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A travessia dos movimentos sociais na construção das políticas públicas

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Academic year: 2018

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A TRAVESSIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA

CONSTRUÇÃO

DAS POLíTICAS PÚBLICAS

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Maria Esther Barbosa Dias}

RESUMO

LKJIHGFEDCBA

o

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp r e s e n t e e n s a i o o b j e t i v a e s t u d a r , a i n d a q u e d e m a n e i r a b r e v e , o c o m p l e x o p r o c e s s o d e c o n s -t r u ç ã o d e u m a é t i c a c i d a d ã a t r a v é s d a i n t e r v e n ç ã o d o s m o v i m e n t o s s o c i a i s n a p r o d u ç ã o d a s p o l í t i c a s p ú b l i c a s a o l o n g o d a s d u a s ú l t i m a s d é c a d a s , c o n -s i d e r a n d o - -s e s u a p e r m a n e n t e r e l a ç ã o d e i n t e r -l o c u ç ã o e c o n fl i t o c o m o E s t a d o e, a p a r t i r s o b r e t u d o d o s a n o s ' 8 0 , c o m a s c h a m a d a s o r g a n i -z a ç õ e s n ã o - g o v e r n a m e n t a i s ( O N G ' s ) . N a t r a v e s -s i a d a r e fl e x ã o -e a q u i n o s b e n e fi c i a m o s d a c o n h e c i d a fo r m u l a ç ã o d e G u i m a r ã e s R o s a q u a n t o

à e x i s t ê n c i a d o r e a l c o m o p r o c e s s o , c o m o t r a v e s -s i a - , n o s s a a n á l i s e d e s á g u a n o s a n o s ' 9 0 , e t a p a e x t r e m a m e n t e s i g n i fi c a t i v a d a h i s t ó r i a b r a s i l e i r a e m q u e s e c o n fi g u r a u m n o v o p a t a m a r n a s l u t a s s o c i a i s , o b s e r v a d o s o s c e n á r i o s d a c h a m a d a g l o b a l i z a ç ã o d a e c o n o m i a , a o m e s m o t e m p o e m q u e , v i a d e c o n -s e q ü ê n c i a , s e r e e l a b o r a m a s p a u t a s a n a l í t i c a s t r a -b a l h a d a s p e l o s p e s q u i s a d o r e s d a á r e a . C o m e s t a n o t a , c o n c l u i r e m o s n o s s o e s t u d o .

ABSTRACT

T h i s s h o r t e s s a y a i m s a t s t u d y i n g , a l t h o u g h i n a r a t h e r b r i e f w a y , t h e c o m p l e x p r o c e s s o f b u i l d i n g u p o f e t h i c s b a s e d u p o n a c t i v e c i t i z e n s h i p , t a k i n g i n t o c o n s i d e r a t i o n t h e i n t e n s e p a r t i c i p a t i o n o f s o c i a l m o v e m e n t s i n t h e p r o d u c t i o n o f p u b l i c p o l i c i e s t h r o u g h o u t t h e l a s t t w o d e c a d e s i n B r a z i l . I n o r d e r t o a c c o m p l i s h s u c h p u r p o s e , o u r s t u d y w i l l t a k e a c c o u n t o f t h e p e r m a n e n t r e l a t i o n s h i p o f d i a

-} Professora do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia da UFC e Doutora em Sociologia.

l o g u e a n d c o n fl i c t i n t e r w o v e n b e t w e e n t h e s e m o v e m e n t s , o n o n e s i d e , a n d t h e S t a t e a n d t h e N G O ' s ( n o t a b l y fr o m t h e ' 8 0 ' s ) , o n t h e o t h e r . I n t h e c r o s s i n g o f t h e a n a l y s i s ( a n d h e r e w e b e n e fi t fr o m G u i m a r ã e s R o s a ' s w e l l - / c n o w n i d e a o f t h e r e a l a s a p r o c e s s , o f a c r o s s i n g ) , w e c o m e t o t h e p r e s e n t d e c a d e , a t l h e t h r e s h o l d o f t h e 2 1S 1

c e n t u r y , p r e c i s e l y a n e x t r e m e l y m e a n i n g fu l m o m e n t i n

