• Nenhum resultado encontrado

OS DIREITOS DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "OS DIREITOS DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO"

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

1

OS DIREITOS DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Daniela Rezende de Oliveira1; Alexandre Sandim Camargo2

¹ Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Guarujá, São Paulo, Brasil. Docente do Curso de Bacharel em Direito. daroliveira@unaerp.br.

² Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Guarujá, São Paulo, Brasil. Discente do Curso de Bacharel em Direito. alexandre.camargo@sou.unaerp.edu.br.

Seção: Humanas.

Formato: Artigo Original.

RESUMO

O presente estudo busca demonstrar que o nascituro, embora não possua personalidade jurídica e, por isso, não possa ser considerado pessoa, possui direitos que devem ser preservados desde a sua concepção. Desse modo, analisando-se diversos dispositivos normativos, e utilizando-se as técnicas da interpretação lógica e sistemática, pretende-se demonstrar que, embora o legislador brasileiro tenha claramente adotado a teoria natalista, determinando que o início da personalidade jurídica apenas aos seres humanos que venham a nascer com vida, inegável que a legislação protege e atribui direitos ao nascituro.

Palavras-chave: personalidade jurídica; nascituro; embrião humano.

Área de conhecimento: Humanas.

Tipo de trabalho: Artigo original.

ABSTRACT

The present study seeks to demonstrate that the unborn child, despite not having legal personality and, therefore, cannot be considered a person, has rights that must be preserved from its conception. In this way, analyzing several normative devices, and using the techniques of logical and systematic interpretation, it is intended to demonstrate that, although the Brazilian legislator has clearly adopted the natalist theory, determining that the beginning of the legal personality only to human beings that they come to be born alive, it is undeniable that the legislation protects and attributes rights to the unborn child.

Keywords: legal personality; unborn child; human embryo.

Area of knowledge: Humanities.

Type of work: Original article.

(2)

2

1 INTRODUÇÃO

Pessoa é todo ente ao qual se atribuem direitos e deveres jurídicos. Nesse sentido, toda pessoa possui personalidade, uma vez que ela “exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações” (PEREIRA, 2017, p. 141).

Embora o conceito de personalidade jurídica seja algo pacífico na doutrina, ainda existem muitas dúvidas e indagações em relação ao momento em que o indivíduo a adquire, se a partir do nascimento com vida (como preconiza a teoria natalista) ou se desde a concepção (como estabelece a teoria concepcionista) (SILVA, 2017;

COSTA et al., 2017).

Dito de outra forma, a doutrina brasileira não é unânime no que tange determinar o exato momento em que a legislação reconhece o início da personalidade jurídica do ser humano. É o que se pode verificar por meio da hermenêutica do art. 2º do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002) que se controverte em seu próprio texto, bem como com outros dispositivos da mesma lei, como por exemplo, o art. 542 (que dispõe sobre o direito de receber bens por doação), o art.

1597 (que dispõe sobre o direito ao reconhecimento da filiação), o art. 1609, parag.

único (que dispõe sobre a legitimação do filho apenas concebido), o art. 1779 (que dispõe sobre a curatela do nascituro), e o art. 1799 (que permite que o indivíduo já concebido, mas não nascido, possa adquirir por testamento) (BRASIL, 2002).

O art. 2º do Código Civil brasileiro afirma que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2002, p. 14). A interpretação desse dispositivo normativo demonstra que o legislador pátrio adotou a teoria natalista, que estabelece que o início da personalidade jurídica dá-se com o nascimento com vida.

No entanto, por meio de uma interpretação lógico-sistemática de muitos dispositivos normativos presentes na legislação brasileira revelam que o nascituro, aparentemente, é detentor de diversos direitos, embora ainda não possua personalidade jurídica. Por isso, é necessário se investigar sobre a existência ou não de direitos concedidos aos nascituros por parte do legislador, bem como se analisar se o nascituro possui personalidade jurídica, ou se apenas possui expectativa de direitos ou direitos subjetivos em potencial (SILVA, 2017).

(3)

3

2 OBJETIVOS

O Direito, além de ser um instrumento de controle da vida social, cujo principal objetivo é ordenar e pacificar a vida em sociedade, deve garantir e assegurar a tutela dos direitos (e deveres) dos indivíduos, em especial, àqueles mais vulneráveis, como é o caso do nascituro.

O estudo acerca dos direitos do nascituro, e o seu tratamento na legislação, se torna cada vez mais importante em razão dos constantes avanços das pesquisas nas áreas biológicas, em especial, nas ciências biotecnológicas, em que diversas pesquisas genéticas estão sendo desenvolvidas com a utilização de embriões humanos, uma vez que o nascituro deve ser tratado como potencial sujeito de direitos, e não como simples objeto de pesquisa (SEMIÃO, 2000; ALMEIDA, 2000;

GALVIS, 2019).

Nesse sentido, o presente trabalho busca demonstrar que, embora a personalidade jurídica não seja atribuída ao nascituro, a legislação brasileira lhe atribui e garante direitos que devem ser assegurados tanto pelo Estado, como por toda a sociedade.

3 MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia utilizada teve por suporte a análise do contato com a realidade fática e à identificação de elementos que mereçam valoração ética que, por meio da interpretação e comparação, indicaram o ponto de partida para a formulação de respostas às questões formuladas.

