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A VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO E O INADIMPLEMENTO DOS DEVERES LATERAIS IMPOSTOS PELA BOA-FÉ

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A VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO E O INADIMPLEMENTO

DOS DEVERES LATERAIS IMPOSTOS PELA BOA-FÉ

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

(2)

RAFAEL MARINANGELO

A VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO E O INADIMPLEMENTO

DOS DEVERES LATERAIS IMPOSTOS PELA BOA-FÉ

Dissertação apresentada à banca examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção de

título do título de MESTRE em Direito (Direito

das Relações Sociais), sob a orientação do

Professor Doutor Renan Lotufo.

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

______________________________

______________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sérgio e Célia, a quem dedico meu mais profundo amor, por tudo;

À minha amada e generosa esposa Juliana, por ter se mantido firmemente ao meu lado, nas maiores adversidades da vida, com paciência, carinho, compreensão e incansável amor;

Aos meus verdadeiramente amigos Tânia Aoki Carneiro, Diogo Leonardo Machado de Melo, Marcelo Benacchio, Ragner Limongeli Viana, Maristela Basso, Giovanni Ettore Nanni, José Américo Madeira Pinto Junior, Fábio Lemos Zanão e José Horácio Halfeld Ribeiro, pelos incentivos e conselhos;

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RESUMO

A complexidade das relações sociais, notadamente após o advento da grande segunda guerra, influenciou, decisivamente, a legislação, doutrina e jurisprudência dos países europeus, consagrando uma nova visão do fenômeno obrigacional, atribuindo-lhe critérios valorativos e éticos.

Nesse contexto, o princípio da boa-fé assume papel de extrema relevância, encontrando justificação no interesse coletivo das ações pessoais, pautadas na correção e retidão, garantindo a promoção dos valores constitucionais do solidarismo e da justiça social, reprimindo as condutas que se desviem dos parâmetros de honestidade e lisura.

Para o alcance de cada um desses objetivos, a boa-fé exerce papel específico no campo obrigacional, ora funcionando como cânone hermenêutico-integrativo, ora como norma de criação de deveres jurídicos, ora como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos.

No presente trabalho, abordaremos cada um desses papéis desempenhados pela boa-fé objetiva, com especial atenção à criação de deveres jurídicos e seus efeitos, dentro da relação obrigacional, identificada pela doutrina alemã como um tertium genus à figura dicotômica da mora e do inadimplemento absoluto, denominada de violação positiva do contrato.

Procederemos a análise do inadimplemento no direito brasileiro e da violação positiva do contrato, cotejando-os sempre que possível, de modo a desenvolvermos análise crítica sobre o assunto.

(6)

ABSTRACT

The complexity of social relations has decisively influenced legislation, legal theory, and jurisprudence in Europe, particularly in the wake of World War II. A different view of the phenomenon of obligation was recognized and it was attributed evaluative and ethical criteria.

In this context, the principle of good-faith assumes an extremely important role and finds justification in the collective interest of persons acting on the basis of correction and rectitude, thus fostering the constitutional values of social solidarity and social justice, while repressing conducts deviating from the parameters of honesty and integrity.

For these purposes, good-faith has a specific role in the field of obligation, at times functioning as an integrative hermeneutic canon, at other times as a rule for creating legal duties, or at still other times as a rule limiting the exercise of subjective rights.

This study will approach each of those roles performed by objective good-faith, with special attention to the creation of legal duties and their effects on relations of obligation, identified by German legal theory as a tertium genus to the dichotomy of default and absolute default, described as positive breach of contract.

(7)

1. INTRODUÇÃO...8

2. O PRINCIPIO DA BOA-FÉ: CONTEÚDO E PAPEL NAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS ...17

2.1. Princípios Jurídicos: Normas ou simples critérios de valoração?...19

2.2. O conteúdo do princípio da Boa-fé...26

2.2.1. Boa-fé subjetiva e Boa-fé objetiva ...27

2.3. A boa-fé como cânone hermenêutico-integrativo ...33

2.4. A boa-fé como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos...38

2.5. O princípio da boa-fé objetiva como fundamentador de deveres jurídicos ...43

3. RELAÇÃO JURIDICA OBRIGACIONAL COMPLEXA ...51

3.1. Confronto entre a relação obrigacional simples e complexa: processo de formação ...51

3.2. Estrutura da relação obrigacional complexa ...59

3.3 Deveres laterais e características fundamentais ...64

3.3.1. Deveres de proteção ...82

3.3.2. Deveres de lealdade e deveres de cooperação...84

3.3.3 Deveres de informação e esclarecimento ...86

4. ANALISE DO INADIMPLEMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ...91

4.1. Inadimplemento Absoluto...97

4.1.1. Impossibilidade ...98

4.1.2. Perda de Interesse do Credor ...105

4.2. Mora...107

4.3. Cumprimento Imperfeito ...122

5. A VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO E SUA APLICAÇÃO ...126

5.1. Desenvolvimento da doutrina da Violação Positiva do Contrato...126

5.2. Descumprimento das obrigações negativas ...135

5.3. Descumprimento dos deveres laterais...138

5.4. Cumprimento Imperfeito de deveres de prestação e os deveres laterais...144

5.5. Descumprimento de deveres de entrega nas obrigações duradouras ...147

5.6. Quebra antecipada do contrato ...151

5.7. A Violação Positiva do Contrato no ordenamento jurídico brasileiro ...157

6. CONCLUSÃO...164

7. APÊNDICE...168

(8)

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da personalidade está intimamente relacionado às aspirações almejadas pela pessoa. A conquista de tais aspirações não pode, entretanto, ser alcançada isoladamente, exigindo do homem o exercício de ampla e contínua colaboração mútua na busca de seus desideratos.

O instituto das obrigações, ou direitos de crédito, exerce papel dominante na realização do fenômeno de colaboração econômica entre os homens, constituindo-se em instrumento primordial para o tráfico jurídico na circulação, produção e repartição de riqueza.

A despeito da relevância assumida na circulação de bens e serviços, o direito das obrigações ampliou seu espectro de atuação para abranger, também, outras relações jurídicas, destinadas a satisfazer interesses valiosos das partes, mesmo com a ausência do conteúdo econômico. Nesse diapasão, admite-se, atualmente, a existência de obrigação válida, desde que o interesse do credor seja digno de proteção legal e as partes tenham querido estabelecer um autêntico vínculo.1

Sabemos, entretanto, ser no campo do tráfico jurídico que o direito das obrigações exerce papel de relevo. Enquanto a ciência econômica preocupa-se diretamente com fenômenos de tal natureza em si mesmos, para obtenção do máximo de utilidade, a ciência jurídica contempla-os, por meio dos direitos e obrigações, cujo desenvolvimento implica, procurando obter solução mais justa.

1

(9)

Por isso, destacando a interdependência entre direito e economia, Mario Julio de Almeida Costa alerta para o fato de não poderem, os juristas, ignorar a utilidade econômica dos bens patrimoniais “porque é em função desta que sobre eles se constituem direitos e obrigações”.