B r a z i l i a n h i s t o r y w h e r e o n n e w s o c i a l s c e n a r i o s a r e b e i n g d a i l y b u t u p o n , t h i s t i m e i n t h e l a r g e r fr a m e w o r k o f l h e g l o b a l i z a t i o n o f e c o n o m i c s . T h i s fr u i t fu l h i s t o r i c a l s t a g e d e m a n d s t h e w r i t i n g o f e n t i r e l y n e w a n a l y t i c a l g u i d e l i n e s fo r u s , r e s e a r c h e s i n l h e s o c i o l o g i c a l fi e l d ,

if

w e a c t u a l l y w a n t t o u n d e r s t a n d w h a t i s g o i n g o n i n o u r c o u n t r y .

O REAL ESTÁ NA TRAVESSIA

(APUD GUIMARÃES ROSA)

Na Europa, fonte permanente de inspiração para

o pensamento crítico dos intelectuais brasileiros a

pre-sença dos chamados novos movimentos sociais dos anos

70 exigiu abordagens qualitativamente inéditas por

par-te dos investigadores que se posicionam no campo das

Ciências Sociais. Década de grande efervescência

po-lítica e cultural, os anos '70 trouxeram "novidades' que

foram captadas com clareza por um conjunto de

estudio-sos. Nesse sentido destacam-se os trabalhos de grande

relevância teórico-prática como os elaborados por

Lojkine, CasteIls, Borja, Touraine, Castoriadis, Melluci, Tilman e Guattari.

A produção desses estudiosos debruçou-se

so-bremaneira sobre o impacto das novas formas de ação coletiva em um espaço urbano marcado pela recorrente crise do capitalismo, como acentua CASTELLS.

Estu-diosos como GUATIARI, por seu turno, trabalharam a

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'" ~ .

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partir de abordagens inéditas sobre esse cotidiano, mui-tas vezes sob forte influência de uma leitura critica da

Psicanálise. Destaca-se entre elas a perspectiva das

novas "cartografias", o desejo individual e coletivo,

as micropolíticas - em síntese, aaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAr e v o l u ç ã o m o l e c u l a r ,

de notável impacto sobre análises posteriormente

de-senvolvidas no Brasil, inclusive acerca da ação dos par-tidos políticos.

Em nosso País, os estudos realizados nos anos

70 sobre os movimentos sociais brasileiros e

latino-americanos, especialmente em nível urbano, foram

influenciados pela sociologia marxista francesa.

Faz-se imprescindível assinalar, no entanto, que o

florescimento dessa pesquisa e a construção de seus

vínculos teórico-práticos, levaram, com o passar do

tempo, a um relativo afastamento dos referenciais

"importados", sem, contudo, perdê-los inteiramente

de vista. Nessa ótica, cabe destacar a produção de

Ernesto Laclau, Lúcio Kowarick, Eder Sader, José

Álvaro Moisés, Ruth Cardoso, Eunice Durham, Ilze

Scherer- Warren, Maria da Glória Gohn, Vera Telles,

entre outros exemplos do rosto latino-americano na

pesquisa dessa temática.

Em termos cronológicos, o final dos anos '70

assinalou o aparecimento dos primeiros estudos

enfocando a "novidade" dos movimentos sociais, ou seja,

a a m p l i a ç ã o q u a l i t a t i v a d o a s p e c t o r e t v i n d i c a t i v o e s u a s i g n i fi c a ç ã o m a i s p r o fu n d a e m fa c e a o t e m p o h i s t ó r i c o q u e s e v i v i a . Enquanto na década anterior os movimentos sociais eram analisados a partir do bloqueio

dos canais tradicionais de expressão (partidos políticos

e sindicatos, entre outros) por parte do regime autoritá-rio, ao final da década de 70 e ao longo da seguinte,

vivendo-se o cenário da "abertura lenta, segura e

gra-dual", patrocinada pelo governo

Geisel, o enfoque das análises deslocou-se

para o aspecto reivindicativo qualitativamente

supe-rior desses movimentos que, em alguns casos,

conse-guiram ultrapassar o mero enunciado da reivindicação,

caminhando em direção à proposição de direitos e

sua efetiva concretização em uma perspectiva mais

ampla direcionada para a conquista da cidadania.

