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Renascer das cinzas: respostas das comunidades locais aos incêndios florestais de 2017 no Pinhal Interior

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Academic year: 2023

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RENASCER DAS CINZAS

RESPOSTAS DAS COMUNIDADES LOCAIS AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS DE 2017 NO PINHAL INTERIOR

DEZEMBRO 2022

Research Brief 2022

Filipa Soares

Ana Delicado

Luísa Schmidt

(2)

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

AS INICIATIVAS

TIPOLOGIA DAS INTERVENÇÕES REALIZADAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS OBJETIVOS DAS INICIATIVAS

FATORES DE SUCESSO

PRINCIPAIS OBSTÁCULOS E DESAFIOS

2

4

7

7

9

11

11

ICS-ULisboa:

Luísa Schmidt Ana Delicado Filipa Soares João Mourato Paulo Miguel Madeira

IGOT-ULisboa:

José Luís Zêzere Eusébio Reis Rafaello Bergonse Sandra Oliveira

EQUIPA DO PROJETO

ISA-ULisboa:

José Lima Santos (coord.) Francisco Moreira (co-coord.) Ana Novais

Maria João Canadas Miguel Leal Paulo Flores Ribeiro

PESSOAS E FOGO

Reduzir o Risco, Conviver com o Risco

O projeto de investigação ‘Pessoas e Fogo’ visa desen- volver e testar um quadro analítico de apoio à avaliação e evolução de políticas de gestão florestal e de desen- volvimento territorial que, centradas nas pessoas, pro- curam a redução do risco de incêndio rural-florestal no Pinhal Interior.

Até recentemente, tem sido dada prioridade ao comba- te direto aos incêndios ativos. A sua prevenção, através da gestão de combustível e de ordenamento florestal, e consequente diminuição da exposição e vulnerabilida- de das pessoas têm sido relegadas para segundo plano.

Não se tem conseguido, assim, reduzir as áreas ardidas nem os danos causados pelos incêndios, cujo aumento reflete, em larga medida, o declínio da gestão da flores- ta, a extrema fragmentação da propriedade e a contra- ção da área agrícola.

Face a este cenário, o projeto ‘Pessoas e Fogo’ pretende, entre outros objetivos, envolver os diversos atores lo- cais e o seu conhecimento local na conceção conjunta de políticas e estratégias para promover práticas de re- dução de risco.

Este projeto é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PCIF/AGT/0136/2017) e decorre entre 2019 e 2023 na Universidade de Lisboa, com a participação do Instituto Superior de Agronomia (ISA-ULisboa), Instituto de Ciências Sociais (ICS-ULisboa) e Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT-ULisboa).

INTRODUÇÃO

OS INCÊNDIOS DE 2017

O ano de 2017 constituiu um marco na história dos incêndios florestais em Portugal. Nesse ano, foi atingido um novo máxi- mo de área ardida, superior a 500 mil hectares – o que corres- ponde a seis vezes mais do que a média registada nos dez anos anteriores. Grande parte desta área resultou de dois in- cêndios devastadores “fora de época”, em junho e outubro, que afetaram o centro do país e, em particular, a região do Pinhal Interior. Para além do rastro de destruição e dos inú- meros prejuízos económicos, sociais e ambientais, houve 116 vítimas mortais (o maior número em termos de perdas hu- manas até à data) e centenas de feridos. Estão entre as maio- res catástrofes nacionais.

Estes acontecimentos expuseram, de forma trágica, a eleva- da vulnerabilidade e a falta de preparação e capacidade de resposta das populações nas áreas rurais cada vez mais des- povoadas. No seu rescaldo, o Governo iniciou um processo de revisão das políticas em vigor, com o intuito de reverter esta situação. Por seu turno, entre as comunidades afetadas a catástrofe desencadeou um conjunto de respostas e estraté- gias transformadoras de recuperação e redução do risco, nas quais se centra o presente Research Brief.