E, na mesma linha de raciocínio, complementa, não poderemigualmente os economistas, “sem prejuízo da validade das suas investigações e conclusões, ignorar os aspectos jurídicos relativos aos bens de que eles estudam a produção, circulação e consumo. Pois, de um modo geral, todas as iniciativas que a ciência econômica indique como fatores de prosperidade - seja ao nível de uma simples empresa privada ou pública, seja relativamente à economia de um Estado ou até de uma comunidade econômica internacional - realizam-se mediante atos e transformações jurídicas. Então, para os economistas proporem adequadamente as suas providências, será preciso que estejam em condições de apreciar o alcance e a eficácia dos correspondentes aspectos jurídicos”2

Como conseqüência desse entrelaçamento entre ciência jurídica e ciência econômica, o direito das obrigações sofreu, ao longo de sua existência, profundas modificações. A crescente complexidade das relações sociais, notadamente no que diz respeito à nova racionalidade da economia globalizada, impulsionaram significativas mudanças, das quais podemos citar, a título de exemplo, o conceito de relação obrigacional complexa, o problema da boa-fé como reflexo do fenômeno geral da eticização jurídica, a funcionalização dos direitos de crédito, operada pela figura do abuso de direito, a

2

(10)

responsabilidade pré e pós-contratual, a doutrina da violação positiva do contrato, entre outras.3

De todas as inovações surgidas no âmbito do direito das obrigações, merecem especial atenção, no presente trabalho, a interação entre relação obrigacional complexa, princípio da boa-fé e violação positiva do contrato, enquanto fenômenos complementares inseridos em um círculo virtuoso.4

Essas novas figuras jurídicas compõem um quadro dogmático necessário à compreensão de hipóteses de destaque pertencentes ao campo obrigacional, notadamente do inadimplemento de deveres, oriundos não da vontade das partes, mas de imperativo legal-ético extraído do princípio da boa-fé, conhecido sob a rubrica de deveres laterais.5

Sobre o assunto, teve particular realce a evolução da doutrina alemã, após o advento do código civil de 1896, denominado de Bürgerliches Gesetzbuch, ou BGB, o qual, sob modelo dicotômico de inadimplemento, definiu e delimitou as conseqüências da impossibilidade (§ 280) e da mora (§ 286).6 Entretanto, o diploma civil tedesco nada fala

3

Os exemplos foram tirados de Mario Julio Almeida Costa, Aspectos Modernos do Direito das Obrigações, p. 73-101.

4

A expressão é de Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-fë e a Violação Positiva do Contrato. De acordo com o autor, a aceitação e compreensão da violação positiva do contrato partem da visualização do princípio da boa-fé e da relação obrigacional complexa e dos deveres laterais, enquanto, ao mesmo tempo, melhor ajudam a desenvolver as noções de incidência do princípio da boa-fé, da relação obrigacional complexa e dos deveres laterais. Sobre o assunto retornaremos adiante.

5 Pode-se encontrar, também, os mesmos deveres sob as rubricas de “deveres acessórios”, “deveres anexos” e

“deveres secundários”.

6

§ 280 do BGB: “Responsabilidade pela impossibilidade imputável - (1) Sempre que a prestação de tornar impossível em conseqüência de uma circunstância pela qual tem de responder o devedor, terá o devedor de indenizar o credor pelo dano causado pela inexecução. (2) No caso de impossibilidade parcial, pode o credor, sob recusa da parte da prestação ainda possível, exigir a indenização do dano por causa da inexecução de todo o compromisso, se a execução parcial nenhum interesse tiver para ele. As disposições dos §§ 346 a 356, estabelecidas para o direito de resolução convencional, encontram análoga aplicação.

(11)

quanto às hipóteses em que o devedor viole a obrigação mediante atuação positiva, ou seja, quando faz o que deveria omitir ou quando cumpre de modo imperfeito.

Conquista recente, a noção dicotômica de inadimplemento, imperou nos Códigos oitocentistas e consolidou-se daí em diante. Antes disso, não era encontrada nem na Glosa de Arcúrsio, nem nos maiores comentadores da doutrina pré-moderna, como Bártolo, Baldo, Paolo de Castro, nem mesmo nos sistematizadores franceses Donellus e Domat.7

A inauguração do tema deveu-se a Robert Pothier8, em obra intitulada de “Tratado das Obrigações Pessoaes e Recíprocas”, na qual ocupou-se dos danos resultantes da inexecução da obrigação e do atraso na execução. Influenciado pela obra, o Code de Napoleon, de 1804, inseriu a distinção entre inadimplemento e mora, difundindo a noção dicotômica do descumprimento obrigacional nos mais diversos diplomas emergidos da fase codificatória dos séculos XIX e XX.

Após quase um século de vigência do Code Napoleon, surgiu o BGB, fruto de influências históricas e doutrinárias bem expressadas na forma interna e externa da lei. Correspondendo ao ideal positivista da plenitude e da estrita vinculação do juiz à lei, o BGB nasceu com o propósito de compilar de maneira final e exaustiva sua matéria, pautando-se por conter estrutura conceitual rigorosa e divorciada da casuística.

este, com a recusa da prestação, exigir indenização de dano por inexecução. As disposições dos §§ 346 a 356 estabelecidas para o direito de resolução convencional, encontram análoga aplicação.”

7 Antônio Masi, InadempimentoPremessa Storica. In: Enciclopédia del Diritto, vol. XX, p. 858. 8

(12)

Os inconvenientes do rigorismo conceitual e sistemático do BGB, considerados na parte geral do código, foram minimizados pela feliz escolha do legislador em utilizar-se das chamadas cláusulas gerais, segundo as quais imprime linhas de orientação aos juízes, vinculando-os e ao mesmo tempo dando-lhes mobilidade para a solução de casos concretos.

Desse modo, apesar do caráter positivista e epigonal do BGB, tribunais e jurisprudência tiveram condições de manter-se a par das profundas transformações sociais e econômicas que inundaram a Alemanha após meio século de vigência do código.

Como fruto da evolução jurisprudencial alemã, o Direito das obrigações sofreu profundas modificações, notadamente no que se refere à relação obrigacional, reconhecida pela prática e pela teoria como relação jurídica complexa (organismo), cujos vastos contornos permitem deduzir múltiplos deveres acessórios e de proteção, aplicáveis a ambos os pólos da relação.

No campo do inadimplemento a situação não foi diferente. Extrapolando as figuras rígidas, de não cumprimento, previstas no BGB e consubstanciadas nas inexecuções e cumprimentos tardios das obrigações, a jurisprudência consolidou outros casos de inadimplementos (cumprimento defeituoso e por meio de ação positiva), os quais obrigam à indenização dos prejuízos e possibilitam à parte a denúncia do contrato.9

O desenvolvimento dessa doutrina deveu-se a Herman Staub, advogado alemão, cuja argúcia e análise da prática forense rendeu-lhe a percepção da existência de

9

(13)

um largo espaço a ser preenchido entre as noções de inadimplemento e mora prevista pela codificação civil de seu país.

Em 1902, publicou no Festschrift für den XXVI Deutschen Juristentag, o artigo Die Positiven Verttragsverletzungen und ihre Rechtsfolgen, ou “as violações positivas do contrato e suas conseqüências jurídicas”, no qual procurava encontrar fundamento para os casos em que o descumprimento da obrigação decorria de atuações positivas.10

Com esta obra, Staub recepcionou o conceito do antecipated breach of contract, oriundo da comom law, iniciando-se, assim, grande transformação da relação obrigacional, admitindo-se a existência de deveres acessórios ou implícitos, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé.11

Reconheceu-se, com isso, o princípio da boa-fé como fonte autônoma de direitos e obrigações na relação obrigacional, cujos vínculos dialéticos entre credor e devedor, podem ser complementados com elementos alheios aos pactuados a fim de obter o correto adimplemento.12

O escrito de Staub teve imediata repercussão na jurisprudência alemã, que vislumbrou na “violação positiva do contrato” margem oportuna para a concretização de casos reais, anteriormente, de difícil solução. Também a doutrina não ficou indiferente à obra de Staub, expendendo forças, entretanto, não para consolidá-la, mas para criticá-la.

10

Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 13.

