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Viseu uma perspetiva da morte na Idade Média: A Necrópole de S Miguel de Fetal

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Academic year: 2023

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Dissertação de Mestrado em Arqueologia

Viseu, uma perspetiva da morte na Idade Média:

A Necrópole de S. Miguel de Fetal

Natacha Mendes Rodrigues Aluno nº 51442

Orientadora: Prof. Catarina Tente

Coorientadora: Doutora Francisca Alves Cardoso

Junho, 2022

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1 Dissertação apresentada para o cumprimento dos requisitos necessários para a obtenção do grau de mestre em Arqueologia, realizada sob orientação científica da

Prof. Doutora Catarina Tente e da Prof. Doutora Francisca Alves-Cardoso.

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Agradecimentos

Não há melhor forma de começar este pequeno reconhecimento senão a agradecer aos meus amigos. Amigos esses que me acompanharam durante meses a fio, na FCSH, ora na cantina ora na sala de informática, sempre com palavras de motivação tanto para continuar o trabalho, apesar dos altos e baixos, como para fazer pausas que seriam de dez minutos e acabavam a ser de meia hora, e todas elas começavam com a célebre frase:

“Alguém quer ir beber café?”. A eles só tenho a agradecer por não me deixarem desistir mesmo quando se tornava complicado conciliar o trabalho e a faculdade, mesmo quando o cansaço levava a melhor. E a eles desejo o melhor e que daqui a 30 anos continuemos a fazer almoços que se transformem em jantares, e jantares que se tornem em fins-de- semana.

Um grande ‘Obrigada’ aos meus pais, que sempre me apoiaram a estudar e a fazer o que realmente me deixava feliz. E que também eles sempre me dirigiram palavras de motivação que me mantiveram atenta e focada, no que poderiam ser as grandes oportunidades que nos vão surgindo ao longo da vida, ensinando-me que por vezes nada é um erro, mas uma experiência.

A todos vocês, Obrigada.

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3 Viseu, uma perspetiva da morte na Idade Média:

A Necrópole de S. Miguel de Fetal

Natacha Mendes Rodrigues

Resumo

O sítio arqueológico da Necrópole Medieval de S. Miguel de Fetal encontra-se localizado na cidade de Viseu e está associado à igreja designada com o mesmo nome.

Trata-se de uma necrópole associada à igreja anterior à construção do século XVIII que ali se levanta atualmente. O local foi alvo de escavações arqueológicas entre 2013 e 2014 que visavam reconhecer as estruturas anteriores à atual igreja, já que o local se encontrava associado a uma igreja que poderia remontar ao século X.

A intervenção arqueológica possibilitou a identificação dos restos de uma igreja, a que estaria associada a necrópole alvo deste estudo. A sequência ocupacional daquele espaço veio revelar que a área estava ocupada, pelo menos, desde finais do período romano. A igreja alto-medieval terá integrado restos de um edifício anterior, provavelmente um mausoléu ou mesmo um espaço religioso anterior, já que foi ali identificada uma sepultura (sepultura 10), e esteve em uso até à época tardo- medieval/moderna. As campanhas arqueológicas realizadas permitiram a recuperação de cerca de 26 indivíduos, com idades superiores aos 12 anos. Os vestígios biológicos apresentaram-se dispersos e sem conexão anatómica, o que comprova o profundo revolvimento de solos, motivado pelas diversas intervenções naquele espaço. Entre estas, os trabalhos de obra levados a cabo no século XVIII para a construção da atual igreja, forma os mais lesivos para os vestígios das fases anteriores. Neste contexto o espólio osteológico e funerário respeitante à necrópole encontra-se na sua larga maioria fora de contexto primário. Ainda assim foi possível recuperar diversos restos humanos e uma variabilidade de objetos correlacionados com o espólio funerário que estaria associado aos enterramentos.

Palavras-Chave:

Arqueologia Medieval, Arqueologia funerária, Bioantropologia Necrópoles Medievais, Cemitérios

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4 Viseu, a perspective on death in Middle Age:

The Necropolis of S. Miguel de Fetal

Natacha Mendes Rodrigues

Abstract

The archaeological site of the Medieval Necropolis of S. Miguel de Fetal is located in the city of Viseu and is associated with the church of the same name. It is a necropolis associated with the church prior to the 18th century construction that currently stands there. The site had archaeological excavations between 2013 and 2014, that aimed to recognise the structures prior to the current church, as the site was associated with a church that could date back to the 10th century.

The archaeological intervention made it possible to identify the remains of a church, which would be associated to the necropolis targeted by this study. The occupational sequence of that space revealed that the area was occupied at least since the end of the Roman period. The remains of an earlier building, probably a mausoleum or even an earlier religious space, have been integrated in the Early Medieval church. The archaeological campaigns carried out allowed for the recovery of around 26 individuals, with an estimated age of 12 years old and above. The biological remains were scattered and without anatomical connection, which proves that the soil was deeply disturbed.

Among these, the works carried out in the 18th century for the construction of the present church, are the most damaging of the previous contexts. In this context, the osteological and funerary remains from the necropolis are mostly out of their primary context. Even so, it was possible to recover several human remains and a variety of funerary objects that would have been associated with the burials.

Key Words:

Medieval archaeology, Funerary archaeology, Bioanthropology, Medieval Necropolises, Graveyards.

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Índice

Resumo ... 3

Abstract ... 4

Introdução………6

Capitulo I - Integração Regional………..9

Capítulo II - Metodologia……….15

2.1Remanescentes biológicos humanos: Elementos ósseos ... 17

2.2 Remanescentes biológicos humanos: Elementos dentários ... 19

2.3 Espólio Funerário ... 21

Capítulo III - Viseu e o sítio de S. Miguel de Fetal……….22

3.1 Estado da Arte………23

3.2 Descrição dos trabalhos arqueológicos de 2013 e 2014………25

Capítulo IV - Descrição, análise de dados e interpretação………..32

4.1 Análise bioantropológica ... 33

4.2 Análise dos dentes ... 37

4.3 Análise do espólio funerário ... 42

4.3.1 Numismas ... 42

4.3.2 Pregos de ferro ... 43

4.3.3 Alfinete de Sudário ... ………44

4.3.4 Objetos de Adorno ... 44

4.3.5 Figuras Religiosas ... 53

4.4 Interpretação dos dados ... 58

Conclusões ………..62

Bibliografia ... 65 Anexos ... V

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Introdução

A presente dissertação intitulada “Viseu, uma perspetiva da morte na Idade Média: A Necrópole de S. Miguel de Fetal” tem como objetivo o estudo do contexto funerário associado à antiga igreja e que se deve integrar entre o período tardo- medieval/moderno.

O sítio arqueológico alvo desta dissertação de mestrado desde cedo levantou diversas dificuldades para a persecução do seu estudo que se relaciona sobretudo com a integridade do contexto funerário que ali foi identificado. As várias obras que se realizaram e sobretudo a construção no século XVIII da igreja atual levou a perturbações muito relevantes dos contextos arqueológicos anteriores. A maioria do espólio osteológico e funerário estava fora de contexto primário.

O sítio arqueológico da Necrópole Medieval de S. Miguel de Fetal encontra-se localizado em Viseu e está associado à igreja designada com o mesmo nome. O local foi sujeito a duas campanhas de escavação entre 2013 e 2014, que se realizaram no âmbito do Projeto PNTA/2011 - Viseu do Império ao Reino. A cidade e o território entre os séculos IV a XII. As escavações permitiram a identificação das fundações da igreja alto medieval, algumas alterações que a mesma sofreu até ao seu total abandono no século XVIII, momento em que foi substituída pela atual igreja de S. Miguel.

A igreja de S. Miguel localiza-se, durante a época medieval, fora do perímetro da cidade, junto a uma das antigas portas da muralha tardorromana e próximo ou coincidente com uma necrópole romana e tardorromana. Hoje em dia, já se encontra em pleno tecido urbano. A igreja atual tem pouco serviço religioso, celebrando-se escassas celebrações, nomeadamente a que comemora o santo padroeiro. A igreja de S. Miguel foi reedificada durante o século XVIII, após ter sido reconhecido que a igreja anterior estava em ruínas e era mais vantajoso erguer um novo edifício. O esforço financeiro que lhe foi dedicado no século XVIII revela a importância religiosa dada a este espaço pelo cabido da Sé de Viseu.