Nesse sentido, no procedimento metodológico foram utilizados subsídios argumentativos e explicativos de outros trabalhos, almejando-se um melhor detalhamento e aprofundamento dos dados supervenientes à elaboração de resultados objetivos.

Para tanto, fez-se uma pesquisa bibliográfica, com a posterior leitura e fichamento das obras selecionadas e referenciadas. Ainda, utilizou-se os métodos de pesquisa descritivo, histórico e hermenêutico-compreensivo.

Por meio da metodologia acima descrita, a presente pesquisa visa investigar sobre a existência ou não de direitos concedidos aos nascituros por parte do

(4)

4

legislador brasileiro, bem como analisar se o nascituro possui personalidade jurídica, ou se apenas possui expectativa de direitos ou direitos subjetivos em potencial.

4 REFERENCIAL TEÓRICO

Neste tópico são apresentados o referencial teórico levantado, a análise de resultados obtidos, bem como a discussão sobre a temática da pesquisa.

4.1 REFERENCIAL TEÓRICO

Em sentido popular, o termo “pessoa” é utilizado como sinônimo de ser humano ou indivíduo. Entretanto, juridicamente, pessoa é o ser titular de direitos e deveres. Em outras palavras, no Direito, pessoa é termo que se refere a todo aquele que é sujeito de direitos e obrigações, e por isso, possui personalidade jurídica, uma vez que esta é a aptidão para ter direitos e contrair obrigações (DINIZ, 2008).

4.1.1 A pessoa e a personalidade jurídica ao longo da história

Ao longo da História, percebe-se que atribuir ou não personalidade jurídica a alguém é algo que diz respeito muito mais à política legislativa do que a critérios científico-jurídicos. No decorrer da História, o ser humano é considerado homem (na Grécia Antiga), pessoa (em Roma) e cidadão ou homem livre (na França do período pós-revolucionário). Assim, a personalidade jurídica nem sempre foi um atributo dado a todo ser humano (SANTOS, 2019).

Na antiga Grécia, os adeptos da escola filosófica estoicista entendiam que pessoa era o homem que possuía liberdade física e psíquica. No Direito Romano, pessoa era todo indivíduo que detinha a axion, ou seja, o poder de ir até um tribunal e defender os seus direitos ou realizar a sua defesa diante de acusações que tivessem lhe sido feitas (SANTOS, 2019).

Desse modo, em Roma, para que um homem fosse considerado pessoa exigia- se que fosse livre, cidadão (nacional) e chefe de família. E esse entendimento foi adotado até a Idade Moderna, sendo que a maioria dos Estados em que existia o instituto da escravidão, os escravos também eram desprovidos de personalidade jurídica, sendo tratados como objetos mas relações jurídicas dos quais participavam (SANTOS, 2019).

(5)

5

No Brasil Colônia, a personalidade jurídica era atribuída a todo ser humano, inclusive aos escravos, embora o regime jurídico vigente à época não os igualassem aos homens livres. Posteriormente, já no Brasil republicano, a legislação brasileira passou a atribuir a personalidade jurídica a todo indivíduo que pertença à raça humana, e assim é na maioria das legislações dos países ocidentais (SANTOS, 2019).

No entanto, as legislações ainda divergem ao determinar o exato momento em que se dá o início da personalidade jurídica do homem: se com a concepção ou com o nascimento com vida. Para a Teoria Concepcionista, a personalidade jurídica começa desde a concepção, sendo ela adotada, por exemplo, no art. 70 do Código Civil argentino Argentina (ARGENTINA, 2021), no art. 22 do Código Civil mexicano (MÉXICO, 2021) e no art. 17 do Código Civil venezuelano (VENEZUELA, 1982). De outro modo, a Teoria Natalista considera que a personalidade jurídica se inicia com o nascimento com vida, sendo adotada, dentre outros países, pelo art. 2º do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), o art. 1º do Código Civil alemão (ALEMANHA, 1900) e o art. 31 do Código Civil suíço (SUIÇA, 1907).

Desse modo, nota-se que o problema da personalidade jurídica do nascituro é uma questão relacionada à política legislativa de cada país, e ao modo como compreendem o sentido da vida humana, uma vez que há legislações que reconhecem direitos aos nascituros e outras que os negam (ALMEIDA, 2000;

GALVIS PLAZAS, 2019).

4.1.2 Teorias da personalidade jurídica do nascituro

Nascituro é aquele indivíduo que já foi concebido, embora ainda não tenha nascido. “É o fruto da concepção humana que se acha vivendo no ventre materno, vivendo, ainda, em subordinação umbilical” (THEODOR JÚNIOR 2010, p. 379).

Assim, em razão de sua concepção, a expectativa é que o indivíduo venha a nascer com vida, passando a ser considerado pessoa, motivo pelo qual possui direitos (imateriais e patrimoniais) que devem ser protegidos pela ordem jurídica (DINIZ, 1998).

Na doutrina jurídica, há quatro teorias que tratam da atribuição ou não de personalidade jurídica ao nascituro: teoria concepcionista (atribui personalidade

(6)

6

jurídica ao ser humano desde a sua concepção), teoria desenvolvimentista (atribui personalidade jurídica ao ser humano a partir de seu nascimento com vida, sem resguardar qualquer proteção ao nascituro), teoria da personalidade condicional (atribui personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, permitindo que os direitos retroajam à data da concepção em razão desse nascimento) e teoria natalista (atribui personalidade jurídica ao ser humano desde o seu nascimento com vida) (SEMIÃO, 2000).

