• Nenhum resultado encontrado

Belo Horizonte 2021

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2023

Share "Belo Horizonte 2021"

Copied!
65
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL

Isabella Caixeta Winter

IMUNOMARCAÇÃO POR CALPROTECTINA NA CARACTERIZAÇÃO DO INFILTRADO LEUCOCITÁRIO TRANSMURAL NO CÓLON MENOR

EQUINO SUBMETIDO A ISQUEMIA E REPERFUSÃO

Belo Horizonte 2021

(2)

Isabella Caixeta Winter

IMUNOMARCAÇÃO POR CALPROTECTINA NA CARACTERIZAÇÃO DO INFILTRADO LEUCOCITÁRIO TRANSMURAL NO CÓLON MENOR

EQUINO SUBMETIDO A ISQUEMIA E REPERFUSÃO

Versão final

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência Animal.

Área de concentração: Medicina e Cirurgia Veterinárias

Orientador: Prof. Rafael Resende Faleiros

Belo Horizonte 2021

(3)

Bibliotecária responsável Cristiane Patrícia Gomes – CRB2569

Biblioteca da Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais.

65 f. il

Orientador: Rafael Resende Faleiros

Dissertação (Mestrado) apresentada à Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do título de Mestre em Ciência animal.

Bibliografias: f. 52 a 65

1. Equino - Doenças - Teses - 2. Intestino – Infecção - Teses – 3. Veterinária - Teses - I.

Faleiros, Rafael Resende - II. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária - III.

Título.

CDD – 636.089

(4)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE VETERINÁRIA

COLEGIADO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL

FOLHA DE APROVAÇÃO ISABELLA CAIXETA WINTER

Dissertação submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação em CIÊNCIA ANIMAL, como requisito para obtenção do grau de MESTRE em CIÊNCIA ANIMAL, área de concentração Medicina e Cirurgia Veterinária.

Aprovado(a) em 30 de março de 2021, pela banca constituída pelos membros:

Dr.(a). Rafael Resende Faleiros - Presidente - Orientador(a) Dr.(a). Luiz Alberto do Lago

Dr.(a). Sérgio da Silva Rocha Júnior

Documento assinado eletronicamente por Luiz Alberto do Lago, Professor do Magistério Superior, em 30/03/2021, às 11:56, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 5º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Rafael Resende Faleiros, Professor do Magistério Superior, em 30/03/2021, às 11:57, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 5º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Sérgio da Silva Rocha Junior, Usuário Externo, em 06/04/2021, às 06:59, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 5º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ufmg.br/sei/controlador_externo.php?

acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0618598 e o código CRC D896F3C9.

Referência: Processo nº 23072.213086/2021-23 SEI nº 0618598

(5)

Aos cavalos, dedico este trabalho e prometo entregar sempre o meu melhor.

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, responsável por tudo, por sempre guiar e iluminar meu caminho, por me presentear com pessoas tão importantes e por me abençoar com essa conquista tão desejada. Que o Senhor possa me usar de instrumento para auxiliar todos os animais que passarem por mim.

Aos meus pais, Marco Antônio e Maria de Fátima, por acreditarem, torcerem e viverem meus sonhos; pelo amor incondicional; pela orientação, educação, valores e caráter; por não medirem esforços para minha formação pessoal e profissional; eu devo tudo a vocês! Não foi um período fácil para nossa família, mas como sempre, superaremos todos os obstáculos juntos.

Ao meu noivo, Jorge, pelo companheirismo em todas as horas; pela ajuda, carinho, paciência e ensinamentos ao longo dessa nossa jornada, tornando-a mais fácil com seu amor. Você foi fundamental nessa etapa, meu melhor amigo, meu porto-seguro, amor da minha vida. Agradeço também a toda sua família pela torcida e acolhimento.

A Fatinha, por todo o carinho com meus pais, por cuidar de mim como uma filha. Você é um anjo que Deus colocou nas nossas vidas, obrigada por tudo!

Aos meus irmãos, Mônica, Raquel e Marco Aurélio, pela torcida e apoio.

Aos meus sobrinhos, Gabriel, Samuel e Alice, por trazerem uma alegria inexplicável a nossa família e despertarem um amor tão puro.

Às minhas avós (in memoriam), muitas saudades.

A toda minha família, pelo apoio, torcida e suporte, em especial a tia Sônia por todo carinho e tia Graça, sempre presente com palavras de conforto e seu colo nos momentos difíceis.

Ao meu Orientador, prof. Rafael Resende Faleiros, pela oportunidade de concluir mais uma etapa ao seu lado; por sempre me acolher; pelos conselhos, confiança, dedicação e paciência.

Nunca conseguirei expressar toda a minha gratidão. O senhor sempre foi e sempre será meu maior exemplo. Obrigada por tanto ter me ensinado, por ajudar a moldar a Médica Veterinária que sou e pelas lições que carrego para a vida.

Aos professores Luiz Alberto do Lago e Sérgio da Silva Rocha Júnior, por imediatamente aceitarem meu convite para esta banca, por todo o conhecimento partilhado durante minha formação acadêmica e, sem dúvida, muito acrescentarão neste estudo.

Ao professor Geraldo Eleno Silveira Alves, por todos os ensinamentos durante a graduação e residência, pelo exemplo inquestionável e pela contribuição para meu crescimento profissional.

Foi uma honra poder acompanhá-lo professor, muito obrigada!

Ao professor Armando de Mattos Carvalho, por sempre estar disponível e disposto a ensinar, pelo respeito, paciência e estímulo para seguirmos nossos objetivos.

A professora Andressa Batista da Silveira Xavier, por compartilhar seus conhecimentos e experiências, acrescentando em minha formação.

Ao professor Felipe Pierezan, por toda contribuição para execução deste trabalho, prontamente auxiliando no que fosse preciso.

(7)

Aos demais Mestres da UFMG, pelo convívio, aprendizado e inspiração.

Aos amigos, pela torcida e compreensão da minha ausência.

A toda equipe EQUINOVA, pela amizade, dedicação e aprendizados compartilhados, enriquecendo nossa caminhada e tornando-a mais alegre.

Aos colegas da pós-graduação Matheus Dias Araújo e Sóstenes Apolo, pela inestimável colaboração para que esse projeto fosse realizado.

Aos funcionários da Escola de Veterinária, Carlão, Márcio, Luiz, Eli, Jaime, João, porteiros e meninas da limpeza, pela convivência e por tornarem meu trabalho muito mais fácil.

A Escola de Veterinária da UFMG, pelo ambiente acolhedor e amplas oportunidades. Para onde for, sempre levarei o nome da nossa Escola com muito orgulho.

Ao CNPq, pelo apoio financeiro.

(8)

“Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar.” Josué 1:9

“Afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte [...]”

José Saramago

(9)

RESUMO

A calprotectina (CP), proteína presente em algumas células da linhagem mielóide, apresenta-se de forma abundante e constitutiva no citoplasma de neutrófilos, sendo também encontrada em macrófagos e monócitos ativados. Seu uso como biomarcador inflamatório pode melhorar a capacidade de localizar o infiltrado neutrofílico no intestino equino durante a isquemia e reperfusão (I/R). O objetivo deste estudo foi imunolocalizar a CP em células mielóides, para avaliar o infiltrado inflamatório no cólon menor equino submetido a injúria de I/R por modelo de oclusão arteriovenosa completa. Foram utilizadas amostras arquivadas de dois segmentos intestinais provenientes de oito animais. Em um deles, foram colhidas amostras ao final do período isquêmico de 90 min e após reperfusão por 90 e 180 min. No segundo segmento, fragmentos foram coletados aos 180 min de isquemia e decorridos 90 min de reperfusão. Um terceiro segmento não isquêmico atuou como controle, no qual foi retirada uma amostra inicial (CI) e outra ao final de todo o procedimento (CF). A contagem de células inflamatórias mielóides foi realizada por identificação imuno-histoquímica da CP. Todas as camadas histológicas (mucosa, submucosa, muscular e serosa) foram avaliadas. As lâminas foram fotomicrografadas e as células marcadas contadas de forma direta e expressas em célula/mm2. A média da contagem de 10 campos aleatórios de cada camada foi calculada. Os dados foram submetidos a ANOVA (P<0,05). Houve migração celular através da parede vascular em direção aos tecidos em todas as camadas ainda no primeiro tempo de isquemia. Não houve diferença significativa entre as diferentes durações de isquemia. O número de células positivas para CP aumentou em todas as camadas após restauração do fluxo sanguíneo em pelo menos um dos tempos avaliados. O acúmulo de neutrófilos na submucosa, muscular e serosa foi significativamente maior em CF em comparação ao CI. Tecidos submetidos à I/R e aqueles do grupo CF apresentaram predomínio de infiltrado inflamatório na camada seromuscular, com similar magnitude entre eles. A imunolocalização da CP demonstrou resposta inflamatória neutrofílica transmural após indução isquêmica em cólon menor com posterior progressão durante a reperfusão intestinal em todas as camadas, condição predisponente para complicações pós-cirúrgicas como aderências, íleo pós-operatório, enterites e endotoxemia.

