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A cidade da moeda falsa: dinheiro, crime e polícia no Rio de Janeiro da Primeira República.

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Academic year: 2022

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Projeto PIBIC: O reverso da moeda: falsificação e circulação de dinheiro falso no espaço atlântico sul- americano, 1890-1930. Departamento de História

A cidade da moeda falsa: dinheiro, crime e polícia no Rio de Janeiro da Primeira República.

Aluno: Beatriz Telles; Alberto Diniz Orientador: Diego Antonio Galeano Introdução

Neste Seminário de Iniciação Científica buscamos analisar a circulação de moeda falsa no Rio de Janeiro durante a Primeira República. O recorte faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a história social da falsificação de dinheiro no Atlântico sul-americano, que adota uma estratégia de variação de escalas para dar conta de duas dimensões entrelaçadas do mesmo fenômeno. Por um lado, as conexões atlânticas deste crime que envolvia redes delitivas entre falsários e cúmplices (Galeano, 2017). Por outro lado, é preciso compreender como essas grandes quantidades de notas eram distribuídas nas cidades, problema que será o foco desta apresentação.

O mundo da falsificação de moeda falsa na América do Sul funcionava com uma clara divisão de trabalho entre fabricantes, distribuidores e circuladores (Galeano, 2019). O primeiro grupo geralmente era composto por migrantes especializados em fotografia e litografia, enquanto os distribuidores e circuladores se encarregavam de espalhar o dinheiro falso. Em apresentações anteriores mostramos a existência de um circuito transnacional de distribuição que conectava as fábricas (muitas delas localizadas no Rio da Prata) com as cidades brasileiras onde o dinheiro falso seria espalhado. Nesta ocasião, procuraremos mostrar como essas notas falsas eram circuladas na cidade do Rio de Janeiro, que estabelecimentos comerciais eram envolvidos nessa rede e como a polícia lidava com um fenômeno delitivo ubíquo e elusivo.

Objetivos

▪ Analisar as redes de distribuição e circulação de dinheiro falso na cidade do Rio de Janeiro durante a Primeira República.

▪ Mapear a distribuição espacial da circulação e o perfil social dos circuladores na cidade.

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Projeto PIBIC: O reverso da moeda: falsificação e circulação de dinheiro falso no espaço atlântico sul- americano, 1890-1930. Departamento de História

Metodologia

A partir da consulta dos processos crime por circulação de moeda falsa localizados no Arquivo da Justiça Federal no Rio de Janeiro, em São Cristóvão, realizamos uma amostra dos processos contra “passadores de moeda falsa”, enquadrados no artigo 241 do Código Penal de 1890 (“introduzir, dolosamente, na circulação moeda falsa, ou papel de crédito público que se receba nas estações públicas como moeda”). As informações registradas nos autos permitiram criar uma base de dados com dados sobre a nacionalidade, idade, nome, profissão e endereço dos acusados entre 1890 e 1930. No intuito de mapear os locais onde a moeda falsa era aprendida, foi fundamental o cruzamento com outra fonte documental: os laudos de apreensão das moedas falsas pela polícia localizados no Arquivo Nacional, que demostram uma grande incidência dessas apreensões nas estações de trem, como já foi observado pela historiadora Amy Chazkel (2014, p. 159-162).

O cruzamento das fontes documentais dos arquivos da polícia e da justiça permite reconstruir essa rede capilar de circulação do dinheiro falso na cidade, que segue o ritmo da circulação de pessoas e das interações monetárias na economia cotidiana. Ao optarmos um diálogo entre a geografia e a história, buscando entender em quais espaços se davam as redes de circulação, foi necessário a utilização de técnicas de geoprocessamento. Para isso, foi escolhido o software Arcgis versão 10.3. Em primeiro lugar, será georreferenciado todos os dados levantados anteriormente. Em seguida, será feito o cruzamento das informações de ocorrência de moedas falsas com as estações de trem, dando origem a um mapa para o melhor entendimento da dinâmica espacial do circuito das ferrovias.

Análise da documentação

A circulação de moeda falsa no Rio de Janeiro durante a Primeira República é um fenômeno complexo e atrelado à economia cotidiana da cidade, às dinâmicas da circulação de pessoas e dinheiro. Em começos do século XX, cronistas da imprensa e os policiais denunciavam uma verdadeira epidemia de notas falsas. Em 1912, o diretor do Gabinete de Identificação e Estatísticas da Polícia da Capital Federal, Elysio de Carvalho, empregava uma linguagem simples para explicar aos leitores do seminário Careta o que já tinha analisado em revistas e folhetos especializados: o crime de moeda falsa – escrevia – tornara-se uma “indústria inteligentemente bem organizada, muito rendosa e praticada em alta escala” que, nos últimos

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tempos havia tomado “proporções assustadoras”. Não havia dia em que a polícia não iniciasse um inquérito por circulação de moeda falsa, porém, “raramente deixa resultado positivo, para conhecer da procedência de notas apreendidas”.1

Nesse toa sentido, esse crime se inseria nas transações monetárias cotidianas, transpassando critérios como raça e classe e abrindo uma série de desafios para as autoridades policiais e judiciais da época.