ovos tempos históricos exigiam novas modalidades

de intervenção coletiva e os movimentos fizeram-se

presentes no cenário do tortuoso retorno ao Estado

de direito.LKJIHGFEDCBA

É a partir dessa conjuntura, observado o pano

de fundo estrutural, que se consegue encontrar

cami-nhos qualitativamente inéditos para se elucidar a

emer-zên ia desses movimentos. O aprofundamento da

uestão social - a divisão da sociedade em classes e a

~ E à J c a ç ã o e m D e b a te • F o rta le z a - A N O 2 0 - N ° 3 5 - 1 9 9 8 -p.4 5 -5 0

luta pela apropriação da riqueza socialmente produzida,

em um cenário de graves desigualdades e degradação

continuada das condições de vida de uma imensa

par-cela da população brasileira - constituiu elemento

impulsionador dos movimentos sociais em seu sentido

mais amplo, bem como das várias organizações da socie-dade civil que se atribuíram a tarefa de contribuir para dar concretude cada vez maior a essa pauta de

deman-das. Não se pode esquecer o fato que essa

eferves-cência contribuiu, em grande medida, para a configuração da atual Constituição da República (1988); afinal de con-tas, foram recolhidas 12 milhões de assinaturas às

emen-das populares, um processo rigorosamente inédito de

co-autoria do texto constitucional.

Dessa forma, o elemento comum que explica o surgimento e afirmação desses movimentos sociais pode ser encontrado na busca, inicialmente individual e

pos-teriormente coletiva, de soluções para os problemas já

apontados. Essa busca passa obrigatoriamente pela

for-mulação e execução de políticas públicas básicas,

siste-mática e coerentemente construídas, cujo usufruto seja

capaz de elevar significativamente a condição de vida

das classes sociais postas à margem do gozo dos bens, serviços e direitos produzidos pela sociedade contem-porânea.

É precisamente nesse sentido que o Estado é

colocado como interlocutor obrigatório dos movimentos sociais, tendo nas políticas públicas um de seus campos de luta. Essa interlocução inclui, igualmente (e de

for-ma necessária), as diversas frações do capital

envolvi-das na permanente construção dos diversos espaços

sociais e no controle desse mesmo Estado.

Trata-se, afinal, de um processo inerente às

so-ciedades que vivem sob a hegemonia capitalista' .A

li-teratura mais recente indica que esses movimentos se

caracterizaram, sobretudo nesse momento específico,

por uma dinâmica que só se explicaria historicamente

em certas "situações de crise", quando o Estado (e os

interesses que representa) não se encontra em situação

hegemônica para ignorar ou responder (concreta ou

retoricamente) às necessidades e pressões a ele

dirigidas. A negociação assume obrigatoriamente

espa-ços significativos na cena política.

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OS IIROPEÇOS" DA TRAVESSIA

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Cumpre, aqui, reafirmar a importância do Esta-do no que diz respeito ao seu papel de principal produtor e gestor dos bens e serviços que compõem o universo das políticas públicas. Sabemos que essas políticas têm funcionado de forma ambígua como "perspectiva de aco-modação das relações entre o Estado e a sociedade ci-vil'". Além disso, tais políticas têm-se caracterizado por sua pouca efetividade social, elevado custo financeiro e acentuado grau de desperdício material, bem como por

uma enorme subordinação aos interesses econômicos

que marcam os investimentos do Estado brasileiro,

in-clusive nessa esfera.