Palavras-chave: calprotectina; cavalo; estrangulante; infiltrado; inflamação; neutrófilo.

(10)

ABSTRACT

Calprotectin (CP), a protein found in some myeloid lineage cells, is abundant and constitutive in neutrophil cytoplasm. It has been used as inflammatory biomarker that may improve the ability to localize neutrophil and monocyte infiltration in equine intestine during ischaemia and reperfusion (I/R). The goal of this study was immunolocalize CP in myeloid cells to evaluate inflammatory infiltration in equine small colon subjected to I/R injury and its influx into adjacent segments after a complete venous and arterial occlusion model. Archived samples of two intestinal segments from eight animals were used. In one of them, samples were collected at the end of 90 min ischemic period and 90 and 180 min after reperfusion. In the second segment, fragments were collected at 180 min of ischemia and 90 min after reperfusion. A third nonischemic segment served as control in which samples were taken before (CI) and at the end of entire procedure (CF). Inflammatory myeloid cells were labeled by immunohistochemical identification of CP. All histological layers (mucosa, submucosa, muscularis and serosa) were evaluated. Slides were photomicrographed and marked cells were directly counted and expressed in cells/mm2. Mean number of 10 randomly areas from each layer was calculated.

Data was analyzed by ANOVA (P ≤ 0.05). There was cell migration through the vessel wall towards tissues in all layers even in the first stage of ischemia. No significant difference between different times of ischemia was found. The number of calprotectin-positive cells increased in all layers after blood flow restoration in at least one of the evaluated times. There was a significant accumulation of neutrophils in submucosa, muscularis and serosa in CF compared to CI. Tissues subjected to I/R and those from CF group showed inflammatory infiltrate predominance in seromuscular layer, with similar magnitude between them. CP immunolocation demonstrated a transmural neutrophilic inflammatory response after ischemic- induced model in small colon with subsequent progression during intestinal reperfusion in all layers, predisposing condition for post-surgical complications such as adhesions, post-operative ileus, enteritis and endotoxemia.

Keywords: calprotectin, horse, infiltration, inflammation, neutrophil, strangulation.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Exposição do cólon menor de equino submetido a 90 min de isquemia. 28 Figura 2: Fotomicrografia da mucosa do cólon menor equino, demonstrando os

terços luminal, médio e basal. 31

Figura 3: Fotomicrografias de tecido equino demonstrando controle imuno-

histoquímico para detecção de calprotectina em leucócitos ativados. 32 Figura 4: Fotomicrografia de cólon menor equino (Hematoxilina com células

positivas marcadas em marrom), demonstrando imunomarcação de células calprotectina-positivas e eritrócitos contidos no interior de vaso da submucosa após 90 min de isquemia e 90 min de reperfusão.

33 Figura 5: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina nas

zonas da mucosa (terços luminal, médio e basal), submucosa, muscular e serosa do

cólon menor equino não submetido à isquemia (grupo controle). 33 Figura 6: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina no

comprimento total da mucosa, terço luminal, terço médio e terço basal do cólon menor equino antes da manipulação, após isquemia e reperfusão dos segmentos adjacentes e decorrido os respectivos tempos de isquemia e reperfusão.

34 Figura 7: Fotomicrografias de cólon menor equino (hematoxilina) demonstrando

imunomarcação de células calprotectina-positivas (coradas em marrom) na mucosa

e submucosa. 35

Figura 8: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina na submucosa do cólon menor equino antes da manipulação, após isquemia e reperfusão dos segmentos adjacentes e decorrido os respectivos tempos de isquemia e reperfusão.

35 Figura 9: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina na

muscular do cólon equino antes da manipulação, após isquemia e reperfusão dos

segmentos adjacentes e decorrido os respectivos tempos de isquemia e reperfusão. 36 Figura 10: Fotomicrografias de cólon menor equino (hematoxilina) demonstrando

imunomarcação de células calprotectina-positivas (coradas em marrom) na

muscular e serosa. 36

Figura 11: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina na serosa do cólon menor equino antes da manipulação, após isquemia e reperfusão dos

segmentos adjacentes e decorrido os respectivos tempos de isquemia e reperfusão. 37 Figura 12: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina

nas zonas da mucosa (terços luminal, médio e basal), submucosa, muscular e serosa

do cólon menor equino submetido a diferentes tempos de isquemia e reperfusão. 38 Figura 13: Médias e desvios-padrão de células imunomarcadas para calprotectina

nas zonas da mucosa (terços luminal, médio e basal), submucosa, muscular e serosa

do cólon menor equino após isquemia e reperfusão dos segmentos adjacentes. 39 Figura 14: Fotomicrografias de cólon menor equino (hematoxilina) demonstrando

imunomarcação de células calprotectina-positivas (coradas em marrom) na mucosa e submucosa (A) e muscular e serosa (B) após isquemia e reperfusão dos segmentos adjacentes.

39

(12)

LISTA DE ABREVIATURAS

90I - 90 min de isquemia

90I/90R - 90 min de isquemia mais 90 min de reperfusão 90I/180R - 90 min de isquemia mais 180 min de reperfusão 180I - 180 min de isquemia

180I/90R - 180 min de isquemia mais 90 min de reperfusão ATP - adenosina trifosfato

CF - Controle final CI - Controle inicial CP - calprotectina

CP+ - células mielóides calprotectina-positivas DAB - diaminobenzina

DAMPs - padrões moleculares associados ao dano I/R - isquemia e reperfusão

ICAM-1 - molécula de adesão intercelular 1 IL - interleucina

IPO - íleo pós-operatório LPS - lipopolissacarídeos

MAC387 - anticorpo monoclonal anti-antígeno mielóide/histiocítico humano NADPH - nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato

NETs - armadilhas extracelulares dos neutrófilos (neutrophil extracellular traps) PAMPs - padrões moleculares associados a patógenos

PBS - tampão fosfato salino

ROM - metabólitos reativos do oxigênio TNF - fator de necrose tumoral

VCAM-1 - molécula de adesão de células vasculares 1 XO - xantina oxidase

(13)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 13

2. REVISÃO DE LITERATURA ... 15

2.1. Calprotectina ... 15

2.1.1. Estrutura e distribuição da calprotectina ... 15

2.1.2 Biomarcador inflamatório ... 16

2.1.3 Mecanismos de liberação e funções biológicas ... 18

2.1.4 Panorama atual ... 21

2.2 Atuação dos neutrófilos na isquemia e reperfusão intestinal ... 22

2.2.1 Aspectos gerais ... 22

2.2.2 Recrutamento e migração transendotelial ... 23

2.2.3 Papel deletério na reperfusão ... 25

3. MATERIAIS E MÉTODOS ... 28

3.1 Amostra populacional ... 28

3.2 Delineamento dos grupos e coleta das amostras ... 28

3.3 Imuno-histoquímica ... 29

3.4 Avaliação da imunomarcação para calprotectina ... 30

3.5 Análise estatística ... 31

4. RESULTADOS ... 32

5. DISCUSSÃO ... 40

5.1. Imunomarcação de neutrófilos ... 40

5.2. Injúria de isquemia e reperfusão intestinal ... 42

5.2.1 Aspectos gerais ... 42

5.2.2. Mucosa e Submucosa ... 43

5.2.3. Muscular e Serosa ... 45

5.3. Injúria de reperfusão remota e manipulação intestinal ... 46

5.4. Inflamação intestinal transmural ... 47

6. CONCLUSÕES ... 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 51

(14)

1. INTRODUÇÃO

A síndrome cólica concernente ao trato gastrointestinal configura-se como a emergência mais comum no atendimento de equinos (Cook e Hassel, 2014). Apesar dos avanços nos cuidados intensivos perioperatórios, a cólica ainda é uma grande preocupação na medicina e cirurgia equina, envolvendo altos custos de tratamento combinado a mortalidade relativamente alta (Aitken, 2021). Dentre as possíveis origens, a obstrução estrangulante é, sem dúvida, a principal causa de óbito associado a cólicas em equinos (Blikslager e Gonzalez, 2018). Sua patogenia envolve simultânea oclusão vascular e do lúmen intestinal resultando em injúrias isquêmicas com graves danos e inflamação tissular (Pihl et al., 2015; Blikslager e Gonzalez, 2018). A inflamação observada nas afecções estrangulantes intestinais de equinos são essencialmente provenientes das lesões isquêmicas, com participação da manipulação intestinal trans-cirúrgica (Hopster-Iversen et al., 2011). Além disso, segmentos periféricos não isquêmicos podem sofrer injúria de reperfusão remota, fator importante para o desenvolvimento de complicações pós- operatórias (Bauck et al., 2017).

