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Negócios Ilícitos na Alfândega do Rio de Janeiro:

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Academic year: 2021

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Negócios Ilícitos na Alfândega do Rio de Janeiro:

1719-1725

Grazielle Cassimiro Cardoso*,Paulo Cavalcante**

Resumo: A presente comunicação tem por objetivo percorrer os caminhos e descaminhos presentes na Alfândega do Rio de Janeiro no governo de Ayres de Saldanha de Albuquerque (1719-1725). O progressivo crescimento da atividade mercantil na colônia portuguesa refletia positivamente nas rendas públicas, atendendo aos interesses metropolitanos. Nesse ambiente permeado por relações comerciais, o Rio de Janeiro converteu-se desde princípios do século XVIII num centro de atividades mercantis. Nessa perspectiva, a Alfândega do Rio de Janeiro constituiu-se pólo essencial para arrecadação e fiscalização. É neste ambiente que se davam diversos tipos de relações lícitas e ilícitas. A proposta deste trabalho é, por intermédio do diálogo com os indícios documentais, compreender a dinâmica da ordem e das transgressões no cotidiano da Alfândega do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Alfândega; Rio de Janeiro; Descaminhos.

Abstract: This Communication aims to go through the ups and downs found in Customs in Rio de Janeiro in the government of Ayres de Saldanha de Albuquerque (1719-1725).The progressive growth of commercial activity in the Portuguese colony reflected positively in public revenues, given the metropolitan interests. In this environment permeated by trade, Rio de Janeiro has become since the early eighteenth century a center of business activities. From this perspective, the Customs of Rio de Janeiro was formed pole essential to collect and control. It is this environment that gave different types of licit and illicit relationships. The purpose of this work is through dialogue with the documentary evidence, understand the dynamics of order and the daily transgressions of the Customs of Rio de Janeiro.

Keywords: Customs, Rio de Janeiro; Embezzlement

1 O presente trabalho terá como foco as ilicitudes ocorridas na Alfândega do Rio de Janeiro durante o governo de Ayres de Saldanha de Albuquerque e a atuação das diferentes autoridades que ali transitavam. Ao abordar a ilicitude dentro da alfândega procuro compreender a natureza complexa do processo de colonização. Para conduzir eficazmente a

* Graduanda em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

** Orientador: Professor Paulo Cavalcante de Oliveira Junior do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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colonização necessita-se recorrentes vezes romper com a ordem outrora defendida.

O século XVIII significou, para o Brasil, a fase da consolidação colonial. A economia portuguesa passou a depender mais do Brasil. Os produtos brasileiros, como o ouro, garantiam rendimentos ao Estado e movimentavam os portos. O progressivo crescimento da atividade mercantil na colônia portuguesa refletia positivamente nas rendas públicas, atendendo aos interesses metropolitanos.

Nesse ambiente permeado por relações comerciais, o Rio de Janeiro converteu-se desde princípios do século XVIII num centro de atividades mercantis. Para o historiador Ernst Pijning o porto do Rio de janeiro era privilegiado, representando um centro político, administrativo e militar para o Atlântico Sul (PIJNING:2001:397-414). Ao longo da primeira metade do século XVIII o Rio de Janeiro transformou-se de uma importante cidade portuária meridional para o principal centro do poder político e econômico no Brasil.

O Rio de Janeiro possuía uma posição estratégica como o principal escoadouro dos distritos mineiros, havendo uma constante troca de ouro, diamantes e outros produtos.

Além disso, por ser um dos poucos portos de mar aberto, o porto carioca atraía muitos estrangeiros que navegavam para os Mares do Sul e outras áreas do oceano Índico. Diante de todos estes atrativos o Rio de Janeiro tornou-se propício para os negócios ilícitos e o comércio ilegal.

A posição do Rio de Janeiro no Atlântico sul era muito disputada. Embarcações estrangeiras circulavam pela costa brasileira, saqueavam outras embarcações e pequenas cidades costeiras, além disso, realizavam comércio com os habitantes locais em troca de ouro desencaminhado.

2 Nesse espaço favorável aos descaminhos nos deparamos com a Alfândega,

instância responsável pela fiscalização no Rio de Janeiro, e questionamos até que ponto esta cumpriu sua função ou deixou os extravios ocorrerem? Refletindo sobre esta temática busco através da leitura de fontes primárias e de leitura bibliográfica entender um pouco da lógica alfandegária, a possibilidade dos descaminhos e o que contribuía para a realização destes.

A Alfândega da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro ficava nas dependências do Palácio dos Governadores. Seu campo de atuação era a fiscalização e a arrecadação dos direitos reais1 e, aparentemente, seu principal objetivo era fazer com que a

1 A dizima era um imposto cobrado pela Alfândega sobre todas as fazendas que davam

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fazenda de Sua Majestade não fosse lesada. Digo aparentemente, pois em muitos casos os oficiais reais (encarregados de fiscalizar e arrecadar para a Coroa) participavam dos descaminhos e privilegiavam o interesse privado, acima do público.

