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TCC CONSTRUCAO IDENTIDADE FEMININA TPM

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Academic year: 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM PROJETOS EDITORIAIS IMPRESSOS E MULTIMÍDIA

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NAS PÁGINAS DE TPM

ALUNO: Aline Euzébio da Silva ORIENTADOR: Roberto Reis

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Aline Euzébio da Silva

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NAS PÁGINAS DE TPM

Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso do programa de pós-graduação, nível lato sensu, do centro universitário da UNA, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em projetos editoriais impressos e multimídia

Orientador: Roberto Reis

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CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NAS PÁGINAS DE TPM

Resumo: Levando-se em consideração a importância da mídia no processo de formação do eu, o presente trabalho analisa a construção da identidade feminina na revista TPM (Trip para mulher), com vistas a descobrir em que medida ela mantém ou transforma os papéis de gênero tradicionalmente consolidados.

Abstract: Considering media’s importance in the process of self-formation, this paper analyses the construction of women’s identity in TPM magazine (Trip para mulher), in order to find out if it keeps or changes gender roles traditionally established.

Palavras-chave: Identidade, pós-modernidade, revista, imprensa feminina, gênero,

Key-words: Identity, post-modernity, magazine, women’s press, gender

Introdução

A revista TPM – Trip para mulher – foi lançada em abril de 2001, com a proposta de ser uma revista diferente das demais publicações femininas existentes no mercado até então. O editor Paulo Lima explica no editorial da TPM nº1 que a ideia de criar a revista veio da constatação de que 25% dos leitores da Revista Trip – voltada para o público masculino – eram constituídos por mulheres, o que era um indício de que elas provavelmente não se sentiam representadas pelas revistas escritas para elas. A proposta de Lima era a de ruptura radical com os modelos editoriais do segmento feminino, que, na sua concepção, menosprezavam a inteligência da mulher. O slogan da TPM à época do seu surgimento era “TPM: uma revista que não trata a mulher como idiota”. Com base nessa proposta e no pressuposto de que o público leitor

mantém estreita identificação com as revistas que escolhe, cabe investigar em que medida

a TPM se afasta de suas congêneres para constituir um produto alternativo e qual é o perfil dessas mulheres, negligenciadas pela imprensa feminina tradicional, mas representadas (ou idealizadas) nas páginas da TPM.

Estudar as publicações femininas ajuda a compreender o que significa ser mulher – ou, pelo

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produtos culturais que circulam na mídia. O sujeito nela se inspira para construir sua narrativa

biográfica, mas também nela imprime sua marca pessoal, ao exigir produtos culturais que

atendam às suas demandas. E assim, mídia e sociedade se refazem constantemente, uma transforma a outra e vice-versa, conforme se verá no tópico a seguir.

A construção da identidade na contemporaneidade

Segundo Hall (2006), o sujeito moderno era concebido pelos iluministas como uma entidade

fixa, estável, completa, racional e unificada. Em outras palavras, o indivíduo era concebido

como portador de uma essência própria e imutável, que o acompanhava por toda a vida. No

entanto, as mudanças ocorridas no final do século XIX e também no século XX1 provocaram o descentramento do sujeito moderno, dando origem ao sujeito pós-moderno: inacabado, inse-guro, fragmentado em múltiplas identidades, que são, por vezes, contraditórias.

A nova concepção de sujeito põe fim não somente ao caráter inato de sua identidade – deno -minada, inclusive, de “natureza”, no século XVIII –, mas também à ideia de que o “eu” seria uma entidade passiva, tão somente fruto de seu meio, como acreditavam os deterministas do século XIX. A esse respeito, teóricos como Guiddens (2002) e Thompson (1998) ressaltam o papel ativo do indivíduo no processo de sua autoconstrução: “Somos não o que somos, mas o que fazemos de nós mesmos” (Guiddens, 2002, p. 74). Para esses autores, o eu é construído

em suas relações com o meio exterior. Isso significa dizer que o sujeito se constrói a partir de

fatores que lhes são externos, mas que ele também atua sobre esses fatores, muitas vezes,

modificando-os ou ressignificando-os.

Em uma realidade mediada, como é o caso da contemporaneidade, a concepção de tempo e de espaço se altera. Nesse caso, a realidade imediata do sujeito deixa de ser a única fonte de elementos simbólicos, e ele passa a buscar insumos para a construção de sua

autoiden-tidade em espaços dispersos, remotos, que são presentificados pela mídia. Os modelos de

referência do sujeito em formação, que eram compostos por pais, avós, professores, vizinhos e amigos, passam a incorporar também a cultura de massa e o sujeito passa a buscar suas referências nos materiais que a mídia oferece: cinema, televisão, revistas, etc.:

Os peritos midiáticos assumem [...] o papel das tradições culturais, no sen-tido de oferecer pontos de referência para a identidade pessoal e social – tentando sinalizar a cada um quem ele é ou pode (e deve) vir a ser na vida. (FREIRE FILHO, 2007, p. 117).