As lesões de isquemia e reperfusão (I/R) em equinos podem ativar células inflamatórias, dentre elas os neutrófilos constituem o tipo celular predominante (Moore et al., 1994; Moore et al., 1995; Gayle et al., 2000). Inicialmente, desempenham função protetiva e reparadora no tecido lesado (Nathan, 2006; Bauck et al., 2017). Entretanto, quando não modulada, a inflamação neutrofílica pode desencadear disfunções locais com importante repercussão sistêmica.

Atualmente, sabe-se que os neutrófilos são essenciais para a cascata da injúria de I/R intestinal (Gayle et al., 2000). Sua presença foi positivamente correlacionada com a taxa de mortalidade em cavalos com lesões estrangulantes (Weiss e Evanson, 2003).

O efeito deletério da inflamação pode diferir dependendo de qual camada da parede intestinal está envolvida, incluindo formação de aderências, íleo adinâmico, enterite e endotoxemia (Hopster-Iversen et al., 2011). Os neutrófilos recrutados para o local da injúria liberam mediadores inflamatórios citotóxicos lesivos ao hospedeiro (Moore et al., 1995; Gayle et al., 2000; McMichael e Moore, 2004). Além de efeitos locais, desempenham papel importante nas doenças inflamatórias em equinos, sendo frequentemente implicados como potencializadores de uma resposta inflamatória sistêmica indesejável e exacerbada (Anderson e Singh, 2018).

A injúria de I/R intestinal em equinos é tema recorrente de pesquisa há décadas e ainda presente no cenário atual (White et al., 1980; Freeman et al., 1988; Moore et al., 1994; Dabareiner et al., 2001; Cook et al., 2008; VanderBroek et al., 2020; Verhaar et al., 2021). O significativo aumento de neutrófilos após I/R em equinos é evidência consolidada em estudos de intestino delgado (Lundin et al., 1989; Little et al., 2005) e cólon maior (Meschter et al., 1991; Moore et al., 1994; Grosche et al., 2008; Matyjaszek et al., 2009; Grosche et al., 2011). Entretanto, escassos trabalhos investigaram infiltrado inflamatório no cólon menor, segmento com importantes afecções na criação nacional (Faleiros et al., 2001; Faleiros et al., 2008).

Diversos métodos diretos e indiretos são utilizados para avaliar a ativação, aderência endotelial, acúmulo e migração de neutrófilos para os tecidos, dentre eles encontra-se a imuno- histoquímica. Sua utilização permite identificar e localizar precisamente proteínas em cortes

(15)

histológicos por meio de reações com anticorpos específicos (Ramos-Vara, 2005). Neste sentido, a calprotectina (CP) surgiu como um possível biomarcador de neutrófilos devido sua abundância no citoplasma dessas células (Burri e Beglinger, 2014). Embora também possa ser encontrada em pequenas quantidades em monócitos e macrófagos, esses mononucleares parecem contribuir pouco para a população de células inflamatórias no intestino equino (Freeman et al., 1988). Por muitos anos a CP vem sendo estudada como um biomarcador valioso capaz de prover informações diagnósticas, prognósticas e de monitoramento clínico e terapêutico de doenças que cursem com quadros inflamatórios, especialmente aquelas do trato gastrointestinal (Johne et al., 1997; Poullis et al., 2003; D´Angelo et al., 2017).

O objetivo deste estudo foi imunolocalizar a CP em células mielóides para caracterizar o infiltrado inflamatório nas diferentes camadas do cólon menor equino submetido a injúria de I/R por oclusão arteriovenosa completa e verificar seu influxo em segmentos adjacentes. A hipótese testada foi que a isquemia arteriovenosa completa do cólon menor equino causa infiltrado inflamatório transmural, com posterior agravamento tempo-dependente durante a reperfusão intestinal.

(16)

2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Calprotectina

2.1.1. Estrutura e distribuição da calprotectina

A CP é um heterodímero de baixo peso molecular, ligante de cálcio e zinco e pertencente a ampla família das proteínas S100 (Johne et al., 1997; Poullis et al., 2003). Foi isolada pela primeira vez a partir de granulócitos e provisoriamente denominada proteína L1 (Fagerhol et al., 1980). O nome calprotectina foi proposto por Steinbakk e colaboradores (1990) após documentarem multipotente ligação ao cálcio e suas propriedades protetivas. Além dessa nomenclatura mais comum, são encontradas sob diversos sinônimos, dentre eles antígeno associado à fibrose cística (Wilson et al., 1973), MRP 8/14 (do inglês Myeloid Related Protein) (Odink et al., 1987), calgranulina A/B (Wilkinson et al., 1988) e S100A8/S100A9 (Schäfer e Heizmann, 1996). Ademais, sabe-se que a CP pode ser incluída ao grupo dos padrões moleculares associados ao dano (DAMPs). Esse termo descreve componentes endógenos liberados durante dano celular ou tissular, responsáveis por desencadear uma cascata de sinalização pró-inflamatória amplificando a resposta final (Nanini et al., 2018).

A arquitetura estrutural de cada monômero S100A8/A9 constitui um par de motivos “EF-hand”

(modelo hélix-loop-hélix) que juntos compreendem 4 α-helices (HI, HII, HIII e HIV) e 2 loops ligantes de cálcio (Loop I e Loop II). Os motivos N-terminal e C-terminal são conectados por um “loop linker” central chamado “hinge” (Hunter e Chazin, 1998; Shabani et al., 2018). De forma interessante, mudanças na conformação estrutural cálcio-dependentes permitem expor superfícies hidrofóbicas responsáveis pela interação com diferentes proteínas alvo, o que, consequentemente, pode determinar distintas funções moleculares (Odink et al., 1987; Schäfer e Heizmann, 1996; Johne et al., 1997). Aumentos na concentração de cálcio intracelular podem levar a formação de heterodímeros (S100A8/S100A9), heterotrímeros ((S100A8)2/A9) e heterotetrâmeros ((S100A8)2/(S100A9)2). Além disso, foi documentada a formação de homodímeros in vitro e in vivo, bem como existem evidências de exercerem funções biológicas específicas como monômeros (Nacken et al., 2003). Prova disso encontra-se no estudo de Brun e colaboradores (1994) demonstrando que S100A9 pode ser expresso de forma independente em tecidos sob inflamação aguda. Dentre as possíveis apresentações, Hunter e Chazin (1998) confirmaram uma clara preferência para a formação de heterodímeros.

A CP também possui um domínio de ligação para zinco, envolvido na atividade antimicrobiana, em local separado e independente do sítio de ligação para cálcio (Raftery et al., 1996). Sua capacidade de ligação a esse mineral é maior que a de outras proteínas da família S100 (Stríz e Trebichavský, 2004). Assim, a CP apresenta-se como uma isoforma multipotente biologicamente ativa, com regiões definidas e distintas funções (Johne et al., 1997).

Quanto à distribuição, podem ser encontradas em células, tecidos e fluidos corporais, com destaque para específicas células da linhagem mielóide (Johne et al., 1997; Poullis et al., 2003;

Stríz e Trebichavský, 2004). Sua concentração é proporcional ao grau de inflamação (Ricciuto e Griffiths, 2019). Apresenta-se de forma abundante e constitutiva no citoplasma de neutrófilos, correspondendo a aproximadamente 60% das proteínas citosólicas (Poullis et al., 2003; Burri e Beglinger, 2014; Fukunaga et al., 2018). Podem estar presentes na membrana de monócitos

(17)

circulantes e macrófagos ativados, embora em quantidades muito menos significativas, próximas a 1% (Kalla et al., 2016; Muthas et al., 2017).

É considerada uma proteína célula-específica, uma vez que sua expressão se restringe aos estágios iniciais de diferenciação monocítica. Portanto, não são visualizadas em macrófagos residentes e em outras células da linhagem hematopoiética (Dale et al., 1985; Stríz e Trebichavský, 2004). Em condições de estresse celular, como nas desordens inflamatórias, sua expressão aumenta significativamente (Gebhardt et al., 2006), podendo inclusive ser induzida em outros tipos celulares, como células epiteliais (Faleiros et al., 2009), endoteliais (Stríz e Trebichavský, 2004), dendríticas (Johne et al., 1997), fibroblastos (Goyette e Geczy, 2011), osteoclastos e condrócitos (Grosche et al., 2013).