Oficiais da alfândega, negociantes, mercadores, soldados, ambulantes, todos buscavam sua parcela na economia ilegal. Ocupar aquele espaço urbano ou possuir um cargo na alfândega podia representar a oportunidade de se beneficiar econômica, política e socialmente (SAMPAIO,2007:227-234).

A Alfândega constituía local propício à negócios lícitos e ilícitos pelo intenso fluxo de pessoas, comércio e entrada e saída de navios que descarregavam suas mercadorias na praça do Rio de janeiro.

Observa-se na documentação que as autoridades tentavam reprimir as transgressões ocorridas na Alfândega solicitando, por exemplo, a intervenção real. Luís Vahia Monteiro, sucessor de Ayres de Saldanha, por exemplo, procurava aplicar rigidamente a lei e impedir o contrabando. Porém diversas vezes os contrabandistas, transgressores, contavam com a conivência dos próprios ministros reais , os encarregados de executar o cumprimento das ordens régias para realizarem negócios ilícitos.

3 Concordo com Emanuel Araújo quando este afirma que a corrupção dos

funcionários públicos devia-se ao fato de que na colônia todos queriam tirar partido de tudo, preocupando-se apenas com seu próprio bem e com a possibilidade de enriquecer (ARAÚJO,1997). As ilicitudes faziam parte do universo da América portuguesa, a perspectiva de enriquecimento tornava-se o atrativo essencial para os negociantes, mercadores e oficiais reais.

Romper com a corrente de corrupção era inútil, pois esta suposta desordem fazia parte da ordem colonial. O descaminho era uma prática social enraizada na América portuguesa.

Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Mattos de Noronha foi nomeado governador e capitão-general do Rio de Janeiro por carta patente de 3 de Janeiro de 1719 , assumindo a administração a 13 de Maio do mesmo ano. Ayres de Saldanha subsituiu Britto de Menezes que se encontrava mal estado de saúde de Britto de Menezes e veio a falecer logo

entrada e saída no porto da cidade do Rio de Janeiro. A dizima tinha a função de pagar a proteção da cidade que constantemente era assolada pelo medo de invasões estrangeiras.

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após a posse do novo governador. Na sua primeira carta a metrópole o governador relata o sossego que se encontrava a capitania. Este sossego não duraria muito tempo (FREIRE,1914:474-475).

A Alfândega da Cidade do Rio de Janeiro constava de uma loja debaixo das casas dos governadores e era impossível como afirma Ayres de Saldanha, “recolher nela as fazendas que levavam a frota, ficando quase todas de fora dos armazéns e constituindo por grande prejuízo das fazendas expostas aos furtos e em notório prejuízo da Real Fazenda de Sua Majestade”.2 A solução seria encontrar ou construir um local para se recolherem melhor as fazendas. As questões referente as reformas na Alfândega perpassaram os governos de Ayres de Saldanha e de Luiz Vahia Monteiro mas nunca foram plenamente solucionada, possibilitando a continuidade dos prejuízos da arrecadação da dízima da Alfândega.

4 Havia diferentes formas de desencaminhar na alfândega, as principais queixas dos governadores era a estrutura física da dita instituição, como exposto acima, e a falta de guardas e funcionários para uma melhor fiscalização e arrecadação. Em 1719, no governo de Ayres de Saldanha de Albuquerque, o Juiz da Alfândega do Rio de Janeiro escreve uma carta ao Conselho Ultramarino dando conta de “serem precisamente necessários alguns guardas para a boa arrecadação da Alfândega”.3 A falta desses guardas acarretava contínuos descaminhos no direito da dízima, pois era grande a quantidade de mercadoria que entrava na Praça do Rio de Janeiro e poucos os funcionários para sua proteção. Os contrabandistas aproveitavam o mínimo descuido para praticar ilicitudes e preencher seus cofres.

Em outra representação do Juiz da Alfândega do Rio de Janeiro sobre a necessidade de uma balança e de um juiz de balança para o efetivo despacho das fazendas de peso, percebemos as contradições existentes nesse espaço.

O documento nos relata que Manoel Corrêa Vasques, Juiz da alfândega, verificou ser necessário, “ para a boa averiguação dos gêneros que se dizimavam por peso, uma balança, um juiz e um local para a acomodação de ambos, já que a alfândega não tinha

2 AHU, Códice 233, Rio de Janeiro. Sobre a ordem que foi ao governador para informar os ofícios suficientes e capazes que se devia obrar para melhor se recolherem as fazendas de toda a frota.

3 O Juiz da Alfândega do Rio de Janeiro, dá conta de serem precisamente necessários ter guardas para a boa arrecadação da dita Alfândega a quem se de ocupação, segundo os incidentes do tempo ( Lisboa,31/10/1719). IHGB/Arq. 1.1.25, cópias do Arquivo do Conselho Ultramarino, vol. 25º, fls.154-156.