11 Clóvis do Couto e Silva, O Princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. 12

(14)

Dentre os mais ferrenhos críticos destacou-se Heinrich Stoll, pugnando pela desconsideração da doutrina, ao considerar ausente, no conceito proposto, qualquer espécie de unidade. Todavia, Stoll, na luta pela derrubada da tese de Staub, surpreendentemente, contribuiu para a consolidação da doutrina da “violação positiva do contrato”.

Tal contribuição deveu-se ao fato de Stoll ter realizado profundo estudo do direito das obrigações, distinguindo, no vínculo obrigacional, os deveres de prestação dos deveres de proteção, estes cominados pela boa-fé. Desse modo, auxiliou a compreensão e organização dos deveres laterais, decorrentes da obrigação, os quais compõem exatamente o espectro de aplicação da violação positiva do contrato.

Mas, a teoria de Staub transcendeu a questão relativa ao simples dever de indenizar, para abranger, também, nesta hipótese, os outros efeitos do inadimplemento, tais como o dever de recusar a prestação mal efetuada e a possibilidade de resolver o contrato.13

O problema da responsabilização civil passa, pois, a assumir papel secundário para a doutrina da violação positiva do contrato, pois não se imaginava que os casos a ela relativos não seriam geradores de indenizações, independentemente, do fundamento destas. 14

O ponto fulcral da questão estava no fato de que todo dano merece ser ressarcido e a simples indenização, seja pela responsabilidade civil extracontratual ou pela

13 Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 25. 14

(15)

aplicação analógica do instituto da impossibilidade, não seria suficiente à satisfação das necessidades do lesado.15

Por tal motivo, a solução estaria em aplicar o regime analógico da mora16, para o fim de reconhecer à parte leal do contrato a possibilidade de escolher entre manter o contrato e impor indenização por cada violação singular, exigindo a indenização geral, quando do não cumprimento do contrato ou rescindi-lo.17

Com isso, extrapolava-se a simples questão indenizatória para ocupar-se dos outros efeitos do inadimplemento, transformando a doutrina da violação positiva do

contrato em “forte instrumento de dogmático de colmatação das hipóteses de

inadimplemento”. 18

Assumindo a importância da teoria da violação positiva do contrato para o ordenamento alemão, como fundamento para a geração de efeitos, tais como a resolução

15

António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 596.

16

“§ 326 - Schuldnerverzug - (1) Ist bei einem gegenseitigen Vertrag der eine Teil mit der ihm obliegenden Leistung im Verzuge, so kann ihm der andere Teil zur Bewirkung der Leistung eine angemessene Frist mit der Erklärung Bertimmen, daβ er die Annahmeder Leistung nach dem Ablaufe der Frist ablehme. Nach dem Ablaufe der Frist is ter berechtigt, Schadensersatz wegen Nichterfüllung zu verlangen oder Von dem Vertrage zurückzutreten, wenn nicht die Leistung rechtzeitig erfolgt ist; der Anspruch auf Erfüllung ist ausgeschlossen. Wird die Leistung bis zum Abalufe der Frist teilweise nicht bewirkt, so findet die Vorschrift des § 325 Abs. 1 Satz 2 entsprechende Anwendung. (2) Hat die Erfüllung des Vertrags infolge des Verzugs für den anderen Teil kein Interesse, so Stehen ihm die im Absatz 1 bezeichneten Rechte zu, ohne daβ es der Bestimmung einer Frist bedarf.” (Mora do devedor - (1) Se uma das partes, em um contrato bilateral, estiver em mora quanto à sua prestação, poderá a outra fixar prazo razoável para a execução da prestação, com a declaração de que, transcorrido este prazo, recusa a prestação. Transcorrido o prazo, está a parte autorizada a exigir indenização por não cumprimento, ou resolver o contrato, se a prestação não tiver lugar no tempo devido; a pretensão à prestação está vedada. Se a prestação, até transcurso do prazo, não for realizada parcialmente, encontrará a disposição do § 325, alínea 1, frase 2, analogamente aplicação. (2) Caso o cumprimento do contrato em face da mora não interessar mais ao credor, caberá a ele os direitos fixados na alínea 1, sem que seja necessário a estipulação de um prazo). Tradução de Jorge Cesa Ferreira da Silva, op. cit. p. 24, segundo quem, para Staub, a estipulação do prazo, nas hipóteses de violação positiva do contrato é desnecessária.

17 António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 596. 18

(16)

do contrato ou oposição da exceção do contrato não cumprido, cabe-nos saber qual a importância e aplicação para o ordenamento jurídico brasileiro.

Jorge Cesa Ferreira da Silva19, em obra inspiradora deste trabalho, admite que a despeito das diferenças entre os ordenamentos jurídicos, alemão e pátrio, “se for tomada cada uma das eficácias da doutrina da violação positiva do contrato e se tentar aplicá-las ao direito brasileiro, ver-se-á que, apesar das diferenças entre os ordenamentos, há um importante campo de aplicação da figura da violação positiva do contrato, que se expressa no descumprimento dos chamados deveres laterais”.

Imbuído da vontade de alcançar maiores esclarecimentos sobre o assunto, o presente trabalho se ocupará em analisar, primeiramente, o princípio da boa-fé e a consubstanciação do elemento integrante da confiança, para, depois, perscrutar a figura da relação obrigacional complexa e, em seguida, os deveres laterais.

Ultrapassada essa fase, proceder-se-á a análise do inadimplemento no direito brasileiro e da violação positiva do contrato, cotejando-os, sempre que possível, de modo a desenvolvermos análise crítica sobre o assunto.

Por derradeiro, trataremos de avaliar se há necessidade, no ordenamento jurídico nacional, da inserção dessa nova ferramenta dogmática dentro do campo dicotômico do inadimplemento, tecendo, enfim, nossas conclusões.

19

(17)

2. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: CONTEÚDO E PAPEL NAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS

Com a profunda e extensa renovação produzida no campo do direito das obrigações, dentre os quais podemos citar, a título exemplificativo, o conceito de relação obrigacional complexa, a boa-fé como reflexo do fenômeno de eticização jurídica, a funcionalização dos direitos de crédito operada, por meio da figura do abuso do direito, a responsabilidade pré e pós-contratual e a violação positiva do contrato20, exigiu-se do operador do direito novas reflexões sobre a figura do inadimplemento.

No Brasil, face à incipiência dos estudos relativos a essas inovações, fomentadas recentemente pelas novidades dogmáticas trazidas pelo novo Código Civil, pouco se discutiu, na doutrina e jurisprudência acerca da obrigação como relação complexa, do princípio da boa-fé e da violação positiva do contrato.21

Por conseguinte, poucas foram as reflexões efetuadas, nesse contexto, sobre a figura do inadimplemento. Na opinião de Jorge Cesa Ferreira da Silva, tal fato deveu-se a dois motivos básicos: a flexibilidade do ordenamento jurídico nacional, dispensando reflexão detida sobre o assunto, e a inércia da doutrina quanto à análise crítica dos pressupostos por ela adotados, mantendo-a desatualizada quanto a conceitos já tidos como triviais em outros ordenamentos da família Romano-germânica.22

20

Os exemplos foram extraídos de obra de Mario Julio de Almeida Costa, Aspectos Modernos do Direito das

Obrigações, p. 75-101.

21

Dentre os juristas de peso precursores do estudo dessas novas figuras, destacam-se Clóvis do Couto e Silva, A obrigação como Processo; Ruy Rosado de Aguiar Junior, Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor; Judith Martins-Costa, Da boa-fé no Direito Privado; Jorge Cesa Ferreira da Silva A boa-fé e a violação positiva do contrato. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. 2, § 173, como não poderia deixar de ser, também faz alusão à violação positiva do contrato, mas de maneira superficial, incompatível com seu costumeiro aprofundamento.