2.1.2 Biomarcador inflamatório

Como mencionado, a CP é uma proteína derivada majoritariamente de neutrófilos, portanto, pode ser utilizada como marcador de turnover dessas células (Poullis et al., 2003). A liberação para o meio extracelular ocorre durante a resposta inflamatória, o que resulta no aumento da sua concentração nos fluidos corporais, incluindo plasma, urina, fezes, saliva e fluido sinovial (Johne et al., 1997). Ademais, também pode ser detectada nos tecidos através da imunomarcação de cortes histológicos (Bjerke et al., 1993). O crescente interesse pela sua mensuração, deve-se ao fato de que, embora tenha baixa especificidade para determinar a causa definitiva ou local exato do insulto, possui uma alta sensibilidade capaz de prover informações diagnósticas, prognósticas e de monitoramento clínico e terapêutico (Burri e Beglinger, 2014;

D´Angelo et al., 2017).

Por muitos anos a CP vem sendo estudada pela medicina humana devido a regulação positiva com diversas afecções inflamatórias (Nacken et al., 2003), infecciosas (Sander et al., 1984), autoimunes (Korndorfer et al., 2007) e neoplásicas (Gebhardt et al., 2006). Entre as principais patologias estudadas, destaca-se artrite reumatóide (Brun et al., 1992) e artropatias inflamatórias (Kalla et al., 2016), fibrose cística (Golden et al., 1996), enteropatia por anti- inflamatório não esteroidais (Maiden et al., 2005), doença hepática alcoólica (Homann et al., 1995), câncer colorretal (Kristinsson et al., 1998), insuficiência pancreática (Watts et al., 2001), diabetes/resistência à insulina e obesidade (Ortega et al., 2012), uveíte idiopática (Walscheid et al., 2015), lúpus eritematoso sistêmico (Soyfoo et al., 2009), dermatose inflamatória (Korndorfer et al., 2007), bronquite crônica (Shabani et al., 2018), peritonite e outras afecções virais e bacterianas (Poullis et al., 2003). Porém, sem dúvida, o maior avanço foi na gastroenterologia com foco nas doenças inflamatórias intestinais, na qual a CP se destaca como um valioso marcador inflamatório (Poullis et al., 2003).

Com relação a inflamação intestinal, a endoscopia seguida de biópsia permanece como padrão ouro pois é um excelente exame para inspecionar a mucosa e determinar o local, extensão e severidade da doença. Entretanto, o exame endoscópico é relativamente oneroso, invasivo e nem sempre disponível, o que limita sua utilização de forma sequencial ao longo do tratamento (D´Angelo et al., 2017). Dessa forma, surgiu a necessidade de um exame mais simples e econômico para avaliação da inflamação intestinal (Burri e Beglinger, 2014). Embora ainda

(18)

com algumas questões a serem esclarecidas, a CP sérica despontou como um possível biomarcador para cumprir esses critérios. Estudos evidenciaram sua possível utilização no auxílio ao diagnóstico e monitoramento, sendo capaz de predizer o curso da doença e o momento propício para indicação terapêutica e/ou cirúrgica. A fim de comparar seu poder diagnóstico, ela vem sendo correlacionada a outros marcadores inflamatórios tradicionalmente utilizados, demonstrando resultados muito satisfatórios (Kalla et al., 2016). Como a CP pode ser prontamente liberada por neutrófilos circulantes, sua concentração plasmática tende a aumentar mais rapidamente do que as proteínas de fase aguda sintetizadas pelo fígado (Goyette e Geczy, 2011). Isso somado à sua meia vida mais curta (5 horas) (Fagerhol et al., 2005), pode representar uma mensuração mais dinâmica sobre a situação inflamatória atual quando comparada aos marcadores convencionais, como a proteína C reativa (meia vida de 19 horas) (Pepys e Hirschfield, 2003) e albumina (meia vida de 19 dias) (Peters, 1995). Sua combinação com outros biomarcadores séricos pode ser extremamente benéfica, aumentando a acurácia dos testes (Kalla et al., 2016).

A excreção fecal de granulócitos autólogos radiomarcados com índio111 foi considerada por muitos anos o melhor marcador para inflamação intestinal em humanos (Poullis et al., 2003).

Entretanto, sua utilização envolve custo elevado, exposição à radiação e coleta de fezes prolongada, restringindo-o basicamente à pesquisa. Na década de 90, Roseth e colaboradores (1992) descobriram que a CP poderia ser extraída e quantificada das fezes, surgindo assim um promissor sinalizador de patologias inflamatórias gastrointestinais. Estudos seguintes confirmaram alta correlação entre ambos marcadores quando as fezes eram analisadas diariamente para CP (r = 0.87, P<0.0001) e, até mesmo, em coletas únicas (r = 0.80, P<0.0001) (Roseth et al., 1999), o que a torna uma opção eficaz e significativamente mais viável.

A principal vantagem dos marcadores fecais refere-se ao seu contato direto com a mucosa intestinal, refletindo uma condição mais precisa do foco inflamatório (Goyette e Geczy, 2011).

Após intensa pesquisa, a CP fecal foi reconhecida como um biomarcador acessível, confiável e de alta sensibilidade (Lewis, 2011). Ensaios experimentais e substanciais evidências clínicas demonstram sua eficácia na detecção da inflamação intestinal (Carroccio et al., 2003), indicação ou não de colonoscopia (van Rheenen et al., 2010), monitoramento da resposta terapêutica (Sipponen et al., 2008; Wagner et al., 2008; Sandborn et al., 2016) e acompanhamento pós- operatório (Lamb et al., 2009; Wright et al., 2013). Outro ponto importante consiste na potencial capacidade em identificar pacientes subclínicos ou em risco de recidiva, uma vez que seu aumento pode anteceder sintomatologia clínica (Costa et al., 2005; D’Inca et al., 2008;

Walkiewicz et al., 2008; Gisbert et al., 2009; Kallel et al., 2010). Isso permite orientar as decisões terapêuticas e modificar prontamente o tratamento do paciente.

A CP também pode ser detectada através de amostras tissulares. Sua imunomarcação fornece informações interessantes sobre o influxo de neutrófilos e monócitos/macrófagos positivamente marcados nos tecidos e órgãos afetados (Stríz e Trebichavský, 2004). A imuno-histoquímica permite identificar e localizar precisamente proteínas, como a CP, em células de cortes histológicos por meio de reações com anticorpos específicos. Esse método baseia-se na ocorrência de ligações antígeno-anticorpo, visualizadas pela formação de cor no tecido ao exame microscópico (Ramos-Vara, 2005). Como limitação, destaca-se a natureza mais invasiva

(19)

da técnica e a necessidade de preparos específicos mais laboriosos (Stríz e Trebichavský, 2004).

Diversos estudos imunohistológicos em humanos e animais confirmaram o aumento da expressão de células mielóides calprotectina-positivas (CP+) em intestinos inflamados (Rugtveit et al., 1994; Schmid et al., 1995; Little et al., 2005; Grosche et al., 2008; Fukunaga et al., 2018).

Os primeiros ensaios clínicos da CP como marcador biológico nos animais domésticos referem- se à espécie equina. Inicialmente, a avaliação imuno-histoquímica de jejuno submetido à isquemia evidenciou ativação leucocitária pelo aumento de neutrófilos marcados positivamente (Little et al., 2005). Grosche e colaboradores (2008; 2011) comprovaram que sua imunomarcação pode ser usada para demonstrar o padrão de acúmulo e migração de neutrófilos na mucosa e submucosa de cólon maior durante I/R. Estudos pioneiros sobre imunolocalização de células CP+ na laminite mostraram que animais submetidos a diferentes modelos de indução apresentaram aumento de neutrófilos nas lâminas epidermais (Faleiros et al., 2009; Faleiros et al., 2011) e no cólon maior (Chiavaccini et al., 2011). Posteriormente, um ensaio imunoenzimático (ELISA) foi desenvolvido e validado para detecção de CP equina, mensurando pela primeira vez sua concentração sérica (Grosche et al., 2013). O experimento evidenciou um aumento da sua concentração nas amostras de sangue venoso do cólon maior submetido à I/R.