4.1.2.1 Teoria concepcionista

A teoria concepcionista atribui personalidade jurídica ao ser humano desde a sua concepção, ou seja, o nascituro é equiparado a qualquer outro indivíduo já nascido. Ao atribuir personalidade jurídica ao nascituro, a teoria concepcionista considera que ele tem existência distinta de sua mãe (ou, genitora), sendo um ser independente dela (GONÇALVES, 2020).

Para os concepcionistas, o nascituro não é uma pessoa em potencial, e sim uma pessoa como qualquer outra. Assim, ao nascer, o nascituro não se transforma em pessoa, pois ele já é pessoa desde a sua concepção. Nesse sentido, os adeptos dessa teoria desconsideram os mecanismos artificiais de fecundação por acreditarem que ferem a dignidade do embrião humano, de modo que ele não seja reduzido a mero objeto de estudo ou manipulação científica (LEITE, 1996).

4.1.2.2 Teoria desenvolvimentista

A teoria desenvolvimentista atribui personalidade jurídica ao ser humano a a partir de seu nascimento com vida, sem lhe resguardar qualquer proteção por entender que ele é desprovido de autonomia (BARBOSA, 2019).

Para os adeptos dessa teoria, o nascituro não é pessoa, mas um aglomerado de células detentoras de um patrimônio genético específico, e por isso, um ser indistinto de sua mãe (ou, genitora) e dependente desta. Assim, não sendo uma pessoa, o nascituro não é sujeito de direitos e obrigações, possuindo apenas expectativa de direitos (BARBOSA, 2019).

4.1.2.3 Teoria da personalidade condicional

(7)

7

A teoria da personalidade condicional preconiza que o início da personalidade jurídica se dá com a concepção, mas que a efetivação dos direitos do nascituro estão condicionados ao seu nascimento com vida. Desse modo, a personalidade jurídica é atribuída somente com o nascimento com vida, momento em que também a capacidade jurídica é consolidada (OLIVEIRA, 2018).

De acordo com os adeptos dessa teoria, caso haja o nascimento com vida, os direitos do nascituro retroagem até a data de sua concepção, de modo que a personalidade jurídica tenha início com a concepção, com a condição suspensiva de que ocorra o nascimento com vida. Assim, a teoria da personalidade condicional preconiza que desde a sua concepção, o nascituro goza de proteção legal e que a ordem jurídica lhe assegura determinados direitos personalíssimos e patrimoniais, embora estes estejam sujeitos a uma condição suspensiva (ou seja, o nascimento com vida) (OLIVEIRA, 2018).

4.1.2.4 Teoria natalista

A teoria natalista, embora não atribua personalidade jurídica ao nascituro, também não o reduz a um aglomerado de células. Para os adeptos dessa teoria, o nascituro é considerado uma pessoa em potencial, e que apesar de não ter existência distinta de sua mãe (ou, genitora), é dotado de certa autonomia e independência (SEMIÃO, 2000).

Por não ser o nascituro nem pessoa e nem objeto, é que a teoria natalista procura colocá-lo numa posição intermediária entre as teorias concepcionista e desenvolvimentista, considerando-o simplesmente embrião humano. E, ao tratá-lo como embrião humano, os natalistas acreditam que o nascituro deve ter um estatuto jurídico próprio e específico, de modo que seus interesses e direitos sejam protegidos (GONÇALVES, 2020).

4.2 RESULTADOS

No Direito, pessoa é todo ente capaz de adquirir direitos e contrair obrigações.

Toda pessoa possui personalidade e capacidade jurídica, visto que ambas são atributos da pessoa, seja ela natural ou jurídica (OLIVEIRA, 2018).

(8)

8

4.2.1 O nascituro e a codificação civil brasileira

Personalidade jurídica é a aptidão para ter direitos, capacidade jurídica é a aptidão para se exercer direitos. A capacidade jurídica pode ser tanto de fato quanto de direito: capacidade de fato (ou, capacidade de exercício) é a qualidade que tem uma pessoa para praticar pessoalmente e de maneira autônoma atos da vida civil;

capacidade de direito é a qualidade que tem a pessoa de adquirir direitos e contrair obrigações jurídicas, não podendo, no entanto, praticar por si só os atos da vida civil.

Assim, para se ter personalidade jurídica, a pessoa terá capacidade jurídica – seja de fato ou de direito – uma vez que a total ausência de capacidade acarretará na frustração de personalidade jurídica (MENEZES, 2018).

A personalidade jurídica pode ser adquirida no momento da concepção (teoria concepcionista) ou no momento do nascimento com vida (teoria natalista), e é a política legislativa adotada por parte de cada ordenamento jurídico que irá optar por uma ou outra teoria (MENEZES, 2018).

O art. 2º do Código Civil brasileiro afirma que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002). A interpretação da primeira parte do art. 2º do Código Civil brasileiro revela que o legislador adotou, em relação à personalidade jurídica do nascituro, a teoria natalista, pois determina que a personalidade jurídica do ser humano começa com seu nascimento com vida. Contudo, a segunda parte do referido dispositivo normativo atribui direitos ao nascituro, assim como outros dispositivos normativos do mesmo Código se refere a direitos do nascituro, criando- se uma divergência doutrinária em relação a teoria adotada pela legislação (MENEZES, 2018).