22

(18)

Na Alemanha, onde a atividade laboriosa da doutrina ocupou-se com a sistematização de um substancioso material gerado pela atuação judicial fundamentada no § 242 do BGB, depurou-se o conteúdo jurídico da boa-fé objetiva, o qual deu esteio ao desenvolvimento doutrinário da violação positiva do contrato.

Nesse mister, como já se asseverou alhures, são de fundamental importância os conceitos de boa-fé objetiva - a ela agregada a noção de confiança - e a visualização da relação obrigacional complexa e dos deveres laterais de comportamento como elemento do vínculo obrigacional, os quais se entrelaçam em relação de nítida interdependência.

Como ensina Jorge Cesa Ferreira da Silva, os deveres laterais de conduta “inserem-se como elementos da relação obrigacional complexa, enquanto esta é projetada como efeito da incidência do princípio da boa-fé. Assim, pode-se afirmar, cada pressuposto de análise encontra aqui seu próprio pressuposto.”23

No presente capítulo abordaremos a proteção da confiança das partes, decorrente da boa-fé e a sua normatividade jurídica, tornando-a apta para figurar como fonte impositiva de direitos e deveres não previstos pelas partes nas relações obrigacionais.

Iniciaremos discorrendo acerca da aplicação normativa dos princípios jurídicos em geral para, após, percorrermos o princípio da boa-fé, distinguindo a concepção ética da subjetiva e evidenciando o elemento confiança como parte de seu conteúdo.

23

(19)

2.1. Princípios Jurídicos: Normas ou simples critérios de valoração?

A era da Codificação teve como movimento mais expressivo a Revolução Burguesa de 1789, pela qual, sob o mote da igualdade, liberdade e fraternidade, os revolucionários burgueses apregoaram a necessidade de uma lei única, aplicável a todos os sujeitos igual e indistintamente.

Com a Revolução, a Declaração de Direitos e a Constituição Francesa de 1791, a burguesia criou condições materiais objetivas indispensáveis à codificação, reconhecendo a igualdade dos sujeitos, independentemente de diferenças religiosas, econômicas, locais ou territoriais24, rompendo, assim, com o Ancien Régime, marcado pela completa “ausência de unidade de fontes e de coerência entre as leis vigentes em esfera espaço-temporal, ao que se denominou ‘particularismo jurídico’.”25

A lei pôde, a partir de então, atender à unicidade, generalidade e abstração tão almejadas pelo movimento burguês, encontrando expressão no código, como “conjunto de normas unitária e coerentemente sistematizadas em um corpus normativo completo e exauriente”26

, provindo de uma única fonte: o Estado.

O Direito constituiu-se, desse modo, num sistema fechado centrado no código e caracterizado por enunciados normativos cuja aplicação fazia-se mediante

24

Judith Martins-Costa, A Boa-Fé no Direito Privado, p. 174. Segundo a Autora, tais condições materiais consubstanciaram-se na “unitariedade dos sujeitos que serão os destinatários do direito ali contido, proclamada pelo princípio da igualdade – então já de ordem constitucional, isto é, direito positivo -, unidade esta que foi alcançada mediante a supressão das diferenças religiosas (pela instauração de um direito laico), pelo fim das diferenças de nascimento (em razão da consagração de um direito formalmente igualitário) e pelo expurgo das diferenças locais e territoriais (através de um direito que se quis nacional).”

25

José Levi Mello do Amaral Junior, Constituição e Codificação: Primórdios do Binômio. In A Reconstrução do Direito Privado, p. 58.

26

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interpretação subsuntiva: dado determinado fato abstratamente considerado pela norma (fattispecie), segue-se correlativa conseqüência jurídica.

Nesse cenário, quando os textos normativos faziam uso da expressão e princípios jurídicos, faziam-no não no intuito de abrir o sistema a influências externas, mas, ao revés, de fechá-lo soberanamente, “identificando o modo último pelo qual se faria a colmatação das eventuais lacunas do corpo legislativo e remediando, assim, a ‘não aceitável’ incompletude do sistema.”27

O ideário clássico das grandes codificações, o qual abrangeu todos os ordenamentos jurídicos da família Romano-Germânica, nunca alçou, entretanto, a plenitude almejada por seus idealizadores.28

Devido à inaptidão do mito da lei como fonte do direito por excelência, ao crescimento e fortalecimento do Estado e ao progresso da complexidade social, o declínio da codificação clássica tornou-se inevitável.

Para tanto, contribuiu, sobremaneira, a segunda grande guerra, cujas nefastas conseqüências impeliu o Estado a avocar para si as funções de promotor ativo do bem comum e garantidor da justiça social29. Para responder às novas demandas sociais, o Estado adotou postura intervencionista em prol da coletividade. Os códigos, incapazes de

27

Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 39.

28

Ronaldo Gatti de Albuquerque,; Constituição e Codificação: a dinâmica atual do binômio. In A Reconstrução do Direito Privado, p. 72-84.

29

(21)

fazer frente ao progresso sócio-econômico, passaram a mostrar sinais de fraqueza, fazendo surgir maior apelo aos textos constitucionais como fonte supletiva de ordenação jurídica.

Por conseguinte, as constituições deixam de ser, paulatinamente, mera norma de procedimentos e competências, para assumir papel eminentemente ativo, trazendo princípios e direitos cuja aplicação tornou-se essencial ao progresso jurídico. 30

A mudança na percepção da anatomia do sistema jurídico, pela qual aceitou-se a Constituição como fonte de validade do direito público e do privado, atribuiu novo fator de destaque aos princípios, que passaram a ter função decisiva na resolução de problemas práticos e na consagração de valores a serem perseguidos na aplicação do ordenamento.31

O juiz despe-se das vestes de mero aplicador silogístico da regra posta e, servo do poder transitório e burocratizado, para assumir função de alto relevo, de nível constitucional para, então, dignificar o homem e eliminar a desigualdade sócio-econômica.32

Sob o ponto de vista jus-filosófico, todavia, os princípios jurídicos não são infensos a discussões. Seja pela diversidade de significados atribuíveis à expressão, seja

30

Segundo Norberto Bobbio, Principi Generali di Diritto, in Novíssimo Digesto Italiano, tomo XIII, p. 888, a nova atenção dirigida aos princípios, antes relegados ao papel de meros coadjuvantes, parece ter tido início com a menção feita, pelo artigo 38 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional, aos princípios gerais de direito como fonte para solução de controvérsias.

31

Jorge Cesa Ferreira da Silva, op. cit., p. 40-41. A esse respeito, Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do

Direito Privado, p. 254: “A norma constitucional deixa de ser exclusivamente uma regra que unicamente continha elementos de Direito Público para se referir também às relações entre particulares.”

32 Paulo Nalin, Do Contrato: Conceito Pós-Moderno - Em busca de sua formulação na perspectiva civil

(22)

pelos múltiplos aspectos abrangidos pelo termo na ciência do Direito, os princípios, desde há muito, alvo de inúmeros debates.33

Não cabe, aqui, enumerarmos as divergências existentes quanto à natureza ou fundamento dos princípios jurídicos, pois desvirtuaria o escopo do presente trabalho. Compete-nos, apenas, demonstrar que os princípios, para além de outras funções - as quais, no escólio de Guido Alpa podem ser resumidas em integrativa, interpretativa, delimitativa e fundativa34 -, exercem importante papel normativo, apto, portanto, a impor deveres jurídicos.35

No escólio de Bobbio, o ponto distintivo entre aqueles que negam e os que aceitam o caráter normativo dos princípios reside no fato de que os primeiros utilizam o termo “princípio” em sentido estrito, compreendendo apenas enunciados dos valores inspiradores de um sistema jurídico, enquanto os segundos atribuem ao termo “norma” um sentido mais amplo, compreendendo qualquer enunciado que contenha uma orientação ou conduza a uma ação36.