Cinco anos após os violentos fogos de 2017, Portugal en- frentou uma nova vaga de incêndios. Até meados de outubro de 2022, arderam mais de 110 mil hectares, diversas localida- des foram evacuadas e várias casas ficaram destruídas, ante- cipando-se prejuízos avultados, ainda em fase de identifi- cação. Perante este cenário, as estratégias aqui analisadas revestem-se de uma importância acrescida, podendo eventu- almente ser replicadas pelas comunidades agora afetadas.

METODOLOGIA

Este Research Brief analisa dez respostas comunitárias im- plementadas entre 2017 e 2021 por comunidades locais, associações locais e/ou autarquias locais, ao nível da paisa- gem, na região do Pinhal Interior.

A seleção destas iniciativas teve por base os dados obti- dos num inquérito telefónico realizado em julho de 2020 a todos os presidentes das 121 Juntas de Freguesia que inte- gram o território do Pinhal Interior, complementados com pesquisa documental.

Assente na análise de documentos e entrevistas com os responsáveis pelas iniciativas, realizadas em março e abril de 2021, pretendeu-se analisar motivações e ações levadas a cabo nos dez casos selecionados, os fatores que potencia- ram a sua implementação e/ou manutenção e os principais obstáculos com que se deparam.

Após uma breve descrição das iniciativas, apresen- tam-se os objetivos, tipos de intervenção, fatores de sucesso e obstáculos, bem como formas de os ultrapassar.

Figura 1:Paisagem afetada pelos incêndios de 2017. ©Feli García, viaFlickr(CC BY-SA 2.0)

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1 2

79 3 4

5 6 8

10

0 10 km

CONCELHOS E FREGUESIAS DO PINHAL INTERIOR

AS INICIATIVAS

LOCALIDADE:Casal de São Simão (Freguesia da Aguda, Concelho de Figueiró dos Vinhos)

ANO:2017

PROMOTOR:Refúgios de Pedra - Associação de Moradores INTERVENÇÕES:

Criação de uma ZPA (15 hectares) numa área de 100 metros em redor do aglomerado

- Mapeamento coletivo dos limites da ZPA

- Identificação e cadastro das parcelas de terreno na ZPA - Corte e arranque de eucaliptos

- Limpeza de matos

- Apoio à regeneração natural de árvores autóctones

Criação de três charcas

©Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos, viaFlickr (CC BY-SA 2.0)

1 Zona de Proteção da Aldeia (ZPA) de Casal de São Simão

©Associação de Moradores da Ferraria de São João (usado com permissão) LOCALIDADE:Ferraria de São João (Freguesia da Cumeeira, Concelho de Penela)

ANO:2017

PROMOTOR:Associação de Moradores da Ferraria de São João INTERVENÇÕES:

Criação de uma ZPA (18 hectares) numa área de 100 metros em redor do aglomerado

- Mapeamento coletivo dos limites da ZPA

- Identificação e cadastro das parcelas de terreno na ZPA - Corte e arranque de eucaliptos

- Limpeza de matos

- Plantação de árvores autóctones

Criação de um rebanho comunitário de cabras - Aquisição de cerca de 30 cabras

- Aquisição de uma cerca móvel - Projeto FarmReal (“pastores virtuais”)

2 Zona de Proteção da Aldeia (ZPA) de Ferraria de São João

LOCALIDADE:Cepos e Casal Novo (União de Freguesias Cepos e Teixeira, Concelho de Arganil)

ANO:2018

PROMOTORES:Conselho Diretivo dos Baldios de Cepos e Casal Novo e União de Freguesias de Cepos e Teixeira (entidade responsável pelos baldios)

INTERVENÇÕES:

Reflorestação de áreas ardidas nos baldios (400 hectares) com árvores autóctones

Criação de um rebanho comunitário de cabras - Aquisição de mais de 150 cabras - Construção de um capril - Instalação de pastagens e cercas

©SinalAberto (usado com permissão)

3 Baldios de Cepos e Casal Novo

LOCALIDADE:Monte Redondo (Freguesia de Folques, Concelho de Arganil)