Nesse sentido, verifica-se que, de um lado, o art. 2º do Código Civil brasileiro dispõe que a personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida. De outro modo, no mesmo Código, o art. 542 assegura ao nascituro o direito de receber bens por doação; o art. 1547 trata do direito ao reconhecimento da filiação; o art. 1609, parag. único, trata da legitimação do filho apenas concebido, mas não nascido; o art.

1779 dispõe sobre a curatela do nascituro; e art. 1799 permite que o indivíduo já concebido, mas não nascido, possa adquirir por testamento. A Lei nº 8.560/1992, em

(9)

9

seu artigo 7º, assegura ao nascituro o direito a alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido, quando houver necessidade desses alimentos (MENEZES, 2018).

Assim, realizando-se a interpretação lógica e sistemática desses dispositivos normativos, verifica-se que embora o legislador tenha claramente adotado a teoria natalista, determinando que o início da personalidade jurídica apenas aos seres humanos que venham a nascer com vida, inegável que a legislação protege e atribui direitos ao nascituro, embora não lhe conceda a personalidade jurídica (ALMEIDA, 2000, p. 197-198). Portanto, o nascituro é um “sujeito de direitos despido de personalidade” (FIÚZA, 2008, p. 126).

4.2.2 Direito subjetivo e expectativa de direito

O art. 2º do Código Civil brasileiro estabelece que, embora o ser humano somente adquire a personalidade jurídica após e com o seu nascimento com vida, o nascituro tem seus direitos postos a salvo pela ordem jurídica, sendo possível entender que ele possui “expectativa de direito” (MENEZES, 2018).

De acordo com a doutrina, a expectativa de direito pode ser entendida como direito subjetivo em formação, ou ainda, direito subjetivo com eficácia suspensa. Ao equiparar-se a expectativa de direitos com o direito subjetivo em formação, afirmar que o nascituro tem expectativa de direito equivale a afirmar que ele é titular de direitos, e por isso, é pessoa (MENEZES, 2018).

Entretanto, mediante uma investigação mais acurada sobre o tema, verifica-se que o instituto da expectativa de direito não se equipara ao direito subjetivo, tendo em vista que o direito subjetivo é direito, ou seja, interesse juridicamente protegido, e a expectativa de direito não é direito, mas algo que potencialmente pode vir a se tornar um direito (MENEZES, 2018; BARBOSA, 2019; OLIVEIRA, 2018).

Direito subjetivo é a faculdade de agir, isto é, um “poder-querer”, necessário para perseguir e tentar realizar um determinado fim, alcançando um interesse. Em outras palavras, é um poder da vontade destinado a realizar um interesse que está em conformidade com a ordem jurídica. O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo, é aquele que tem a faculdade de agir, é o detentor do poder de vontade, por isso, é elemento essencial da relação jurídica, pois não há direito sem sujeito (OLIVEIRA, 2018).

(10)

10

Nesse entendimento, a expectativa de direito se qualifica em direito subjetivo apenas quando certas circunstâncias venham a ocorrer, o que no caso em questão é o nascimento com vida. Desse modo, a expectativa de direito é a possibilidade que tem um determinado interesse vir a se tornar um direito (OLIVEIRA, 2018).

Considerando-se o fato de que o nascituro não possui personalidade jurídica, e que o art. 2º do Código Civil brasileiro estabelece que o nascituro tem seus direitos salvaguardados pela ordem jurídica, é possível acreditar que a legislação brasileira está tutelando interesses de um ser desprovido de personalidade jurídica, admitindo a existência de direito sem titular. Contudo, por meio da interpretação da primeira parte do mencionado artigo (art. 2º, CCB), verifica-se que a legislação brasileira adota a teoria natalista e que a proteção dos direitos do nascituro se refere à proteção de direitos meramente potenciais, ou seja, de interesses. Assim, é possível constatar que há interesses legalmente protegidos que não são direitos, bem como há interesses que por serem juridicamente protegidos, somente se tornam direitos quando são violados (VENOSA, 2005).

De todo modo, mais importante que se concluir se o instituto da expectativa de direito se insere ou não no conceito de direito subjetivo, está a necessidade de se compreender que o nascituro precisa de proteção legal, uma vez que, embora não seja juridicamente considerado como pessoa, é um ser vivo – um ser humano em formação. Para além da discussão acerca da admissão ou não da personalidade jurídica do nascituro, o direito à vida é que deve ser especialmente assegurado pela ordem jurídica. Isso porque, na atualidade, os constantes avanços e pesquisas das ciências biotecnológicas envolvendo a manipulação de embriões humanos exigem que a Bioética e o Direito criem mecanismos capazes de coibir procedimentos antiéticos e/ou ilícitos que violem os direitos à vida e à integridade física (BARBOSA, 2019).

4.3 DISCUSSÃO

A teoria clássica de Estado destacada por John Locke, ao abordar acerca da formação de um governo, poder político, tripartite, postulou sobre o seu papel de planejar e criar normas e direitos aos homens, não somente para dirimir sobre as liberdades individuais, mas para proteger suas propriedades e questões sociais que

(11)

11

requeriam intervenção estatal para garantir segurança aos direitos denominados naturais (LOCKE, 1998); torna-se o Estado protetor do homem contra o seu estado de natureza (sujeito de direito apesar da natureza ser estabelecida pela liberdade) por meio da formação da sociedade política (ROCHA, 2004), o direito de propriedade dos indivíduos (DEWEY, 1970), a noção de contrato social (ROUSSEAU, 1979; 1999), e outros pactos celebrados entre cidadãos e governos mediante proteção da lei e em prol da constituição da sociedade civil (RUZZA, 2007).

