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APROXIMAÇÕES ENTRE A MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO E OS PRESSUPOSTOS DE PAULO FREIRE: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA

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APROXIMAÇÕES ENTRE A MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO E OS PRESSUPOSTOS DE PAULO FREIRE: SABERES

NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA

Silvana Cocco Dalvi1 Luciano Lessa Lorenzoni2 Resumo

O presente trabalho tem por objetivo aproximar a modelagem matemática na educação matemática dos pressupostos destacados por Paulo Freire (1996), no que tange aos saberes necessários à prática educativa. A modelagem matemática explora os conteúdos a partir de temas do interesse dos alunos relacionados a realidade em que estão inseridos. A pesquisa é de cunho qualitativa, de procedimentos bibliográficos, apoiando-se principalmente em Burak (1992), Barbosa (2004) e Dalvi (2018). Os resultados revelam que a modelagem matemática se aproxima dos pressupostos de Freire (1996) uma vez que usa as ferramentas matemáticas para resolver uma problemática extraído do contexto sociocultural dos alunos, privilegiando o diálogo no processo de ensino e aprendizagem. Ao adotá-la busca-se formar estudantes mais reflexivos e críticos, compreendendo que a educação é uma forma de intervenção no mundo para modificá-lo, auxiliando na construção de uma sociedade democrática.

Palavras-chave: Educação matemática; Modelagem matemática; Paulo Freire; Estudantes-cidadãos.

1. Introdução

Ao se pensar a educação escolar, em sua amplitude e complexidade, é pertinente debruçar- se sobre as opções das práticas e metodologias feitas pelo docente. Elas revelam a compreensão que ele tem sobre os educandos, a relação que faz com o conhecimento e a sociedade, os objetivos educacionais, bem como o aluno que se deseja formar. Nesse sentido, a educação é vista como um processo contínuo que está relacionado as demandas sociais e suas respectivas transformações.

Paulo Freire (1996) destaca a necessidade de se reconhecer que a educação é ideológica. A ideologia tem a capacidade de penumbrar a realidade e distorcer a verdade, exigindo dos indivíduos uma postura reflexiva e crítica do que se ouve e vê. Assim, a educação deve desenvolver nos estudantes as habilidades de questionar, discutir e ressignificar o conhecimento formando estudantes-cidadãos que possam transformar a sociedade, zelando

1Instituto Federal do Espírito Santo. E-mail: silvanaej@hotmail.com

2Instituto Federal do Espírito Santo. E-mail:lucianolessalorenzoni@gmail.com

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pelo bem-estar da coletividade e do cuidado com a natureza, sem se deixar enganar-se por qualquer forma ideológica.

Com base nos postulados de Freire (1996), surge a indagação que norteia essa pesquisa:

qual metodologia pode ser usada na educação matemática de forma a contribuir para a formação de um estudante mais crítico e cidadão, capaz de usar o conhecimento matemático para refletir sobre suas ações bem como os problemas sociais em seu entorno? Nesse contexto, o ensino tradicional não se encaixa confortavelmente havendo necessidade de se buscar outras práticas.

Dentre as alternativas atuais para a educação matemática destaca-se a modelagem matemática. Ela propõe a articulação entre o contexto sociocultural em que os alunos estão inseridos e os conteúdos matemáticos. Parte-se de um problema de interesse dos alunos que será investigado pelo olhar da matemática, usando algoritmos, gráficos, figuras, medições, dentre outras ferramentas que os estudantes julgarem adequadas. Existe a preocupação em desenvolver nos estudantes sua autonomia e criticidade.

Diante dessa configuração, o objetivo desse trabalho é aproximar a modelagem matemática na educação matemática dos pressupostos destacados por Paulo Freire (1996) no que tange aos saberes necessários à prática educativa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com procedimentos bibliográficos. Para a análise dos dados serão usados fragmentos da dissertação de mestrado intitulada:3A modelagem matemática na perspectiva sociocrítica e os registros de representação semiótica na formação do conceito de número racional, por atender ao objetivo desse trabalho.

Na estrutura do texto, aborda-se num primeiro momento, aspectos relacionados à prática educativa descritos na obra: Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire (1996). Em seguida, trata-se da modelagem na educação matemática. Na sequência, os procedimentos metodológicos, análise e discussão dos dados. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre o trabalho.

2.