A relação dos movimentos sociais com o

Es-tado apresenta uma trajetória "que assume, ao longo

do tempo, diversas metamorfoses, indo da relação

'fi-lial' perante o Estado pai-patrão, à negociação e,

fi-nalmente, à intervenção de forma mais organizada,

no sentido da elaboração de políticas sociais e

gradativa gestão de espaços no espaço urbano,aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAl o c u s

do confronto com um Estado privatizado, condomínio

do grande capital'".

Nesse cenário é fundamental assinalar que a

privatização do Estado em benefício do capital

signi-fica o atrelamento da oferta de bens e serviços de

consumo coletivo básico (inclusive os de

infra-estru-tura) às necessidades da acumulação. Desse modo,

a ação do Estado no campo das políticas públicas

re-veste-se de uma dupla e permanente tensão,

expres-são do conflito estrutural presente em uma sociedade de classes.

Tem-se, de um lado, as diversas frações do ca-pital, privatizando o Estado e utilizando-o em função de

seus interesses na esfera da acumulação. Pense-se, por

exemplo, nas faraônicas obras de infra-estrutura

começadas nos anos 70 e posteriormente abandonadas

(Transamazônica, Ferrovia do Aço, etc.), sem que haja

ocorrido o ressarcimento dos fundos públicos mal

apli-cados nesses investimentos.

De outro, em contraponto, a pressão, em graus

variados de consistência, da rede cada vez mais

com-plexa dos movimentos sociais demandando

investimen-tos substanciais em saúde, educação, transporte,

3 YASBEK, M. C. C l a s s e s S u b a l t e r n a s eA s s i s t ê n c i a S o c i a l . São

Paulo: Cortez, 1993:35.

4 DIAS, José Fernandes. "Derrubando os 'Muros de Berlim":

Movimentos Sociais Urbanos no Brasil Contemporâneo", M u t a

-ç õ e s S o c i a i s . Rio de Janeiro: CEDAC, ano 1, no.

l,julho/setem-bro de 1992.

habitação e segurança. esse sentido, Francisco

Oliveira aponta, com clareza, o mecanismo eregcàação

a d h o e ,casuística, posta em marcha pelo Estado brasi-leiro para "resolver" esse conflito, repita-se, estrutural' .

UM INTERLÚDIO NA

TRAVESSIA: A ÉTICA CIDADÃ

O extraordinário florescimento dos debates

acerca da ética na política dá-se sobretudo ao longo da

conturbada década de 80, por razões sobejamente

co-nhecidas e sintetizadas na tristemente emblemática

fi-gura do ex-presidente Collor e seu breve e caótico

(des )governo. Surge daí a indagação: ética cidadã, onde

é o seu território? Será ético um discurso político que

promete o bem, do alto, sem denunciar a mentira de

base que o construiu? Onde fica a ética do discurso de

quem promete modernizar o Estado se n~o sabe (ou

não quer?) promover a reforma agrária? Etica cidadã

não se discute, pratica-se.

Estamos falando aqui, reiteramos, da ética no

exercício da política. Se desejarmos de fato

contri-buir para que ela se estabeleça como prática

cotidia-na, há que se assinalar que na ética cidadã, o que

deve prevalecer é a qualidade dos valores e das

prá-ticas sociais postas em marcha com vistas à

constru-ção de um projeto de sociedade que tenha como

fundamentos não a predatória acumulação do capital

mas, sim, a luta permanente pela justiça social e pelo

fim de todas as modalidades de exclusão econômica,

política, social e cultural.