ANO:2018-19

PROMOTORES:Comunidade Local do Baldio de Monte Redondo e Comissão de Melhoramentos de Monte Redondo INTERVENÇÕES:

Limpeza de caminhos em áreas ardidas

Reflorestação de áreas ardidas nos baldios (220 hectares) com árvores autóctones

©Comissão de Melhoramentos de Monte Redondo (usado com permissão)

4 Baldios de Monte Redondo

LOCALIDADE:Concelho de Proença-a-Nova ANO:2019

PROMOTOR:Câmara Municipal de Proença-a-Nova INTERVENÇÕES:

Realização do cadastro das propriedades

Preparação do solo para ser plantado (mobilização mecânica)

Disponibilização gratuita de árvores/ espécies agrícolas para posterior plantação

©Luis.S.Vaz, viaWikimedia Commons (CC BY-SA 4.0)

5 Apoio municipal à reconversão de áreas florestais em áreas agrícolas nas faixas de gestão de combustível em redor dos aglomerados populacionais

LOCALIDADE:Moradias (Freguesia de Pampilhosa da Serra, Concelho de Pampilhosa da Serra)

ANO:2019

PROMOTOR:Conhecer Caminhos – Associação de Amizade e Progresso da Aldeia de Moradias

INTERVENÇÕES:

Criação de um rebanho comunitário de cabras - Aquisição de mais de 60 cabras

- Reconstrução de um capril

- Construção de habitação para um pastor - Instalação de cercas

©Conhecer Caminhos (usado com permissão)

6 Aldeia das Cabras

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LOCALIDADE:Aigra Nova, Aigra Velha, Comareira e Pena (Freguesia de Góis, Concelho de Góis)

ANO:2020

PROMOTOR:Câmara Municipal de Góis INTERVENÇÕES:

Corte e arranque de eucaliptos e mimosas na envolvente das aldeias

Pincelagem dos cepos com produtos químicos de baixa intensidade

©Ivo Gomes, viaFlickr (CC BY-SA 2.0)

8 Beneficiação da Paisagem nas envolventes às Aldeias do Xisto

LOCALIDADE:Baldios do concelho de Arganil na Serra do Açor

ANO:2020

PROMOTORES:Câmara Municipal de Arganil, Grupo Jerónimo Martins e associações de proprietários dos terrenos baldios

INTERVENÇÕES:

Criação da Associação Floresta da Serra do Açor (gestão coletiva dos baldios)

Preparação do terreno e controlo de vegetação espontânea

Reflorestação de áreas ardidas nos baldios (2,500 hectares) com árvores autóctones

©Câmara Municipal de Arganil (usado com permissão)

9 Projeto “Floresta Serra do Açor”

LOCALIDADE:São Miguel de Poiares (Freguesia de São Miguel de Poiares, Concelho de Vila Nova de Poiares) ANO:2020

PROMOTOR:Junta de Freguesia de São Miguel de Poiares (entidade gestora dos baldios)

INTERVENÇÕES:

Criação de um rebanho comunitário de cabras - Aquisição de mais de 150 cabras

- Construção de um capril

©Junta de Freguesia de São Miguel de Poiares (usado com permissão)

10 Cabras sapadoras

OBJETIVOS DAS INICIATIVAS

Uma vez que todas as iniciativas tiveram na sua génese o sentimento de insegurança causado pelos incêndios de 2017, os principais objetivos prendem-se com amitigação do risco de incêndioe com aproteção de pessoas e bens. Não obstante, incluem objetivos mais alargados (vide caixa), ao incidirem sobre as causas mais profundas da problemática dos incêndios florestais: mudanças socioeconómicas desde os anos 1960 (ex.: êxodo rural, progressivo envelhecimento populacional, abandono sistemático dos territórios, perda de importância do sector primário) e a consequente falta de gestão e ordenamento florestal.