Saberes necessários à prática educativa - Paulo Freire

3A referida dissertação pode ser encontrada na íntegra no site:

https://educimat.ifes.edu.br/index.php/dissertacoes

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Na obra: Pedagogia da Autonomia (1996), Paulo Freire destaca diversos elementos que considera indispensáveis à prática docente. Dentre eles, estão:

Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando – o respeito à autonomia e à dignidade do educando é um imperativo ético que exige do educador uma prática coerente com este saber, que diz não a qualquer forma de discriminação. O professor autoritário desrespeita a curiosidade do educando, seu gosto estético, inquietude, sua linguagem, afogando sua liberdade. Contudo, sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, e como seres inacabados, se tornam radicalmente éticos.

Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível – é o saber da História como possibilidade e não como determinação, pois o mundo não é, ele está sendo. “Meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, ...” (FREIRE, 1996, p. 77). Isto é, constata não para se adaptar, mas para mudar, para intervir na realidade gerando novos saberes. Assim, ninguém pode estar no mundo de forma neutra. É preciso rebeldia em face das injustiças que ofendem e destroem o ser humano.

Freire adverte sobre a importância de se abrir os olhos no sentido que as situações de injustiças na sociedade não são do destino ou vontade de Deus, mas que podem ser mudadas – mudar é difícil, mas é possível. O educador deve ir “lendo” a leitura do mundo de seus educandos e não lhes impor arrogantemente o seu saber como verdadeiro. Ao dialogar com o grupo, o professor vai desafiando-o a pensar sua história social, a necessidade de superar certos saberes “incompetentes” para explicar os fatos e vai estimulando a uma nova forma de compreender o contexto. É preciso experimentar com intensidade a dialética entre “a leitura do mundo” e a “leitura da palavra”

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo - intervenção que além dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento, pois neutra ela nunca foi nem poderá ser. Não posso ser conivente de uma ordem perversa que atribui

“forças cegas” e imponderáveis aos danos por elas causadas aos seres humanos. A prática do professor exige uma postura, que deve ser a favor da liberdade contra o autoritarismo, da democracia contra a dominação econômica dos indivíduos ou classes sociais, do desengano que consome e imobiliza.

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Ensinar exige saber escutar – não é falando de cima para baixo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida que o professor aprende a escutar, mas é escutando que aprende a falar com seus alunos. Falar com ele demanda escuta paciente e crítica, e jamais pode ser feito impositivamente. “O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele” (FREIRE, 1996, p. 113). A desconsideração total pela formação integral do ser humano fortalece a maneira autoritária de falar de cima para baixo, com a postura de que m encara os fatos como algo consumado, e não comopossibilidade.E acrescenta:

Freire (1996) explica que no processo da fala e da escuta, a disciplina do silêncio a ser assumida a seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam é primordial na comunicação dialógica. Assim,

O primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de sua capacidade de controlar não só a necessidade de dizer a sua palavra, que é um direito, mas também o gosto pessoal, profundamente respeitável, de expressá-la. Quem tem o que dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo[...]. É preciso que quem tem o que dizer, saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada ter escutado (FREIRE, 1996, p.117).

Para o referido autor, quem escuta sequer tem tempo próprio, pois o tempo de quem escuta é o seu, ou seja, sua fala se dá num espaço silenciado e não num espaço comouem silêncio.

Nesse sentido, o espaço democrático do educador, que aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio intermitente de quem falando cala para escutar. Considera que o silêncio no espaço da comunicação proporciona que ao escutar a fala comunicante de alguém entre no movimento interno do pensamento, virando linguagem. Mas também, torna possível a quem fala, comprometido em comunicar, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou.

Freire (1996) insiste que ensinar não é transferir conteúdo a ninguém no discurso vertical do professor, mas instigar o educando, como sujeito cognoscente, a se tornar capaz de inteligir e comunicar o inteligido. Nessa perspectiva, é necessário ouvir as dúvidas e receios dos educandos, sua incompetência provisória, para que ao escutá-lo, o professor aprenda a falar comele. Escutar par o autor, é ter disponibilidade permanente por parte de quem escuta para a abertura à fala do outro, sem diminuir em nada sua capacidade e direito de discordar, se opor e se posicionar. Ressalta que escutar não significa concordar com a “leitura de mundo”

que o educando chega à escola, condicionada por sua cultura de classe, se constituindo um

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obstáculo à sua experiência com o conhecimento, mas tomá-la como ponto de partida, impulso fundante da produção do conhecimento.