4.3.1 Direito à vida e estatuto do embrião humano

O homem foi corrompido por ideologias individualistas ao se estabelecer a sociedade civil, ainda assim, a concepção deturpada sobre a coletiva evidenciava sentimentos positivos sobre as propriedades e discursos de impedimentos e exclusão sobre pautas voltadas aos problemas gerados pela desigualdade entre os homens; mesmo após o surgimento da sociedade política, criada com o propósito de equilibrar as relações e propor ideais político-sociais para gerenciar políticas assistenciais e outras questões emergentes sociais e políticas para garantir, ao povo, mínimo de condições para se apropriarem da propriedade, sem exclusões e, em conformidade com a proposta de Justiça igualitária, sua finalidade precípua ainda não conseguira a abrangência esperada, tão pouco resultados expressivos, prevalecia a desigualdade entre os homens em todas as suas possibilidades (ROUSSEAU, 2002).

A década de 1940 representou o início de um processo de disseminação de ideologias de proteção e direitos aos homens. Encontros entre signatários mundiais organizaram pautas político-sociais que culminaram com a relevante necessidade de proteger a igualdade como questão fundamental para a sobrevivência da democracia, com esse ideal concebido em 10 de dezembro de 1948 um grupo de políticos, representantes mundiais, se reuniram, estabeleceram um comitê, o qual organizou a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que, em seu art.

1.º define que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

(12)

12

Homens considerados inferiores e alguns que nem eram considerados como pessoas, podendo-se citar fatos históricos que marcaram a violência cruel e desumana sofrida por estes em regimes ditatoriais, escravocratas ou em situações de guerras, tiveram seus direitos elevados pela concepção do Direito de Igualdade que passou a ser exercido nas nações signatárias à DUDH, inclusive, por prolatar em seu art. 3.º que “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)..

Os países signatários passaram a organizar suas concepções políticas e alterar bases ideológicas tradicionais, orientando-se sobre a nova perspectiva legal e democrática proposta pela DUDH, assim, inicia-se um movimento de alterações do constitucionalismo internacional. Esses pensamentos liberais que predominavam na Europa no final do século XVIII logo se refletiram no Brasil, favorecendo para a implantação do constitucionalismo liberal no país, iniciando-se gradativamente a era respeitadora dos direitos e liberdades fundamentais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)..

Portanto, a ideia de Constituição evoluiu pelo desenvolvimento de ideologias democráticas e cidadãs. Cita-se o Plano Marshall por ter ficado conhecido como movimento de concretização da cidadania e desenvolvimento de ideologias político- sociais para proteção dos direitos dos homens pelo Estado, configurando-se três fases distintas de orientação de direitos, iniciando com os direitos políticos e civis, e mais recentemente, em decorrência do movimento político-ideológico promovido pela DUDH, que suscitou os direitos sociais (MELLO, 2019).

A marca do século XX foi a conquista de direitos a todos os homens, criados com o intuito de se relacionarem coerentemente com os conceitos de democracia e cidadania. Passados os anos, as tendências jurídicas que enfatizam os direitos sociais, ora evidenciam os direitos repletos de diretrizes impostas pela classe dominante, de modo que são direitos obtidos como favor e não como conquista histórica do povo; e, ora, por meio de estudos sobre a finalidade dos direitos e que foram propostos não para conceder direitos, mas dotar o Estado de condições para ofertar serviços que protejam os direitos consagrados em lei aos mais necessitados na sociedade, em outros termos, não é questão burocrática, mas de bom senso (MELLO, 2019).

(13)

13

Apesar de promulgada sob a presidência de um líder pertencente a um partido ditatorial, a Constituição da República brasileira de 1988 se apresenta com um texto constitucional defensor dos direitos sociais e democráticos, inovando na maneira de reservar um título para tratar sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, mostrando o quanto se importa com direitos considerados de extrema relevância para o homem, principalmente ao estatuir o direito à vida no rol das garantias descritas no caput do art. 5º (BRASIL, 1988).

E sobre o direito a vida debruça-se as análises nesse momento, por se entender que este é um direito que teve sua previsão constitucional prevista de forma genérica e abrange tanto o direito de não ser morto e o direito de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também, o direito de ter uma vida digna. Pode ser considerado como o direito fundamental mais precioso, pois sem sua menção os homens não poderiam cogitar o gozo de demais direitos (FREITAS, 2020; GRIMM & SARLET, 2011; LINS et al., 2020).

A proteção constitucional da vida se estende tanto a vida ultra interina como a extra uterina em decorrência de ser um primeiro desdobramento, ou seja, direito de não ser privado da vida de modo artificial encontra-se a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada lá nos termos do art. 84, inciso 19. Assim mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição de pena de morte no Brasil sob pena de se ferir a cláusula pétrea esculpida no art. 60, § 4º, IV (BRASIL, 1988; LINS et al., 2020).

Diante do exposto, entende-se que o direito à vida é um dos mais importantes direitos fundamentais, uma vez que a vida é um bem que deve ser garantido a todos os seres humanos, bem como protegido e assegurado pelo ordenamento jurídico.