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Morin (1997) lembra ainda que, entre as diversas funções da cultura de massas, está a de de-sempenhar atualmente o papel que os antigos mitos cumpriam no imaginário coletivo, por isso mesmo o teórico francês atribui a ela o rótulo de “mitologia moderna”. Esse papel consiste em fornecer “pontos de apoio imaginário à vida prática e pontos de apoio prático à vida ima-ginária” (MORIN, 1997, p. 15). Em outras palavras, a mídia, como os antigos mitos, propicia aos indivíduos a possibilidade de evadir da realidade e de se projetar em uma outra dimensão

em que seus conflitos sejam resolvidos, suas emoções sejam liberadas, seus desejos sejam satisfeitos. Esse universo projetado dificilmente se instaurará por completo no plano real,

mas poderá provocar algumas mudanças. Entretanto, para que isso ocorra, é preciso haver

identificação:

O ótimo da identificação se estabelece num certo equilíbrio de realismo e de idealização; é preciso haver condições de verossimilhança e de veridicidade que assegurem a comunicação com a realidade vivida [...] mas é preciso tam-bém que o imaginário se eleve alguns degraus acima da vida cotidiana, que as personagens vivam com mais intensidade, mais amor, mais riqueza afetiva que o comum dos mortais. É preciso também que as situações imaginárias correspondam a interesses profundos, que os problemas tratados digam res-peito intimamente a necessidades e aspirações de leitores e espectadores. (MORIN, 1997, p. 82-83)

Thompson (1998) afirma que o desenvolvimento da mídia enriqueceu e acentuou a organiza

-ção reflexiva do self, pois nunca houve tantos materiais simbólicos disponíveis para a forma-ção do sujeito. Quanto mais referenciais simbólicos o sujeito encontrar à sua disposiforma-ção, mais ele se informará sobre outras possibilidades de ser, agir e viver; por isso, irá se questionar sobre as escolhas feitas, sentindo-se convidado a experimentar novas possibilidades de estilo

de vida. Desse modo, a construção da identidade do eu reflexivo – como é chamado por Guid -dens (2002) – é sempre trabalho em andamento, um processo de construção, desconstrução e reconstrução de si próprio, que permite ao indivíduo experimentar diversas identidades ao longo da vida.

[...] o self é um projeto simbólico que o indivíduo constrói ativamente [...] com os materiais simbólicos que lhes são disponíveis, materiais com que ele vai tecendo uma narrativa coerente da própria identidade. Esta é uma narrativa que se vai modificando com o tempo, à medida que novos materiais, novas experiências vão entrando em cena e gradualmente redefinindo sua identida -de no curso da trajetória -de sua vida. (THOMPSON, 1998, p. 183)

A esse respeito, Hall (2006) comenta que a proliferação dos sistemas simbólicos disponíveis cria um ambiente propício para a “pluralização de identidades”. À medida que constrói e re-constrói sua autonarrativa, o indivíduo se depara com a possibilidade de abraçar diversas

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O sujeito [...] está se tornando fragmentado, composto não de uma, mas de vá-rias identidades, algumas vezes contraditóvá-rias ou não-resolvidas [...] que não são unificadas em redor de “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contra -ditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identifica -ções estão sendo continuamente deslocadas. (HALL, 2006, p. 12-13).

O fenômeno descrito por Thompson (1998) e Hall (2006) é recente na história da humanidade. Em sociedades anteriores à da contemporaneidade, o peso da tradição limitava as escolhas do indivíduo. Guiddens (2002) chama a atenção para o fato de que essa limitação era, em par-te, reconfortanpar-te, pois uma vez diminuída a possibilidade de escolha, era diminuída também a responsabilidade do indivíduo sobre o processo de decisão.

O sujeito contemporâneo vivencia a situação oposta. O fato de ele não mais ser forçado a obedecer rigidamente aos padrões estabelecidos oferece-lhe a vantagem de deliberar sobre suas escolhas pessoais, mas aumenta também a sua responsabilidade no processo de deci-são e os riscos nela implicados: “‘Tomar conta de nossas próprias vidas’ envolve risco, porque

significa enfrentar a diversidade de possibilidades abertas” (GUIDDENS, 2002, p. 72).

Isso significa dizer que o amplo leque de escolhas à disposição do indivíduo causa angústia,

torna-o inseguro quanto ao melhor caminho a seguir, de modo que ele é instado a se pergun-tar sempre “Quem eu quero ser?”, “Como eu quero viver?”. As respostas para esse questio-namento, segundo Guiddens (2002), são construídas em cada pequena decisão cotidiana,

que contribui para a criação de rotinas definidoras de um estilo de vida, o qual diz muito sobre

quem o escolhe:

Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos inte -grado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque elas dão forma material a uma narrativa particular de autoidentidade. (GUIDDENS, 2002, p. 79)

Além do estilo de vida, outro importante elemento na composição da autoidentidade citado por

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As diversas revistas hoje disponíveis atuam no sentido de divulgar modos de ser e de viver, constituem um misto de manual de comportamento e catálogo de modus vivendi, que

ser-vem de referência bibliográfica para a construção da narrativa autobiográfica do indivíduo, que, como foi visto, é constante e interminável. Dentro da dialética da projeção-identificação (MORIN, 1997), elas atuam como verdadeiros espelhos sociais, refletindo as necessidades e

as tensões presentes na sociedade que representam e, ao mesmo tempo, projetando novos ideais a serem imitados e perseguidos.