33

Genaro R. Carrio, Princípios Juridicos Y Positivismo Juridico, enumera onze empregos diferentes para a expressão “princípios jurídicos” e sete focos de significação para a palavra princípio. Contestando o positivismo jurídico, o autor, traz, ainda, em sua obra, importante contribuição para o reconhecimento dos princípios jurídicos como normas.

34

Guido Alpa, I Principi Generali, p. . Segundo o autor: “In ogni caso, secondo la prospettiva formalista, i

principi assolvono fuinzioni diverse: a) funzione integrativa, nel senso di essere strumento tecnico per colmare le lacune del dettato normativo; b) funzione interpretativa, nel senso di offrire all’interprete il modo di sussumere la fattispecie in um enunciato ampio; c) funzione delimitativa, nel senso di porre un argine alle competenze legislative statuali e negoziali; d) funzione fondativa, nel senso di offrire i valori sui quali si fonda l’intero ordinamento.”

35

Sobre o tema, conferir, Rubens Limongi França, Princípios Gerais de Direito, 2ª. Edição, editora RT, São Paulo, 1971 e Guido Alpa, I Principi Generali, in Trattato di Diritto Privato, a cura di Giovanni Iudica e Paolo Zatti, Giuffrè Editore, Milano, 1993, nas quais se encontram percuciente análise da questão, aliada a minucioso relato e explicação das teorias e controvérsias existentes na doutrina pátria e na estrangeira. Contribuindo para enriquecer a doutrina de reconhecimento do princípio como norma jurídica, conferir, ainda, além dos autores citados no presente trabalho: Perlingieri, Pietro, Perfis do Direito Civil - Introdução ao Direito Civil Constitucional, tradução de Maria Cristina De Cicco, editora Renovar, Rio de Janeiro, 1999, p. 11.

36

(23)

Consoante o aludido autor, os princípios constituem normas fundamentais ou generalíssimas do sistema extraídas de outras normas do sistema por meio de processo de generalização sucessiva, as quais desempenham função típica normativa, qual seja, regular um caso.37

Contudo, apesar de constituírem pautas impositivas de deveres jurídicos, distinguem-se dos demais enunciados normativos, denominados de regras, por conterem maior grau de abstração e uma finalidade mais destacada, dentro do sistema.38

Como idéias geminais que são, consubstanciam normas flexíveis e, portanto, suscetíveis de serem completadas e concretizadas segundo os sistemas jurídicos, o período histórico e sua relação com as demais regras do ordenamento.39

Canotilho resume a distinção qualitativa existente entre ambas as normas em quatro aspectos essenciais:

“(1) - Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem, imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in

constituem orientações e ideais de política legislativa, servindo como critérios diretivos para a interpretação e de critérios programáticos para o progresso da legislação. Larenz, Karl (Metodologia da Ciência do Direito, 3ª. Edição, tradução de José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, igualmente não considera os princípios jurídicos como normas. Para o autor, os princípios jurídicos não têm caráter de norma geral, às quais poderiam subsumir-se um fato geral, pois carecem, para tanto, de ser concretizados, o que se dá pela jurisprudência dos tribunais num processo de esclarecimento recíproco entre a concretização e o princípio.

37

Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 158/159. Vide, ainda, Ricardo Luis Lorenzetti,

Fundamentos do Direito Privado, p. 312.

38

Luis Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição - Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora, p. 141.

39

(24)

all-or-nothing fashion); a convivência de regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antonómicas excluem-se;

(2) – conseqüentemente, os princípios, ao constituírem-se em exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à <<lógica do tudo ou nada>>), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se a exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos;

(3) – em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas <<exigências >> os <<standards>> que, em <<primeira linha>> (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm <<fixações normativas>> definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias;

(4) – Os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas.”40

Segue-se, pois, que os princípios constituem pautas indicadoras dos deveres, distintas das demais normas do ordenamento, pois fundadas em valores morais cuja positivação pode ocorrer diversamente dos padrões normais de produção de normas gerais.41

No ordenamento jurídico brasileiro os princípios exercem grande força normativa, na qualidade de fonte supletiva do direito, conforme disposto no artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil42.

40

J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 167/168. Vide, no mesmo sentido, Ronald Dworkin,

Levando os Direitos a Sério, Fontes, São Paulo, 2002.

41

Jorge Cesa Ferreira da Silva, A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 45.

42 Sobre o tema, confira-se Rubens Limongi França, Princípios Gerais de Direito, 2ª edição, editora RT, São

(25)

Ao enumerar seis razões específicas para defesa da tese da sistematização dos princípios jurídicos, Rubens Limongi França é categórico ao afirmar, com fundamento no aludido dispositivo legal, o caráter coercitivo dos princípios gerais de direito.43

Sugerem-se como princípios gerais do ordenamento jurídico pátrio, especificamente no âmbito do Direito Civil, os seguintes: a) princípio da autodeterminação; b) princípio da auto-responsabilidade; c) princípio da proteção do tráfego e da confiança (estes pertencentes ao conteúdo material da boa-fé); d) princípio da consideração pela esfera da personalidade e da liberdade dos outros; e) princípio da restituição do enriquecimento ilícito; e f) princípio da boa-fé (no qual também se inclui o da vedação do abuso de direito).44

Portanto, antes mesmo da positivação do princípio da boa-fé pelo Código de Defesa do Consumidor e, posteriormente, pelo novo Código Civil, já se podia vislumbrar a viabilidade de sua aplicação como pauta impositiva de deveres, como bem elucida Judith Martins-Costa45 ao asseverar que “nos últimos quinze anos, o princípio, em sua feição objetiva, impositiva de standard de conduta aos que entram em relação obrigacional, vem

problemas fundamentais concernentes aos princípios gerais de direito para, ao final, opinar pela sua normatividade. Sobre o tema, confira-se, ainda, Luis Edson Fachin, Aggiornamento do Direito Civil Brasileiro e a Confiança Negocial, texto extraído do site www.uel.br.

43 Rubens Limongi França, Princípios Gerais de Direito, p. 144 e seguintes. Segundo o autor, dentre as seis

razões que enumera para defesa da tese da normatividade dos princípios, há a que respeita à chancela dos textos em vigor. Fazendo alusão ao artigo 4º. da LICC, assevera: “Com efeito, o dispositivo não deixa sombra de dúvidas. Sua regra é a seguinte: ‘Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito’. O legislador, portanto, antes de mais nada, adota inequivocamente a orientação racional de que, na verdade, o ordenamento não pode deixar de ter lacunas. A ultrapassada noção de plenitude das leis aí não encontra qualquer estribo, pois é ele próprio quem reconhece que a lei pode ser omissa. Ora, é diante dessa omissão, que cumpre recorrer às formas complementares de expressão do direito, especialmente ao Costume e aos Princípios Gerais de Direito, uma vez que a analogia constitui simples método de aplicação da própria lei”.

44

A classificação foi baseada em Paulo Nalin, Do Contrato: Conceito Pós-Moderno - Em busca de sua formulação na perspectiva civil constitucional, p. 94.

45 Judith Martins-Costa, e Gerson Luiz Carlos Branco, Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro,

(26)

sendo aplicado pela jurisprudência nacional como fonte de específicos deveres de conduta e como limite ao exercício de direitos, conquanto nem sempre seja usada idêntica gramática ...”