Por isso, cabe ao Estado criar mecanismos que assegurem a todos os seres humanos do direito à vida, desde o momento de sua concepção até a sua morte. Por essa razão, o art. 5º, caput, da Constituição da República brasileira de 1988, determina que o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade são bens invioláveis, devendo ser assegurados pelo Poder Público (BARBOSA, 2019; OLIVEIRA, 2018; MENEZES, 2018; MELLO, 2019).

(14)

14

4.3.2 Principais direitos do nascituro na legislação brasileira

O nascituro é um ser humano em formação que necessita de proteção jurídica por meio de uma legislação que contenha instrumentos que o defendam dos males que outros seres humanos possam lhe causar (SEMIÃO, 2000; ALMEIDA, 2000).

Com os constantes avanços e pesquisas das ciências biotecnológicas envolvendo a manipulação de embriões humanos, essa proteção jurídica se torna cada vez mais necessária, uma vez que os direitos à vida e à integridade física, em diversas circunstâncias, ficam ameaçados (SEMIÃO, 2000). Por isso, a questão relacionada a proteção e aos direitos do embrião humano é muito delicada, pois ao mesmo tempo que o Direito deve criar mecanismos de controle para as pesquisas e práticas biotecnológicas, ele não pode intervir nos avanços dessas pesquisas médico-científicas a ponto de impedir a sua evolução e busca por melhores condições de vida para o ser humano. Nesse aspecto, o Direito deve se atentar para o fato de que o embrião humano, em nome da Ciência, não pode ser transformado em mero objeto de pesquisas, projetos e experiências biotecnológicas (ALMEIDA, 2000).

Contudo, necessário esclarecer que o nascituro não é detentor de todo e qualquer direito, mas tão somente daqueles direitos necessários à proteção de sua vida, saúde e integridade física, bem como eventuais direitos patrimoniais que lhe sejam garantidos. Nesse sentido, afirma Semião:

Os direitos do nascituro, para não afrontarem o caráter universal dos direitos do nascido, para não contradizerem a 1ª parte do artigo 2° do CC., e para protegerem seus prováveis interesses durante o período da gestação, restringem-se e limitam-se àqueles que são especificadamente previstos na lei. É a taxatividade dos direitos do nascituro (SEMIÃO, 2000, p.68).

Nesse entendimento, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece diversos direitos ao nascituro que podem ser constatados não apenas em dispositivos presentes no Código Civil brasileiro, mas em outras leis tutelam e asseguram os direitos do nascituro. Esses direitos garantem não apenas os direitos do nascituro, como também, permitem que eles sejam exercidos por seus representantes legais, em seu benefício. A importância de toda essa proteção normativa está no fato de que a legislação brasileira reconhece que a vida humana

(15)

15

em toda a sua extensão deve ser protegida, sendo que é seu objetivo resguardar os bens e valores jurídicos relacionados aos direitos da personalidade (SEMIÃO, 2000).

Nesse sentido, para além da segunda parte do art. 2º do Código Civil dispõe que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, diversos dispositivos normativos do mesmo Código asseguram a fruição desses direitos. O art. 542 do Código Civil assegura ao nascituro o direito de receber bens por doação.

Assim, o artigo dispõe que: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal” (BRASIL, 2002). O art. 1547 do Código Civil trata do direito do nascituro ao reconhecimento da filiação (BRASIL, 2002). Assim, o referido artigo estabelece que:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 2002).

No mesmo sentido, o art. 1609, parag. único, do Código Civil trata da legitimação do filho apenas concebido, mas não nascido, estabelecendo que “O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes” (BRASIL, 2002). O art. 1779 dispõe sobre a curatela do nascituro, determinando que:

Art. 1.779, CCB. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro (BRASIL, 2002).

O art. 1799 do Código Civil permite que o indivíduo já concebido, mas não nascido, possa adquirir por testamento, dispondo que:

Art. 1.799, CCB. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão (BRASIL, 2002).

No que se refere a legislação processual, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), em seu art. 650, resguarda o direito do nascituro de receber herança,

(16)

16

determinando que “se um dos interessados for nascituro, o quinhão que lhe caberá será reservado em poder do inventariante até o seu nascimento” (BRASIL, 2015).

A Lei nº 8.560/1992, que trata do direito ao reconhecimento da filiação, em seu artigo 7º, assegura ao nascituro o direito a alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido, quando houver necessidade desses alimentos. Assim, dispõe o referido artigo que: “Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite” (BRASIL, 1992).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu art. 7º, determina que o Estado é responsável por garantir a proteção do direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes, e também do nascituro (BRASIL, 1990). Assim, o artigo estabelece que:

Art. 7º, ECA: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (BRASIL, 1990).

Ainda, o art. 8º do mesmo Estatuto, assegura à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal, determinando que:

Art. 8º, ECA: É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1990).

A Lei nº 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados, em seus arts. 5º e 6º, trata da proteção e dos limites ético-jurídicos das pesquisas que envolvam a manipulação de embriões humanos, no intuito de evitar que ele seja tratado como mero objeto de pesquisa (BRASIL, 2005). Para tanto, em relação aos embriões humanos, os mencionados dispositivos normativos estabelecem que:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células- tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

(17)

17 I – sejam embriões inviáveis;

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 6º Fica proibido:

(...)

