propostas apresentadas para a governação económica europeia são, em minha opinião, limitadas.

Desde logo, uma focagem excessiva na consolidação orçamental, sem atender á natureza da despesa pode ser contraproducente e é um convite à utilização de políticas pró cíclicas, quando deveria ser o contrário.

Nas propostas da União Europeia sobre a governação económica há dois aspectos omissos.

O primeiro é que não se tem em consideração os investimentos associados a um potencial crescimento económico, e que iriam, a médio prazo, ajudar a consolidação orçamental pelo lado da receita. O chamado deficit virtuoso é tratado exactamente do mesmo modo que as despesas correntes sumptuárias. Na minha opinião, isto é um erro.

A segunda omissão é a não consideração de medidas de incentivo à

utilização dos estabilizadores automáticos. Também, na minha opinião,

esta omissão é outro erro.

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Tenho muita dificuldade em perceber que a nível das instituições europeias não se queira entender esta coisa muito simples e objectiva, que é a seguinte: não é possível manter por muito tempo a moeda única num espaço onde não haja coesão económica.

Se alguns Estados Membros vierem a sofrer anos consecutivos de recessão, acentuando desequilíbrios regionais dentro da zona euro acontecerá o enfraquecimento das finanças públicas desses Estados, o que torna a situação na zona euro insustentável.

Nestas circunstâncias, no caso de Portugal e a bem da zona euro, há caminhos que não devem ser seguidos.

Não aconselho a adopção de políticas que conduzem a uma forte redução da procura interna, pensando que é por aí que se diminui as importações e, por essa via, se reduz o défice externo e se garante o financiamento da dívida. A seguir este caminho, que é o proposto pela Comissão Europeia e corresponde à receita normal do FMI, o efeito sobre o desemprego será brutal.

Há autores, como é o caso do Prof. João Ferreira do Amaral que afirma que “se a procura interna baixasse 1% nos próximos cinco anos a taxa de desemprego aumentaria no mínimo para 17% da população activa no final desses cinco anos … propor cortes adicionais e profundos da procura interna na situação em que se encontra o nosso país é perfeitamente irresponsável”.

Também não será a via da redução dos salários que permitirá adquirir ganhos de competitividade da nossa economia. A ser prosseguido este caminho os efeitos na diminuição da procura interna far-se-iam também sentir, haveria um aumento de problemas para as famílias já de si muito endividadas e poder-se-ia desenvolver um processo de deflação, o que seria devastador para a economia.

Na última década a evolução dos salários não foi o principal factor

responsável pela perda de competitividade. Essa evolução tem sido

moderada como se pode verificar pela grande estabilidade da proporção

de rendimentos salariais relativamente ao PIB, que é idêntica à verificada

na zona euro.

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Quanto à eventual revisão da legislação laboral trata-se de uma ideia que na minha opinião carece de sentido e nem sequer tem sido desejada de forma prioritária por qualquer dos parceiros sociais.

A actual legislação contém elementos de flexibilidade mais que suficientes para adaptar a organização do trabalho das empresas às suas necessidades e dos mercados.

A ideia de que alterando a lei se pode criar emprego é uma ideia errada. A criação de emprego não se resolve por via legislativa.

Tenhamos a consciência de que a perda de competitividade associada a um processo de recessão é um “cocktail” explosivo. Trata- uma via que não conduz à esperança em dias melhores e pode gerar fenómenos de convulsão social incontroláveis.

A via que permite a saída da crise com criação de emprego terá de ser baseada numa orientação da política económica, cujo princípio essencial será procurar colocar o capital ao serviço de quem cria riqueza e emprego, o que significa apoiar a produção dos sectores de bens e serviços transaccionáveis e obriga a uma rotura com a prática seguida nos últimos anos, que conduziu o país a um ritmo de desindustrialização que foi dos mais elevados do planeta.

Esta orientação terá de traduzir a ideia de que o reequilíbrio das finanças públicas e crescimento económico não podem ser vistos como objectivos incompatíveis. Nesse sentido, a par de uma consolidação orçamental, que poderia ser mais justa do que a que está em marcha, tal como o CES referiu no seu Parecer sobre o Orçamento de Estado para 2011, teria de ser criada uma descriminação positiva destinada a apoiar a produção dos bens e serviços transaccionáveis.

Nos países da zona euro que sofrem de recessão económica é fundamental que haja a possibilidade de avançar com políticas anti- cíclicas, ou que contenham elementos de discriminação positiva.

Não vislumbro nas decisões do Conselho Europeu de 24 e 25 de Março

qualquer nota que vá nesse sentido, o que manifestamente prejudica o

crescimento económico dos Estados mais fracos. Os resultados do último

Conselho Europeu são uma desilusão, em termos de construção europeia.