Este estudo focou-se, assim, nos restos humanos exumados que resultam da população que foi enterrada na necrópole. Pretendeu-se conhecer o contexto religioso em que estas inumações se inseriram. O facto de terem sido recuperadas de um contexto muito revolvido, de difícil interpretação, não permitiu tirar muitas conclusões. No entanto

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7 foi possível determinar o Número Mínimo de Indivíduos (NMI), o perfil demográfico da amostra e retirar algumas informações sobre os objetos encontrados que estariam associados aos enterramentos.

Apresentação e organização do conteúdo

Esta dissertação assenta em capítulos chave: Introdução; Metodologia;

Contextualização dos trabalhos arqueológicos; Análise e Interpretação de dados e, por fim, o da Conclusão. Desta forma o leitor consegue ter uma perspetiva geral dos pontos essenciais que são tratados ao longo deste estudo.

No capítulo da introdução é dado a conhecer o tema do trabalho, os objetivos que são pretendidos alcançar com a análise dos diferentes espectros que a dissertação engloba e um panorama genérico do que já foi investigado, anteriormente, relativamente ao estudo da necrópole de S. Miguel de Fetal. Estas informações proporcionam uma ideia geral do que se conhece sobre o tema e o que se pretende fazer a partir desses dados.

O capítulo da metodologia é tripartido em três subtemas ou subcapítulos essenciais. Como a análise dos diferentes tipos de material recuperado nas escavações vão ser considerados, a metodologia está dividida entre: remanescentes biológicos humanos, que incluem elementos ósseos e dentes e espólio material funerário. É nesta fase que são definidos os métodos a utilizar na análise dos dados consoante todas estas ambiguidades.

Com os métodos definidos passamos para a análise e interpretação dos dados onde são apresentados e analisados os dados em bruto, recolhidos durante os trabalhos em contexto de laboratório, que pretendem centrar-se em questões específicas que nos ajudem na formulação de hipóteses ou deduções, de modo, a responder aos objetivos da dissertação.

No capítulo das conclusões apresentamos breves reflexões relacionadas, principalmente. com os resultados do capítulo anterior, uma suma de todo o trabalho realizado. É, igualmente, de grande importância estabelecer algumas ideias referentes ao futuro do sítio e espólio, resultante das intervenções, priorizando uma aproximação multidisciplinar. Só assim, será possível otimizar o conhecimento sobre este arqueossítio e o seu relevante papel na cidade medieval de Viseu.

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Objetivos

A presente dissertação de mestrado tem como foco principal o estudo das dinâmicas do espaço funerário e dos seus diferentes momentos de ocupação.

De modo a alcançar o objetivo primário é fundamental desenvolver objetivos secundários/específicos, tal como a realização da análise das distintas componentes da necrópole. Para tal, foi necessário prosseguir com:

1) O estudo das tipologias das sepulturas e a sua relação espacial com as estruturas religiosas ali identificadas;

2) Identificação dos remanescentes biológicos humanos recuperados e a sua relação com o espaço e estruturas funerárias;

3) O estudo do espólio funerário que foi identificado, nomeadamente moedas e artefactos de uso individual.

Neste sentido, estes dados irão permitir a compreensão das dinâmicas presentes neste espaço funerário e a relação entre a cultura material encontrada e os remanescentes biológicos humanos, localizando as suas dispersões espaciais, considerando o contexto em que foram recuperadas, nomeadamente o facto do solo ter sofrido remeximentos aquando da sua descoberta no século XVIII, durante a realização de obras que tinham como objetivo a recuperação da antiga igreja alto-medieval (TENTE, 2018, p. 88).

Este último fator é um dos grandes limites que a dissertação enfrenta, o espólio osteológico e material que se recuperou das intervenções arqueológicas encontrou-se profundamente descontextualizado, assim como o solo revolvido. E estes obstáculos influenciaram a análise dos dados obtidos relativamente à relação entre a cultura material, os vestígios ósseos e o espaço.

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Capítulo I - Integração regional

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10 Geograficamente (figuras 1 e 2), a cidade de Viseu enquadra-se na região da Beira Alta caracterizando-se por ser uma área planáltica rodeada por montanhas e atravessada pelos rios Vouga, Paiva, Mondego e respetivos afluentes. A região da Beira Alta está delimitada a Sudeste pela cordilheira central, a Sudoeste pela crista do Buçaco, a Nordeste pelo planalto da Serra da Nave e, por fim, a Noroeste pelas montanhas que se encontram separadas pelos rios Vouga e Paiva, nomeadamente as serras do Montemuro, o Caramulo e pelas serranias do Maciço da Gralheira (PEREIRA, 2015, p. 37).

Viseu é reconhecida como uma das cidades episcopais portuguesas mais antigas, conhecendo-se menções documentais desde o século VI, sendo que a sua primeira menção escrita data de 569 (TENTE, 2016, p. 25). Viseu terá tido, em época medieval, um grande dinamismo cultural, económico e social, fatores estes potencializados pela sua privilegiada localização geográfica e pelo seu estatuto de centro eclesiástico, comercial e político (SARAIVA, 2012).

Viseu ou Vissaium, foi capital de civitas romana, tendo sido fundada na época de Augusto ocupando a área territorial do morro onde, outrora, estaria instalado um povoado da Idade do Ferro. Esta civitas controlaria uma extensa porção de território, dominando a Sul a área do Mondego; a Norte até às serras de Arada e Leomil; a Oriente até à serra da Lapa e aos contrafortes da bacia de Celorico da Beira e, a Ocidente, até à serra do Caramulo. A sua importância, em época romana, deve-se principalmente à sua excelente posição estratégica e ao facto desta cidade ser um ponto crucial de encontro de vias terrestes de circulação que ligavam várias cidades do Norte e várias civitas em seu redor.

Mesmo após a queda do Império Romano, e já em época Sueva, a cidade de Viseu continuou a ser bastante importante, passando a sede de bispado de Veseo. No Baixo Império, a zona do Loteamento do Quintal, localizado em S. Miguel, estaria situado fora da linha da muralha romana. Esta estender-se-ia desde a área onde se situava o povoado proto-histórico, seguindo por trás da Casa do Adro e passando pelo Largo Mouzinho de Albuquerque, de seguida pela rua João Mendes, próxima da igreja de S. Miguel de Fetal, pela rua Direita, pela rua Chão do Mestre e, por fim, fechando na Casa do Adro. Já no Alto Império, as zonas de S. Miguel de Fetal, Cerrado, Avenida Emídio Navarro, Travesso da Misericórdia/Rua Silva Gaio, seriam áreas junto às portas da cidade onde se localizar-se-iam espaços funerário e onde se agrupar-se-iam polos de atração para o surgimento de edifícios religiosos e dos primeiros enterramentos cristãos (CARVALHO;

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11 CARVALHO; PERPÉTUO, 2020, p. 102-117; SANTOS; FIGUEIRA; CRAVO, 2018, p. 74; TENTE, 2016, p. 109).

Como referido, o sítio do Loteamento do Quintal, é uma das zonas mais antigas de Viseu e estaria, em época romana, situado fora do perímetro urbano junto à porta oriental da muralha da cidade. Esta seria a área cemiterial mais reconhecida em redor da igreja de S. Miguel no período medieval tendo sido alvo de trabalhos arqueológicos entre 2005 e 2006. Aqui foi colocado a descoberto espólio que demonstra que as rotas comerciais romanas que passariam e abasteceriam a cidade se encontraram ativas até ao século IV.

Porém, após a queda do Império Romano, as mesmas, foram abandonadas possivelmente devido ao novo panorama sociopolítico (MEIRA, 2019, p. 421-435; MEIRA, 2021).