Ensinar exige disponibilidade para o diálogo – toda comunicação é feita de certa forma, em favor ou na defesa, sutil ou explícita, de algum ideal contra algo ou alguém, nem sempre claramente referido. Daí a ideologia no próprio processo comunicativo exigindo uma postura crítica, um estado permanente de alerta. Nesse sentido o professor deve estar aberto ao diálogo com os educandos, pois como ser inacabado se abre ao mundo e aos outros à procura de explicações, de respostas a múltiplas perguntas. Logo,

O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento da História (FREIRE, 1996, p.136).

Freire (1996) esclarece que as condições em que vivem os educandos lhes condicionam a compreensão do próprio mundo, sua capacidade de aprender, de responder aos desafios.

Assim, o educador precisa considerar em seu trabalho o seu contorno, seja ecológico, social ou econômico, o contexto em que vivem os educandos, abrir-se à realidade desses alunos com quem compartilha a sua atividade pedagógica se fazendo menos distante e hostil a ela. Não ter vergonha por desconhecer algo, testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida e seus desafios são saberes necessários à prática educativa.

2.1 Modelagem na Educação Matemática

De acordo com Biembengut (2009, p. 7-8), o termo “modelagem matemática”, é usado desde o início do século XX, na literatura de Engenharia e Ciências Econômicas, como processo para descrever, modelar e resolver uma situação-problema de alguma área do conhecimento. Considera que no cenário internacional as discussões sobre a modelagem e suas aplicações na Educação Matemática ocorreram na década de 1960, oriundas do movimento “utilitarista” da matemática que se preocupou em ensinar os aspectos técnicos da aplicação dos conhecimentos matemáticos na ciência e na sociedade. Destaca que no Brasil esse movimento se deu no fim dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, tendo como percussores, entre outros, Aristides C. Barreto, Ubiratan D’ Ambrosio e Rodney C. Bassanezi.

Atualmente, encontra-se na literatura diferentes concepções e direcionamentos dados as práticas de modelagem matemática desenvolvidas em todas as etapas de ensino, da educação

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infantil aos cursos de graduação em diferentes áreas do conhecimento. Alguns teóricos entendem que ela é uma metodologia de ensino, outros um ambiente de aprendizagem.

Independente da nomenclatura que se usa há consenso que seu tema deve partir do interesse e do contexto dos alunos fazendo a conexão dos conteúdos escolares com a realidade dos educandos.

Burak (1992) advoga uma Educação Matemática cujo processo de ensino e aprendizagem são sustentados nas teorias da cognição numa visão construtivista, sócio-interacionista e de aprendizagem significativa no qual o aluno é agente da construção do próprio conhecimento.

Parte de duas premissas: a primeira presente no campo da Psicologia que se refere ao interesse do grupo de pessoas envolvidas; a segunda, no campo do método considerando que os dados devem ser coletados onde se dá o interesse do grupo (s) de pessoas envolvidas. Assim

A Modelagem Matemática constitui-se em um conjunto de procedimentos cujo objetivo é estabelecer um paralelo para tentar explicar, matematicamente, os fenômenos presentes no cotidiano do ser humano, ajudando-o a fazer predições e a tomar decisões (BURAK, 1992, p. 62).

Para esse autor a modelagem se trata de um conjunto de procedimentos conjugados, com caminhos a um objetivo que tem algum fenômeno presente no cotidiano permitindo que o estudante realize um diagnóstico tomando uma decisão. Há uma relação integradora entre os conteúdos matemáticos e os problemas do dia a dia, além da postura do estudante que deve ser ativa, de pesquisador que frente a problemática coleta dados, organiza-os e os interpreta buscando com autonomia possibilidades de resolução.

De acordo com Bassanezi:

A modelagem matemática consiste na arte de transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los interpretando suas soluções na linguagem do mundo real. [...] Alia teoria e prática, motiva seu usuário na procura do entendimento da realidade que o cerca e na busca de meios para agir sobre eles e transformá-los. Nesse sentido, é também um método científico que ajuda a preparar o indivíduo para assumir seu papel de cidadão (BASSANEZI, 2009, p. 16-17).