Revista: conceito, história e segmentação

Nos dicionários de comunicação, o conceito de revista é, via de regra, definido a partir de seu

contraste com o jornal. Normalmente, ressaltam-se o formato menor da revista, a diferença de periodicidade – que pode ser semanal, quinzenal, mensal, entre outras, enquanto o jornal é diário – e a abordagem mais interpretativa e analítica dos fatos, em oposição à aborda-gem noticiosa e factual do jornal. Quanto à temática, diz-se tratar de notícias e variedades (MARCONDES FILHO, 2009, p. 310-311), de assuntos gerais ou especializados (ERBOLA-TO, 1985, p. 276; BARBOSA; RABAÇA, 2001, p. 646.).

Segundo Scalzo (2008), a revista surgiu na Alemanha, em 1663. Edificantes discussões men -sais, como era chamada, consistia em uma compilação de artigos sobre teologia e possuía o formato bem próximo ao de um livro; sua periodicidade, no entanto, tornava evidente que aquela publicação constituía um novo objeto. Inicialmente monotemática, ainda no século XVII a revista passa a adotar uma pauta variada, o que ocorre com o lançamento de Mercúrio das Senhoras, em 1693, na França, a pioneira entre as revistas femininas.

A primeira revista com o formato mais próximo daquele que conhecemos atualmente foi a Gentlemen’s Magazine, editada em 1731, em Londres, que tratava de forma leve de assuntos diversos. É dessa multiplicidade temática, inclusive, que se origina a denominação magazine. O termo, cunhado nessa época para se referir à revista, seria uma analogia às lojas e aos estabelecimentos comerciais onde se vendiam produtos variados, conforme lembra Scalzo (2008). Em 1749, surge Ladies Magazine, seguindo o mesmo padrão editorial, porém voltada para o público feminino.

Ainda segundo Scalzo (2008), no século XIX, a revista finalmente consolida seu espaço. O

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Ainda nos oitocentos, a volta das navegações rumo ao Oriente fez surgir revistas literárias e

científicas, de que são exemplo a Scientific American e a National Geographic. No início do século XX, apareceram as primeiras revistas semanais de notícias, como é o caso da Time, em 1923. Na década seguinte, a ideia de reunir, em um único espaço, tirinhas veiculadas em jornal deu origem aos quadrinhos. Nessa mesma época surgiram também as revistas ilustra-das e de fotorreportagens, cujo ícone foi a Life, de 1936 (SCALZO, 2008).

O pós-guerra, em meados do século XX, também reservou novidades para área editorial. Na Itália, apareceram as fotonovelas, de grande apelo romântico, e que seriam sucesso entre as moças de muitas gerações. Na França, a Revista Elle surgiu com o propósito de fazer as mu-lheres recuperarem a vaidade, a feminilidade e também a decoração da casa – todas

destru-ídas pela guerra – com poucos recursos financeiros. Foi também nesse momento que, como

lembra Mira (2001), os jovens passaram a ser vistos como uma categoria social distinta e a ter

publicações voltadas especificamente para eles, a maioria em torno da incipiente cultura das músicas pop e rock. Ainda segundo Mira (2001), no final do século, a relevância atribuída à

sustentabilidade e à saúde deu origem a uma série de revistas voltadas para o meio-ambiente e para os cuidados com o corpo.

É possível perceber, pelo que foi exposto, que uma das segmentações mais antigas de

pú-blico se dá em termos de gênero. A esse respeito, Mira (2001) afirma que nos gêneros mas -culinos há um predomínio da ação sobre a narração, esta última mais comum no gênero feminino. Segundo a estudiosa, a masculinidade está intrinsecamente vinculada às noções

de performance, autossuficiência, autoconfiança, força física e competição, o que torna os

homens propensos à aventura e aos esportes. Essas ideias vão ao encontro da teoria de Morin (1997), que também reconhece o esporte como terreno da virilidade. Como temas da

imprensa feminina, o estudioso define, de um lado, a casa e o bem-estar, de outro, a sedução e o amor. Ele afirma ainda: “No seio da cultura de massa, os temas ‘viris’ (agressão, aventura, homicídio) são projetivos. Os temas ‘femininos’ (amor, lar, conforto) são identificativos. (MO -RIN, 1997, p. 139)

Além do gênero, outros critérios comuns de segmentação são idade, região e tema, mas elas não param por aí. A lógica que rege a produção das revistas é a de que “quem quer falar com todo mundo acaba não falando com ninguém” e, por isso, “é preciso falar com menos gente, para falar melhor” (SCALZO, 2008, p. 44). Tendo por base esse princípio, não é de se admirar que exista uma “segmentação dentro da segmentação” (SCALZO, 2008, p. 49). A tendência é que a revista seja dirigida a grupos cada vez menores, com interesses cada vez mais

espe-cíficos. É nesse aspecto que reside o potencial da revista em agregar leitores com o mesmo perfil e em reafirmar a identidade particular desse público perante outro grupo que não é leitor

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A revista é também um encontro entre um editor e um leitor, um contato que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse senti -do, ajuda a construir uma identidade, ou seja, cria identificações, dá a sensa -ção de pertencer a determinado grupo. (SCALZO, 2008, p. 12)

Um dos segmentos que mais experimentou esse processo de sub-segmentação foi, sem dúvi-da, o feminino. No século XIX, a fórmula editorial das publicações voltadas para as mulheres consistia em “afazeres do lar e novidades da moda” (SCALZO, 2008, p. 22). Até meados do século XX, esse binômio temático permaneceu como pauta única das revistas femininas, e a explicação para isso é bem simples: o papel da mulher na esfera social era pré-determinado e era um só, casamento e maternidade, não havia alternativa.