Nesta perspectiva, a prática da ética cidadã não

depende unicamente do lugar que cada um ocupa no

universo das relações de produção mas, acima de tudo

de uma compreensão correta acerca das demandas

so-ciais das maiorias excluídas, concretizada através da

coerência entre discurso e prática. Destacamos a

im-portância, muitas vezes amesquinhada no dis urso

pretensamente progressista, dos valores éticos e sua

expressão concreta) que inspiram cada um em relação

à sociedade que afirma querer construir. Aqui o

terre-no da ética cidadã representa, nas palavras de Herbert

de Souza, B e t i n h o , protagonista fundamental do Mo

i-mento pela Ética na Política e da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, "o berço do no o

5OLIVEIRA, Francisco de. "Os Protagonistas do Drama: Estado

e Sociedade no Brasil". In: LARANJEIRA, S. (Org.) C l a s s e s

S o c i a i s eM o v i m e n t o s S o c i a i s n a A m é r i c a L a t i n a . São Paulo:

HUCITEC, 1990: 43-46.LKJIHGFEDCBA

E d u c a ç ã o e m D e b a te - F o rta le z a-,ANO 2 0 - N ° 3 5 - /9 9 8 - p .4 5 -5 0

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~---

. . . LKJIHGFEDCBA

e a redenção da política como parteira da utopia'". Foi em nome da ética cidadã ou ética na política que se gestou o que se pode chamar de conduta coletiva da indignação da era CoIlor. Este tipo de conduta

desper-tou um movimento nacional, acima referido, que

de-sempenhou papel de relevo na admissibilidade doaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

i m p e a c h m e n tdo então presidente da República, recur-so jamais aplicado em toda a história do País.

NOVOS SINAIS NA TRAVESSIA

As grandes transformações sofridas pelo Brasil

nestes anos da década de 90, sobretudo o impacto dos processos de estabilização monetária trazida pelo Plano Real' (vetor, em nível interno, da crescente e acelerada inserção da economia e da sociedade aos processos da chamada globalização" ), desenharam um novo perfil para

os movimentos sociais e ampliaram a visibilidade das

ONG's a que fizemos breve referência até agora.

Chama-nos a atenção, de um lado, o fato de

os movimentos sociais -à notável e solitária exceção

do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

(MST) - parecem perder fôlego se comparados ao

ím-peto da década precedente, "competindo" com o

retor-no de atores tradicionais como os partidos políticos,

sindicatos e centrais sindicais, e tendo que conviver com uma significativa "anestesia" social trazida pela

chama-da estabilização monetária,já referida.

Por outro lado, amplia-se a interlocução com as

ONG's, que adquirem maior visibilidade nas lutas pela

cidadania, uma vez vencido o período de relativa

"clan-destinidade" que caracterizou parcela significativa de

sua atuação em razão dos mecanismos repressivos

ain-da atuantes até a metade dos anos 80. Cabe inain-dagar: afinal de contas, o que são essas tão faladas

organiza-ções não-governamentais? O que têm a dizer nos novos

6 Ver, a respeito, JACOBI, P., "Pela Ação da Cidadania conta a Fome,

a Miséria e pela Vida", P r o p o s t a , FASE, no. 67, dezembro de 1995.

7 Para uma leitura crítica acerca do Plano Real, consultar DIAS,

José Fernandes, C e n á r i o s d a C o n j u n t u r a , mimeo, 1996. Do mes-mo autor, consultar T r a b a l h o , R e n d a & C i d a d a n i a n o B r a s i l , mimeo, 1997.

x Acreditamos ser conceitualmente correto denominar esse proces-so de "internacionalização" e não "globalização", uma vez que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem atualmente em todo o planeta cerca de um bilhão de seres humanos desempregados e sub-empregados. Com esse contin-gente equivalente a 20% da população da Terra, como se poderá falar de globalização? Consultar, a respeito, DIAS, José Fernandes. T r a b a l h o , R e n d a &C i d a d a n i a n o B r a s i l , op. cit.

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Educação em Debate - Fortaleza -A N O 2 0 - N ° 3 5 - )998 - p.4 5 -5 0

panoramas que se abrem ao fazer político da cidadania na travessia da década derradeira do século 20?