Naquele contexto, o positivismo oriundo da Europa tinha muita influência no cenário político do Brasil. Movido pela idéia de ciência e razão, as nações são colocadas em uma linha evolutivas que vão dos mais civilizados isto é a Europa até os menos, populações primitivas.

Com a proclamação da República em 1889, o Brasil precisava se distanciar do seu passado atrasado e escravocrata para se igualar ao continente europeu. O governo, portanto, adota como objetivo fazer da capital do país que era a sua maior representante em uma vitrine para o exterior. Para realizar essas transformações foi realizado uma série de mudanças buscando modernizar o Rio de Janeiro

Segundo a autora Amy Chazkel (2014) a partir desse projeto criou-se a necessidade de se regulamentar o pequeno comércio no distrito federal. Apesar de não ser a única a cidade a ter esse problema, também ocorria em São Paulo, através dela foi dado um pontapé inicial. Esse grupo era composto pelos pequenos, vendedores, proprietários de lojas de miudezas, caixeiros e em menor grau vendedores ambulantes. Era ele que atendia as necessidades básicas da população em matéria de alimentação e emprego.

Para controlar esse setor essencial para a sociedade, o Estado criava leis que controlavam a distribuição de alimentos de primeira necessidade na cidade como pão, carne seca, banha de porco sal e entre outros, sua qualidade, fiscalizava pesos e medidas, estabelecia horários de funcionamento e cobrava impostos. Mas por constituir a esfera cotidiana era difícil averiguar se todos cumpriam as regras estabelecidas, era comum desde o Império que um segmento desse grupo driblasse o controle estatal. Na maioria dos casos a infração cometida por esses vendedores era não ter licença para funcionar.

Embora essa nova ênfase positivista tenha sido a diretriz que caracterizou a política republicana em relação ao pequeno comércio, as preocupações econômicas também eram um fator importante para a mudança. Instituir a cobrança de taxas e autorizações para o funcionamento do seu negócio significava para o governo adquirir uma nova fonte de renda, se

1 “Moeda falsa”, Careta, n. 210, Rio de Janeiro, 8 jun. 1912. Esse ano, este policial publicaria um importante folheto sobre o assunto: Elysio de Carvalho, A falsificação dos nossos valores circulantes, Biblioteca do Boletim Policial, vol. VII, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1912.

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beneficiar com a concessão de monopólios e fiscalizar os lucros exorbitantes e o cumprimento dos preços fixos, uma nova prática varejista em vigor na época. Estruturalmente também ajudava a fiscalização da circulação de mercadorias naquele espaço. Como o Rio de Janeiro era a cidades portuária mais movimentada do Brasil, era necessário que houvesse um fluxo de mercadorias desimpedido da cidade para o porto e vice e versa para ela se sustentasse economicamente.

Em relação ao social, houve uma série de proibições em relação aos hábitos e costumes dos cidadãos na cidade. Não era permitido vender o leite de porta em porta, nem fazer hortas mesmo que muitos dependessem delas para a sua sobrevivência ou criar porcos. Abolir essas práticas se distanciar do passado colonial, adotando novas práticas como o modelo a ser seguido. As autoridades públicas, portanto, deviam balancear o seu compromisso com o liberalismo isto é uma econômica de livre mercado com a necessidade de manter a ordem segundo a opinião deles.

Os governantes nem sempre conseguiam fazer isso porque a partir dessa lógica de querer o bem da nação acabavam não sendo imparciais. Buscando supervisionar melhor o comércio e controlar a inflação o governo determinou criação de feiras livres e grandes mercados municipais. Essas estruturas ajudariam a corrigir a suposta falta de lugres varejistas para abastecer a população no centro da cidade e nas zonas rurais além de serem mais organizados e higiênicos em comparação aos que acontecia durante o império. Eles eram preferidos em relação as lojas varejistas pela população pelos seus preços baixos e uma mão de obra de maioria brasileira. Sua construção dependia da venda da licença de funcionamento para alguma companhia privada que geralmente era acompanhada pela doação de uma “terra pública”. Uma vez feita, essa empresa passa a ter um monopólio naquela área já que até era proibido vendedores ambulantes comercializarem perto deles além de limitar o acesso a certos tipos de mercadoria.