Os estudos em cães iniciaram com a purificação e caracterização parcial da CP canina por Heilmann e colaboradores (2008a) que, posteriormente, desenvolveram e validaram um radioimunoensaio para amostras séricas e fecais (Heilmann et al., 2008b). Experimentos subsequentes demonstraram concentrações significativamente maiores de CP em cães com doença inflamatória intestinal idiopática (Heilmann et al., 2012), diarreia crônica (Grellet et al., 2013) e neoplasia de trato urinário inferior (Heilmann et al., 2014), nas avaliações séricas, fecais e urinárias, respectivamente. Recentemente, houve validação deste teste para amostras biológicas da espécie felina com estabelecimento de valores de referência para gatos saudáveis (Heilmann et al., 2018). Mensurações de CP fecal também já foram utilizadas para verificar inflamação intestinal de suínos alimentados com concentrado proteico (Slinger et al., 2019).

Embora ainda com poucos estudos, a utilização da CP na Medicina Veterinária, a espelho do que ocorre em humanos, demonstra resultados promissores, potencialmente úteis para auxiliar no diagnóstico e monitoramento das afecções gastrointestinais que cursem com quadros inflamatórios.

2.1.3 Mecanismos de liberação e funções biológicas

Além de biomarcador, a CP exerce diferentes funções regulatórias no processo inflamatório e na resposta imunológica, sugerindo participação direta na patogenia da inflamação (Fukunaga et al., 2018). Embora existam diversas pesquisas nos últimos anos, seu papel biológico ainda não foi completamente esclarecido. Uma razão para isso pode ser sua variabilidade conformacional, indicando que a função efetora possa depender da apresentação estrutural (Nacken et al., 2003). Evidências cientificas sugerem que ela possa modular o processo

(20)

inflamatório, executando importante atuação no metabolismo de células mielóides (Poullis et al., 2003).

A CP é uma molécula biologicamente ativa multipotente. Sua relevância clínica está relacionada às atividades intra e extracelulares, em funções fisiológicas durante a homeostase, bem como na patogênese inflamatória (Johne et al., 1997). Estão envolvidas na regulação de inúmeras atividades intracelulares como fosforilação de proteínas, modulação do rearranjo do citoesqueleto, homeostase do cálcio, atividades enzimáticas, fatores de transcrição e no crescimento, diferenciação e apoptose celular (Donato et al., 2003).

Em condições fisiológicas, as concentrações extracelulares são extremamente baixas, porém, durante o processo inflamatório, a síntese de CP aumenta significativamente, com contínua liberação (Manceau et al., 2017; Shabani et al., 2018). Podem ser liberadas em resposta a vários agentes perturbadores da membrana ou para modificar a resposta inflamatória local (Johne et al., 1997). Sua detecção é um sensível indicador de citotoxicidade, tempo e concentração dependentes (Shabani et al., 2018). Nesses casos, pode ter um efeito deletério local causando destruição tecidual comparável ao dano após infiltração de neutrófilos (Yui et al., 2003).

Durante a resposta inflamatória, neutrófilos e macrófagos ativados liberam CP para o meio extracelular de forma ativa, através de secreção/degranulação, ou passivamente durante desintegração celular e apoptose (Voganatsi et al., 2001; Stríz e Trebichavský, 2004). Devido ao fato de serem o tipo celular predominante e possuírem curta meia-vida, é intuitivo pensar que a morte celular provavelmente represente uma fonte de CP extracelular significativa, particularmente em situações onde o infiltrado neutrofílico é abundante (Goyette e Geczy, 2011). Entretanto, a ativação de proteína quinase C induzida por diferentes estímulos pró- inflamatórios, como lipopolissacarídeos (LPS), quimiocinas e elevação do cálcio intracelular pela adesão ao endotélio ativado, também provocam a liberação ativa pelos fagócitos (Nacken et al., 2003; Goyette e Geczy, 2011). Assim, podem servir como marcador para o influxo de células CP+ nos locais de inflamação.

Embora o mecanismo exato pelo qual a CP atravessa a membrana celular ainda precisa ser elucidado, sabe-se que a secreção pelos monócitos e neutrófilos é microtúbulo-dependente (Rammes et al., 1997; Shabani et al., 2018). Esta via secretora alternativa contorna o caminho clássico do retículo endoplasmático e do aparelho de Golgi (Gebhardt et al., 2006). A secreção também parece ser específica para o tipo celular. Em células endoteliais, fibroblastos e queratinócitos ativados são proteínas com atuação predominantemente intracelular. Em contraste, neutrófilos, monócitos e macrófagos ativados a secretam prontamente (Goyette e Geczy, 2011).

Quando exteriorizada, promove efeitos semelhantes ao de citocinas ao se ligarem em diversos receptores e moléculas da superfície de células-alvo (Shabani et al., 2018). Dentre os já documentados estão sulfato de heparan, glicanos carboxilados, CD36 e, mais comumente, RAGE (receptor para produtos finais de glicação avançada) e toll-like receptor-4 (Gebhardt et al., 2006; Vogl et al., 2007). Essa interação aciona cascatas de sinalização intracelular levando à ativação de fatores de transcrição (AP-1, NF-kB, dentre outros) responsáveis por aumentar a produção e liberação de metaloproteinases e citocinas pró-inflamatórias, além de promover

(21)

efeitos imunomoduladores relevantes no processo inflamatório envolvendo ativação, adesão, migração e quimiotaxia leucocitária (Gebhardt et al., 2006; Sunahori et al., 2006; Ehrchen et al., 2009; Chiavaccini et al., 2011; Shabani et al., 2018).

Dados experimentais indicam um mecanismo de feedback positivo no qual a CP liberada por células mielóides sob condições inflamatórias promove recrutamento de mais leucócitos para o tecido inflamado (Roth et al., 2003). Isso ocorre devido à capacidade da CP e das citocinas pró- inflamatórias se induzirem mutuamente, amplificando a resposta inflamatória nas células envolvidas (Vogl et al., 2007). Somada a essa regulação local, fatores genéticos também são de vital importância para sua síntese (Stríz e Trebichavský, 2004). Além do recrutamento leucocitário, desempenham função proeminente no metabolismo e liberação do ácido araquidônico dos neutrófilos. Esse mecanismo pode apontar para participação importante na iniciação e regulação da resposta inflamatória (Nacken et al., 2003). O importante papel da CP na sepse foi destacado por estudo de Vogl e colaboradores (2007) no qual camundongos geneticamente modificados (knockout) para as subunidades S100A8/A9 estavam protegidos do choque séptico induzido por endotoxina.

A atuação da CP na resposta imune inata frente a microorganismos patogênicos acontece por um mecanismo denominado imunidade nutricional (Kehl-Fie et al., 2011; Sohnle et al., 2000).

A primeira evidência da ação antimicrobiana (Steinbakk et al., 1990) foi confirmada em estudos posteriores por diversos grupos, conferindo à CP papel central na defesa dos neutrófilos (Clohessy e Golden 1995; Santhanagopalan et al., 1995; Sohnle et al., 1996; Loomans et al., 1998; Stríz e Trebichavský, 2004). Sua atividade antimicrobiana envolve sequestro de zinco, resultando no comprometimento das enzimas zinco-dependentes e consequente inibição do crescimento bacteriano (Manceau et al., 2017). De maneira similar, são capazes de inibir metaloproteinases (Isaksen e Fagerhol, 2001) e conferir efeitos antiproliferativos e apoptóticos (Yui et al., 2002; Yui et al., 2003). Urban e colaboradores (2009) identificaram a formação de armadilhas extracelulares dos neutrófilos (neutrophil extracellular traps – NETs) como um mecanismo até então desconhecido de liberação de CP em neutrófilos. Os autores demonstraram que em locais de infecção, a formação de NETs é um mecanismo que garante a interação entre a CP citoplasmática e microorganismos extracelulares, sugerindo uma implicação biológica devido à alta concentração local e contato próximo com o patógeno.

Embora sejam comumente rotuladas como pró-inflamatórias, evidências demonstram funções pleiotrópicas, com atuações anti-inflamatórias e protetoras frequentemente esquecidas, incluindo eliminação de oxidantes, atividade antimicrobiana, estimulo do reparo tecidual e regulação da resposta anti-inflamatória de macrófagos (Hsu et al., 2009). Estudos sugerem que níveis elevados em feridas incisionais de pele podem ter um efeito terapêutico contra a inflamação na cicatrização de feridas (Wu e Davidson 2004), infecções bacterianas (Champaiboon et al., 2009) e dano oxidativo mediado por UVA (Grimbaldeston et al., 2003).

Aranda e colaboradores (2018) recentemente mostraram que a CP administrada por via retal foi capaz de exibir efeitos protetores em um modelo de colite experimental em roedor, resultando em menores danos macro e microscópicos, atividade de mieloperoxidase reduzida e diminuição dos níveis de citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral (TNF).