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Como também não me canso de repetir que se torna imprescindível a existência de uma única entidade emitente de dívida pública para toda a zona euro.

A criação de uma entidade emitente de dívida pública para a zona euro é a consequência lógica do processo político que levou à criação do Euro.

Hoje é claro que a ideia de existir uma moeda única e uma política monetária sem mais integração das políticas económicas, fiscais e sociais é uma ilusão. Não funciona.

Eu sei que esta solução obriga a que os países da zona euro entrem por um caminho mais federalista no desenvolvimento do processo de construção europeia, mas as alternativas, perante os eventuais fortes desequilíbrios económicos e sociais que se podem vir a verificar, são de muita precariedade e de muita insegurança sobre o futuro.

A respeito de tendências federalistas não deixa de ser muito interessante observar que sendo as políticas sociais da competência exclusiva dos Estados Membros assiste-se, nos últimos tempos, a uma pressão no sentido de nivelar práticas e procedimentos, por exemplo, a nível da legislação laboral conduzindo a formas encapotadas de práticas federalistas.

Para o provar basta verificar a reacção muito positiva da Comissão Europeia sobre a possibilidade de vir a ser reduzido o montante das indemnizações por despedimento no nosso país.

Assistimos, assim, a um movimento em que se vai “federalizando” no domínio social aquilo que é desnecessário e sempre pelos mínimos e não se “federaliza” aquilo que é urgente e necessário em termos de políticas económicas.

A actuação da Comissão Europeia em todo este processo da crise de euro

merece da minha parte algumas observações. A Comissão é a instituição a

nível europeu que tem a obrigação de ter a visão do conjunto e, durante

todo este processo, ainda não vi que tivesse apresentado uma proposta

sistémica sobre a crise do euro.

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Sabemos que há fortes divergências entre Estados Membros e, precisamente por isso, é que a Comissão não se deve limitar a

“secretariar” as reuniões do Conselho. Ainda está a tempo de apresentar uma proposta global e confrontar o Conselho com as suas responsabilidades.

Comportamento diferente e bem mais construtivo foi o do Presidente do Euro Grupo, Jean Claude Juncker, que teve a coragem de apresentar aos seus pares uma proposta sobre a criação dos “euro-bonds”.

Eu vejo o processo de evolução da zona euro como uma travessia de um rio através de uma ponte muito debilitada. Até agora apenas se atravessou metade do rio. Ou se avança decididamente em direcção à outra margem, ou a ponte cai. Estar parado no meio da ponte equivale a impor apenas a disciplina orçamental.

Para chegar à outra margem, há que estimular o investimento de longo prazo em domínios estratégicos e colocar o sistema financeiro alinhado com essas opções, através de decisões concertadas.

Para chegar à outra margem a Europa precisa dum mercado interno. Até agora só existe o nome. Esta crise mostrou o perigo do surgimento de medidas proteccionistas.

Para chegar à outra margem, a União Europeia precisa de tomar opções estratégicas para poder competir no Mundo e Portugal tem de estar preparado para essa discussão, nomeadamente ao nível das políticas da energia, que devem assegurar uma oferta segura e a preços competitivos;

da indústria, através da especialização estratégica com empresas que apostem no seu crescimento potencial, para além da sua competitividade interna; da agricultura, como sector estratégico, em termos de segurança alimentar e comércio mundial; e da regularização dos aspectos referentes a bens públicos, como seja a água, clima, saúde, alimentação.

Para chegar à outra margem é preciso uma maior coordenação entre as

políticas fiscais que permitam reduzir a carga sobre o factor trabalho em

comparação com outros factores, nomeadamente o capital que tem

beneficiado da competição desregulada dos sistemas fiscais europeus.

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Para chegar à outra margem Portugal deverá desenvolver uma forte ofensiva diplomática, com apoio de aliados naturais, no sentido de convencer as instituições europeias e os Estados que pertencem à zona euro que terão de interiorizar que a consolidação orçamental deve ser acompanhada por progressos na coesão económica e social.

O projecto europeu tem sido desenvolvido na base da liberdade e do equilíbrio.

E isso tem tudo a ver com o modelo de governação económica porque nem o reequilíbrio das finanças públicas e crescimento económico podem ser vistos como objectivos incompatíveis, nem o conceito de solidariedade pode ficar limitado à distribuição de cheques.

Solidariedade e coesão económica pressupõem um caminho que tem de ser percorrido em conjunto, na base de processos cooperação e não de imposição, em que se tenha em consideração as diferenças entre os diversos Estados Membros e, insisto, se perceba que, sendo necessária uma forte disciplina orçamental ela não pode ir ao ponto de impedir que haja crescimento económico.

Mais cedo do que tarde a Europa terá de encarar esta realidade.

Muito obrigado.

Referências

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