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capacidade para isso”. 4 Esse parecer do juiz alfandegário foi feito em 1717, porém o Conselho Ultramarino exigiu que o Governador da Capitania do Rio de Janeiro também informasse seu parecer e declarasse como se despachavam as fazendas de peso, e como se entregavam as partes sem haver balança.

Apenas em 1719 sob o governo de Ayres de Saldanha e Albuquerque é que este responde a dita ordem. O governador relata ao rei que as fazendas de peso que entravam na alfândega 5 daquela cidade, se despachavam pela estimativa que se davam aos volumes e nesta forma se entregavam as partes. É interessante observar que o governador reconhece a probabilidade do prejuízo dos direitos régios, e não o efetivo prejuízo, mas afirma ser conveniente que haja juiz, balança e um local para a realização do serviço, pois a Alfândega apenas tinha lugar para arrecadar as fazendas.

Ante o parecer do governador surge um obstáculo, o Procurador da fazenda concorda com a proposta do juiz da alfândega e com o governador, mas considera que uma casa para abrigar o juiz de balança acarretaria uma despesa maior do que o lucro que se poderia conseguir.

O Conselho Ultramarino diante das informações apresentadas declara seu parecer favorável ao Governador e ao Juiz da Alfândega:

“Pareceu ao Conselho representar a Vossa Majestade, que por esta informação do Governador do Rio de Janeiro, se mostra evidentemente a má forma que tem a arrecadação das dízimas das Alfândegas do Brasil, porque nesta do Rio se despacham as fazendas de peso por estimativa ... e que a casa para se acomodar nela a balança se reconhece ser mui necessária , como também em se criar Juiz de Balança, e que Vossa Majestade assim o deve mandar por em execução, pela grande conivência que disso se pode seguir ao real serviço .”5

Ao examinar o parecer do Conselho Ultramarino na íntegra observamos também a preocupação deste não só com as irregularidades ocorridas na Alfândega do Rio de Janeiro, mas as ocorridas na da Bahia, o que nos leva conclusão de que a ilicitude estendia sua rede

4 Sobre a representação que fez o Juiz d'Alfândega do Rio de Janeiro acerca da Balança e Juiz dela de que se necessita para o despacho das fazendas de peso que vão àquela Alfândega.

(Lisboa,18/11/1719). IHGB/Arq. 1.1.25, cópias do Arquivo do Conselho Ultramarino, vol. 25º, fls.167-8.

5 Sobre a representação que fez o Juiz d'Alfândega do Rio de Janeiro acerca da Balança e Juiz dela de que se necessita para o despacho das fazendas de peso que vão àquela Alfândega. ( Lisboa,18/11/1719). IHGB/Arq. 1.1.25, cópias do Arquivo do Conselho Ultramarino, vol. 25º, fls.167-8.

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nas diferentes partes do Brasil. O Conselho solicita junto ao rei que se mandasse uma pessoa de confiança, acompanhada de dois oficiais para as ditas alfândegas e que estes pudessem 6 fazer forais para elas e regimentos para a fazenda real.

Pode-se observar na análise do documento que as diversas autoridades participantes do espaço alfandegário não estavam alheias as ilicitudes. Alguns procuravam coibi-las, porém esbarravam, por exemplo, na demora da resolução real ou nas divergências entre as autoridades. Conseqüentemente, essas brechas do sistema colonial beneficiavam aos que se aproveitando das irregularidades aumentavam suas rendas.

Inicialmente um lugar controlado pela ordem, local de fiscalização e de arrecadação dos direitos reais, mas onde os negócios ilícitos prosperavam. Observamos que a sociedade colonial era, por certo, um ambiente de contradição e de complexidade.

A Alfândega com intenso fluxo de mercadorias, de navios e pessoas tornava-se local propício a negócios ilícitos. Ao analisar a documentação percebe-se que a Alfândega do Rio de Janeiro não cumpriu plenamente sua função de fiscalização, possibilitando que os extravios ou “descaminhos” ocorressem de diferentes formas e freqüentemente.

Refletir sobre esta constatação leva-nos a pensar a estrutura da administração colonial, a atuação dos poderes que compunham a Alfândega do Rio de Janeiro e como a Coroa portuguesa lidou com os descaminhos.

O estudo sobre administração colonial foi como afirma a historiadora Laura de Mello e Souza relegado, durante muito tempo, a um segundo plano pouco honroso. Hoje muitos são os debates e trabalhos que procuram dar conta de tão relevante estudo. Com relação ao estudo sobre a Alfândega, poucos são os autores que abordaram mais profundamente esta instituição, durante a primeira metade do século XVIII.

Neste sentido estudar a Alfândega do Rio de Janeiro e a dinâmica desta instituição constitui um desafio para mim. Ao contemplar o objeto sobre o qual meu olhar repousa percebo-me diante de uma obra de arte elaborada por diversos autores e que me instiga a desvendá-la. É necessário percorrer os caminhos e os descaminhos dessa instituição para

6 encontrar o meu próprio caminho.

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Referências Bibliográficas

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41-60.

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