“Sensibilizados para os incêndios nós já estávamos; foi preciso sensibilizar as pessoas para fazerem alguma coisa e não ficarem eternamente à espera que voltasse a acon- tecer. (...) [O projeto] foi pensado numa situação de emer- gência. Nós tínhamos que fazer qualquer coisa para evi- tar outro 2017.”(entrevista #1)

“as pessoas têm que se consciencializar que é impossível haver meios de combate junto a cada casa e a cada aldeia (...) Num cenário de incêndio, como aqueles que nós vive- mos em 2017, (...) passa também por implementar medi- das de autoproteção, como estas [zonas de proteção] (...), por parte das próprias populações.”(entrevista #6)

- Mitigação do risco de incêndio - Proteção de pessoas e bens

- Revitalização socioeconómica e cultural da região - Valorização ambiental

- Restauro ecológico e fomento da biodiversidade - Melhoria da fertilidade do solo

(ex.: controlo da erosão, retenção de água) PRINCIPAIS OBJETIVOS DAS INICIATIVAS:

TIPOLOGIA DAS INTERVENÇÕES REALIZADAS

1. CRIAÇÃO DE PERÍMETROS DE SEGURANÇA EM REDOR DOS AGLOMERADOS

Metade das iniciativas preconizam aalteração dos usos do solo ou do coberto vegetalnuma faixa de 100 metros em re- dor das aldeias, confinante com áreas florestais. Embora a gestão de combustíveis nestas faixas seja, desde 2006, obri- gatória por lei, até 2017 era praticamente inexistente na re- gião, e ainda o é nalguns casos, devido, entre outros fatores, aos custos elevados, à fraca rentabilidade da floresta, à frag- mentação das propriedades e à ausência de cadastro.

As intervenções levadas a cabo neste âmbito pretendem não só proteger as aldeias, criando uma barreira à progres- são dos incêndios, mas também conferir algum retorno eco- nómico aos proprietários e, assim, criar as condições para o cumprimento desta lei. Por exemplo, agestão conjuntadas parcelas de terreno privado inseridas na faixa permite que os custos e responsabilidades sejam repartidos pelos propri- etários e que a rentabilidade aumente, tornando uma obri- gação legal em oportunidade.

Alguns exemplos de intervenções:

Zonas de Proteção da Aldeia (ZPA):Nas aldeias de Ferraria de São João e Casal de São Simão, as respetivas associações de moradores promoveram a criação de ZPA, ou seja, faixas de pelo menos 100 metros em redor das aldeias, onde os eu- caliptos foram substituídos por árvores autóctones, mais re- sistentes ao fogo (ex.: sobreiro, carvalho, castanheiro, me- dronheiro). A sua execução passou pelas seguintes fases:

- Estabelecimento conjunto dos limites;

- Identificação e cadastro das parcelas;

- Corte e arranque de eucaliptos;

- Limpeza de matos;

- Plantação ou apoio à regeneração de árvores autóctones.

Controlo de espécies exóticas/invasoras:No projeto Bene- ficiação da Paisagem nas envolventes às Aldeias do Xisto, promovido pelo Município de Góis, procedeu-se ao controlo do eucalipto e de mimosas em torno dos aglomerados. Am- bas as espécies são altamente inflamáveis e regeneram rapi- damente após os incêndios, aumentando o risco, ao mesmo tempo que inviabilizam o desenvolvimento de espécies au- tóctones.

LOCALIDADE:Ádela (União de Freguesias Cadafaz e Colmeal, Concelho de Góis)

ANO:2020

PROMOTOR:Câmara Municipal de Góis INTERVENÇÕES:

Reconversão de áreas florestais em áreas agrícolas numa área de 100 metros em redor do aglomerado

- Remoção de eucaliptos, mimosas e pinheiros - Reinstalação de olival e souto

Recuperação da galeria ripícola - Limpeza da ribeira

- Plantação de espécies ripícolas autóctones

Reforço da rede de pontos de água (DFCI) - Recuperação de um reservatório de DFCI - Construção de uma conduta subterrânea - Instalação de um marco de incêndios

©Comissão de Melhoramentos de Ádela (usado com permissão)

7 Condomínio de Aldeia – Ádela

(5)

Figura 3:Medronhos. ©Antonio da Silva Martins, viaFlickr(CC BYSA 2.0)

2. REFLORESTAÇÃO DE ÁREAS ARDIDAS EM TERRENOS BALDIOS

O segundo tipo de intervenção passou pela recuperação de áreas ardidas em baldios, através deações de (re)arboriza- ção com árvores de espécies autóctones(ex.: carvalhos, cas- tanheiros, medronheiros, sobreiros).