Para alguns analistas, as ONG's surgem como

"substitutas" dos movimentos sociais. Outros

conse-guem vê-Ias de maneira claramente diferenciada em

face a esses movimentos. O certo é que constituem

um fenômeno mundial, quer em países capitalistas, quer em países em nítido processo de transição para as

eco-nomias de "mercado", como a Rússia, Canadá,

Esta-dos UniEsta-dos, França, Alemanha, Holanda, Espanha e

Bélgica são os países de presença mais significativa

dessas Entidades.

A denominação "organização não-governamen-tal" (ONG) "foi criada pela ONU em 1940 para desig-nar entidades não oficiais que recebiam ajuda fmanceira de órgãos públicos para executar projetos de interesse social dentro de uma filosofia de trabalho de 'desenvol-vimento de comunidade'. O recorte da definição da ONU

é dado pela estrutura jurídica: ser ou não ser governo.

As ONG's se localizam na esfera do privado'", Em nosso

País, o denominador comum das ONGs é a razão social

de sua constituição como instituição da sociedade civil

que se declara sem fins lucrativos, tendo geralmente

como objetivos a p o i a r , i n c e n t i v a r e a s s e s s o r a r c a u

-s a -s c o l e t i v a -s e m t e r m o s d e p r o j e t o s .

Em seus estudos e pesquisas sobre as ONG's,

Maria da Glória Gohn" divide-as em três campos:

Filantropia, Desenvolvimentismo e Cidadania. O campo

da Filantropia é o mais antigo, representado por

entida-des que no início do século prestavam assistência às

populações ditas "carentes", quando a questão social

ainda era considerada "questão de policia"!' .

"O campo do desenvolvimentismo data do

pós-guerra. Neste período cunha-se a expressão 'sem fins

lucrativos' para designar uma categoria de instituições

não voltadas para o lucro, tendo como público-alvo os

setores carentes financeiramente, envolvidos em

proje-tos de desenvolvimento econômico local. [...] Grande

parte das ONG's da América Latina surgiu nos anos 70 e se enquadram, em sua grande maioria, na modalidade desenvolvimentista"".

9 GOHN, M. Da Glória. "Movimentos, ONG's e Lutas Sociais no

Brasil nos anos 90". XIX Encontro Nacional da ANPOCS, Caxambu,1995.

10I d e m , p. 32.

II Cabe indagar, em face aos massacres de trabalhadores rurais

(Eldorado de Carajás, Corumbiara, etc.) e trabalhadores urbanos (Carandiru, Vigário Geral, Diadema, etc.) se a questão social ainda não é vista por parcela significativa da sociedade brasileira como verdadeira q u e s t ã o d e p o l í c i a .

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o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcampo daaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc i d a d a n i a é o mais recente e emergiu no seio dos movimentos sociais da última

déca-da, tendo como raiz a luta de organizações da sociedade civil pelos direitos individuais e coletivos, tendo como central idade a temática concreta das políticas públicas. Merece destaque o novo papel das ONG's na medida em que, com o fim do regime ditatorial, a correlação de forças entre o Estado e a sociedade civil passa por

mu-danças significativas. Trata-se de uma etapa

qualitati-vamente nova da sociedade brasileira, com a ênfase

representada pela tensão permanente entre as "velhas"

questões estruturais e as "novas" demandas de um

mundo em transformação acelerada pelo vetor da

internacionalização da economia e suas conseqüências

para o cotidiano dos cidadãos.

Em face a esse universo em impressionante mu-tação, os técnicos das ONG's sentiram necessidade de

ampliar a sua capacitação e também desenvolver

par-cerias com outras entidades, governamentais ou não,

como as Universidades, no sentido da elaboração de

projetos de orientação comum capazes de responder a

exigências cada vez mais complexas sinalizadas pelo

fazer político dos diversos atores sociais, sobretudo as organizações populares. Em muitos casos, profissionais da academia passaram a prestar assessoria às ONG's, o que pode ser comprovado por inúmeras publicações e pesquisas.