Assim, a modelagem tem por base trabalhar matematicamente um problema oriundo da realidade. Enriquece o ensino e aprendizagem de matemática à medida que oferece ao aluno a oportunidade de pesquisar. Sendo um pesquisador da realidade, adquire conhecimentos científicos que auxiliam em sua transformação, assumindo seu papel de cidadão na sociedade.

A modelagem auxilia, portanto, tanto na aprendizagem de conteúdos quanto nos aspectos democráticos.

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Bassanezi (2009) argumenta seis motivos para a inclusão da modelagem na educação matemática: o argumento formativo por promover atitudes de criatividade, exploração e habilidades na resolução de problemas; o argumento da competência crítica com foco na participação atuante do estudante na sociedade, entendendo as aplicações dos conceitos matemáticos; o argumento da utilidade preparando o estudante para usar a ferramenta da matemática na solução de problemas em diferentes contextos e áreas; o argumento intrínseco, que considera a modelagem como veículo para o estudante entender e interpretar a própria matemática; o argumento de aprendizagem garantindo que a aplicabilidade facilita compreender melhor as estruturas matemáticas; e o argumento de alternativa epistemológica, que considera a modelagem como uma metodologia alternativa mais adequada às múltiplas realidades socioculturais.

Para esse autor,

O ambiente de Modelagem está associado à problematização e investigação.

O primeiro refere-se ao ato de criar perguntas e/ou problemas enquanto que o segundo, à busca, seleção, organização e manipulação de informações e reflexão sobre elas. Ambas atividades não são separadas, mas articuladas no processo de envolvimento dos alunos para abordar a atividade proposta (BARBOSA, 2004b, p. 75).

Esse ambiente propicia o protagonismo do aluno que diante de uma situação problema deve assumir a investigação, procurando caminhos para solucioná-lo. Ele precisa fazer escolhas, levantar hipóteses, coletar e organizar os dados e interpretar os resultados. Nota-se o envolvimento do estudante na atividade.

Para Barbosa (2004a), dois pontos são cruciais na prática da modelagem matemática:

 A referência num contexto real — Os temas para estudo devem ser extraídos do contexto sociocultural dos alunos. Devem constituir realmente um problema para eles, fazer parte do mundo-vida das pessoas.

 Esquemas não determinados previamente para abordar o problema — Como os procedimentos não são fixados de antemão, só os conhecem à medida que os alunos usam sua autonomia e investigam um possível caminho para solucionar o problema.

Isso exige esforço intelectual.

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Dalvi et al (2020) se apoiam no Modelo de Cooperação Investigativo elaborado por Alro

& Skovsmose (2010) para evidenciarem a importância do diálogo na escolha do tema para uma atividade de modelagem matemática.

Advogamos que o diálogo é de suma importância para a escolha do tema de uma atividade de modelagem matemática, pois através dele o professor investiga quais são os interesses dos alunos. É por meio do diálogo que descobre a visão de mundo deles, os problemas socioculturais em que estão inseridos, e conecta a realidade aos estudos escolares, característica relevante da modelagem matemática na educação (DALVI, 2020, p. 63).

Para esses autores, a comunicação interfere no processo ensino e aprendizagem, devendo o professor estar aberto as possibilidades que podem emergir numa conversação dialógica. Ao ouvir os alunos ele toma conhecimento de como eles enxergam o universo ao seu redor, e a partir daí trabalha os conteúdos escolares. Nota-se que por meio do diálogo há uma aproximação entre a realidade dos alunos e a escola. A aula por meio da modelagem matemática não é fictícia, mas vai se construindo com a participação dos alunos à medida que verbalizam suas perspectivas. Seus questionamentos são discutidos e analisados coletivamente, podendo inclusive surgirem novas estratégias matemáticas para resolverem a problemática em estudo. Professor e alunos trabalham juntos, numa relação de igualdade dialógica em busca do conhecimento.

3. Aspectos metodológicos

A pesquisa é de abordagem qualitativa preocupando-se “[...] com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, [...]

(MINAYO, 2002, p. 21-22).

Quanto aos procedimentos a pesquisa é bibliográfica cuja produção dos dados se dará a partir da dissertação intitulada: Modelagem Matemática na Perspectiva Sociocrítica e os Registros de Representação Semiótica na Formação do Conceito de Número Racional, desenvolvida pelo Programa de Mestrado do Instituto Federal do Espírito Santo. Nela buscar- se-á encontrar indícios que aproxima a modelagem matemática dos pressupostos de Paulo Freire voltando-se para os saberes necessários à prática educativa.