A plantação destas árvores permite, por um lado, criar barreiras à progressão do fogo e proteger as aldeias, estando alguns baldios localizados em zonas estratégicas para tal.

Por outro lado, revitaliza as economias locais, potenciando, por exemplo, o uso sustentável de recursos florestais não le- nhosos, como é o caso do medronho, utilizado para a produ- ção de aguardente.

Este tipo de intervenção incluiu umareconfiguração de práticas de gestão florestal e de governança. A título de

Apoio municipal à reconversão de áreas florestais em agrícolas:Desde 2019, o Município de Proença-a-Nova atri- bui um apoio à reconversão de áreas florestais localizada numa faixa de 100 metros em torno dos aglomerados popu- lacionais em área agrícola gerida, mediante o consentimen- to de todos os proprietários. Este apoio inclui:

- Realização do cadastro das propriedades;

- Preparação do solo;

- Oferta de árvores ou espécies agrícolas a ser plantadas.

Os proprietários, por seu turno, comprometem-se a manter e cuidar destas áreas durante cinco anos. Para aumentar a rentabilidade, a plantação de árvores (sobretudo frutícolas) pode ser complementada com outras atividades, como a api- cultura e pastorícia, incentivando-se também a agricultura biológica.

exemplo, o projeto Floresta Serra do Açor, com um horizonte temporal de 40 anos, preconiza a reflorestação de todos os baldios do município de Arganil localizados na Serra do Açor, numa área de cerca de 2.500 hectares. Esta extensão, num contexto fortemente marcado pelo minifúndio, permi- te uma intervenção e transformação ao nível da paisagem.

Ao nível da governança, o projeto junta entidades públicas e privadas, empresas e a comunidade académica, tendo tam- bém sido criada uma associação sem fins lucrativos especi- ficamente para este projeto (Associação Floresta da Serra do Açor), que inclui todas as associações de proprietários dos baldios.

3. REBANHOS COMUNITÁRIOS DE CABRAS

Este terceiro tipo de intervenção também pressupõe a recon- figuração de práticas de gestão florestal, neste caso através do recurso àpastorícia extensiva para gestão de combustí- veis.

Nos quatro estudos de caso em que ocorreu, esta in- tervenção passou pela aquisição de efetivos caprinos, pela (re)construção de currais de cabras e/ou pela instalação de pastagens e cercas. Os rebanhos pastam sobretudo em terre- nos baldios, localizados em áreas de elevada altitude, de di- fíceis acessos e/ou sem aptidão florestal, embora também possam ser usados em propriedades privadas, a pedido ou mediante a autorização dos proprietários.

O recurso a rebanhos comunitários tem uma componente económica importante: é uma intervenção barata e mais rentável do que, por exemplo, o corte regular da vegetação através de meios mecânicos, para além de dinamizar a eco- nomia local. As iniciativas incluem, por exemplo, acriação de empregopara pastores, avenda de cabritos,leite,queijo

Figura 4:Cabras do rebanho comunitário de Cepos e Casal Novo.

©SinalAberto (usado com permissão)

artesanal e/ou estrume, oapadrinhamentode cabras (in- cluindo o recurso a novas tecnologias que permitem ser-se

“pastor virtual” de animais reais, como o projeto FarmReal em Ferraria de São João) e até workshops gastronómicos (ex.: queijo de cabra artesanal), como atração turística.

Sendo a pastorícia uma prática tradicional e identifica- dora de toda a região, o recurso à mesma tem uma dimensão cultural adicional: a revitalização de tradições comunitárias, a partilha de saberes e recursos comuns e o fortalecimento da identidade coletiva, interligando o passado, presente e futuro.