Após o declínio do Império Romano e nas fases da monarquia suevo e visigoda a situação de Viseu era muito peculiar, porque apesar de ter sido uma capital diocesana com um território relativamente abrangente, controlaria áreas muito restritas (TENTE et al., 2018, p. 183). Por outro lado, encontrava-se muito distante dos principais centros de poder como Braga e Mérida. Após o século IX, quando a monarquia asturiana inicia a sua expansão territorial e a consolidação do reino, Viseu, pelo que se depreende das Crónicas de Afonso III, é integrada por iniciativa régia, mas continuava a desempenhar um papel marginal na estrutura política da monarquia, exceto durante o período em que esteve sob a influência do rei Ramiro, entre 926 e 930, quando ele próprio residia na cidade (MARTÍN VISO, 2018, p. 53-56).

O período da conquista cristã representou um momento de visível protagonismo da cidade de Viseu, tanto com as presúrias de Afonso III, como com a implementação da corte condal de Bermudo Ordoñez, em São Pedro do Sul, e mais tarde com a de D.

Ramiro. Viseu volta a ter protagonismo político com a sua conquista definitiva pelas ostes cristãs lideradas por D. Fernando Magno em 1058. Já antes o rei leonês D. Afonso V havia tentado recuperar a cidade perdendo a sua vida nessa tentativa (ALVES, 2018, p.

134-135).

A igreja de S. Miguel, assim como a Cava do Viriato são, neste período, dois dos principais monumentos da cidade, sendo que o primeiro remonta pelo menos ao século IX, caracterizando-se por ser o elemento organizador da vida religiosa de Viseu (ALVES, 2018, p. 134-135).

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12 A necrópole de S. Miguel de Fetal localiza-se no espaço urbano da atual cidade de Viseu, junto à igreja com o mesmo nome, dedicada ao orago S. Miguel e erigida durante o século XVIII (TENTE, 2015, p. 6). É provável que a índole funerária deste espaço remonte a um período pós-romano, momento em que aquela área estaria fora do perímetro da cidade, junto a uma das antigas portas alto-imperiais e a uma necrópole romana e tardorromana, a Sudeste (TENTE et al., 2018, p. 83).

É precisamente nas Crónicas de Afonso III (século IX), que é referido que chegados os seus presores a S. Miguel, localizada nos subúrbios da cidade de Viseu, terão encontrado uma sepultura integrada numa basílica, cuja lápide funerária era alusiva a Rodrigo, o último rei dos Visigodos. A basílica, segundo a tradição, foi associada a um monumento que se localizaria em S. Miguel onde, ainda hoje, se encontra uma lápide com esta referência funerária (TENTE et al., 2018, p. 83; TENTE, 2016, p. 114). Esta menção à última morada do rei Rodrigo, poderá ter contribuído para que Fernando Magno, quando conquistou a cidade de Viseu, procurasse devolver-lhe a dignidade episcopal tomando medidas com vista à promoção da regeneração urbana e ao incentivo ao povoamento desta região através da atribuição da carta de couto à Regueira, palco para a construção da igreja de S. Miguel, o que revela a importância destas propriedades para a cidade e para a sustentabilidade da própria igreja local. Já durante o século XII, mais precisamente em 1109, a corte de D. Henrique e D. Teresa instala-se em Viseu, sendo claro que seria na colina da Sé que se situava o centro nevrálgico da cidade, onde o poder administrativo e religioso era exercido, tendo beneficiado este espaço através da construção de uma nova catedral (CARVALHO; ALVES, 2018, p. 165; ALVES, 2018, p. 134-135).

Nesta altura, a igreja de S. Miguel acabou por perder a sua importância e deu-se a reformulação da acrópole através da construção de uma catedral românica, atribuindo à igreja de S. Miguel um papel secundário na vida religiosa da cidade. Conforme mencionado na Vita Theotonii, documento datado de 1162, eram ainda realizadas missas semanais durante o século XII nesta igreja, mais concretamente, às sextas-feiras pelo prior S. Teotónio, em honra dos defuntos o que é demonstrativo do prestígio que outrora este monumento religioso possuía e que devido a isso era justificada a sua deslocação semanalmente à igreja, assim como, eram distribuídas esmolas aos mais necessitados, de modo a manter viva a autoridade deste monumento no panorama religioso de Viseu

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13 (CARVALHO; ALVES, 2018, p. 165; NASCIMENTO, 2013, p. 35 e 43; TENTE, 2016, p. 118; FERNANDES, 2016, p. 122).

A partir do século XII, a cidade de Viseu começou a desenvolver-se urbanisticamente em redor desta nova catedral, localizada no Morro da Sé, principal núcleo do poder episcopal. Nesta altura, à Regueira, onde se situava a igreja de S. Miguel de Fetal, foi atribuído o estatuto de arrabalde, que se acentuaria com a construção da Muralha Afonsina, entre os anos de 1412 (reinado de D. João I) e 1472 (reinado de D. Afonso V).

Esta muralha, com sete portas, entre elas a porta de S. Miguel que se abria na Rua do Gonçalinho, teria como funções principais a delimitação do espaço urbano e a proteção militar da população, motivos que sofreram alterações consoante as necessidades, porém nunca perdendo a sua função delimitadora do território (CARVALHO; ALVES, 2018, p.

167; CASTILHO, 2012, p. 15).

A cidade vai sendo desenvolvida ao longo do tempo e, em época moderna, o seu crescimento é bastante significativo, nomeadamente entre os séculos XVII e XVIII, devido às várias obras que são realizadas na cidade, tanto de novas construções religiosas (implementação de novas planimetrias e estéticas), como trabalhos de renovação de edifícios religiosos pré-existentes, com o intuito de atualizar as funcionalidades do espaço e a sua estética, entre estas renovações está a velha Igreja de S. Miguel. É, portanto, visível este fluxo de renovação, que se viveu em época moderna, e esta necessidade de criação de novas centralidades através da definição de novos eixos e, por conseguinte, de novos cenários para a vida pública (CASTILHO, 2012, p. 110).

No século XVIII, o cabido da Sé de Viseu decide mandar construir uma nova igreja, onde se localizaria a igreja medieval de S. Miguel, reconhecendo a antiguidade deste edifício religioso. As obras iniciaram-se no ano de 1736, a 13 de fevereiro, e foram dirigidas pelo mestre-de-obra António Ribeiro e pelo seu filho, Manuel Ribeiro, que incorporou o projeto em 1738 (TENTE et al., 2018, p. 97-98).

A antiga igreja de S. Miguel encontrava-se em ruínas e não seria possível restaurá- la, pelo que foi substituída. Quando se iniciaram as obras de remodelação e reconstrução deste edifício, o eixo de orientação do monumento religioso foi alterado, rompendo a antiga malha urbana da cidade. As escavações arqueológicas, realizadas no local, demonstram que a antiga igreja estaria orientada canonicamente, estando alinhada com a antiga via romana que daria acesso a uma das portas da cidade (TENTE et al., 2018, p.

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14 97), posição que foi alterada com a construção do novo edifício que é alinhado com o eixo definido pelo altar-mor da Sé.

No ano de 1740, procedeu-se à bênção deste monumento religioso, visto que as obras na igreja já se encontravam praticamente concluídas, pelo que em setembro desse mesmo ano foram finalizados os últimos consertos nos degraus, no supedâneo e no presbitério da capela-mor, conforme consta no livro de contas da Mitra da Sé de Viseu. O período dos trabalhos de reedificação da atual igreja de S. Miguel é assim apontado como tendo sido realizado entre 1736 e 1741 (TENTE et al., 2018, p. 98). Atualmente a igreja está de pé, mas apenas tem culto duas vezes por ano: no dia de S. Miguel Arcanjo e na Páscoa.

Figura 2 – Mapa hidrográfico do distrito de Viseu (MEIRA, 2021, p. 3)

Figura 1 – Mapa da localização de Viseu na Península Ibérica (MEIRA, 2021, p. 2).