No entanto, as mudanças históricas e estruturais, decorrentes da guerra ou do progresso,

bem como as reivindicações dos movimentos feministas deram origem a novas configurações

sociais, e as mulheres deixaram de constituir um grupo homogêneo de “rainhas do lar”. A partir das décadas de 60 e 70, as revistas femininas passam a se dirigir a um outro público, que não é mais aquele composto apenas por donas de casa, mas que engloba também

pro-fissionais em busca de realização (SCALZO, 2008). É nessa época que surgem publicações

que discutem carreira, independência, relacionamento, sexualidade e machismo, embora os temas tradicionais não tivessem desaparecido por completo e o esforço em agradar o homem ainda permeasse algumas editorias.

De acordo com Buitoni (1990), por essa capacidade de preservar o que é considerado de bom tom, mas, ao mesmo tempo, de incorporar rapidamente as mudanças, a imprensa feminina é vista como “termômetro de costumes da época” (p. 24). As revistas e jornais voltados para o público feminino representam o que é ser mulher na sociedade e no contexto em que são produzidos; mas como na modernidade tardia a tônica é a instabilidade, e a transformação é frequente, as questões de gênero são constantemente revistas, e o conceito do que é “ser mulher” precisa ser sempre refeito. Isso explica por que a imprensa feminina se alterna em posições conservadoras e revolucionárias. Em determinadas épocas, assumiu a defesa da esposa dedicada e submissa, da mãe resignada e devota; em outras, levantou bandeira em defesa da liberdade sexual, do uso de anticoncepcionais e do direito de aborto.

É também Buitoni (1990) que alerta para o fato de que as revistas femininas não apenas

apre-sentam o que significa ser mulher para determinada geração, mas também ensinam como ela

deve ser. Em outras palavras, as publicações femininas não apenas representam alguns mo-delos de mulheres existentes, mas também constroem um ideal de mulher a ser imitado. Por

trás dos assuntos aparentemente superficiais, existe uma carga fortemente ideológica, que

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feminina é edificado sobre a cumplicidade que esse meio tenta estabelecer com o público,

posicionando-se não como mera fonte de informação, mas como a amiga conselheira:

Alguns estudos já apontaram a armadilha lingüística usada pela imprensa fe-minina. Por detrás do tom coloquial, existe todo um ordenamento de conduta. “Você, minha amiga” traz uma imposição sub-reptícia: a leitora aceita muito mais facilmente a ação que vem sugerida logo adiante [...] Numa linguagem muito próxima à da publicitária, os textos dirigidos à mulher são verdadeira comunicação persuasiva, aconselhando-a a todo momento sobre o que fazer. (BUITONI, 1990, p. 75)

As prescrições sobre o que é conveniente, tanto em termos de aparência quanto em termos de personalidade e comportamento, servem à construção da identidade do indivíduo, a qual

pode ser mantida ou transformada visando a um determinado fim, como a felicidade ou a visi -bilidade, por exemplo, conforme nos lembra Freire Filho (2007). É nesse sentido que o teórico

afirma que as publicações femininas atuam como mapas cognitivos e anteparos emocionais. Convém lembrar que Thompson (1998) afirma que o desenvolvimento da mídia promove uma

maior difusão de mensagens ideológicas e, dependendo do modo como são interpretadas e incorporadas na vida do indivíduo, elas podem estabilizar ou reforçar relações de poder, em vez de enfraquecê-las. As relações de gênero são particularmente citadas pelo britânico como um ambiente propício para que isso ocorra.

No mundo capitalista, a construção da identidade feminina nas revistas está necessariamen-te vinculada ao consumo. Ser como a mulher idealizada pela publicação envolve não só se comportar como ela, mas também adquirir os mesmos produtos e serviços que ela utiliza ou que ela recomenda, por meio das dicas ou da própria publicidade veiculada. A esse respeito, Scalzo (2008) comenta que as revistas femininas na França já haviam sido apelidadas como magalogues, um misto de magazine e catalogue (revista e catálogo). Também Freire Filho

(2007) afirma serem as revistas, simultaneamente, produtos culturais e mercadorias:

Como produtos culturais, circulam numa economia cultural de significados co -letivos, fornecendo receitas, padrões, narrativas, representações, critérios e re-ferenciais significativos para a condução da vida diária das leitoras e sua capa -cidade de situar-se no mundo moderno. Como mercadorias, constituem bens comerciáveis de empresas jornalísticas, cujo lucro é trazido pelos anunciantes (amiúde, do setor de moda e cosméticos). (FREIRE FILHO, 2007, p. 120)

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pas-sou a constituir uma publicação independente chamada A casa de Cláudia. De fato, Buitoni

(1990) já afirmava que o sustentáculo das publicações femininas consiste no tripé “casa,

moda, coração”. Essa receita, vigente desde as primeiras revistas voltadas para as mulheres, ainda se faz presente na imprensa voltada para esse segmento, em pleno século XXI, mesmo nas publicações voltadas para a dita “mulher moderna” e que se propõem a inovar, conforme se verá no caso da TPM.