4. INFRAESTRUTURAS E RECURSOS HÍDRICOS Este último tipo de intervenção, que ocorreu em dois casos, diz respeito ao uso e proteção de recursos hídricos, através da(re)criação de infraestruturas hídricas(para combate e prevenção) erecuperação de linhas de água(pós-incêndio).

Uma das intervenções promovidas pelo Município de Góis consistiu narecuperação de um reservatóriona Serra do Açor para abastecimento de meios aéreos ou terrestres em situação de combate. Este reservatório é alimentado por águas pluviais e uma nascente. Por forma a conectar o reser- vatório à aldeia de Ádela, à entrada da qual foi instalado um marco de incêndios, foi construída uma conduta subterrâ- nea que assegura o transporte e distribuição de água por queda gravítica, não dependente de energia elétrica.

Para além do apoio ao combate, as infraestruturas hí- dricas visam também a prevenção. Na aldeia de Casal de São Simão, por exemplo, foram criadaszonas húmidas, com o intuito de aumentar a humidade ambiente, reduzindo assim o risco de incêndios florestais, e de fomentar a biodiversida- de, através da construção de três charcas. Duas charcas fo- ram impermeabilizadas, sendo alimentadas por águas pluvi- ais, canalizadas a partir de linhas de água, telhados e ruas, contribuindo, assim, para a retenção de água. A terceira charca é abastecida por uma nascente, mantendo o solo hú- mido e diminuindo a combustibilidade.

Uma outra intervenção prende-se com orestauro de linhas de água e galerias ripícolas em áreas ardidas. Em Ádela, procedeu-se à remoção de sedimentos e detritos da ribeira e foram plantadas espécies autóctones características da re- gião (ex.: amieiros, freixos, salgueiros). Para além de garan- tir o escoamento nas linhas de água, esta intervenção contribui para promover a biodiversidade e para reduzir a erosão e evaporação, aumentando, assim, a resiliência a in- cêndios florestais.

FATORES DE SUCESSO

Estruturas organizacionais e liderança

Metade das iniciativas foram implementadas porassocia- ções locais. Apesar de alguns projetos terem surgido no decurso de conversas e reuniões informais, os residentes e proprietários florestais deliberaram nas associações a sua prossecução, tirando partido da respetivaestrutura organi- zacionale dacapacidade de liderança,conhecimentos e ca- pacidadesdos seus membros, muitos dos quais sãonovos residentes que imprimiram dinamismo nas aldeias quase desertas. Estas associações contaram com o apoio e cola- boração de diversas entidades municipais ou regionais (ex.: associações florestais, autarquias locais) e instituições académicas.

Por seu turno, asCâmaras MunicipaiseJuntas de Fre- guesiaforam as entidades promotoras de quatro iniciativas, para além da participação nas iniciativas promovidas pelas associações – desde a mera presença em reuniões até apoio técnico ou financeiro significativo. O envolvimento direto das autarquias foi possível graças aoapoio político e empe- nho pessoaldos presidentes. No caso das iniciativas em pro- priedades privadas, não obstante terem sido promovidas por autarquias, implicaram a adesão e colaboração das comuni- dades locais, nomeadamente dos proprietários florestais.

Envolvimento das populações

Muitas das iniciativas recorreram aprocessos participativos de discussão, nomeadamente reuniões comunitárias, desde o início. Este envolvimento contínuo das populações locais no processo de tomada de decisão explica, em parte, o su- cesso destas iniciativas.

No caso das iniciativas promovidas pelas autarquias lo- cais, este envolvimento passou pela realização deações de sensibilizaçãoe pelo recurso a associações locais, mais pró- ximas dos residentes, enquanto intermediárias.