Formalizados e defendidos pela lei, esses espaços acabavam com a competição potencial e depois mantinham os preços altos. Todos as pessoas que não possuíam uma licença acabavam possuindo sua área de atuação limitada dentro da cidade, mas não as erradicava apenas as empurrava para a fora do oficial. Pode-se dizer, portanto, que existe no Rio de Janeiro toda uma hierarquia do comércio popular que estava ligada as condições socioeconômicas que cada grupo tinha.

As posições mais baixas eram desses vendedores que perambulavam na rua. Sua posição era bastante precária por não possuírem licença eram ilegais possuindo menos condições para rivalizar com lojas varejistas e mercados e barganhar com a polícia. Geralmente quem exercia

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essa ocupação a fazia por ter poucos requisitos para exercê-la bastando ter dinheiro para esse custo inicial e ser minimamente alfabetizado. Através dela alguns complementavam a renda insuficiente do mês. Havia uma forte presença de mulheres nesse grupo principalmente ex- escravas que utilizavam da sua experiencia anterior como negro de ganho.

Mas seria um erro pensar que diante desse quadro diverso que os poderosos viviam em esferas sociais separadas que o resto da população. Mesmo que houvesse um comércio destinado a uma elite, pessoas de todas as classes sociais compartilhavam o espaço público. Os mais abastados compravam em ambulantes assim como a classe média e os mais humildes. O comércio diário, portanto, sobrepunha esses diferentes mundos que estavam em conflito o tempo todo.

Não era apenas a concorrência por clientes que promoviam essas tensões dentro do pequeno comércio. As pessoas que participavam dele geralmente se especializavam na venda do mesmo tipo de produto que fazia seus parentes ou compatriotas. Essa característica fez com que se polarizasse o cenário comercial carioca. Quando um cliente desejava comprar algum objeto específico ou requisitar determinado serviço, ele já sabia o lugar onde poderia encontrá- lo. Eventuais atritos que poderiam ocorrer entre vendedores poderiam ser por causa também dessa divisão territorial, étnica e de gênero que esse fenômeno produzia. Não era incomum que eles fizessem justiça com as próprias mãos seja fisicamente ou utilizando o status ilegal de alguns.

A partir dessa necessidade de regulamentação do pequeno comércio que estimulou a formação de todo um mercado ilegal. Nem vendedores e nem consumidores podiam adquirir necessidades materiais da vida seguindo os novos impostos instituídos pelo governo. O que os levava a adquirir diversas práticas para suprir essa demanda por dinheiro como não se registrar no governo municipal, pagar impostos e licenças, vender bilhetes de loteria ou falsificar moedas. Existiam no mínimo 20 mil estabelecimentos comerciais no Rio de Janeiro, dentre eles cerca de 13.815 eram legais (Chazkel, 2014, p. 152). Esses números altos mostram que essas práticas valiam as vezes a pena em relação aos trabalhos nas fábricas ou sob um supervisor principalmente aqueles que haviam sido escravizados. Diante dessas formas escusas de ganhar dinheiro sem trabalhar, a elite só reforçava a idéia de combate a esse tipo de comércio associado a imoralidade e a desordem.

Segundo seminários anteriores, apresentamos resultados da análise de fabricantes transnacionais como Albino Mendes e Georges Raimbault que produziam notas falsas no Rio da Prata (Buenos Aires e Montevidéu) e as distribuíam no Brasil por via atlântica. A partir dela, foi possível observar que a falsificação se tratava, portanto, de um fenômeno transnacional que

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ligava diferentes lugares da América do Sul e envolvia grandes quantidades de dinheiro passadas. Uma vez que já trabalhamos essa escala maior, nossa pesquisa se concentrará agora em analisar o circuito interno das notas dentro da cidade. A maneira que essas somas eram discretamente trocadas por mercadorias e serviços. Ela se dedicará a analisar essa forma de lavagem de dinheiro apenas no Rio de Janeiro por já ser nosso objeto há algum tempo. Como já foi analisado, o pequeno comércio cidade está relacionado a ela pois, pois, tanto vendedores, empregados e lojistas vão utilizá-la como uma forma de se sustentar em uma época de formalização das práticas comerciais populares. Cabe agora se debruçar mais detalhadamente sobre o modo que isso ocorria.