(22)

A CP pode ser considerada uma molécula complexa e multifuncional, cuja atividade reguladora depende da sua localização dentro ou fora da célula, concentração, tipo de célula-alvo, receptores envolvidos em seu reconhecimento e suas modificações pós-traducionais (Goyette e Geczy, 2011; Shabani et al., 2018). A abundância e propriedades distintas da CP evidenciam papel incontestável na biologia dos neutrófilos durante um insulto inflamatório.

2.1.4 Panorama atual

No passado, inúmeros trabalhos demonstravam o papel emergente da CP, principalmente no campo da gastroenterologia (Johne et al. 1997; Poullis et al. 2003; Stríz e Trebichavsky, 2004).

Baseado em evidências científicas e na experiência clínica de profissionais de todo o mundo, sua importante atuação como biomarcador inflamatório foi reconhecida. O uso de um marcador fácil, rápido, não invasivo e acessível é mandatório não somente para o diagnóstico, mas também como monitoramento clínico e terapêutico. Nesse sentido, a CP fecal é o biomarcador mais documentado e um dos mais utilizados atualmente (Manceau et al., 2017). Pode ser considerado um sinalizador confiável de inflamação intestinal com boa sensibilidade clínica (D´Angelo et al., 2017). Apresenta clara correlação com a avaliação endoscópica e histológica (D´Amico et al., 2020), até mesmo mais significativa do que os outros marcadores ou índices clínicos utilizados até o momento (Burri e Beglinger, 2014; D´Angelo et al., 2017). Por isso, é o método não invasivo mais utilizado para acessar a cicatrização de mucosa intestinal (Haisma et al., 2019).

Diversos centros médicos internacionais utilizam a CP fecal como um teste de rotina para detectar inflamação intestinal e identificar pacientes que necessitem de endoscopia (Burri e Beglinger, 2014). Essa atuação como teste de triagem potencialmente reduz a espera pela colonoscopia e os custos envolvidos (D´Angelo et al., 2017). Testes ELISA mais recentes apresentam resultados muito consistentes, atingindo 95% de sensibilidade e especificidade em pacientes adultos para diagnóstico de doença inflamatória intestinal (Burri e Beglinger, 2014).

Recentemente, avanços tecnológicos permitiram o desenvolvimento de testes rápidos comerciais “point-of-care” (Hejl et al., 2018) e de auto-testes (“home-test”) associados a aplicativos para smartphones (Vinding et al., 2016). Os novos testes possibilitam obter resultado em poucos minutos durante a consulta médica ou monitoração domiciliar pelo próprio paciente. Vale ressaltar que a CP fecal sozinha não é capaz de determinar diagnóstico definitivo ou de localizar o segmento acometido. Outro ponto limitante encontra-se na ausência de consenso sobre os valores de corte, uma vez que dependem de diferentes parâmetros como tipo de ensaio, recomendações do fabricante, dados publicados e quadro clínico, principalmente em pacientes com valores intermediários (D´Angelo et al., 2017).

Na medicina equina, estudos investigando a CP fecal ainda não foram realizados.

Recentemente, sua utilização como biomarcador tissular focou em investigar se fármacos como dexmedetomidina (König et al., 2020), xilazina e lidocaína (Verhaar et al., 2021) podem auxiliar na redução do infiltrado neutrofílico e, consequentemente, apresentar um efeito benéfico na I/R. Bauck e colaboradores (2017) documentaram inflamação intestinal decorrente da manipulação e da injúria de reperfusão remota a segmentos submetidos à isquemia. Em

(23)

outros sistemas, sua imunomarcação permitiu demonstrar infiltrado inflamatório pulmonar em potros sépticos (Harrison et al., 2017) e expressão induzida em queratinócitos na laminite por sobrecarga de peso no membro suporte (Cassimeris et al., 2020).

Nos últimos dois anos, mais de mil publicações envolveram a CP. Embora a gastroenterologia ainda seja o maior foco das pesquisas, sua utilidade clínica como marcador inflamatório vai muito além. São capazes de detectar distúrbios inflamatórios não entéricos com alta sensibilidade, além de sinalizar como um potente preditor de sobrevida para algumas doenças.

Em pacientes com síndrome respiratória aguda grave pelo coronavírus (SARS-CoV-2), concentrações séricas elevadas corresponderam a pacientes com pior prognóstico e maior taxa de mortalidade (Silvin et al., 2020; Shi et al., 2021). A associação estabelecida entre CP e obesidade sugere potencial utilização no monitoramento de complicações metabólicas nesses pacientes (Calcaterra et al., 2018). Altas concentrações séricas também foram associadas ao risco significativamente maior de eventos cardiovasculares adversos após angioplastia em pacientes diabéticos com síndrome coronária aguda (Wang et al., 2019). Alguns estudos demonstraram boa performance em distinguir entre afecções infecciosas e inflamatórias (Baillet et al., 2019) e entre infeções bacterianas e virais (Havelka et al., 2020), o que denota interessante relevância ao permitir diagnóstico mais preciso e utilização seletiva de antibióticos. Shabani e colaboradores (2018) recentemente sugeriram que sua função biológica protetiva anti- tumorigênica possa levar ao controle do desenvolvimento de câncer. Um novo campo de pesquisa poderá despontar no futuro com o uso de fármacos recombinantes ou derivados de CP com finalidade oncológica.

2.2 Atuação dos neutrófilos na isquemia e reperfusão intestinal 2.2.1 Aspectos gerais

Dentre as possíveis causas de isquemia intestinal em equinos, a mais estudada refere-se à obstrução estrangulante. São caracterizadas por oclusão vascular direta, apresentando-se de forma parcial ou total. Pode ser classificada como obstrução estrangulante hemorrágica, quando a oclusão é primariamente venosa resultando em disparidade no fluxo sanguíneo durante as fases iniciais, ou obstrução estrangulante isquêmica, devido a simultânea oclusão arteriovenosa (Cook et al., 2019). Entretanto, outros mecanismos são capazes de desencadear isquemia intestinal. As obstruções simples podem causar necrose isquêmica pelo aumento da pressão intraluminal com progressiva oclusão vascular. Outra possibilidade encontra-se no infarto não estrangulante comumente associado com migração parasitária, no entanto são eventos relativamente raros com o advento de anti-helmínticos eficazes (Blikslager e Gonzalez, 2018).

O comprometimento do fluxo sanguíneo durante a isquemia resulta em necrose celular devido a hipóxia ou anoxia tissular. O mecanismo de injúria isquêmica é tempo-dependente e pode diferir quanto ao segmento intestinal acometido. No intestino grosso, o epitélio é a primeira região perdida, seguido pelas criptas à medida que a isquemia persiste (Blikslager e Gonzalez, 2018). O conceito de injúria de reperfusão está relacionado a diversas evidências experimentais demonstrando agravamento da lesão isquêmica pela subsequente reperfusão tecidual (White et al., 1980; Dabaremer et al., 1993; Vatistas et al., 1993; Moore et al., 1994; Freeman e Grosche,

(24)

2012). A princípio, parece contraditório pensar nessa piora, uma vez que o insulto inicial ocorre justamente pela falta de oxigenação dos tecidos. Entretanto, sabe-se que restaurar o fluxo sanguíneo leva a migração de neutrófilos e formação de ativos citotóxicos, fenômenos potencialmente lesivos ao hospedeiro (Nathan, 2006).

Em condições fisiológicas, produtos da redução do oxigênio conhecidos como radicais livres ou metabólitos reativos do oxigênio (ROM) podem ser produzidos durante o metabolismo celular normal. Entretanto, além da sua baixa concentração, existem mecanismos de proteção contra a lesão oxidante, como antioxidantes endógenos (Flaherty e Weisfeldt, 1988) e inativação enzimática para evitar a formação de radicais mais reativos (Rochat, 1991). A clássica via de ativação do sistema xantina-oxidoredutase durante a reperfusão é capaz de produzir oxidantes superando a capacidade protetora, permitindo que os radicais livres e seus metabólitos causem dano celular (Moore et al., 1995). Além disso, participam diretamente do recrutamento de neutrófilos para o local de injúria, células consideradas importantes mediadores de novos danos (Gayle et al., 2000).

Intestinos delgado e grosso comportam-se de forma diferente em resposta a injúria de reperfusão. A xantina oxidase (XO) não parece ser grande contribuinte para o dano pós- isquêmico no cólon maior de equinos pois estão presentes em baixas concentrações. Porém, este segmento possui outras enzimas produtoras de radicais livres nos tecidos intestinais que podem iniciar a lesão, como a aldeído oxidase (Blikslager e Gonzalez, 2018). É importante notar que provavelmente existam outros mecanismos de injúria de reperfusão além dos mencionados, incluindo disfunção mitocondrial, falha da microcirculação pós-capilar e ativação descontrolada da resposta imune inata (Freeman e Grosche, 2012).