Por razões de estratégia política global, o

pró-prio Banco Mundial tem dado crescente atenção às

ONG's desde a década de 80, sobretudo no campo

ambientalista, priorizando o desenvolvimento de ações

em parceria com essas entidades sob a alegação de

considerá-Ias mais eficientes que as agências

governa-mentais. Considerando-se a trajetória e o papel

estraté-gico do Banco Mundial em face aos processos da

internacionalização da economia, tudo parece indicar

que esse "novo" posicionamento apresenta-se muito

mais como uma tentativa (em maior ou menor escala) de cooptação de setores críticos da sociedade civil do

que uma mudança qualitativa da Instituição em face a

um universo de questões extraordinariamente

relevan-tes em escala planetária.

Em nosso País, um grande número de ONG's passou a ter mais destaque a partir da II Conferência

das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

popular-mente conhecida como "ECO 92", evento em que essas

entidades desempenharam um papel importante no

sen-tido de simbolizar a participação e os anseios da

socie-dade civil organizada. As demais Conferências da ONU que se seguiram a 1992, sobretudo aquelas onde se

de-bateram exaustivamente as questões de população e do

universo feminino (CAIRO e BEInNG), das

estratégi-as mundiais para o desenvolvimento sustentável

(Co-penhague) e para a questão urbana (Istambul), contaram igualmente com forte presença das ONG's.

Um outro dado que tem contribuído para uma maior visibilidade do papel dessas entidades no cenário brasileiro diz respeito às importantes pesquisas que mem-bros de várias ONG's, notadamente aquelas dotadas de maiores recursos, vêm realizando ao longo dos últimos

anos. Merecem destaque os trabalhos realizados pelo

PÓLIS, pelo CEDEC e o CEBRAP, em São Paulo, bem

como o IBASE e a FASE, no Rio de Janeiro,

notadamente na esfera das políticas públicas, materiais

de crescente importância para o fazer político dos

mo-vimentos sociais.

Em síntese: podemos afirmar que as ONG's

re-presentam formas modernas de participação e luta na

sociedade pelos chamados direitos sociais. Elas

tam-bém podem servir de mediação em políticas realizadas em parceria, que articulem a ação do Estado e da popu-lação organizada em projetos específicos na esfera das políticas públicas. Por fim, as ONG's, desde que

obser-vem rigorosamente seu papel de interlocutores na

cons-trução da esfera pública democrática, podem representar

a possibilidade de interconexão permanente com suas

congêneres e acima de tudo com os movimentos sociais a que prestam assessoria. Aqui, faz-se imprescindível a

concretização da constituição de redes que

represen-tem propostas democráticas pautadas pela lógica da

participação e da decisão entre iguais. Somente assim,

as ONG's afirmaram seu caráter de interlocutoras e

não correrão o risco de se tomarem fins em si mesmas,

a partir de processos internos de burocratização e

esmaecimento do diálogo democrático.

UMA

IIPAUSA" NA TRAVESSIA:

NOSSO PAPELNA INTERLOCUÇAO

DEMOCRÁTICA

Realizar estudos e pesquisas com os recursos da metodologia comparativa tem sido o caminho

adota-do por vários pesquisaadota-dores no campo das Ciên ias

Sociais.

Comparar cenários, desempenho de atores,

de-marcar as diferenças e especialmente captar as

ten-dências pode ser o caminho estratégico e fundamental

para realizarmos pesquisas neste final de século, sem

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deixarmos de lado, no universo da intemacionalização

da economia, as peculiaridades históricas locais do

pon-to de vista econômico, social, político e cultural. A fina-lidade da comparação não é tão-somente a possibifina-lidade

de produção e generalização a partir dos pontos comuns

mas, sobretudo, no sentido de apontar diferenças capa-zes de sinalizar novos caminhos a serem percorridos na perspectiva infatigável da construção da democracia em

nosso País, com a superação de todas as formas de

exclusão social ainda existentes em nossa sociedade.LKJIHGFEDCBA

II

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Referências

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