TPM: Trip para mulher

A Trip para mulher, conforme já se disse, surgiu no primeiro ano do século XXI, com a pro-messa de ser uma revista feminina revolucionária. No site da Editora Trip, responsável pela

publicação, assim se define a linha editorial da TPM:

Com uma abordagem natural e cheia de originalidade, a Tpm traz os temas e debates mais polêmicos do universo feminino por meio de matérias que traduzem o dia a dia das mulheres. Lançada em 2001, a revista nasceu com o objetivo de atender às mulheres insatisfeitas com o tratamento dispensado a elas pela maioria das publicações femininas do país. Com um conteúdo moderno e inovador, a Tpm representa muito bem a realidade desse de (sic) mulheres com um ótimo acesso à cultura e à informação.2

A insatisfação quanto às revistas femininas existentes até então, bem como o acesso à cultura e à informação, delimitam o público da TPM, que desde o início caracterizou-se como uma publicação de nicho; nos dados gerais da revista, disponíveis no site da Editora Trip3, registra-se a tiragem de 25.000 exemplares por mês, um número irrisório registra-se comparado ao de outras publicações mensais voltadas para mulheres, tais como Cláudia, Nova e Marie Claire, por exemplo, com tiragens de 422.810, 232.188 e 206.365 exemplares, respectivamente.4 Cabe ainda ressaltar que, nos dados comerciais da Revista TPM, também disponíveis no site da Editora Trip5, o texto de descrição da revista sofre algumas modificações e, além do acesso à cultura e à informação, aparece também “maior poder aquisitivo” como uma característica

que define a leitora de TPM. A ficha técnica indica ainda a faixa etária do público consumidor da revista, 15 a 30 anos, embora as mulheres representadas nas matérias componham, em sua maioria, a faixa dos 30 aos 45, conforme se verá na análise dos dados.

2 Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/tripeditora/nucleo_trip.php?id=21#1>. Acesso em: 28 nov. 2010.

3 Idem.

4 Dados da Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER), relativos ao 1º semestre de 2010.

Disponível em: <http://www.aner.org.br/Conteudo/1/artigo42418-1.asp>. Acesso em: 28 nov. 2010.

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A maior parte das edições da TPM oferece à leitora duas opções de capa. Normalmente, elas variam quanto à personalidade representada, que pode ser um homem ou uma mulher. Via de regra, a celebridade masculina é a que posará para a seção “Ensaio”, e a feminina é a que

será tema de uma das matérias da seção “Perfil”.

TPM apresenta 10 seções fixas, além do editorial. As seções “Páginas Vermelhas”, “Perfil” e “Editora convidada” consistem em matérias com personalidades, a maioria mulheres, que podem ser da moda, do cinema, da música, da literatura, das artes plásticas, da culinária, da

política, entre outros. “Páginas Vermelhas” apresenta-se sob o formato de entrevista e “Perfil”,

conforme foi dito, geralmente aborda a personalidade retratada na capa da edição. “Bazar” e “Badulaques” são seções de variedades. Esta última registra as impressões pessoais da editora Nina Lemos a respeito de diversos assuntos cotidianos, o que lhe confere um tom de crônica. “Reportagens” traz matérias relacionadas ao comportamento – normalmente a maté-ria comentada no editomaté-rial da edição – e aos esportes. A seção “Por aí” apresenta informações

sobre diferentes destinos turísticos. “Ensaio” consiste em uma seção fotográfica sensual com

algum modelo masculino, a exemplo daquelas comuns nas publicações voltadas para os

homens. “Magazine” trata de moda, beleza e decoração. Por fim, vem a última seção, “Colu -nas”, que se subdivide em “Respiro” (assinada por Maria Ribeiro), “Coluna do meio” (por Milly Lacombe) e “Pra fechar” (por Mara Gabrilli).

Metodologia

A seção “Reportagens”, como se viu, é a que mais se aproxima da editoria de comportamento, tema de grande relevância para tratar questões de gênero. Por esse motivo, foi a escolhida como objeto de estudo para a escrita do presente artigo. Foram analisadas as matérias veicu-ladas nessa seção nas edições de agosto, setembro e outubro de 2010, os três últimos meses anteriores ao momento de escrita do texto. O recorte temático e a delimitação do corpus em

três edições foram definidos em função do tempo de produção e do limite de páginas do tra

-balho. Já o recorte temporal se justifica com base na atualidade dos dados. Estudar edições

antigas não faria sentido, já que a linha editorial do produto poderia ter se alterado a ponto de não espelhar a linha vigente nas edições atuais.