III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

IV – clonagem humana;

(...)

VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos (BRASIL, 2005).

A Lei nº 11.804/2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido, permite que a grávida requeira assistência alimentícia para o nascituro, desde que comprovada a gravidez e os indícios de paternidade (BRASIL, 2008). Nesse sentido, o art. 2º dessa lei estabelece que:

Art. 2º: Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos (BRASIL, 2008).

Ainda, importa destacar que o direito à vida e à integridade física do nascituro é tutelado, também, nos arts. 124 a 127 do Código Penal brasileiro, que estabelece que a prática de aborto é considerada crime, salvo as exceções previstas no art. 128

(18)

18

(grave risco de vida para a gestante ou gravidez resultante de estupro) (BRASIL, 1940).

Portanto, a interpretação lógica e sistemática do Código Civil brasileiro, bem como de outras leis que protegem o nascituro, revela que ele possui direitos que são protegidos e tutelados pelo Estado. A adoção de qualquer uma das teorias da personalidade jurídica – natalista ou concepcionista – é válida desde que os direitos do nascituro sejam assegurados pela ordem jurídica, garantindo-se, especialmente, a proteção de seu direito à vida, à saúde e à integridade física. O nascituro é um ser humano vivo, ainda que não nascido, sendo necessário, pois, que seus eventuais direitos sejam protegidos pela sociedade e pelo Estado (BRASIL, 2002; SEMIÃO, 2000; ALMEIDA, 2000; GALVIS PLAZAS, 2019; SANTOS, 2019).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O art. 5º, caput, da Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988), revela que a vida do ser humano compõe-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). Por meio da vida, e a partir dela é que a personalidade jurídica e todos os outros direitos serão adquiridos. Ainda, é com a vida que os direitos personalíssimos são adquiridos, ou seja, o direito à integridade físico- corporal e moral, bem como o direito a uma existência digna.

Todo ser humano, desde o momento de sua concepção, tem direito à existência, o direito de viver, de lutar e defender sua vida. Por essa razão, a legislação brasileira somente permite que o processo vital seja interrompido devido a fatos espontâneos, maturais e inevitáveis, condenando qualquer forma de interrupção artificial e premeditada da vida (seja essa vida intra ulterina ou não) (BRASIL, 2002; 2015; 1992; 1990; 2005; 2008; 1940).

Em relação ao direito à integridade físico-corporal, a legislação brasileira não permite que o corpo humano seja injustamente agredido ou violado, tendo em vista que isso também configura uma violação ao direito à vida. Do mesmo modo, o direito à integridade moral visa a proteção aos valores ético-sociais e morais que todo ser humano possui e que também não podem ser violados, como por exemplo, a honra da pessoa, o seu bom nome e reputação.

(19)

19

Portanto, o direito fundamental à vida – e toda a sua dimensão jurídica – deve ser resguardado e protegido tanto pelo Estado quanto pela sociedade, seja em relação ao ser humano já nascido, como também, em relação àquele apenas concebido.

Atualmente, com o desenvolvimento e avanços das pesquisas científicas biotecnológicas envolvendo a manipulação de embriões humanos, a discussão acerca dos direitos do nascituro assume relevante importância para a Ciência do Direito e para a legislação. É necessário se investigar se a teoria natalista foi efetivamente e integralmente adotada pelo Código Civil (BRASIL, 2002), uma vez que a presença do nascituro na sociedade é algo visível e evidente para todos nós.

De acordo com o Código Civil, em seu art. 2º, o nascituro não é pessoa, uma vez que não possui personalidade jurídica, mas também não é considerado como um amontoado de células humanas detentor de material genético (BRASIL, 2002).

Por meio das técnicas de interpretação lógica e sistemática, é possível constatar que o Código Civil, bem como de outras leis que protegem o nascituro, revela que ele possui direitos que são protegidos e tutelados pelo Estado. Assim, a legislação brasileira atribui e assegura direitos ao nascituro, reconhecendo que ele é um ser humano em formação, demonstrando que ele não pode ser tratado como coisa ou objeto. Nesse sentido, melhor compreender que o nascituro é um sujeito de direitos desprovido de personalidade jurídica – constituindo uma exceção à regra legislativa.

Partindo-se desse raciocínio, importa ressaltar que, embora o nascituro não possua personalidade jurídica porque ainda não nasceu, ele deve receber especial proteção por parte do Estado e da sociedade, eis que é um ser humano. Por isso, percebe-se a necessidade cada vez maior de que a legislação seja ampliada e que o direito à vida e a integridade física do nascituro sejam assegurados, de modo que não haja uma “coisificação” do embrião humano e que o direito à vida seja preservado em toda a sua extensão.

(20)

20

6 REFERÊNCIAS

ALEMANHA. Bürgerliches Gesetzbuch. 1º de janeiro de 1900. Disponível em:

https://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-BGB- German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021.

ALMEIDA, S. J. A. C. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.

ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.

ARGENTINA. Código Civil de la República Argentina. Disponível em:

https://www.oas.org/dil/esp/codigo_civil_de_la_republica_argentina.pdf. Acesso em:

20 dez. 2021.

BARBOSA, Diego Idelgardo Arraes. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica: breve estudo de sua aplicabilidade na justiça federal de pernambuco à luz do código de processo civil. Revista Jurídica, v. 1, n. 12, 2019.