Não pairam dúvidas, portanto, acerca da regulação dos princípios jurídicos, notadamente os da boa-fé objetiva, e sua aplicabilidade no ordenamento pátrio como pauta norteadora de deveres às relações obrigacionais, independentemente da positivação pelos diplomas consumerista e civil.

2.2. O conteúdo do princípio da Boa-fé

O princípio da boa-fé, na qualidade de cláusula geral, aplica-se a todas as relações jurídicas, contribuindo para a indeterminação de seu conceito em um único conteúdo específico.

O conceito, por conseguinte, varia conforme a natureza da relação jurídica entre as partes, sejam elas de apropriação (referentes ao exercício de direitos reais sobre as coisas), de cooperação (respeitantes à interação entre as pessoas, objetivando satisfação de determinados interesses) ou familiares (concernentes à necessidade humana de se agrupar para satisfação de necessidades emocionais, sentimentais e reprodutoras).46

Dois são os conteúdos do princípio da boa-fé, sendo um de ordem subjetiva e outro de ordem objetiva, conforme a relação jurídica envolvida, os quais serão estudados no tópico seguinte.

46

(27)

2.2.1. Boa-fé subjetiva e Boa-fé objetiva

Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva podem ser consideradas duas concepções jurídicas diversas, porém, fundadas no mesmo substrato comum: a confiança47.

A consulta à doutrina demonstra que a conceituação da boa-fé subjetiva está relacionada ao estado psicológico interior do sujeito da relação jurídica, quanto ao conhecimento ou ignorância de determinadas características da situação jurídica que se apresenta.48 A pessoa crê ser titular de um direito que, na realidade, existe somente na aparência.

Nas palavras de Ruy Rosado de Aguiar Junior49 “a boa-fé subjetiva é qualidade do sujeito e diz com o estado de consciência da pessoa, cujo conhecimento ou ignorância relativamente a certos fatos é valorizado pelo Direito, para fins específicos da situação regulada.”

Luis Diez-Picazo resume a concepção psicológica da boa-fé como aquela em que o “sujeito ignora o caráter ilícito de seu ato ou a contravenção do ordenamento jurídico que com o ato jurídico se leva a cabo. A boa-fé seria deste modo sempre uma crença ou uma ignorância.”50

47

Fernando Noronha, O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais, São Paulo, Saraiva, 1994.

48

Fernando Noronha, O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais, p. 132. No mesmo sentido Ruy Rosado de Aguiar Junior, Extinção dos Contratos por incumprimento do devedor, p. 243, Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual - teoria geral e responsabilidade pela ruptura das

negociações contratuais, p. 73.

49

Idem, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 243.

50 No prólogo à obra de Franz Wieakcer, El principio general de la buena fé, p. 13-14: “Para la llamada

(28)

Muito embora seja característica das relações jurídicas do tipo real, pode-se encontrá-la também em relações jurídicas de direito de família e de responsabilidade civil contratual e extracontratual.

No direito brasileiro, a boa-fé subjetiva é referida pelo Código Civil de 2002, a título de exemplo, nos artigos 1.561 (efeitos do casamento putativo), 1.201 e 1.202 (posse de boa-fé), 1.214 a 1.222 (efeitos da posse), 1.238, 1.242, 1.243 e 1.260 (da usucapião), 1.268 (adquirente de boa-fé), 879 (alienação de imóvel indevidamente recebido), 309 (pagamento a credor putativo), 294 (cessionário de boa-fé), 686 e 689 (revogação ou extinção do mandato).

A boa-fé objetiva, característica das relações obrigacionais, não se qualifica por um estado de consciência do agente, como ocorre com a boa-fé subjetiva, mas, sim, por um padrão de conduta, valorado segundo os parâmetros éticos de confiança e lealdade.

Por isso, como bem pondera Cláudio Luiz Bueno de Godoy51, pode-se vislumbrar, numa mesma situação, um indivíduo que ignore o indevido de sua conduta, agindo, portanto, com boa-fé subjetiva, mas, ainda assim, ostentar comportamento despido de boa-fé objetiva, pois ausente um padrão de conduta leal.

Daí a afirmação de que o princípio da boa-fé encontra justificação no interesse coletivo de as pessoas agirem pautadas com correção e retidão, garantindo a

del ordenamiento jurídico que con el acto jurídico se lleva a cabo. La buena fe sería de este modo siempre una creencia o una ignorancia.”

51A função social do contrato - Os novos princípios contratuais

(29)

promoção do valor constitucional da solidariedade e da justiça social e reprimindo as condutas que se desviem dos parâmetros de honestidade e lisura.52

Nesse diapasão, cotejando a boa-fé na concepção psicológica e na concepção ética, da qual faz parte a boa-fé objetiva, Luis Dìez-Picazo53 define esta última como mais exigente do que a primeira. Para a concepção ética, diz o autor, “o sujeito que opera em virtude de um erro ou de uma ignorância não é merecedor da proteção - ou da exoneração da sanção - que se outorga ao de boa-fé, se seu comportamento não é valorado como o mais adequado conforme a diligência socialmente mais exigível”.

Da mesma forma se posiciona Karl Larenz54 ao discorrer sobre o princípio da boa-fé, como um dever de fidelidade à palavra dada e não defraudar ou abusar da confiança alheia, base de todas as relações humanas:

“El principio de la ‘buena fe’ significa que cada uno debe guardar ‘fidelidad’ a palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que esta forma la base indispensable de todas las relaciones humanas; supone el conducirse como cabia esperar de cuantos con pensamiento honrado intervienen en el trafico como contratantes o participando en él en virtud de otros vinculos jurídicos. Se trata, por lo tanto, de un ‘módulo necesitado de concreción’, que únicamente nos indica la dirección en que hemos de buscar la contestación a la cuestión de cual es la conducta exigible en determinadas circunstancias.”

52

ROSENVALD, Nelson, op. cit. P. 86.

53

Franz Wieacker, El principio general de la buena fé, editorial Civitas S.A., Madrid, 1977, prólogo de Luis Dìez-Picazo.

54

(30)

A confiança ganha, pois, na boa-fé objetiva, especial atenção, pelo papel exercido nas relações interpessoais e no plano sociológico.

Nas relações interpessoais, a confiança de que as partes adotarão comportamento adequado à finalidade do contrato constitui elemento indispensável para a própria sobrevivência da vida de relação. No plano sociológico, exerce fundamental papel de reduzir a complexidade social, na medida em que afasta a insegurança proveniente de incertezas das relações sociais.

A própria ordem jurídica, com a onticidade que advém da repetição de suas manifestações, leva a um mínimo de previsibilidade, tornando-a fator de confiança capaz de reduzir as complexidades sociais.55

Mas a confiança, como integrante de parte do conteúdo substancial da boa-fé, somente ganha eficácia jurídica, quando o Direito passa a indagá-la e a associar-lhe efeitos concretos. Nessa tarefa, distinguiu entre as previsões de confiança objeto de disposição específica e as provenientes de institutos gerais, informados por conceitos indeterminados.

A idéia da confiança tutelada pela boa-fé objetiva encontra-se na segunda classificação, como dever de conduta leal imposto à contraparte. A boa-fé objetiva constitui, pois, norma de comportamento que determina conduta leal, reta e honesta para com os interesses do outro, abrangendo extenso espectro da relação obrigacional.56

55

Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 1242 e 1243.