Durante a análise, buscou-se dar atenção aos temas retratados, à abordagem feita, à lingua-gem utilizada, com o objetivo de delinear o modo como as mulheres vêm sendo representa-das pela TPM e de perscrutar as possíveis relações de identificação ou de projeção estabe

-lecidas entre as leitoras e algumas mulheres que figuram nas páginas da revista analisada. Vale lembrar que embora o exame mais detalhado tenha tomado por referência a seção

“Re-portagens”, eventualmente houve menção a outras seções a fim de se comprovar uma tese

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Análise dos dados

A reportagem da TPM nº 103, intitulada “Na ponta da língua”, abordou o tema do sexo oral recebido (e não o praticado) pelas mulheres. A matéria se propunha a mostrar que apesar de a maioria dos homens declarar o seu apreço por esse tipo de sexo, grande parte das mulheres não se satisfaz com a maneira como ele vem sendo praticado e não conversa com o parceiro sobre o assunto:

A gente se acha tão moderna, mas aceita coisas como anos de sexo oral ruim sem conversar, sem ensinar como gostaria que fosse. [...] Mas que tal dizer para o namorado, marido ou ficante que você preferia que ele te chupasse de outra maneira? (TPM, n. 103, p.50-52)

Antes de mais nada, vale destacar a ousadia na própria escolha do tema. A abordagem de assuntos relacionados ao sexo não é rara nas publicações femininas, mas, na maioria das

vezes, é superficial. Fala-se muito em “fugir da rotina” ou em “apimentar a relação”, mas a

verdade é que a discussão não vai muito além dos artifícios da sedução utilizados nas

prelimi-nares. Tratar de um tópico tão íntimo e tão específico como fez a TPM não é comum, e menos comum ainda é tratá-lo sob a perspectiva do prazer feminino, quase sempre preterido em favor das “maneiras de enlouquecer um homem na cama”, usualmente o foco das matérias das outras revistas do segmento.

Ao mostrar que as parceiras ainda aceitam algumas situações inadmissíveis, a TPM explicita a

dificuldade de confrontar tabus, o que mostra que a mulher do início do século ainda não con

-seguiu romper totalmente com os valores antigos e confirma as ideias de Hall (2006), a respei -to da ausência de um “eu” coerente. A revista, no entan-to, conclama a lei-tora a libertar-se dos modelos tradicionais e a se responsabilizar pelo próprio prazer. Por trás da assertiva “a gente [...] aceita [...] sexo oral ruim sem conversar, sem ensinar como gostaria que fosse [...]”, há uma

sugestão implícita para que a mulher reclame com o parceiro, o que se confirma na sugestão explícita “[...] que tal dizer para o namorado [...]?”. Essa orientação dada pela revista confirma

as ideias de Buitoni (1990) sobre o discurso instrucional presente na imprensa feminina.

Outro ponto relevante a ser observado no trecho analisado é o uso da 1ª pessoa. Esse re-curso, marca autoral conhecida da revista TPM, é de grande importância para estreitar o laço

existente entre a leitora e a revista, ou, nos dizeres de Scalzo (2008), “o fio invisível que une

leitor e editor”. Ao dizer “a gente” (que embora se conjugue na 3ª pessoa, equivale a “nós”), em vez de simplesmente “a mulher”, a redatora da matéria assume um lugar discursivo, reco-nhecendo-se como parte desse grupo de mulheres que vivencia o problema discutido. Essa estratégia argumentativa sem dúvida confere credibilidade à reportagem, pois a leitora

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compartilha daquela experiência e, portanto, por quem entende do assunto. Note-se ainda que “a gente” é mais informal do que “nós”, o que pressupõe um vínculo ainda mais próximo entre a leitora e a equipe editorial da revista.

O último aspecto digno de nota com relação ao excerto é o emprego do termo “chupasse”, feito com naturalidade, de forma quase espontânea e sem constrangimento. Em uma outra revista feminina, a expressão provavelmente seria maquiada com um eufemismo. Mas a

es-colha lexical nesse caso se justifica. Se o objetivo é quebrar paradigmas, não faz sentido man -ter o pudor da linguagem moralmente correta. Deve-se lembrar ainda que o público da revista TPM é aquele oriundo da revista Trip e, portanto, mais habituado ao jargão utilizado no meio masculino. A própria TPM enfatiza o diferencial das suas leitoras, criticando,

sistematicamen-te, o comportamento que ela qualifica (ou melhor, desqualifica) como “mulherzinha”.

A semelhança com a editoria masculina e a preocupação com o próprio prazer são também evidentes na seção Ensaio. Conforme já se disse, essa seção apresenta fotos sensuais de modelos masculinos, um feito inédito nas revistas voltadas para mulheres. As publicações fe-mininas não se furtam a propagandear os galãs do cinema ou da televisão, mas a sua aborda-gem é quase romântica. Noticiam-se alguns dados e curiosidades a respeito da personalidade

retratada, divulgam-se algumas fotos –comportadas –, e a matéria final não se difere muito

daquelas que costumam aparecer nas publicações para as adolescentes. A abordagem da TPM, até pela sua origem, obviamente se aproximará mais das revistas masculinas. Ao

privi-legiar um ensaio fotográfico sensual, TPM subverte um comportamento cristalizado no campo do erotismo. A mulher pode experimentar o outro lado da relação, exercendo a condição, não mais – ou não apenas – de objeto, mas também de sujeito do desejo, e esse desejo, é

im-portante dizer, pode significar mera atração física, contemplação estética, não precisa estar

necessariamente vinculado ao sentimento, como muitas vezes é exigido que esteja.