Para atender a essa proposta foram extraídos quatro trechos da supracitada dissertação descriminados a seguir e que serão usados para fazer a análise e discussão dos dados da pesquisa.

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Fragmento 1: Numa conversa durante uma das aulas de matemática, os alunos revelaram a preocupação com a escassez de água, um problema socioambiental vivenciado pela população catelense: a companhia de abastecimento racionava a distribuição de água, o rio que corta o município estava secando, o “carro de som” nas ruas alertava sobre o desperdício da água com lavagem de calçadas e carros (DALVI, 2018, p. 67).

Fragmento 2: Os diálogos envolvendo a problemática da escassez de água ajudou o pesquisador/professor a descobrir o modo de pensar dos alunos em relação ao tema e a elaborar a questão desafiadora – Eu sou gastão de água? –, que consistia em que cada aluno medisse o seu consumo diário de água. [...] As informações necessárias para responder ao desafio não estão contempladas em seu enunciado exigindo dos alunos que busquem essas informações pesquisando o próprio consumo de água. [...]Nenhum procedimento de como realizar essa medição foi definido a priori. [...]Os alunos necessitam de um tempo da aula para dialogar sobre como procederiam para fazer essa medição. O pesquisador/professor, enquanto circulava entre os alunos, observava que eles trocavam informações, discutiam alternativas, examinavam e selecionavam estratégias que julgavam pertinentes, para encontrar um caminho matemático que satisfizesse a questão desafiadora (DALVI, 2018, p. 74).

Fragmento 3: Os alunos foram convidados a explicar as estratégias e os resultados obtidos nas medições:

Um grupo de alunos pesquisou na internet a quantidade de água gasta por minuto em cada atividade em que usava água. Marcava o tempo de consumo e depois multiplicava pelo valor pesquisado somando os resultados, obtendo o consumo diário de água. A Figura 1 a seguir demonstra essa estratégia:

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Figura 1:Estratégia de medição do consumo de água feita por A10.

Outro grupo de alunos priorizou os baldes e garrafas PET, mas sentiram necessidade de pesquisar na internet. A Figura 2 a seguir demonstra esse procedimento:

Figura 2:Estratégia de medição do consumo diário de água feita por A12.

Outro grupo de alunos usou como estratégia a conta de água. A Figura 3 a seguir demonstra essa estratégia:

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Figura 3:Estratégia de medição do consumo diário de água feita por A15.

(DALVI, 2018, pp. 77 - 80) Fragmento 4: Ao retomarmos a questão inicial – Eu sou gastão de água? –, os alunos se autoavaliaram como gastões de água e reconheceram a necessidade de usar a água de forma mais racional (DALVI, 2018, p. 99).

As análises desses fragmentos são feitos à luz do referencial teórico que embasa o trabalho.

4. Discussão e análise dos dados

A atividade de modelagem desenvolvida está em consonância com Barbosa (2004), uma vez que se criou um ambiente de aprendizagem associado à problematização e investigação, com base no contexto real vivenciado pelos alunos referente a escassez da água. Nota-se no fragmento 1 que esse problema socioambiental foi levantado pelos alunos, e foi a partir dele que surgiu o questionamento: Eu sou gastão de água? que consistiu em que os alunos medissem o seu próprio consumo de água por um dia. Nenhum procedimento de como fazer essa medição foi determinado pelo professor, exigindo dos alunos esforço cognitivo para buscarem os dados, organizá-los e interpretá-los, com a finalidade de encontrarem uma solução para o problema proposto.

A atividade revela alguns dos argumentos destacados por Bassanezi (2009) quanto a inclusão da modelagem na Educação Matemática tais como: promover a criatividade, pois conforme demonstra os fragmentos 2 e 3 os alunos tiveram liberdade para discutirem e decidirem por um determinado procedimento para fazerem a medição do consumo de água. O

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argumento da utilidade em aplicar as ferramentas da matemática: algoritmos, processos de medição, transformação de unidades, marcação do tempo, dentre outros, como se observa no fragmento 3. A matemática usada no cotidiano dos alunos ressignificando a construção do conhecimento.