56 A respeito da confiança negocial e sua evolução no direito brasileiro, vide Luis Edson Fachin,

(31)

Caracteriza-se por ser adaptável e proteiforme, dado o seu conteúdo permeado de juízos valorativos animados pelo tempo, espaço e pessoas que figuram na relação, referências viabilizadoras da verificação de compatibilidade entre a atuação humana concreta e as supremas exigências da justiça.57

Cite-se, a título de exemplo, a previsão normativa do artigo 180 do novo Código Civil Brasileiro, segundo o qual protege-se a legítima confiança da parte que contratou com menor que, por dever de lealdade, deveria ter deixado claro sua incapacidade negocial.

Em tal hipótese, o contratante terá direito à proteção se, mesmo havendo procedido com a diligência necessária (bônus pater famílias), diante do circunstancialismo do caso concreto, pôde acreditar que a contraparte era maior de idade.58

O princípio da boa-fé constitui, em suma, cláusula geral59 que preceitua conduta ético-jurídica, expressa num conceito indeterminado, de modo a atribuir ao juiz a tarefa de adequar a aplicação judicial às modificações sociais.

57

Rosenvald, Nelson, op. cit., p. 87.

58

O exemplo foi tirado de Fernando Noronha, O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais

(autonomia privada, boa-fé, justiça contratual, p. 137. Tivemos o cuidado, apenas, de fazer referência expressa ao artigo do Novo Código Civil que substituiu o artigo 155 do antigo diploma legal, utilizado pelo referido autor em virtude de, à época, ainda não ter sido promulgado o novo Código.

59

Sobre Cláusulas Gerais, na doutrina pátria, confira-se, por todos, Judith Martins-Costa, A Boa-Fé no

(32)

Aplicada sobre a relação obrigacional, desenvolve eficácia dotada de grande amplitude, abrangendo desde os primeiros contatos negociais entre as partes e o desenvolvimento do vínculo até os deveres posteriores à prestação.

Antes do nascimento do contrato, a boa-fé atua validando juridicamente relações que, em rigor conceitual, não poderiam ser consideradas juridicamente perfeitas, como é o caso das chamadas relações contratuais de fato ou existenciais60, assim como justifica a responsabilidade pré-contratual.61

Durante o desenvolvimento do vínculo obrigacional, atua gerando deveres - denominados deveres laterais ou acessórios - integrando o conteúdo normativo do vínculo, com o nascimento e extinção de situações jurídicas subjetivas durante o desenrolar fático da relação.62

Atua, ainda, oferecendo sustentação teleológica para interpretação do contrato, impondo a qualificação positiva do adimplemento, de modo que ele seja o mais satisfatório possível aos interesses do credor e adequado ao programa contratual.

confronto dos textos revela. O que se tem em vista é, em suma, uma estrutura normativa concreta, isto é, destituída de qualquer apego a meros valores formais abstratos. Esse objetivo de concretude impõe soluções que deixam margem ao juiz e à doutrina, com freqüente apelo a conceitos integradores da compreensão ética, tal como os de boa-fé, equidade, probidade, finalidade social do direito, equivalência de prestações etc., o que talvez não seja do agrado dos partidários de uma concepção mecânica ou naturalista do Direito, mas este é incompatível com leis rígidas de tipo físico-matemático. A ‘exigência de concreção’ surge exatamente da contingência insuperável de permanente adequação dos modelos jurídicos aos fatos sociais in fieri.” (grifos no original)

60

A expressão é de Clóvis do Couto e Silva, A obrigação como Processo, e designa os atos nos quais a perquirição do elemento volitivo é descabida, qualificando o comportamento típico de um sujeito em situações próprias de sociedade de massa, como oferta ou aceitação. A respeito, vide, ainda, Judith Martins-Costa, A Boa-fé no Direito Privado.

61 Sobre o assunto, tornaremos ao falarmos sobre a relação obrigacional complexa. 62

(33)

Para o alcance de cada um desses objetivos, a boa-fé exerce papel específico no campo obrigacional, ora funcionando como cânone hermenêutico-integrativo, ora como norma de criação de deveres jurídicos, ora como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos.63

Passemos, então, ainda que de maneira sucinta, a abordar as funções hermenêutica-integrativa e limitadora de direitos subjetivos para, após, ingressarmos na norma de criação de deveres jurídicos, mediante a análise da relação jurídica complexa.

2.3. A boa-fé como cânone hermenêutico-integrativo

Interpretar um contrato significa perquirir acerca do significado objetivo64 que deve ser atribuído ao seu conteúdo substancial65, total ou parcialmente, precisando, desse modo, os efeitos jurídicos a serem produzidos.

63 A classificação é de Judith Martins-Costa, A Boa-fé no Direito Privado, p. 428 e ss. Fernando Noronha, O

Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, p. 152 e ss., distingue, entre as funções da boa-fé objetiva, a interpretativa, de integração e de controle. “A regra segundo a qual os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé, em que, como acabamos de ver, se traduz esta função, tem dois desdobramentos: primeiro, os contratos (e os negócios jurídicos unilaterais) devem ser interpretados de acordo com o seu sentido objetivo, aparente, salvo quando o destinatário da declaração conheça a vontade real do declarante, ou quando devesse conhecê-la, se agisse com razoável diligência; segundo, quando o próprio sentido objetivo suscite dúvidas, dever-se-á preferir o significado que a boa-fé aponta como mais razoável.” Como veremos, nos moldes da classificação proposta por Judith Martins-Costa (op. cit.) a função hermenêutica-integrativa é bem mais ampla.

64

C. Massimo Bianca, Diritto Civile - 3. Il Contrato, nos dá a definição de significado objetivo, resumindo-o àquele que exprime a comum intenção das partes: “Il significato del contratto è quello che risulta da um apprezzamento obiettivo dell’atto secondo le regole interpretative. Questo significato obiettivo esprime fondametalmente la comune intenzione delle parte.” Vide, a respeito da interpretação dos contratos, Darcy Bessone, Do Contrato - Teoria Geral, 4ª. edição, editora Saraiva, São Paulo, 1997 e Enzo Roppo, O Contrato, tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Livraria Almedina, Coimbra, 1988.

65

(34)

Explicitando o tema, Cláudio Luiz Bueno de Godoy66 aduz que interpretar um contrato significa buscar apreender o alcance do consenso das partes, da intenção comum objetivada no ajuste e não da vontade individual de cada um dos contratantes.

Integrar o contrato, por sua vez, consiste em aceder determinações à relação contratual, onde não houver sido prevista pelas partes, no intuito de possibilitar a produção de efeitos necessários ao perfeito alcance do programa contratual objetivamente posto.

Diferem-se, interpretação e integração, quanto à incidência, pois como bem elucida Massimo Bianca67, a primeira pressupõe a existência de uma regra contratual sobre a qual pairam dúvidas quanto ao significado, enquanto a segunda pressupõe a ausência de tal regra.

Reclamada pela lei como princípio ético-social aplicável à conclusão e execução do contrato (art. 422 novo Código Civil Brasileiro), o princípio da boa-fé, como regra de conduta, exerce duplo papel, ora perscrutando o significado objetivo, ora integrando a relação contratual.

Como kanon integrativo, a boa-fé objetiva extrapola os limites da simples pesquisa do elemento volitivo das partes (artigo 112 do novo Código Civil Brasileiro) para avistar situações nem sempre previsíveis ou previstas pelo contrato, alcançando, para tanto, todos os momentos do vínculo, desde o seu nascimento até o adimplemento de deveres e obrigações.

66A função social do contrato ...

op. cit., p. 108.