Figura 2:Regeneração de eucaliptos pós-incêndio. ©Patrice78500, viaWikimedia Commons

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“Há muitos problemas que surgem em reuniões com a po- pulação e também há muitas soluções que surgem nessas reuniões, não é? E eu acho que o fator do nosso sucesso aqui foram as reuniões, foi todos os meses, ou até de 15 em 15 dias, termos reunido com as pessoas, com os pro- prietários ou representantes dos proprietários. (...) tem que haver proximidade com as pessoas, perceber o que estão a sentir”(entrevista #5)

Voluntariado

Beneficiando da enorme onda nacional de solidariedade ge- rada pelos incêndios de 2017, as iniciativas promovidas pe- las associações locais contaram com o apoio de inúmeros voluntários, oriundos das aldeias, cidades próximas ou dis- tantes. As ações de voluntariado foram promovidas direta- mente pelas associações, ou por iniciativa de empresas e en- tidades externas que se propuseram a ajudar.

Para além de ações pontuais de voluntariado, muitas iniciativas dependem de trabalho voluntário, principalmen- te de residentes locais.

“nós tivemos ações de voluntariado com cento e tal, 200 pessoas que vinham de todo o lado (...) Na altura, as pes- soas estavam muito disponíveis, muito solidárias com o que aconteceu neste território (...), o que foi ótimo.”

(entrevista #5)

Financiamento externo

A implementação das iniciativas foi possível, em grande me- dida, graças a apoios financeiros de entidades públicas e privadas, que cobriram a quase totalidade dos custos.

O financiamento externo proveio defundos específicos criados por entidades privadasna sequência dos incêndios (“Fundo Recomeçar”, da Santa Casa da Misericórdia de Lis- boa, e “Fundo de Apoio às Populações e à Revitalização das Áreas Afetadas pelos Incêndios”, gerido pela Fundação Ca- louste Gulbenkian), doinvestimento de empresas(Grupo Je- rónimo Martins) ou ainda deprogramas governamentais criados em resposta à catástrofe:

- “Linha de Apoio à Valorização Turística do Interior–mo- delo excecional de apoio aos concelhos afetados pelos in- cêndios de 2017” (Programa Valorizar), criado em 2017 e disponibilizado pelo Turismo de Portugal, I.P.;

- “Apoio à Realização de Gestão de Combustível com Re- curso a Pastorícia”, criado em 2018 e financiado pelo Fun- do Florestal Permanente;

- “Condomínio de Aldeia–Programa de apoio às aldeias lo- calizadas em territórios de floresta”, criado em 2020 e fi- nanciado pelo Fundo Ambiental.

PRINCIPAIS OBSTÁCULOS PROPOSTAS APRESENTADAS PELOS ENTREVISTADOS

REDUZIDA VIABILIDADE ECONÓMICA E FINANCEIRA

DAS INICIATIVAS

Aumento das áreas ocupadas por medronheiros, que se tornarão rentáveis a médio prazo;

Receitas provenientes da produção e exploração de caprinos, doações privadas (alimento e dinheiro), apadrinhamentos de animais e “pastores virtuais”;

Investimento em energias renováveis, nomeadamente fotovoltaica e eólica, para cobrir os custos de manutenção;

Candidatura a novos programas governamentais (ex.: Condomínio da Aldeia);

Ações de voluntariado.

OPOSIÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS

Reuniões comunitárias e processos participativos;

Ações de sensibilização;

Envolvimento contínuo das comunidades locais.

FALTA DE MODELOS DE GESTÃO COLETIVA (áreas em redor dos aglomerados populacionais)

Implementação de um mecanismo externo (ex.: legislação ou programa nacional, como o Condomínio de Aldeia), que introduza novas formas e metodologias de gestão,

independentemente de interesses particulares;

Envolvimento de entidades públicas, como as Câmaras Municipais, enquanto facilitadoras.