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Capítulo II - Metodologia

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16 O desenvolvimento desta dissertação de mestrado dividiu-se em tarefas base: o desenvolvimento do trabalho teórico, nomeadamente das leituras e da elaboração dos textos finais, e do trabalho em laboratório com o objetivo do estudo dos vestígios arqueológicos e categorizar os elementos bioantropológicos, assim como, da leitura das alterações observadas in situ, relativos às campanhas de escavação de 2013 e 2014.

O trabalho de análise dos remanescentes biológicos humanos (i.e. vestígios biológicos, fragmentos ósseos e dentes) efetuado em contexto laboratorial teve lugar no LABOH (Laboratório de Antropologia Biológica e Osteologia Humana) pertencente ao CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia), e afeto ao polo da NOVA- FCSH e no ARQUEOLAB (Laboratório de Arqueologia), ambos sediados na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA-FCSH).

Devido ao estado de fragmentação dos remanescentes biológicos humanos, estes foram, primeiramente, classificados de acordo com a região anatómica a que pertencem.

Assim foram criadas, como metodologia de campo, quatro categorias: crânio, dentes, ossos longos e ossos do pé. Foram criadas mais duas categorias, utilizadas na classificação de: ossos vários (aglomerados de ossos de difícil identificação anatómica), negativos de ossos (referência a contextos em que a natureza fragmentária do osso não permitiu sequer a delimitação e/ou identificação do tipo de osso). Uma terceira categoria compreende a identificação de um único indivíduo: é uma clara referência ao contexto identificado como sepultura excecional ou s10. Nesta sepultura foram identificados elementos ósseos de um indivíduo in situ, ainda que muito mal preservados. Este indivíduo não está associado à necrópole tardo-medieval/moderna, mas sim ao edifício religioso mais antigo, de provável cronologia suevo-visigótica (TENTE et al., 2018, p. 92-95).

Denotou-se, durante as escavações, que os remanescentes biológicos humanos surgiram, na sua maioria, no setor I. Setor este que, a par do setor II, apresentava elevados níveis de revolvimento e remoção de terras devido à preparação prévia do terreno realizada aquando da construção da igreja datada do século XVIII. Foi neste setor colocado também a descoberto sepulturas/fossas sepulcrais que não continham espólio humano in situ (CARDOSO; CASIMIRO, 2014, p. 1).

A fragilidade do material osteológico obrigou a flexibilizar o seu registo o que implicou a adaptação das fichas antropológicas, originalmente pensadas para o registo em campo, de enterramentos primários. Estas foram complementadas posteriormente, num

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17 laboratório de campo improvisado. Em alguns casos optou-se por retirar em bloco pequenos aglomerados e/ou peças ósseas, como os crânios, que foram depois escavados nesse laboratório improvisado na área intervencionada, procurando preservar ao máximo a integridade dos remanescentes biológicos humanos recuperados (TENTE et al., 2018, p. 92).

2.1 Remanescentes biológicos humanos: Elementos ósseos

Os remanescentes biológicos humanos caracterizam-se, assim, pelo elevado nível de fragmentação das peças ósseas e fragilidade causados, tanto, pelo contacto que mantiveram com um solo húmido e ácido, como devido aos vários momentos de perturbações pós-deposicionais, condições que não são favoráveis para a boa conservação do tecido ósseo (TENTE; CARDOSO; CASIMIRO, 2014, p. 1). Este fator implica que existam limitações na determinação do perfil biológico dos indivíduos, nomeadamente na diagnose sexual e na estimativa da idade à morte. Consequentemente, optou-se por focar a descrição e categorização dos diversos elementos bioantropológicos com o objetivo de calcular o Número Mínimo de Indivíduos, e estimar sempre que possível, mas com algumas reservas, a idade à morte e a diagnose sexual de alguns elementos ósseos. Esta abordagem facultará a apresentação de um perfil, mesmo que sumário, dos remanescentes biológicos humanos escavados, associados à necrópole de S. Miguel de Fetal.

As obras tidas como referência para a identificação das peças ósseas e para a estimativa do perfil biológico, são The Human Bone Manual (FOLKENS; WHITE, 2005) e Juvenile Osteology. (BLACK; SCHEUER; SHAEFER, 2009: entre outras obras sempre que necessário). Recorreu-se, também, à observação de elementos ósseos completos, recuperados das escavações realizadas nas Hortas de São Domingos e Poço do Borratém1, em Lisboa, como modelos de comparação. Este material encontra-se em melhor estado de conservação, o que facilitou a identificação dos elementos ósseos que compõem a amostra em estudo. Em laboratório, a par da classificação por região anatómica, foi identificada a lateralidade de vários elementos em estudo. Todo o material foi inventariado com o objetivo de construir uma base de dados a utilizar na análise.

1 A observação deste material deu-se ao facto de estarem a ser desenvolvidos estudos, em contexto de dissertações de mestrado, pelos colegas Sérgio Pedroso e Maria Inês Belém, respetivamente. Este material estava presente no LABOH/ARQUEOLAB (espaço partilhado pelos discentes em questão).

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18 O inventário realizado aos remanescentes biológicos humanos (anexo 1) inclui informação sobre: contexto funerário, a tipologia e região anatómica do osso, alterações tafonómicas e patológicas (apesar de muito superficialmente devido a não ser a área de formação da autora nem o objetivo primário da dissertação), estado de maturação óssea, e outras observações necessárias à classificação dos elementos ósseos/dentes.

Um dos objetivos pretendidos recai sob a obtenção de uma estimativa do Número Mínimo de Indivíduos (NMI), considerando os elementos recuperados e o seu estado de preservação suficiente para ser analisados. Para isto, foram tidos em conta todos os elementos ósseos/regiões anatómicas, dando, porém, especial atenção aos remanescentes biológicos humanos, mais representados neste contexto, nomeadamente fragmentos cranianos, especialmente pirâmides petrosas, dentes e ossos longos (TENTE;

CARDOSO; CASIMIRO, 2014, p. 7).

Deste modo, e sendo a pirâmide petrosa o elemento mais representativo, no processo de recontabilização foram consideradas várias situações (TENTE, et al., 2018, p.94). Na amostra a ser estudada temos crânios completos com ambas as pirâmides petrosas, crânios incompletos com apenas uma das pirâmides petrosas e, por fim, pirâmides petrosas dispersas. Os resultados obtidos na contagem do NMI consideraram todos estes cenários.

Referente ao grau de presença das peças ósseas, o método adotado para a sua determinação é o baseado na obra de Jane E. Buikstra e Douglas H. Ubelaker (1994), que estabelece um código numérico. Se estiver presente mais que 75% do osso, este é considerado completo e representado pelo número 1; caso o osso só apresente entre 25 a 75% da sua superfície, é considerado como parcial e representado pelo número 2, e por fim, no cenário em que menos de 25% do osso seja observável este é considerado como incompleto e representado pelo número 3. Assim, o código numérico demonstra que elementos ósseos é que vão permitir uma observação mais detalhada e uma melhor recolha de dados, através do seu estado de conservação (BUIKSTRA; UBELAKER, 1994, p. 6-7).

No geral, os ossos que estavam armazenados, não se encontravam na sua totalidade limpos devido à sua fragilidade e ao elevado risco de fragmentação aquando retirado o suporte de terra, no entanto, em alguns casos, foi necessário proceder a uma limpeza muito superficialmente de modo a perceber a morfologia do osso. Os sacos que continham

(20)

19 muitos fragmentos de pequenas dimensões juntamente com terra foram sujeitos ao processo de crivagem em laboratório.

2.2 Remanescentes Biológicos Humanos: Elementos dentários

No caso da análise dentária foi usada como referência para a formulação do inventário (anexo 2), um template disponibilizado pela professora e antropóloga Francisca Alves Cardoso, que organizou de uma forma muito metódica toda a informação relevante a retirar e a considerar referente a cada dente. Este inventário contém dados relativos ao contexto funerário, à tipologia, ao estágio de desenvolvimento (importante na indicação da estimativa de idade à morte), e outras observações pertinentes. Para a realização desta análise, a estratégia delineada foi, primeiramente, proceder-se ao registo fotográfico e o consequente preenchimento de um Google Forms (anexo 2.1). Deste modo, foi possibilitado o trabalho remoto da antropóloga, sendo que a sua contribuição é fundamental para a análise destes elementos.