No fragmento 4, corrobora-se com Burak (1992) quando destaca que a modelagem matemática ajuda a fazer predições e a tomar decisões. Os resultados das medições feita pelos alunos os levam a refletirem sobre o próprio consumo de água e a se reconhecerem como gastões de água havendo a necessidade de mudarem os hábitos e usarem a água de forma racional. Por meio da modelagem matemática o aluno toma consciência de que sua ação ao desperdiçar a água interfere numa problemática maior que é a falta da água potável e sua escassez a nível global.

Na atividade de modelagem em estudo encontramos aspectos destacados por Freire (1996) tais como o diálogo e o protagonismo do aluno em pesquisar alternativas para fazerem a medição. Desde a escolha do tema, o professor acata os posicionamentos dos alunos, e juntos dialogam sobre o problema com o olhar da matemática. Não se trata de simplesmente concordar com os alunos, mas a partir de suas colocações levarem ao avanço cognitivo.

Conforme destaca o referido autor, o professor deve estar atento as demandas da realidade compreendendo que é possível sua transformação. Assim, não basta dizer que é preciso usar corretamente a água, mas reconhecer a importância individual de todos com hábitos adequados. Nesse sentido, a educação matemática está integrada aos problemas sociais, propiciando a reflexão que gera um novo olhar sobre a realidade que pode ser modificada. Ao abordar o problema socioambiental busca-se construir uma sociedade que respeite e cuide da

“casa” da espécie humana, o planeta Terra. Procura-se formar estudantes cidadãos que agem segundo o bem para a coletividade.

Observa-se nos Fragmentos 1, 2 e 3 que o professor se posiciona na postura de escutar as perspectivas dos alunos e assim descobrir como leem o universo ao redor. É uma escuta para

“falar com ele”. Nota-se no Fragmento 1 que o deva surge de uma “conversa”na aula de matemática, ou seja, os alunos tiveram abertura para produzirem discursos de algo que os incomodavam na vida cotidiana, no contexto social em que estavam inseridos. No Fragmento 2, a professora revela que “os diálogos” sobre a temática a ajudou a elaborar a ação prática dos alunos para medirem o consumo de água. No silêncio do professor em ouvir os

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educandos ele fala com eles, não de forma impositiva, mas no intuito de, colaborativamente, construirem o conhecimento. No Fragmento 3, os “alunos foram convidados a explicarem as estratégias e os resultados obtidos nas medições”. Mais uma vez, a palavra com os alunos, mas agora no campo da matemática para descreverem as contas, o material usando na medição, as pesquisas e dificuldades encontradas na prática para usarem as ferramentas matemáticas. O conhecimento matemático está sendo construído com base num problema real para os alunos, e com os dados por eles produzidos e organizados para se chegar a um resultado final que expressasse o consumo de água de um dia.

Freire (1996) explica que ensinar não é transmitir conteúdo, mas instigar o educando a pensar e se comunicar usando a inteligência. Observa-se nos Fragmentos 1 que o problema ambiental levantado pelos alunos é o ponto de partida para se trabalhar os conteúdos matemáticos, como se observa nos procedimentos de medição descritos no Fragmento 3.

Construiu-se um cenário significativo para os alunos possibilitando-os usarem os conteúdos matemáticos. Esse é o ponto de partida para a produção do conhecimento matemático no qual exige dos alunos esforço cognitivo para vislumbrarem alternativas para responderem ao questionamento se eram gastões de água.

Ainda no Fragmento 2 nota-se que os alunos precisaram de um tempo da aula para discutirem como fariam a medição: “eles trocavam informações, discutiam alternativas, examinavam e selecionavam estratégias que julgavam pertinentes, para encontrar um caminho matemático que satisfizesse a questão desafiadora (DALVI, 2018, p. 74). O diálogo descrito por Freire (1996) auxilia os alunos a saírem da zona de conforto para buscarem soluções, ou seja, o conhecimento prévio dos alunos é partilhado e nesse ambiente dialógico encontram alternativas. O professor atua como mediador do processo ensino e aprendizagem respeitando e valorizando as perspectivas dos educandos.