Outra marca típica de editoria masculina que constitui presença constante na TPM é o gosto por matérias relacionadas ao esporte (MIRA, 2001; MORIN, 1997). Em um mundo onde os contornos que delimitam o que é masculino e o que é feminino estão cada vez mais borrados, não é de se espantar que temas como surf, skate, judô componham a pauta de uma publica-ção feminina. É interessante notar que a inovapublica-ção não se limita ao fato de a revista falar sobre esportes para um público feminino. TPM inova na própria escolha dos esportes noticiados, que não são os mais comuns entre as mulheres, e também na abordagem dada ao tratamento do tema: as matérias geralmente se referem à prática desses esportes pelas garotas.

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piranhas e correr 9 quilômetros. Nenhuma das competidoras retratadas na matéria era atleta

profissional (entre elas, havia uma bióloga, uma empresária, uma professora e uma dentista),

todas adotavam o esporte como estilo de vida. Outro ponto que merece destaque na matéria é a associação feita entre o esporte e a modelagem do corpo. Todas as participantes

comenta-ram sobre esse tópico: a empresária declarou achar bonito “um corpo magro, porém definido,

saudável”; a dentista revelou que não acha legal “ser seca nem magra demais”; a bióloga

afirmou estar forte e definida em função “da boa performance e do treinamento” e a professora

admitiu achar mais atraente “uma forma atlética e saudável do que um corpo magro e sem tonicidade”.

A esse respeito, é importante citar a teoria de Guiddens (2002), que cita o corpo e o estilo de vida como elementos importantes na constituição da autoidentidade. A valorização da prática esportiva como um estilo de vida e do corpo esculpido pela performance atlética lançam novos

referenciais simbólicos, em que a saúde, o bem-estar e a determinação figuram como valores

capitais para a constituição das identidades em formação, uma tendência já apontada por Mira (2001), como foi visto na introdução deste artigo. A reportagem inaugura também um modelo alternativo de beleza, em que o que é tido como valor não é mais a magreza excessiva, mas sim a magreza saudável, aliada à força, à tonicidade e à resistência. É interessante notar que o desejo de ter o controle do próprio corpo, mencionado por Giddens (2002), permanece. A prática da atividade física, assim como os regimes alimentares citados pelo teórico britânico, constitui um meio de o indivíduo moldar o contorno do seu corpo conforme sua vontade.

Se pensarmos em termos da construção de uma identidade feminina, fica evidente a subs

-tituição do modelo da mulher frágil, delicada e confinada ao espaço doméstico por um novo

modelo possível, em que a mulher é forte, corajosa e se lança à conquista dos espaços

geo-gráfico – como no caso de desbravar a floresta amazônica – e social, ao tomar parte em es -feras que eram praticamente de domínio exclusivo dos homens. No melhor estilo Girl Power, a reportagem da TPM intitula-se “X-Women”, uma referência à prática de esportes radicais (chamados também de x-games), mas que pode ser também interpretado como uma alusão aos “X-Men”, famosos super-heróis dos quadrinhos e da animação. Deve-se, contudo, ressal-tar que a identidade da heroína, nesse caso, funciona não como representação do real – já

que o perfil da mulher-atleta, vitoriosa e autossuficiente, ainda é raro se levarmos em conta a totalidade da população feminina –, mas como projeção, o que confirma as ideias de Morin

(1997) a respeito da natureza dos temas masculinos presentes nas publicações femininas.

Também confirma a teoria de Morin (1997), com relação aos temas projetivos e identificativos,

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Você sai para trabalhar, deixa o filho com a babá e quase morre de culpa? Ou parou de trabalhar, demitiu a babá e agora morre de tédio? [...] Não quero menosprezar a dor da mãe que hoje deixou o filho com febre porque não con -seguiu adiar a reunião. Também não quero diminuir a angústia daquela que decidiu deixar a carreira de lado para ficar mais perto das crianças e não sabe mais direito quem é. Escolhas difíceis, incertas, abarrotadas de cobranças internas e externas. Trabalho e filhos... Trabalho e filhos? Será mesmo esse o dilema central das mães contemporâneas? (TPM, n. 102, p. 50-52)

Ao contrário do que ocorreu na matéria previamente analisada, a reportagem da TPM nº 102 retrata não as “X-women”, modelos de persistência, vitória e ótima forma física, mas as mu-lheres comuns do século XXI, que se digladiam constantemente com as pressões externas e internas e com o peso das escolhas que se veem forçadas a assumir. A probabilidade de a

leitora se identificar com o dilema estabelecido é tanta, que a própria autora da matéria afirma:

“você não é a pior mãe do mundo. É apenas uma mãe do século 21, como 56% das brasileiras

que, segundo o IBGE, hoje conciliam trabalho e filhos” (p. 50). O dado do IBGE revela que mais da metade das mulheres brasileiras vivencia o problema descrito, o que confirma a re

-lação de identificação que o público estabelece com os temas femininos retratados na mídia,

conforme já havia sido descrito por Morin (1997).