A inflamação é essencial para a cicatrização tecidual, com neutrófilos desempenhando papel fundamental na promoção do reparo após I/R. Quando bem modulada, a resposta neutrofílica pode exercer função protetiva e reparadora, sendo capazes de gerar mediadores anti- inflamatórios e sinais pró-reparadores, inibir diapedese e recrutamento celular, induzir apoptose, reduzir a geração de mediadores pró-inflamatórios e radicais tóxicos e controlar infecção (Grosche et al., 2011; Bauck et al., 2017). No entanto, os equinos frequentemente tornam-se propensos a desenvolver uma resposta inflamatória exacerbada e prejudicial (Anderson e Singh, 2018).

2.2.2 Recrutamento e migração transendotelial

Os neutrófilos apresentam localização predominantemente intravascular. Após a injúria, necessitam de recrutamento tissular a partir de processos quimiotáticos, aderência ao endotélio e transmigração (Rötting et al., 2003). Apresentam um papel dominante na resposta inflamatória aguda, sendo as primeiras células a chegar na região lesada (Sanchez, 2018). A razão pela qual infiltram e tornam-se ativados após a isquemia encontra-se na rápida geração de agentes quimiotáticos em resposta aos oxidantes liberados por enzimas teciduais, mais notavelmente, a XO. Esta enzima citosólica está tipicamente presente na forma desidrogenase, participando do metabolismo da adenosina trifosfato (ATP) e, durante a isquemia, são

(25)

convertidas em XO por proteases teciduais. Simultaneamente, a produção de ATP é reduzida e o metabolismo dos estoques existentes resulta no acúmulo de hipoxantina (Moore et al., 1995).

À medida que o tecido é reperfundido, a XO começa a metabolizar a hipoxantina acumulada em xantina. Essa reação fornece elétrons que serão utilizados como substrato pelo oxigênio, liberando um alto teor de ROM, entre eles o superóxido (Rowe e White, 2002). Embora não seja considerado altamente citotóxico, ele pode gerar ROM secundários mais potentes e reativos (Freeman e Grosche, 2012). Além dos danos locais, esses radicais desencadeiam a formação de quimioatraentes, como interleucina 8 (IL-8), leucotrieno B4, componentes do sistema complemento e fator ativador de plaquetas, resultando no rápido recrutamento neutrofílico pós- isquêmico (Rowe e White, 2002).

Outro mecanismo importante para recrutamento de neutrófilos concerne ao dano tissular. A barreira epitelial danificada produz DAMPs, provenientes da necrose celular ou liberação de seus componentes, e permite a translocação de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs). Ambos são capazes de estimular células do sistema imune residentes a liberarem mediadores pró-inflamatórios, incluindo aqueles quimiotáticos para neutrófilos (Sheats, 2019).

A migração transendotelial em resposta a lesão ou inflamação ocorre em várias etapas altamente reguladas e específicas para cada célula envolvida. Os locais predominantes para migração de neutrófilos são as vênulas pós-capilares e, em alguns tecidos, os capilares. Esse movimento depende de moléculas de adesão expressas nos neutrófilos e nas células endoteliais, com participação fundamental das integrinas. Dentre elas, as β2-integrinas (complexo CD11/CD18) são a classe funcionalmente mais importante (Dallegri e Ottonello, 1997; Sanchez, 2018).

Experimentalmente, a inibição das β2-integrinas de neutrófilos diminuiu significativamente a lesão tecidual durante doenças inflamatórias, incluindo as do trato gastrointestinal (Hernandez et al., 1987; Kubes et al., 1992). De maneira complementar, humanos, bezerros e camundongos geneticamente deficientes da cadeia β dessas moléculas apresentaram grave imunodeficiência pela incapacidade de ativação e migração neutrofílica (Gayle et al., 2000).

As células endoteliais são metabolicamente ativas e funcionalmente especializadas na adesão de células inflamatórias. Mediadores inflamatórios são fundamentais para ativação e regulação da expressão de selectinas e receptores para integrinas nesse tipo celular. Os neutrófilos intravasculares são atraídos para o endotélio onde apresentam contato inicial (“tethering”) e rolamento ao longo da superfície do vaso através de selectinas expressas em neutrófilos (L- selectina) e em células endoteliais ativadas (P- e E-selectinas). Essa dinâmica promove ativação dos neutrófilos através da exposição às quimiocinas apresentadas na superfície das células endoteliais (Dallegri e Ottonello, 1997; Sako et al., 1993; Kubes, 2002).

Os neutrófilos, até então frouxamente ligados às células endoteliais, são estimulados por fatores quimiotáticos iniciando a segunda etapa da migração transendotelial. Esse estímulo é necessário para aumentar a afinidade de ligação das β2-integrinas aos seus ligantes expressos nas células endoteliais da mucosa inflamada, incluindo a molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) e a molécula de adesão de células vasculares 1 (VCAM-1), promovendo uma firme união entre eles (Springer, 1994).

(26)

Por fim, os neutrófilos atravessam o endotélio nas junções intercelulares por meio de mecanismos envolvendo interações integrina-ligantes, também mediadas por β2-integrinas.

Espera-se que um baixo influxo de neutrófilos seja capaz de manter a integridade da barreira endotelial. No entanto, um alto infiltrado inflamatório altera as firmes junções intercelulares e danifica a membrana basal. Consequentemente, resulta em aumento da permeabilidade com extravasamento de conteúdo para o interstício e, até mesmo, descolamento de células endoteliais. Essa migração descontrolada gera lesão no endotélio que contribui diretamente para a injúria tecidual durante I/R (Dallegri e Ottonello, 1997; Sanchez, 2018).

2.2.3 Papel deletério na reperfusão

A relação entre influxo de neutrófilos e lesão tecidual vem sendo objeto de estudo na espécie equina há vários anos (Meschter et al., 1991; Moore et al., 1994). Sua migração constitui etapa crucial para a cascata de eventos que culminam em danos tissulares nas diversas doenças inflamatórias do trato gastrointestinal, incluindo a injúria de I/R (Freeman e Grosche, 2012). A resposta neutrofílica pode ser vista no local afetado pela isquemia, assim como em segmentos adjacentes ou distantes do mesmo (Gerard et al., 1999; Bauck et al., 2017). A maior parte dos danos mediados por esses granulócitos não são intencionais. A região reperfundida é rapidamente infiltrada por neutrófilos que, com intuito protetivo, liberam mediadores pró- inflamatórios e produtos letais para patógenos lesando acidentalmente células e tecidos circundantes (Freeman e Grosche, 2012).

Os neutrófilos contribuem para o desenvolvimento de injúrias tissulares durante a I/R intestinal por vários mecanismos. Inicialmente, ROM são produzidos a partir da reação da XO após reoxigenação tecidual, causando danos estruturais ao reagir com a membrana celular e suas organelas. Adicionalmente, esses radicais regulam o influxo de neutrófilos para o tecido lesado que, por sua vez, são responsáveis por uma subsequente produção de novos ROM (Moore et al., 1995). Essa segunda fase de liberação de radicais livres envolve as enzimas nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) oxidase e mieloperoxidase, que catalisam a redução do oxigênio em superóxido e peróxido de hidrogênio (Forsyth e Guilford, 1995). A produção desses compostos oxidativos pelos neutrófilos é conhecida por explosão respiratória e constitui o principal mecanismo para eliminação de microrganismos fagocitados (Klebanoff, 1980; Rowe e White, 2002). Além disso, quando ativados, podem secretar diversas proteases, como elastase, colagenase e gelatinase no meio extracelular, também contribuindo para o dano tecidual (Freeman e Grosche, 2012).

A princípio, acreditou-se que as injúrias de reperfusão ocorriam principalmente pela liberação de ativos citotóxicos, o que de fato ocorre. No entanto, estudos posteriores evidenciaram importante participação da presença física dos neutrófilos no espaço intersticial do intestino lesado (Nathan, 2006). Neste sentido, a alteração mais documentada refere-se ao comprometimento da barreira epitelial pela migração transepitelial e consequente aumento da permeabilidade intestinal. Conforme Gayle e colaboradores (2000), essa disfunção pode ser explicada pela morte de células epiteliais e/ou destruição da integridade do epitélio ao romper firmes junções intercelulares pela migração dos neutrófilos. Esta última foi apontada pelos

(27)

autores como responsável pelo impacto mais importante na função de barreira, em detrimento à morte celular e liberação de moléculas tóxicas pelos neutrófilos.