PRINCIPAIS OBSTÁCULOS E DESAFIOS

Falta de financiamento estável ou de receitas contínuas;

Oposição dos proprietários, no caso das iniciativas em re- dor das aldeias. Sendo as parcelas de terreno maioritaria- mente privadas e de reduzida dimensão, é necessário o con- sentimento de vários proprietários, o que não é fácil de obter, sobretudo nos casos que requerem a remoção de eu- caliptos (o eucalipto é, atualmente, o recurso florestal mais rentável, conferindo um rendimento adicional aos proprie- tários, muitos dos quais ausentes);

Inexistência de modelos de gestão coletivapara as áreas em redor dos aglomerados.

Por forma a ultrapassar estes desafios, surgiram e/ou estão previstosmodelos de gestão inovadores (ex.: gestão coletiva, parcerias),mercados novos ou revitalizados(ex.:

produtos florestais não lenhosos, produtos pastoris, eco- turismo),novas tecnologias(ex.: energias renováveis, “pas- tores virtuais”), bem como o envolvimento contínuo das comunidades locaisou acombinação de abordagenstop- downebottom-up, facilitadas por instrumentos políticos e autarquias locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Num contexto de agravamento dos impactos das alterações climáticas e de fortes mudanças socioeconómicas, torna-se premente encontrar formas de reduzir e conviver com o ris- co de incêndio. Tal é particularmente desafiante em áreas rurais despovoadas, desvitalizadas e vulneráveis, como o Pi- nhal Interior.

As iniciativas analisadas neste Research Brief apresen- tam soluções inovadoras e transformadoras, que vão de en- contro às necessidades e preocupações das comunidades lo- cais. Uma vez que incidem sobre as causas estruturais dos incêndios, estas soluções são de cariz social, económico e ecológico, estando ancoradas na transformação da paisa- gem a longo prazo. Dependem, contudo, de um conjunto de fatores: capacidade de liderança, parcerias e colaborações, ideias inovadoras, processos participativos, voluntariado ou recursos financeiros.

Por outro lado, as iniciativas deparam-se com desafios que põem em causa a sua sustentabilidade e que importa contornar: falta de recursos financeiros duradouros e es- táveis, falta de regulamentação e mecanismos de apoio,

fragmentação das propriedades e proprietários ausentes, ou ainda dificuldades em encontrar soluções consensuais.

Ultrapassar estes obstáculos requer sobretudo o envol- vimento das comunidades locais e autarquias, fontes de fi- nanciamento a longo prazo e/ou o desenvolvimento de ativi- dades económicas rentáveis a médio/longo prazo (ex.: pro- dutos florestais não lenhosos, energias renováveis, turismo, pagamento dos serviços dos ecossistemas – atualmente a ser testado), efetivação do cadastro, a par de uma intervenção estatal mais forte. Neste âmbito, o Plano de Recuperação e Resiliência (2022-2026), que inclui uma componente focada na gestão florestal e prevenção de incêndios (C8), pode de- sempenhar um papel particularmente importante.

REFORMAS

Transformação da Paisagem dos Territórios de Floresta Vulneráveis

Reorganização do sistema de cadastro da propriedade rústica e do Sistema de Monitorização de Ocupação do Solo

Prevenção e combate de fogos rurais

INVESTIMENTOS

Transformação da Paisagem dos Territórios de Floresta Vulneráveis

Cadastro da Propriedade Rústica e Sistema de Monitorização da Ocupação do Solo

Faixas de Gestão de Combustível - Rede Primária

Meios de prevenção e combate a incêndios rurais

Programa MAIS Floresta

270 M€

86 M€

120 M€

89 M€

50 M€

C8

FLORESTAS 615 M€

DESENVOLVER UMA RESPOSTA ESTRUTURAL NA PREVENÇÃO E COMBATE DE INCÊNDIOS RURAIS COM IMPACTO AO NÍVEL DA RESILIÊNCIA, SUSTENTABILIDADE E COESÃO TERRITORIAL

Figura 5:Descrição da componente 8 do Plano de Recuperação e Resiliência português.

Fonte:PRR/Ministério do Planeamento

(7)

Logos

Mais informação em:

pessoasefogo.wordpress.com

Grafismo:FilipeGomes

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto PCIF/AGT/0136/2017

ISBN: 978-972-671-730-0

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