O “dilema central das mães contemporâneas”, dividir-se satisfatoriamente entre filhos e pro

-fissão, talvez fosse inexistente ou menos intenso em gerações passadas, já que, antes da

emancipação feminina, a maternidade era vista como vocação natural da mulher, o que abria prerrogativa para que ela abdicasse de qualquer outra vocação que desejasse seguir. Esse fato vem ao encontro da ideias de Guiddens (2002), que, como foi visto, postula que o peso da tradição era limitador, mas reconfortante, e que a contemporaneidade torna o indivíduo inseguro pelas possibilidades abertas de escolha.

A tensão entre os anseios conflitantes, que ora resulta em uma mãe culpada, ora termina em uma profissional frustrada, e que parece tão sem solução, nada mais é do que a expressão

das identidades contraditórias descritas por Hall (2006). A identidade materna impele a

mu-lher a determinadas escolhas, enquanto a identidade profissional a impele a outras. A matéria

da TPM procura fornecer à leitora uma solução pacificadora, em que seja possível à mulher

contemporânea conciliar as duas identidades conflitantes. Ao procurar confortar sua leitora,

TPM desempenha um importante papel, muito comum na imprensa feminina, o de anteparo emocional, conforme foi percebido por Freire Filho (2007).

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mas sempre enfatizando a necessidade de não se dedicarem exclusivamente a esse papel. Ressaltaram-se a importância de a mãe também ter o seu próprio tempo e seu próprio espa-ço, bem como a necessidade de respeitar a própria carreira.

É interessante observar, no entanto, que esse grupo não é homogêneo. As considerações mencionadas foram feitas pelas participantes da reportagem que detinham maior poder aqui-sitivo: uma apresentadora de TV, uma assessora de imprensa e duas sócias de empresas. A condição socioeconômica, nesse caso, ajuda um pouco na resolução do dilema. Horário de

trabalho flexível, jornada de meio horário, motorista particular, babás foram alguns dos ele

-mentos que figuraram nos depoi-mentos colhidos e que, por certo, auxiliam essas mulheres

a administrar melhor as duas funções. Nesse sentido, talvez não seja exagero supor que a matéria também atue no eixo da projeção. A TPM é voltada para um público de maior poder

aquisitivo, o que garante a identificação, mas como bem lembra Morin (1997), na projeção, a

vida está sempre em um patamar mais elevado que na vida cotidiana.

Considerações finais

A mulher contemporânea alcançou importantes feitos, indo muito além da mera conquista do mercado de trabalho. Mais do que conseguir empregos que garantissem sua autonomia

financeira, ela conseguiu planejar carreiras, que lhe propiciam o desenvolvimento de sua

autoexpressão e a consequente realização pessoal. No entanto, apesar de ter ampliado o

seu espaço e o seu papel sociais, tendo inclusive conquistado cargos de chefia no mercado

empresarial ou posições de mando na política, a mulher não conseguiu abolir totalmente os paradigmas concernentes às questões de gênero. As instituições, embora enfraquecidas, permanecem e continuam a exercer sobre os indivíduos uma pressão pela manutenção dos valores tradicionais.

A revista TPM, assim como outras de sua área, consegue captar essa tensão estabelecida na sociedade contemporânea, decorrente de movimentos antagônicos de permanência e de rup-tura, por isso as mulheres de suas páginas por vezes assumem posturas paradoxais,

consti-tuindo profissionais gabaritadas, independentes, porém ainda reprimidas em alguns aspectos

sexuais ou culpadas por não desempenharem integralmente o papel de mãe.

Consciente do papel transformador da mídia, TPM se propõe a lançar novos paradigmas, nos

quais a mulher se apresenta como figura forte, autônoma, “descolada” e bem-resolvida, forne -cendo insumos projetivos para que sua leitora avance na solução de seus dilemas.

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tradicionais da imprensa feminina, mas nem sempre consegue levá-lo a cabo. Conforme se viu, TPM inova, tanto na escolha quanto na abordagem dos temas, e também na lingua-gem utilizada, mas continua desempenhando papéis atribuídos às publicações femininas, tais como o de se posicionar como a amiga da leitora, servindo-lhe de anteparo emocional ou ins-truindo-a sobre como deve proceder, ou ainda, atuando como o “termômetro de costumes da época”. Além disso, as editorias de moda, comportamento, casa e beleza, pilares das revistas femininas desde o seu surgimento, continuam presentes na revista TPM, como comprovam as seções reportagem e magazine.

Tanto a mulher TPM quanto a revista TPM se afastam de suas congêneres. A tiragem de 25.000 demarca bem a delimitação desse grupo, que, em muitos aspectos, distanciam-se dos demais. Contudo, considerá-las modelos totalmente alternativos de mulher e de produto editorial, respectivamente, talvez constitua um exagero.

Referências Bibliográficas

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GUIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 10-104.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 7-43.

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MIRA, Maria Celeste. A era do marketing: revistas segmentadas e a construção da identidade através do consumo. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olhos d’Água/FAPESP, 2001. p. 147-212.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

Referências

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