Os molares são os elementos dentários mais bem representados na coleção daí ser necessário proceder-se à pesquisa de métodos que nos permitissem retirar alguns dados importantes para a dissertação. Alguns autores afirmam ser possível determinar uma estimativa de idade à morte a partir do terceiro molar. Este dente é o último a desenvolver- se completamente, processo que acontece entre os 14 e os 23 anos dos indivíduos, sendo, por isso, considerado o último recurso na determinação deste tipo de dados (AJMAL et al., 2012, p. 63). Porém, este é um dente caracterizado pela sua enorme variabilidade, tanto no estágio de desenvolvimento como na sua posição anatómica. A par da variabilidade da erupção, a amostra em estudo é composta por dentes dispersos, muitos deles não estariam associados a maxilares o que impossibilitou o uso dos métodos que se focam na erupção e maturação dentária na estimativa de idade. Em alguns indivíduos, o terceiro molar, pode nunca chegar a formar-se (PHRABHAKARAN, 1995, p. 32). Vieira (2011) refere na sua dissertação de mestrado que há variados métodos para determinar a estimativa de idade através do terceiro molar:

1) O método de Gleiser e Hunt (1955), consiste na classificação dos terceiros molares em 17 estágios de desenvolvimento, na observação de radiografias e da posterior comparação com tabelas-padrão consoante a região geográfica. Mais tarde, este método sofreu alterações, tendo evoluído para a classificação de 10

(21)

20 estágios de desenvolvimento e consequente atribuição de valores, entre 0 e 10 (VIEIRA, 2011, p. 9-10).

2) O método de Harris e Nortje (1984), classifica os elementos dentários em 5 estágios através da observação de radiografias e comparação com tabelas-padrão (VIEIRA, 2011, p. 11).

3) O método de Kullman et al. (1992) baseia-se na classificação dentária em 7 estágios de desenvolvimento através da observação de radiografias e comparação com tabelas-padrão (VIEIRA, 2011, p. 12).

4) O método de Demirjian et al. (1973), baseia-se na observação de radiografias dos 7 dentes mandibulares (incisivo até ao segundo molar) do lado esquerdo atribuindo-lhes um valor, de A a H (tendo em conta a forma e proporção do comprimento da raiz em formação), consoante o estágio de calcificação (1 a 8).

Após a análise de todos os dentes faz-se uma soma dos valores atribuídos (entre os 0 e os 100) o que fornece uma estimativa de maturação dentária e, por conseguinte, uma estimativa de idade. Em 1976, houve uma atualização deste método dentário passando a serem considerados menos dentes e uma amostra de maiores dimensões (VIEIRA, 2011, p. 12-15).

5) O método de Gustafson e Koch (1974), classifica o desenvolvimento dentário em quatro etapas (figura 3), sendo estas correspondentes ao início da mineralização, à formação da coroa completa, à erupção e à formação completa das raízes (VIEIRA, 2011, p. 11). Este método é importantíssimo para o presente estudo, uma coleção caracterizada por ter variados dentes com raízes por concluir. É com base neste método que vamos analisar todos os elementos dentários recuperados.

(22)

21

2.3 Espólio Funerário

No que se refere ao espólio funerário foi elaborada uma tabela de inventário (anexo 3), com parâmetros relativos ao sítio de proveniência na área de escavação (setor, número atribuído em campo e quadrícula), ao tipo de material, tipologia e forma e às dimensões, quando possíveis (diâmetro, comprimento e largura).

Entre o material recuperado durante as escavações arqueológicos encontram-se várias moedas impossíveis de obter datação devido ao seu péssimo estado de conservação e preservação, porém uma delas encontrou-se associada a um crânio podendo ser colocada a hipótese de estar relacionada com o pagamento do óbolo a Caronte. Não é de descurar a hipótese de muitas outras poderem originalmente terem acompanhado os defuntos.

Todo o espólio material funerário recuperado das escavações arqueológicas foi fotografado, com as devidas normas: uma escala, fundo e luz apropriada, assim como, com etiquetas de identificação do local exato de proveniência dentro do contexto funerário em que se insere.

Figura 3 – Desenvolvimento dentário baseado no método de Gustafson e Koch (FOLKENS; WHITE, 2005, p. 364).

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22

Capítulo III - Viseu e o sítio de S. Miguel

(24)

23

3.1 Estado da Arte

Em 1981, o Instituto Português do Património Cultural (IPPC) impulsionou o desenvolvimento da salvaguarda e da investigação em arqueologia através da criação dos Serviços Regionais de Arqueologia (SRA) (Decreto-lei n.º 59/80, de 3 de abril)2, atribuindo-lhe apoios técnicos que se traduziram no surgimento de um plano museológico nacional e no apoio e orientação das autarquias locais relativamente às suas ações pedagógicas e preventivas. Neste mesmo ano, o SRA em colaboração com o Departamento de Arqueologia do IPPC (DA) e com apoio técnico de arqueólogos, procedeu à elaboração de relatórios sobre sítios arqueológicos e monumentos que estariam ameaçados e, por conseguinte, em situação de emergência nas cidades de Viseu, Évora e Elvas (IPPC, 1981, p. 6-17).

A década de 90 do século XX representou um enorme desenvolvimento científico para a arqueologia medieval portuguesa, com a promoção de encontros sobre temáticas arqueológicas no território nacional e a respetiva publicação dos livros de atas e da multiplicação de artigos e de exposições sobre arqueologia. Exemplo disso é o artigo publicado, em 1995, por Ivone Pedro e João Inês Vaz, sobre o que então consideraram ser a basílica suevo-visigoda de Viseu. Foi nesta década que se denotou um aumento das escavações arqueológicas, principalmente em meio urbano, que se realizaram sobretudo em ambiente da chamada arqueologia de caracter preventivo, e que proporcionaram mais conhecimento relativo às cidades medievais (TENTE, 2018, p. 52 - 55).

Os primeiros trabalhos arqueológicos no sítio da necrópole de S. Miguel foram levados a cabo no ano de 1983, entre os dias 1 e 30 de setembro. Esta escavação de emergência deu-se devido à necessidade de realizar o registo do terreno antes do mesmo ser destruído por máquinas, em contexto de obra, na construção de uma nova artéria urbana. Os responsáveis pelo projeto foram os arqueólogos Monsenhor Celso Tavares e João Luís Inês Vaz, que deram início aos trabalhos através da limpeza de cerca de 10 metros de perfil e da realização de sondagens. Estas sondagens comprovaram que a cidade romana teria uma dimensão mais extensa do que os estudos anteriores indicavam, tendo também sido identificada a presença desta necrópole (DGPC, 2021).

2 Decreto-Lei n.º 59/80, de 3 de abril, Diário da República, Série I, n.º 79/1980, de 3 de abril de 1980.

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24 Mais tarde, entre 2013 e 2014, iniciaram-se novas campanhas arqueológicas na área do adro da igreja e da necrópole de S. Miguel de Fetal, que proporcionaram a produção de artigos e relatórios, tanto no campo da arqueologia como da antropologia. Desta vez os trabalhos estavam integrados num projeto de investigação intitulado PNTA/2011- Viseu do Império ao Reino. A cidade e o território entre os séculos IV a XII, financiado através da bolsa Professor Fellowship da Fundação Calouste Gulbenkian intitulada de EICAM.

Durante estes trabalhos de escavação, realizados em S. Miguel, foram evidentes as profundas perturbações do solo provocadas pelas obras na igreja durante o século XVIII.

Segundo a documentação, esta igreja veio substituir a antiga igreja que já se encontrava em ruínas (TENTE, 2015). Não foi possível a datação precisa dos edifícios religiosos de época medieval e moderna, e por isso, não é descartada a hipótese do edifício mais antigo poder ter sido erguido no período suevo-visigótico (TENTE; RUIZ; CASTRO, 2018, p.