BRASIL, Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 nov. 2021.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil brasileiro.

BRASIL. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Lei da Biossegurança.

BRASIL. Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008. Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código Processo Civil brasileiro.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

BRASIL. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências.

COSTA, Elenice Aparecida Nogueira et al. As diversas teorias da personalidade no Direito Civil Contemporâneo. In: CONGRESSO INTERDISCIPLINAR - RESPONSABILIDADE, CIÊNCIA E ÉTICA, São Paulo, 2017. Anais..., 20 a 24 de junho de 2017.

DEWEY, J. Liberalismo, liberdade e cultura. Trad. Anísio Teixeira. São Paulo:

Nacional, EDUSP, 1970.

DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 1 v.

DINIZ, M. H. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. 3 v.

(21)

21

FIÚZA, C. Direito civil: curso completo. 12 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

FREITAS, F. da S. A pandemia e a pena de morte nas prisões. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 14, n. 156, junho de 2020, p. 6.

GALVIS PLAZAS, Martha Ximena. Limites e alcance legal dos direitos do nascituro. Prolegómenos, v. 22, n. 43, p. 93-107, 2019.

GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro: parte geral. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GRIMM, D.; SARLET, I. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

LEITE, E. de O. O direito do embrião humano: mito ou realidade? Revista da Faculdade de Direito da UFPR, a. 29, n. 29, p. 121-146, 1996.

LINS, B. T. et al. A (in) disponibilidade do direito à vida frente à liberdade religiosa:

uma crítica à autopropriedade. Interfaces Científicas - Direito, v. 8, n. 2, p. 198–

205, 2020.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LOPES, M. M. de S. Curso de direito civil. 6 ed. São Paulo: Freitas Bastos, 2001.

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Constitucionalismo, Transformação e Resiliência democrática no Brasil: O Ius Constitucionale Commune Na América Latina Tem Uma Contribuição a Oferecer? Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 9, n. 10, 2019.

MENEZES, Joyceane Bezerra de. A capacidade jurídica pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a insuficiência dos critérios do status, do resultado da conduta e da funcionalidade. Pensar-Revista de Ciências Jurídicas, v. 23, n. 2, 2018.

MÉXICO. Código Civil Federal. Disponível em:

https://mexico.justia.com/federales/codigos/codigo-civil-federal/. Acesso em: 20 dez.

2021.

OLIVEIRA, Denis Augusto de. Teorias da personalidade jurídica à luz da lei 11.804 (lei dos alimentos gravídicos) de 05 de novembro de 2008. Ius Gentium, v. 9, n. 2, p. 91-111, 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal- dos-direitos-humanos. Acesso em: 12 dez. 2021.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

(22)

22

ROCHA, C. L. A. R. O direito à vida digna. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004.

ROUSSEAU, J. Discurso sobre a desigualdade. São Paulo: Abril, 1979. (Col. Os Pensadores).

ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

RUZZA, A. Rousseau e a Moralidade Republicana no Contrato Social. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu. São Paulo, Dezembro, 2007.

SANTOS, Júlio César Guzzi dos. A amplitude das matérias de defesa no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 2019. 223 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

SEMIÃO, S. A. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

SEMIÃO, Sergio Abdalla. Os Direitos do Nascituro: aspectos cíveis, criminais edo biodireito. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

SILVA, Jessica Scheidemantel Conceição. A proteção jurídica do nascituro no Brasil: conflitos entre a teoria natalista e a teoria concepcionista. 2017. 63 f.

Monografia (Graduação) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2017.

SUIÇA. Zivilgesetzbuch. 1 de janeiro de 1907. Disponível em:

https://www.estantevirtual.com.br/livros/biblioteca-de-legislacao-estrangeira/codigo- civil-suico-e-codigo-federal-suico-das-obrigacoes/2161921843. Acesso em: 20 dez.

2021.

THEODORO JÚNIOR, H. Processo cautelar. 25 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

VENEZUELA. Gaceta Nº 2.990 Extraordinaria del 26 de Julio de 1982. Código Civil de Venezuela.

VENOSA, S. de S. Direito civil: parte geral. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Referências

Documentos relacionados

o transferência interna: poderá requerer transferência interna o aluno que esteja regularmente matriculado na Universidade no semestre em que solicitar a transferência e

Centro Caraívas Rodovia Serra dos Pirineus, Km 10 Zona Rural Chiquinha Bar e Restaurante Rua do Rosário Nº 19 Centro Histórico Codornas Bar e Restaurante Rua Luiz Gonzaga

A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se baseia no fato de que uma

LIMITES DEFINIDOS PELO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO E ENVIADOS AO CONGRESSO NACIONAL PARA APROVAÇÃO..

Para tanto, foram utilizadas imagens de satélite de alta resolução espacial e ortofotos com o propósito de extrair informações pelo processo de vetorização

Entrando para a segunda me- tade do encontro com outra di- nâmica, a equipa de Eugénio Bartolomeu mostrou-se mais consistente nas saídas para o contra-ataque, fazendo alguns golos

3 — Constituem objectivos prioritários das áreas de intervenção específica a realização de acções para a recu- peração dos habitats naturais e da paisagem, a manutenção

Sérgio Alexandre Carvalho da Costa, Paula Odete Fernandes 3º lugar: Análise de tensões em modelos biomecânicos osso-implante Cláudio Neves, Lucas Azevedo, Elza Fonseca.