Assim como ocorre no endotélio vascular, quando poucos neutrófilos migram através do epitélio, as junções intercelulares são reestabelecidas rapidamente e a função de barreira é minimamente e momentaneamente perdida. Entretanto, quando um grande número de neutrófilos atravessam essas firmes junções, a cicatrização é sobrecarregada, desenvolvendo ulcerações na mucosa (Gayle et al., 2000). É importante salientar que além do influxo de neutrófilos durante a reperfusão pós-isquemia, há uma infiltração substancial durante os estágios iniciais de reparo tecidual (Blikslager et al., 1997). Essa migração retardada pode exacerbar a lesão pelo dano físico e liberação de novos produtos lesivos, além de potencialmente dificultar a restituição do local de injúria (Blikslager e Gonzalez, 2018).

Em observações clinicas, as alterações inflamatórias na parede intestinal causadas pela I/R podem desencadear complicações pós-operatórias importantes e, muitas vezes, irreversíveis.

Na mucosa, o comprometimento das barreiras epitelial e endotelial permite translocação bacteriana e absorção de PAMPs, como endotoxinas, com importante repercussão sistêmica (Snyder et al., 1989; Gayle et al., 2000). Essa indução de uma resposta imune aguda caracteriza- se pela ativação de neutrófilos circulantes e liberação de vários mediadores pró-inflamatórios na circulação, contribuindo para uma resposta inflamatória sistêmica (Grosche et al., 2013).

Little e colaboradores (2005) observaram que a inflamação neutrofílica nas camadas musculares e plexo mioentérico coincidia com a identificação clínica do íleo pós-operatório (IPO) em equinos, sugerindo potencial participação inflamatória na sua patogenia. A maioria das pesquisas sobre IPO foi realizada em humanos e camundongos, com relativamente poucos estudos em equinos. Sua patogenia ainda não está completamente elucidada, porém foi reconhecida em humanos (Boeckxstaens e de Jonge, 2009) e hipotetizada em equinos (Doherty, 2009), a presença de uma fase neurogênica inicial com subsequente fase inflamatória, mais tardia e duradoura, demonstrando interação entre os sistemas nervoso e imunológico. Como resultado, a motilidade intestinal pode apresentar-se diminuída por longos períodos (Hopster- Iversen et al., 2011). Situações que cursem com inflamação local como lesões estrangulantes, manipulação intestinal excessiva, endotoxemia, enterotomia e enterectomia são fatores de risco para seu desenvolvimento (Roussel et al., 2001; French et al., 2002).

Eventos vasculares e celulares da cascata inflamatória aumentam a permeabilidade capilar, permitindo a formação de exsudato serofibrinoso na superfície serosa (Holtz, 1984; Elkins et al., 1987). Se a inflamação persistir e/ou a atividade fibrinolítica local for reduzida, há uma migração de fibroblastos com consequente produção de colágeno, resultando na deposição de tecido fibroso permanente e potencial aderência de segmentos adjacentes (Buckman et al., 1976). Estudos demonstram papel direto dos neutrófilos e macrófagos na modulação da fibrose e aderências no pós-operatório (Vural et al., 1999; Hu et al., 2021). Recentemente, Uyama e colaboradores (2019) demonstraram que a ablação de neutrófilos em camundongos reduziu a formação de aderência após sua indução experimental, confirmando assim o papel crucial dessas células no seu desenvolvimento. Vale ressaltar que além da inflamação causada pela lesão estrangulante inicial, a manipulação intestinal inerente a correção cirúrgica é considerada por alguns autores como o estímulo inflamatório mais importante para sua formação (Gorvy et

(28)

al., 2008). A inflamação de segmentos não manipulados em decorrência da injúria de reperfusão remota e irritação mecânica dos segmentos adjacentes pode explicar o desenvolvimento de aderências pós-operatórias distantes da lesão intestinal primária (Bauck et al., 2017).

Com tantas atuações nocivas, atenções foram direcionadas para a participação dos neutrófilos na fisiopatogenia de afecções inflamatórias. Devido ao papel central nos mecanismos de injúria tissular, inibir ou modular a função dos neutrófilos pode prover uma importante estratégia terapêutica. Para atenuar o dano causado pela inflamação na I/R, pesquisas focaram em prevenir a migração transendotelial e acelerar o reparo tissular. Estudos experimentais demonstraram que a depleção de neutrófilos circulantes e a inibição da sua infiltração tissular apresentaram efeitos protetores, como a redução da injúria durante a reperfusão e, uma vez instalada, permitem acelerar sua cicatrização (Hernandez et al., 1987; Wallace et al., 1990; Moore et al., 1995; Gayle et al., 2002). Assim, a intensidade da ativação e infiltração dos neutrófilos mostra- se como característica fundamental para a ocorrência da injúria de reperfusão intestinal (Freeman e Grosche, 2012). Conforme observado por Weiss e Evanson (2003), sua ativação foi positivamente correlacionada com a taxa de mortalidade em equinos com lesões estrangulantes.

Portanto, os neutrófilos são diretamente responsáveis por desencadear e amplificar danos locais que repercutem em distintas manifestações clínicas de acordo com a camada da parede intestinal envolvida (Hopster-Iversen et al., 2011).

(29)

3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Amostra populacional

Foram utilizados fragmentos de cólon menor arquivados e incluídos em parafina, provenientes de experimento prévio sobre (I/R) intestinal em equinos (Faleiros, 1997). As amostras foram obtidas de quatro machos castrados e quatro fêmeas não gestantes, sem raça definida, considerados clinicamente sadios e com médias de idade e peso em 10,7 anos e 287,6 kg, respectivamente. Visando adaptação ambiental e nutricional, os animais foram mantidos por pelo menos sete dias antes do início experimental no mesmo ambiente e em regime alimentar padronizado com água ad libitum, feno e ração comercial.

3.2 Delineamento dos grupos e coleta das amostras

Sob anestesia geral e constante controle da saturação de oxigênio e pressão arterial, realizou-se celiotomia pela linha mediana ventral com posterior exposição do cólon menor. Foram demarcados três segmentos de aproximadamente 25 cm, intervalados entre si por uma distância não inferior a de seus comprimentos. Dois deles foram submetidos à isquemia arteriovenosa completa durante 90 (90I) ou 180 min (180I) através da colocação de drenos de Penrose n°3 envolvendo toda a parede intestinal e drenos n°2 nos ramos da artéria e veia mesentéricas correspondentes, promovendo assim oclusão vascular e luminal total. Não foi induzida isquemia no terceiro segmento, atuando apenas como controle (Fig. 1). Para certificar a ausência de fluxo durante a isquemia, bem como seu retorno no início da reperfusão, utilizou- se exame com doppler vascular seguindo técnica descrita anteriormente por Freeman e colaboradores (1988).

Figura 1: Exposição do cólon menor de equino submetido a 90 min de isquemia. Observa-se a demarcação de dois segmentos submetidos à isquemia (90 ou 180 min) e um segmento correspondente ao grupo controle.

Fragmentos dos três segmentos foram obtidos para marcação imuno-histoquímica. Em um deles, foram colhidas amostras ao final do período isquêmico proposto de 90 min (grupo 90I) e após reperfusão por 90 (grupo 90I/90R) e 180 min (grupo 90I/180R). Com relação ao segundo segmento, fragmentos foram coletados aos 180 min de isquemia (180I) e decorridos 90 min de reperfusão (grupo 180I/90R). Por fim, foi retirada uma amostra para controle inicial

Referências

Documentos relacionados

Pedro Antonio dc Miranda, Religiofo da Ordem de noíla Senhora do Monte do Carmo da Proviiicia dc Portugal, para defpcdir-fc do dito Doutor, com quem no tempo

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

Ainda nos Estados Unidos, Robinson e colaboradores (2012) reportaram melhoras nas habilidades de locomoção e controle de objeto após um programa de intervenção baseado no clima de

Um teste utilizando observa¸c˜ oes de fra¸c˜ ao de massa do g´ as de aglomerados de ga- l´ axias e SNe Ia foi proposto por Gon¸calves, Holanda e Alcaniz (2012)[ 41 ]. Eles

The UV-B treatments did not show any important effect on glucose levels of tomatoes at any harvest stages; whereas, UVB8 treatment showed high glucose levels in tomatoes at the

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

O presente Caso tem por objetivo identificar os aspectos mais relevantes da ação da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte naquilo que se refere ao monitoramento da

No capítulo dois analiso as ações de formação docente promovidas pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED/BH), tendo como referência