190). É, também, discutido a associação da igreja de S. Miguel de Fetal ao local de sepulcro do rei Rodrigo, o último rei dos visigodos (ALVES, TENTE, 2017; TENTE, RUÍZ, CASTRO, 2018), mas cuja ligação, feita nas Crónicas Asturianas, surge num claro discurso de legitimação da conquista da cidade realizada pelo rei Afonso III durante o século IX e na sua integração no seio dos interesses asturianos (TENTE et al., 2018, p.

82).

Quando a igreja foi construída localizava-se fora do perímetro da cidade, contudo ainda que no plano exterior das muralhas, situa-se próxima de uma necrópole romana e tardorromana que, por sua vez, se situava junto a uma das antigas portas alto-imperiais do núcleo urbano (TENTE et al., 2018, p. 83). Junto à igreja e à necrópole, foram igualmente realizadas escavações pela Arqueohoje no sítio do Loteamento do Quintal, cujo espólio foi recentemente publicado (MEIRA, 2019, 2021) e entre o qual foram encontrados vestígios osteológicos que podem colocar a hipótese de continuidade da necrópole, já referida, e uma correlação entre estes dois sítios arqueológicos.

O registo bioantropológico foi realizado em campo, in situ, e em laboratório, tendo sido produzidos relatórios antropológicos referentes aos remanescentes biológicos humanos recuperados. Os vestígios biológicos humanos recolhidos no momento da escavação apresentavam-se com elevados níveis de fragmentação e de fragilidade devido às características do solo, e aos diversos momentos de perturbação pós-deposicional a que estiveram sujeitos e que não foram favoráveis à conservação de vestígios biológicos. Foi,

(26)

25 assim, colocado a descoberto, na sua grande maioria, elementos ósseos dispersos e sem conexão anatómica e, em alguns casos, apenas foi possível registar o negativo do osso (TENTE; CARDOSO; CASIMIRO, 2014, p. 1; TENTE et al., 2018, p. 92).

3.2 Descrição dos trabalhos arqueológicos de 2013 e 2014

Apesar de se tratar de um sítio com larga tradição na história viseense foram apenas realizados trabalhos de escavação em 2013 e 2014 integrados no projeto PNTA/2011 – Viseu do Império ao Reino. A cidade e o território entre os séculos IV a XII. Este projeto, dirigido por Catarina Tente, obteve financiamento através do programa Professor Fellowship da Fundação Calouste Gulbenkian, no ano de 2012, cuja bolsa de investigação foi intitulada de EICAM – Estudo Interdisciplinar de Comunidades Alto Medievais (TENTE, 2018, p. 15).

A primeira campanha de escavação foi dirigida por Catarina Tente e Adriaan De Man, em 2013, e envolveram uma equipa interdisciplinar de arqueólogos e antropólogos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O projeto e os trabalhos arqueológicos tiveram o apoio da Câmara Municipal, da Diocese de Viseu e da empresa Arqueohoje.

As escavações em S. Miguel estavam assim integradas no projeto EICAM que tinha como principal objetivo o estudo e compreensão das comunidades urbanas e rurais alto medievais, de forma a dar a conhecer as suas relações de poder, os seus quotidianos e a organização do território comparativamente ao que era visto à escala da Europa ocidental.

Os resultados e conclusões adquiridas nos trabalhos desenvolvidos entre 2013 e 2016, no âmbito do EICAM, foram apresentados no congresso Do Império ao Reino. Viseu e o território, realizado em Viseu em abril de 2016 e cujas atas se encontram publicadas (TENTE, 2018, p. 15).

Antes de se iniciarem as escavações no adro da igreja de S. Miguel de Fetal (figuras 4, 5) foram realizados trabalhos de prospeção geofísica, com recurso à Deteção Eletromagnética e Georadar, com o intuito de documentar o subsolo do interior da Igreja e do terreno em seu redor e desta maneira orientar a escolha dos locais a intervencionar de forma mais intrusiva. Os resultados desta prospeção evidenciaram que, devido a este

(27)

26 processo, foi possível verificar que a igreja atual foi construída sobre uma linha de água, o que veio motivar uma acumulação significativa de água no seu subsolo, justificando, assim, o elevado grau de humidade no interior da igreja. A prospeção permitiu ainda localizar várias anomalias motivadas pela presença de estruturas em granito, o que orientou a escolha dos locais a intervir. Deste modo, as escavações incidiram em três setores, atingindo um total de 145 m2 de área escavada (figura 6). O setor I (98 m2) estava localizado na área em frente à fachada principal da atual igreja, o setor II (44 m2) foi posicionado na lateral Norte do monumento religioso e, por fim, o setor III (3 m2) foi implementado perpendicularmente ao muro do altar-mor do atual edifício religioso (TENTE et al., 2018, p. 84-85). Apenas no setor III não foi possível a identificação de níveis arqueológicos (TENTE, 2015, p. 2-4).

Durante a campanha realizada no verão de 2013, foram escavados os setores I e II.

No setor I foram abertos inicialmente 4x4 m2 que depois foi alargada, tendo-se escavado a totalidade de 52 m2. No setor II foi aberta uma área de 44 m2. Após esta campanha as áreas escavadas foram tapadas, pois trata-se de um local frequentado e que se encontra junto a uma escola primária (TENTE; DE MAN, 2014, p. 2-7).

Na segunda campanha, realizada no verão de 2014, optou-se por dar continuidade à escavação do setor I, tendo-se reaberto apenas a área mais a Sul da atual igreja, ampliando-se em 46 m2 a área escavada. Esta opção deve-se ao facto de os níveis arqueológicos estarem mais bem conservados nas áreas que se encontram mais afastadas da atual igreja. Contrariamente, a escavação do setor II foi dada por concluída e 2013, não tendo sido alargada na campanha de 2014, uma vez que se tratava de um setor muito perturbado pela construção da atual igreja (TENTE, 2015, p. 2-4).

No final das campanhas de escavação foram tomadas medidas de proteção do sítio arqueológico, tais como cobrir as estruturas colocadas a descoberto por telas de sombreamento, de modo a preservar e marcar a área e, posteriormente, as sondagens intervencionadas foram cobertas por terras crivadas. O processo de reposição do solo foi possível devido à colaboração com a SRU Viseu - Sociedade de Reabilitação Urbana (TENTE; DE MAN, 2014, p. 7; TENTE, 2015, p. 4).

No setor I foi identificado uma sequência estratigráfica que se pode resumir do seguinte modo: em termos gerais, a camada [0] de superfície humosa sobreponha-se à camada [6], caracterizada por ser uma camada de revolvimentos de terra e de enchimento

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27 resultantes das obras do século XVIII, camada esta muito semelhante à UE [50]. Estas sobrepunham-se a variadas unidades de terras e de estruturas pétreas, tal como à UE [7]

correspondente a uma estrutura pétrea de grandes dimensões que atravessaria a área de escavação no sentido Sul-Norte. Esta estrutura teria sido construída para conter as terras e nivelar o terreno onde se procedeu à construção da atual igreja, sendo assim, uma estrutura contemporânea à mesma. Esta terá cortado a UE [11], uma estrutura quadrangular que se encontrava definida por uma laje de granito, orientada para dentro dos cortes Este e Sul. A UE [6], sobrepôs-se, também, à UE [9], outra estrutura pétrea que corresponde ao embasamento de um muro que aparenta ser a esquina do edifício religioso anterior à igreja do século XVIII. Foram, ainda, identificadas na UE [33] duas pedras de grandes dimensões aparelhadas, que se julga terem sido colocadas intencionalmente e que reaproveitaram materiais arquitetónicos de edifícios anteriores. A UE [34] corresponde à camada de enchimento da UE [35], onde foi identificada a s10, uma estrutura pétrea construída através de elementos arquitetónicos reaproveitados e definida por silhares e uma cornija. Já a UE [45] corresponde ao leito desta sepultura constituída por tegulae. A UE [36] corresponde a uma estrutura constituída por grandes blocos pétreos trabalhados que foram reaproveitados. Esta camada, em conjunto com a UE [33], cobria a UE [38], uma estrutura pétrea constituída por blocos graníticos aparelhados e um silhar que parecem definir o que seria um arranque de um arco de volta perfeita. Também coberta pela UE [33] seria a camada [39], uma estrutura definida por três elementos pétreos alinhados com orientação Sudoeste-Nordeste, semelhante à UE [42] que apresentava as mesmas características, sendo que, este muro corresponde, provavelmente, à base da igreja anterior; e à UE [43]. A UE [51] é uma camada de enchimento resultante da destruição do interior da antiga igreja que encosta à s11 (preenchida pela UE [53] e pela [53a]) e ao muro [42]. Já a UE [52] apresenta vestígios de derrube de pedras e de elementos arquitetónicas, nomeadamente de uma escada ou tampa de sepultura. A UE [54] corresponde a uma estrutura funerária constituída por lajes de granito conservadas, parcialmente, no sentido Sudeste-Noroeste. Por fim, as camadas não enumeradas correspondem a unidades de terras, excetuando a [30] e a [30a] que corresponde a uma vala para a colocação de canalização em plástico (TENTE; DE MAN, 2014, p. 2-4; TENTE, 2015, p. 3).