A modelagem matemática parte de uma situação real destacada pelos alunos, um problema aparentemente não matemático, como o descrito nesse trabalho, e a partir daí são estimulados a serem precursores de alternativas inéditas. Os alunos trabalham em grupos, dialogando, levantando e analisando hipóteses. São ativos no processo. Essa dinâmica se difere do ensino tradicional no qual cabia aos alunos seguirem as explicações das aulas expositivas do professor, usando um procedimento definido a priori e de seu conhecimento cuja resposta já lhe era conhecida. O problema já trazia as informações necessárias a solução, e geralmente, são fictícios distantes do contexto sociocultural dos alunos.

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O professor que adota a modelagem na educação matemática compreende que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 1996, p. 98), pois busca formar estudantes críticos, conscientes dos problemas sociais e da necessidade de mudanças. Procura ensinar os conteúdos matemáticos articulados ao contexto sociocultural dos alunos, e assim muní-los de conhecimentos para que não sejam enganados pela ideologia que ofusca a verdade dos fatos.

Por isso o diálogo é tão relevante numa atividade de modelagem matemática na educação.

Esse pressuposto fica evidenciado pelos fragmentos extraidos da atividade de modelgem matemática no qual os conteúdos foram trabalhados a partir da problemática da ecassez de água não somente em Castelo, mas um problema de ordem mundial. Os alunos concluem que usando a água adequqdamente podem contribuir para minizar a situação que envolve a todos.

Constanta-se o problema, e por meio da educação matemática busca-se desenvolver nos estudantes a autonomia e a criticidade para assumirem uma postura cidadã diante do problema.

5. Considerações finais

O estudo revela a proximidade da modelagem matemática na educação matemática com os pressupostos de Paulo Freire (1996). Ao partir de um tema do interesse do aluno e de sua realidade, a modelagem matemática possibilita a reflexão sobre esse contexto, além de sua relação com o problema em estudo. O aluno é o protagonista do processo ensino e aprendizagem de matemática assumindo a investigação, testando procedimentos e refletindo sobre ele e seus resultados.

Conforme destaca Freire (1996) é preciso abrir-se aos outros e ao mundo. Ao desenvolver a modelagem matemática na educação o docente reconhece a sua incompletude estando disposto a considerar em sua prática docente a visão dos alunos e seu contexto social. Eles agem de forma colaborativa, produzindo e ressignificando o conhecimento.

Destaca-se que numa atividade de modelgem matemática o professor deve dialogar com os alunos procurando conhecer suas realidades, seus problemas, suas estratégias de resolução, suas perspectivas e leitura de mundo. Constatar para transformar, libertando-se das ideologias que os oprimem. Ao adotar a modelagem matemática como estratégia o docente tem a convicção que a educação é uma forma de intervenção no mundo, sendo possível sua transformação, propiciando a construção do conhecimento e a formação de estudantes mais reflexivos e cidadãos.

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Referências

BARBOSA, Jonei Cerqueira. A “contextualização” e a Modelagem na educação matemática do ensino médio. In: 8.º ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.

Anais...Recife: SBEM, 2004b. 1 CD-ROM.

BARBOSA, Jonei Cerqueira. Modelagem matemática: O que é? Por quê? Como? Veritati, n.

4, 2004a. p. 73-80.

BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 3. ed., 1.ª reimp. São Paulo: Contexto, 2009.

BIEMBENGUT, Maria Salete. 30 Anos de Modelagem Matemática na Educação Brasileira:

das propostas primeiras às propostas atuais. Alexandria – Educação em Ciência e Tecnologia, v. 2, 2009. p. 7-32.

BURAK, Dionísio. Modelagem Matemática: ações e interações no processo de ensino- aprendizagem. Campinas-SP, 1992. 329 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, 1992 Disponível em:

<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000046190>. Acesso em: 13 jan. 2021.

DALVI, Silvana Cocco; REZENDE, Oscar Luiz Teixeira de; BOONE, Mirelle Katiene e Silva; LORENZONI, Luciano Lessa. Reflexões acerca da importância do diálogo na escolha do tema para uma atividade de modelagem matemática. Série Educar – vol 35 - Matemática, Tecnologia, Engenharia.Belo Horizonte, MG: Poisson, 2020, p. 57-64.

DALVI, Silvana Cocco. A modelagem matemática na perspectiva sociocrítica e os registros de representação semiótica na formação do conceito de número racional, 2018.

116 f. Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós- graduação em Educação em Ciências e Matemática, Vitória, 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36ª ed.

São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade.

22ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2003.

Referências

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