Segundo Diego Galeano (2019), pode-se dizer que dentro do esquema de falsificação de moeda existia pelo menos três agentes importantes para destacar, mas dependendo do caso poderiam ter outros ou haver misturas de função. Em primeiro lugar existe, aquela pessoa que fabrica a moeda falsa chamada de falsificador. Eles geralmente consistiam em imigrantes europeus especialistas em fotografia e litografia, o que os ajudava na confecção das moedas falsas. Uma vez produzidas, quem se responsabilizava por colocá-las para serem distribuídas são chamados de intermediários. Por último, existia os circuladores que tinham como papel realizar essa troca pessoalmente desse dinheiro por produtos. São eles que realizavam transações monetárias com os destinatários finais delas. Embora tivessem um papel crucial nessa cadeia de produção, geralmente não sabiam onde estava a fábrica ou sabiam quem era o falsificador.

A partir da consulta aos casos referentes a moeda falsa encontrados no arquivo da Justiça Federal do Rio de Janeiro, foi possível montar uma montar uma base de dados para realizar mais algumas observações sobre esse fenômeno. Nela foram analisados os sumários de crime que eram uma fase de inquérito policial na qual verificava-se a suspeita de alguma infração penal. Caso fosse confirmada pelos indícios, fazia-se uma denúncia que seria confirmada ou não pelo juiz. Poucas eram as acusações que conseguiam prender os réus. Para que isso acontecesse era preciso que se provasse no inquérito policial que aquela pessoa tinha intenção criminosa de passar aquelas moedas falsas. Essa questão como já foi dita, até hoje é difícil de acontecer pois, a maioria das pessoas as repassavam quando percebiam que não era verdadeiras mesmo não tendo uma intenção criminal. A maioria dos inquéritos eram, portanto, arquivados por falta de provas 1372 de 1623, cerca de 84, 5 %. O que não significava uma incompetência da parte da polícia, mas uma mostra do trabalho árduo que ela tinha.

Se tivéssemos que resumir o tom geral dos processos criminais pode-se dizer que eles consistiam na reunião de provas e testemunhas sobre um potencial crime. Nos seus corpos de

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texto era narrado uma busca cansativa pela origem da moeda falsa que retomava cada um dos seus donos anteriores. Dificilmente se chegava a quem de fato a fabricou. Quando a polícia prendia um criminoso na maioria das vezes era o último elo dessa cadeia isto é o distribuidor não chegando a quem de fato produzia as notas. Dos 2000 casos encontrados no arquivo da Justiça Federal do Rio de Janeiro, 1623 eram referentes a circuladores, aproximadamente 81,15%. Era comum que se aproveitasse nesse processo para denunciar alguma inimizade de ter passado a nota. Apesar do caráter subalterno do acusado, essas prisões eram noticiadas na imprensa como se tivessem desmontado todo o esquema criminoso alavancando as carreiras dos detetives que os prenderam. Esse exagero escondia que essas histórias eram narradas por membros da polícia que exageravam os seus relatos e jornalistas querendo vender o maior número de edições jornalísticas possível.

Como se pode observar na base de dados, qualquer pessoa podia ser acusada de passar moedas falsas não importando gênero, classe social ou raça. Nos casos analisados em que as profissões foram mencionadas cerca de 832 de 1623, foi possível encontrar padres, pintores, engenheiros, militares, domésticas, telefonista, intérpretes e até o próprio Secretário da Legação do Paraguai acusados de passar moedas falsas. Mas dentre as diferentes profissões referentes a categoria de indivíduos particulares as que mais aparecem são ligadas ao comércio, como já foi dito no trabalho. É normal portanto que as pessoas que tivessem pequenos negócios fossem as mais acusadas de passá-las e as que mais denunciassem ter sofrido esse crime.

Logo após esses sujeitos que trabalhavam no ramo comercial, a maior incidência entre os réus são os profissionais da carpintaria que aprecem em 24 dos 888 relatados e os pedreiros com 23. Como reclamante, esses ofícios possuíam pouco incidência com 4 e 8 entre 351 dos mencionados. Nessa última categoria, o meretrício merece destaque possuindo a segunda maior quantidade de casos além das atividades relacionados ao pequeno comércio, 48 dos 351. Talvez esse número alto esteja ligado também ao aspecto ilegal dessa profissão de acordo com o Código Criminal de 1890 vigente naquela época.

Dentro da categoria de indivíduos particulares, existia uma diversidade de nacionalidades encontradas nos casos referentes a circulação de moedas falsas. Essa variabilidade ocorria porque muitos imigrantes vieram para a América em busca de melhores condições de vida naquela época. Os portugueses aparecem com uma incidência grande dentre os casos em que foi falada a nacionalidade dos sujeitos envolvidos no caso. Como acusados eles estam em 444 denúncias das 666 em que aparecem esse dado. Talvez essa forte presença criminal deles também esteja associada a forte estigmatização que eles possuíam no Rio de Janeiro. Eles eram tidos como exploradores que abusavam nos preços do comércio varejista e

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mercado de aluguéis, responsáveis pelo atraso nacional e nepotistas em relação aos seus funcionários. Por estarem no meio dessas tensões sociais e étnicas era mais provável que fizessem uso de algum tipo de atividade ilegal como por exemplo a falsificação.