Em 2014, foram realizadas sondagens de profundidade na unidade estratigráfica [13]

(camada correspondente ao granito de base), nomeadamente nas quadriculas P36 e M41,

(29)

28 que confirmaram a destruição dos estratos arqueológicos até ao substrato rochoso (TENTE, 2015, p.3).

Ainda neste setor foi identificada a base de uma parede que pertenceria à nave da igreja tardo-medieval/moderna e que a delimitaria a Norte. A nave da igreja de S. Miguel de Fetal teria pelo menos cerca de 17m de comprimento. Já o altar-mor deste edifício, que foi desmantelado aquando da construção da igreja do século XVIII, localizar-se-ia onde atualmente se situa a escadaria que dá acesso à porta principal (TENTE, et al., 2018, p.

96).

Tal como visto no setor I, também no setor II a camada inicial [0] é uma superfície humosa. A UE [1] corresponde a uma calçada perimetral à igreja do século XVIII e contemporânea à mesma. Esta unidade sobrepõe-se à UE [2] e à UE [3], que apresentam características semelhantes, e que são camadas de remeximento da necrópole tardo- medieval devido à construção da atual igreja. A UE [5] corresponde a uma estrutura com três pedras alinhadas que aparenta delimitar uma sepultura. A UE [12] e a UE [22] são unidades de preenchimento de terras de uma depressão no granito base, sendo que a última parece preencher também uma sepultura. A camada [14] é uma estrutura pétrea constituída por pedras e um silhar semi-almofadado, que parece, devido às perturbações derivadas da construção do século XVIII estar desviado da sua localização original. A UE [15] corresponde a uma estrutura pétrea, com fiadas de pedras sobrepostas. A estrutura identificada na UE [17] é constituída por duas lajes ao alto que parecem ser elementos que delimitariam uma sepultura, assim como a UE [24] é corresponde a uma estrutura definida por quatro pedras alinhadas que delimitariam a s1, e a UE [25] corresponde a uma estrutura pétrea de pedras não aparelhadas que delimitaria, parcialmente, a s5.

Também na UE [26] foi identificada uma estrutura pétrea, na UE [27] uma camada de preenchimento da s7 e na UE [28] uma camada de terras que preenchiam a s2. A UE [29]

corresponde a uma estrutura pétrea constituída por três pedras aparelhadas, que se supõe que definiriam uma sepultura e que se sobrepunha à camada [32] que provavelmente preencheria a s9 (TENTE, DE MAN, 2014, p. 4-5).

Neste setor os dados coletados permitiram perceber que a necrópole anterior à igreja do século XVIII se encontra muito destruída. Os vestígios ali identificados correspondem à destruição do cemitério tardo-medieval/moderno, tendo-se reconhecido, ainda, algumas fossas sepulcrais orientadas no sentido Sudoeste-Nordeste (TENTE et al., 2018, p. 87).

Dado o nível de destruição desta área subsistem dúvidas em relação a algumas fossas e/ou

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29 depressões do granito base, sendo que cinco delas (s2, s3, s6, s7 e s8) foram referenciadas como “provável sepultura”. Nestas sepulturas não foi identificado qualquer espólio funerário e/ou restos osteológicos humanos in situ (TENTE; DE MAN, 2014, p. 5).

No setor I os responsáveis pela escavação interpretaram os contextos identificados distribuindo-os por quatro momentos de construção/desconstrução. Todavia a falta de indicadores cronológicos mais precisos, decorrentes da má conservação do sítio arqueológico, não permitiu precisar melhor as cronologias de cada uma das fases.

1ª fase

A primeira fase corresponde à construção de um edifício com uma abside (arranque de volta perfeita) que sugere o enquadramento da s10, e entre estas duas estruturas foi registado um lajeado. A construção destas estruturas é realizada através do reaproveitamento de materiais romanos (TENTE, 2015, p. 5) prática também observada no sítio do Loteamento do Quintal, junto à igreja de S. Miguel de Fetal (MEIRA, 2019).

A s10 acaba por ser assimilada e absorvida pelos alicerces de um edifício, do qual foi possível registar as fundações, e que corresponde à igreja desmantelada que esteve em uso durante o período tardo-medieval e moderno e que teria uma necrópole associada (TENTE, et al., 2018, p. 88).

2ª fase

A segunda fase corresponde à construção de um embasamento de muro cujos materiais são elementos pétreos de grandes dimensões. Esta estrutura integrou ou aproveitou a s10 e percorre o perímetro completo designado por setor I. Este muro segue paralelamente à via romana que entrava pela Rua do Gonçalinho tendo orientação de Sudoeste-Nordeste, pensando-se que pode pertencer às fundações da antiga igreja desmantelada, cujos materiais foram reaproveitados para a construção do atual monumento religioso (TENTE, 2015, p. 6).

(31)

30 3ª fase

Na terceira fase foi identificada a construção de dois muros paralelos à estrutura descrita na fase anterior, sendo possível que estas duas estruturas correspondam ao rearranjo da antiga igreja (TENTE, 2015, p. 6).

4ª fase

A quarta fase é relativa à construção de um muro de contenção/nivelamento que teve o propósito de delimitar a área destinada à construção do atual edifício religioso. A orientação deste muro é Norte-Sul, sendo a única estrutura que segue a orientação da igreja do século XVIII, todas as outras estruturas identificadas durante as campanhas de escavação estão orientadas paralelamente à via romana (TENTE, 2015, p. 6).

Em termos gerais, o espólio funerário recuperado durante os trabalhos arqueológicos é escasso, muito fragmentado e maioritariamente descontextualizado. De referir que foram recuperados numismas, alguns objetos de adorno, tais como, pendentes e contas de colar/rosário, pregos que poderão estar associados a esquifes ou a ataúdes, fragmentos de cerâmica comum tardo-medieval e moderna, cerâmica de construção e ainda, fragmentos de quatro imagens em terracota de época moderna representando Cristo, que estariam afixados a uma cruz de madeira, e dois fragmentos de uma imagem de Nossa Senhora Pastora das Almas, culto espanhol dos inícios do século XVIII (TENTE; DE MAN, 2014, p. 7; TENTE, 2015, p. 4).

Figura 4 – Mapa da localização da Igreja de S. Miguel de Fetal (MEIRA, 2021, p. 119).

(32)

31

Figura 6 – Planta do sector I de S. Miguel de Fetal, com identificação das fundações da antiga igreja (laranja), de um muro de contenção de terras do século XVIII (amarelo) e a estrutura em torno da sepultura S10 (azul e cinzento), in TENTE et al., 2018, p.89.

Figura 5 – Levantamento topográfico de S. Miguel de Fetal, com identificação da atual igreja e dos sectores escavados entre 2013 e 2014, in TENTE et al., 2018, p.86.

(33)

32

Capítulo IV – Apresentação, análise dos dados e

interpretação

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33 A realização do inventário referente aos vestígios biológicos e ao espólio material funerário decorreu, sensivelmente, entre novembro de 2019 e setembro de 2021, tendo em conta a interrupção devido à pandemia do Coronavírus e, consequente, encerramentos das instituições de ensino e laboratórios associados. Já os elementos dentários foram inventariados e analisados entre setembro e novembro de 2021. No contexto pandémico atual, muitas restrições e limitações foram impostas ao estudo, nomeadamente o acesso ao LABOH só foi possível mediante as recomendações da DGS (Direção Geral da Saúde) e marcação de horários.

4.1 Análise bioantropológica

Para a recontabilização do NMI foi importante a determinação e, posterior, revisão dos remanescentes biológicos humanos, com especial foco nas pirâmides petrosas e suas respetivas lateralidades, devido a ser um dos elementos ósseos mais presentes neste contexto funerário. O fator, para tal fenómeno, recai sobre o facto de que as pirâmides petrosas (figura 7) serem vestígios com uma densidade óssea significativa, comparativamente a outros elementos ósseos, fator que contribui para a sua maior preservação.

Neste trabalho, de revisão do material, foi possível colaborar com a bioantropóloga Doutora Olalla López-Costa3, que na sua breve visita ao LABOH, durante o mês de setembro de 2021.

Com este trabalho, e como podemos observar na tabela abaixo, percebemos que a coleção é composta por: 4 pirâmides petrosas dispersas; 11 pirâmides petrosas associadas a crânios; e, por fim, 11 pares de pirâmides petrosas, correspondentes aos crânios completos, que aparentam pertencer ao mesmo indivíduo devido à morfologia do osso.

Um desses pares (figura 8), identificado com o número 91, tem uma morfologia mais pequena e fina que as restantes pirâmides petrosas observadas em toda a coleção,

3 A bioantropóloga esteve na NOVA-FCSH no âmbito do programa Erasmus+, numa parceria com a Universidade de Santiago de Compostela (área de Arqueologia)..A colaboração foi organizada e promovida pelo LABOH (CRIA) e pelo LARQ (Laboratório de Arqueologia, NOVA-FCSH), no âmbito do Programa Erasmus+.

(35)

34 sendo provável pertencer a um indivíduo não-adulto. Este par foi recuperado junto de uma pirâmide petrosa esquerda pertencente a um indivíduo adulto.

Figura 7 – osso temporal (direito) que engloba em si a pirâmide petrosa. O osso temporal articula com diferentes partes do crânio, nomeadamente com o parietal, o zigomático, o esfenoide, o occipital e a mandíbula (FOLKENS; WHITE, 2005, p. 95).

(36)

35

FIGURA 8 - Pirâmides Petrosas identificadas com o número 91. Fotografia da autoria da antropóloga Francisca Alves Cardoso.

(37)

36

Identificação Disperso/Associado a um crânio Lateralidade da(s) Pirâmide(s) Petrosa(s)

Maturação

Setor I, L26, [8], nº23 Associado ao crânio nº23 Esquerda + direita Adulto Setor II, Q17, [2], nº1 Associado ao crânio nº1 Esquerda + direita Adulto Setor I, J/K41, [37], nº 196 Associado ao crânio nº196 Esquerda + direita Adulto Setor I, M37/38, [53a], nº

295 s11

Associado ao crânio nº295 s11 Esquerda + direita Adulto

Setor II, F14/15, [3], nº11 Disperso Direita Adulto

Setor I, M41/42, [56a], nº297

Associado ao crânio nº297 Indeterminado Indeterminado

Setor I, M41/42, [56a], nº297

Associado ao crânio nº297 Esquerda Adulto

Setor I, J28, [9], nº9 Associado ao crânio nº9 Esquerda + direita Adulto Setor I, J40, [37], nº209 Associado ao crânio nº209 Esquerda + direita Adulto

Setor I, M/L37, [51], nº219 Disperso Indeterminado Indeterminado

Setor II, F18, [geral] Associado ao crânio com a mesma identificação (sem número)

Direita Adulto

Setor I, K41, [37], nº 232 Associado ao crânio nº232 Esquerda + direita Adulto Setor I, M37/38, [53], nº234 Associado ao crânio nº234 Esquerda + direita Adulto

Setor I, L30, [10], Nº75 Disperso Direita Adulto

Setor I, J29/30, nº8 Associado ao crânio com a mesma identificação (sem número)

Direita Adulto

Setor I, I37, [10], nº83 Associado ao crânio nº83 Esquerda Adulto Setor I, J30, [8], nº70 Associado ao crânio nº70 Direita Adulto

Setor I, L29/30, [8], nº71 Disperso Esquerda Adulto

Setor I, S10, [34], nº92 Associado ao crânio nº92 Esquerda Adulto Setor I, K37, [31] Associado ao crânio com a mesma

identificação (sem número)

Esquerda + direita Adulto

Setor I, L37, [31] Associado ao crânio com a mesma identificação (sem número)

Esquerda Adulto

Setor I, L37, [31] Associado ao crânio com a mesma identificação (sem número)

Esquerda Adulto

Setor I, J33, [10], nº85 Associado ao crânio nº85 Direita Adulto Setor I, I35/36, [31] Associado ao crânio com a mesma

identificação (sem número)

Esquerda + direita Adulto

Setor I, J32, [10], nº91 Associado ao crânio nº91 Esquerda + direita Não-adulto Setor I, J32, [10], nº91 Associado ao crânio nº91 Esquerda Adulto Contagem final (NMI): 26 Indivíduos

Tabela 1- Contabilização do Número Mínimo de Indivíduos a partir das Pirâmides Petrosas recuperadas do contexto arqueológico de S. Miguel de Fetal.

(38)

37 Mediante os resultados, foi possível estimar que o NMI, calculado a partir destes vestígios biológicos, corresponderia a 26 indivíduos.

4.2 Análise dos dentes

O estudo com base nos elementos dentários consistiu em analisar todos os tipos de dentes recuperados do contexto arqueológico, numa perspetiva muito generalizada (identificando apenas os dentes e o seu respetivo desenvolvimento de raiz/coroa, as lateralidades (quando possível) e se são maxilares ou mandibulares), de forma a contabilizar o NMI e obter uma estimativa de idade. Procedeu-se, assim, à catalogação dos vestígios, possibilitando a perceção de quais os elementos dentários mais bem representados e a sua maturação/estágio de desenvolvimento. Este tipo de trabalho permitiu perceber que dos 122 dentes/fragmentos de dentes que foram recuperados, 56 deles estão associados ao maxilar superior, 48 ao maxilar inferior (mandíbula) e 18 foram considerados como indeterminados, não sendo possível aferir a sua locação (gráfico 1).

Em relação à contabilização por tipo de dente por desenvolvimento da coroa, desses 122, 100 deles apresentam coroas completas, 3 possuem coroas que apesar de completas, estão quebradas e 1 possui a coroa incompleta. Os 18 dentes restantes são referentes a fragmentos de coroa com estágio de desenvolvimento inconclusivo.

Já, no âmbito da contagem do tipo de dente por desenvolvimento da raiz, 69 dos casos são impossíveis de avaliar devido a fatores tafonómicos, em 11 a raiz está quebrada a meio, em 10 a raiz está completa, mas quebrada na parte final, 1 caso ainda se encontra dentro do alvéolo, 5 deles estão a ¾ de estarem completas e 3 dentes apresentam a sua raiz completa (gráficos 2 e 3). Os 23 restantes não apresentam raiz.

(39)

38

0 10 20 30 40 50 60

indeterminado mandíbula maxilar

0 20 40 60 80 100 120

Completa Completa, mas quebrada Incompleta (em branco)

Gráfico 1- Contagem de tipo de dente por locação (amostra completa).

Gráfico 2 - Contagem de tipo de dente por desenvolvimento da coroa (amostra completa.)

0 10 20 30 40 50 60 70 80

3/4 completa Completa Dentro do alvéolo Impossivel avaliar - tafonomia Raiz completa, mas quebra final Raiz, quebra a meio (em branco)

Gráfico 3 - Contagem de tipo de dente por desenvolvimento da raiz (amostra completa).

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