Existem mais registros das idades dos réus do que dos denunciantes nos processos criminais. Enquanto na primeira categoria apenas 346 casos de 1625 relatam quantos anos possuem os acusados, o outro lado apenas mostra 101. Talvez isso esteja associada a questão de que não era apenas as pessoas que se envolviam como réus ou denunciantes como também casas comerciais, bancos privados, caixa de amortização, agências púbicas (Ministério Público, Procuradoria), a Estrada de Ferro Central do Brasil e outros2 .

Baseados nesses números foi identificado um segundo circuito interno por onde passava as falsificações o trem. Os casos que envolviam esse meio de transporte representavam 333 casos entre 1623 ficando atrás somente dos indivíduos particulares. Com a análise das denúncias feitas pelas companhias responsáveis pelas estradas de ferro e o mapa feito para entender a dinâmica espacial desse fenômeno, percebemos uma concentração nos ramais de Mangaratiba e na linha auxiliar da estrada de ferro Central do Brasil. As estações com o maior número de casos foram Matadouro, Central, Marítima e Cascadura. Chama a atenção o alto número de denuncias referentes a estação Marítima, já que essa estação não era aberta ao público, pois seu uso era pra atender as demandas do porto. Como as moedas falsas chegavam pelo porto do Rio de Janeiro, essa estação poderia ser a porta de entrada para a lavagem de dinheiro. A análise do mapa nos mostra uma alta concentração de ocorrências na freguesia de Irajá, evidenciando que está era uma área de forte atuação dos circuladores de moeda. É uma pena que nem todos esses crimes possuem sua ata de falsificação falando um pouco mais sobre esse evento ainda conservada. Apenas foi encontrado no Arquivo Nacional aqueles referentes aos anos de 1911, 1914 e 1918.

Uma vez que a nota fosse aprendida com suspeita de ser falsa, ela era mandada para ser analisada na Caixa de Amortização. Lá eles a avaliavam sua natureza e registravam suas características como data em que foi encontrada, valor, metal utilizado, número, série, letra, estampa, peso, assinatura e se ela é nacional ou não. Dos 172 casos, 145 são referentes a notas,

2 Secretaria da Polícia do Distrito Federal, Tesouraria da Polícia, Prefeitura Municipal, União Federal, Casa de Máquina da Alfândega), casas comerciais, bonde, bancos, companhia de gás, de ferro canil, Agente Geral de Despacho e Sociedade Congresso para Tenentes companhia de gás, de ferro canil, Agente Geral de Despacho e Sociedade Congresso para Tenentes.

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21 moedas e 6 casos não são mencionados qual dos dois são. A preferência por papel ocorria porque o papel era mais barato em relação aos materiais e produtos necessários para a produção.

Com base nas fontes analisadas, foi possível observar que a falsificação era um fenômeno transnacional que envolviam diferentes países. Em grandes somas elas eram produzidas no Rio da Prata (Montevidéu e Argentina) e distribuídas em cidades brasileiras como o Distrito Federal. Existia dois grandes circuitos internos para haver a distribuição dessas moedas falsas: a rede ferroviária e o pequeno comércio. Embora houvesse muitos casos referentes a esse crime, a maioria dos processos criminais instaurados eram arquivados por falta de provas. O que não significava uma incompetência por parte da polícia, mas a dificuldade em investigar casos de falsificação. Uma complexidade que estava em provar que houve intenção criminosa e na busca por quem a produziu.

Referências bibliográficas

CHAZKEL, Amy. Leis da sorte: o jogo do bicho e a construção da vida pública urbana. Campinas:

Unicamp, 2014.

GALEANO, Diego. “História da moeda falsa no mundo atlântico itinerário de pesquisa”. In:

VENDRANE, Maíra Ines; MAUCH Cláudia; MOREIRA, Paulo Roberto (Org.), Crime e Justiça. São Leopoldo: Oikos, 2017, p.67-99.

GALEANO, Diego. “Fronteras del dinero falso: transacciones mercantiles y delito en el mundo atlántico.”, II Jornada Mercados en perspectiva histórica: consumos culturales e intercambios trasnacionales, Universidad Nacional de San Martín, Buenos Aires, May. 2019.

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