67

(35)

Nesse passo, a boa-fé atende à necessidade de qualificar comportamentos que, a despeito de não previstos, são essenciais à fattispecie do contrato e à produção dos efeitos correspondentes ao programa contratual objetivamente posto. Isso porque, na maioria das vezes, a coerente produção de efeitos do contrato exige que se imponha, às partes, comportamentos não previstos em disposições legais cogentes ou nas cláusulas contratuais.

Não encontrando, o juiz, apoio no texto contratual, seja literalmente considerado ou mediante a busca da intenção das partes, ou, ainda, segundo os usos do tráfico, o recurso à integração pela boa-fé torna-se indispensável para delimitar o desenvolvimento do programa contratual.

Para tanto, deve o intérprete considerar as normas contratuais como um conjunto significativo, composto por um complexo de direitos e deveres “instrumentalmente postos para a consecução de certa finalidade e da função social que lhes é cometida.”68

Vigora, pois, como indispensável à aplicação da técnica hermenêutica-integrativa, a visualização da relação contratual como um todo, concretamente considerado, incluindo-se as demais disposições que passaram a integrar o contrato durante sua vigência, consoante escólio de Judith Martins-Costa69:

68 Judith Martins-Costa, A Boa-fé no Direito Privado, p. 430. 69

(36)

“Em todo e qualquer contrato, mas com particular relevância nos de trato sucessivo ou de execução diferida, as cláusulas e disposições contratuais não devem ser apartadas do conjunto formado pelas demais disposições que, eventualmente, passaram a integrar o complexo contratual ao longo do tempo de sua vigência. Por igual, infletem na formação deste conjunto significativo as circunstâncias concretas do desenvolvimento e da execução contratual visualizadas como um todo.”

Em outros termos, assim como o significado objetivo que deve ser atribuído ao conteúdo substancial do contrato extrai-se não somente a partir do aclaramento das declarações dos contratantes, mas da interpretação da regulação objetiva, criada com o contrato, as situações omissas somente podem ser inferidas a partir do programa contratual concretamente considerado, abrangendo todas as circunstâncias que o caracterizem.

Tais circunstâncias consubstanciam-se não apenas no complexo de normas advindas do contrato, mas, também, na incidência dos módulos valorativos do sistema, expressos nos princípios da auto-vinculação, auto-responsabilidade, função social, equilíbrio e boa-fé, sendo este último destinado à manutenção da finalidade almejada pelos contratantes, consoante lições de Judith Martins-Costa70:

“Por esta deve ser compreendido, neste específico campo funcional, o mandamento imposto ao juiz de não permitir que o contrato como regulação objetiva, dotada de um específico sentido, atinja finalidade oposta ou contrária àquela que, razoavelmente, à vista de seu escopo econômico-social, seria lícito esperar.”

70

(37)

Essa função integrativa exercida pela boa-fé objetiva, segundo Paulo Nalin71, encerra o circuito da justiça contratual, evidenciando o claro desejo constitucional de um contrato solidário e socialmente justo.

Ao preencher a vontade das partes, o princípio da boa-fé objetiva procura equilibrar as forças dos contratantes, “servindo de termômetro da legalidade das obrigações assumidas e parâmetro para se dosar a auto-responsabilidade do contratante mais forte”.72

Nas precisas explicações de Ruy Rosado Aguiar Junior “o real conteúdo das obrigações e o modo pelo qual devem as partes se comportar são determinações a serem alcançadas com o auxílio do princípio da boa-fé, que servirá não apenas para a interpretação integradora das cláusulas do contrato, mas ainda para o reconhecimento de deveres secundários, derivados diretamente do princípio, independentemente da vontade manifestada pelas partes, a serem observados durante a fase de formação e de cumprimento da obrigação.”73

71

Paulo Nalin, Do Contrato: Conceito pós-Moderno – Em Busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-Constitucional, p. 137.

72

Paulo Nalin, op. cit., p. 138. Para o autor, a força do princípio da boa-fé é tão forte nas relações contratuais, notadamente no tocante à justiça contratual, que a considera como verdadeiro pressuposto de validade do negócio jurídico. Em suas palavras: “Nessas bases a nucleação do contrato no princípio da boa-fé, não tenho dúvida que o contrato celebrado em sua observância também será inexistente, sendo ela (boa-fé) antes elementos de materialização do negócio do que simples princípio informativo ou conformativo da vontade contratual. Ou seja, é antes elemento essencial do que limite interpretativo. O contrato é antes de boa-fé do que conforme a boa-fé. E em assim sendo, no meu entender, atualmente inclui-se a boa-fé dentre os elementos que formam o corpus do negócio (sujeitos, vontade, objeto ou conteúdo e boa-fé), não mais ocupando posto a medir a validade do negócio (grau de validade), o que implicaria se apontar um contrato conforme a boa-fé.”

73

(38)

Esses deveres secundários remetem a outra função exercida pela boa-fé objetiva, qual seja, a de norma criadora de deveres jurídicos, que trataremos doravante, após tecermos breves considerações acerca da função limitadora de direitos subjetivos.

2.4. A boa-fé como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos

Ancoradas sob perspectiva subjetivista, na qual vislumbrava-se a relação entre o dogma da vontade e a construção do direito subjetivo como sua mais alta expressão, a inadmissibilidade do exercício de direitos subjetivos permaneceu, por muito tempo, limitada às figuras do abuso do direito e da exceptio doli romana.74

A doutrina moderna, sobretudo a alemã, elaborou uma série de supostos típicos sobre os quais aplica-se a idéia de boa-fé como limitadora de direitos subjetivos,75 aplicável sobre o direito das obrigações, em especial o dos contratos. A boa-fé objetiva modificou a ótica obrigacional, não mais perspectivada unicamente pelo dogma da vontade.

Vista, agora, como relação de cooperação entre as partes processualmente polarizada por sua finalidade, o contrato passa a figurar como instrumento jurídico de relações econômicas, informada pela função social que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico.76

74

Sobre o tema, oportunas as obras de Franz Wieacker (El principio generale de la buena fé, p. 20/23 e 59 e seguintes) e Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, 2ª. Reimpressão, editora Almedina, na qual, apresenta, sobretudo, excelente pesquisa histórica.

75

Franz Wieacker, El principio generale de la buena fé, p. 21.

76

A respeito da função social do contrato merece relevo as obras de Fernando Noronha (O Direito dos

(39)

Como, bem explicitou Miguel Reale77, presidente da Comissão Elaboradora do Novo Código Civil, os três princípios cardeais, sobre os quais se assenta, o novo diploma legislativo; são: o da operabilidade, da eticidade e da socialidade.

Destes três princípios, o de maior interesse para nosso trabalho consiste no da socialidade, pelo qual tenciona-se retirar a lei civil do individualismo típico do modelo liberal inspirador do Código Civil de 1916, consubstanciado nas figuras do proprietário, do contratante, do marido e do testador, para um novo paradigma de prestígio dos valores sociais e do valor fundante da pessoa humana, origem, centro e finalidade da ordenação.78

Nessa tarefa socializante, exerce papel de fundamental importância o artigo 421 do novel Código Civil, por meio do qual se retira do contrato a perspectiva individualista de outrora para, mediante a modificação de seu eixo interpretativo, outorgar-lhe papel diverso, destinado à satisfação dos propósitos e valores de interesse comum escolhidos pelo novo ordenamento.

Assim, a função social não se constitui em simples limite negativo à liberdade contratual, mas em princípio de cunho positivo e integrativo, o qual admite como fonte normativa do contrato, além da força jurígena da vontade, também os valores albergados pelo sistema.

Nesse contexto, a boa-fé surge como norma de proteção da função social do contrato, na medida em que não admite condutas contrárias aos mandamentos de agir com

social do contrato é mero corolário lógico dos imperativos constitucionais relativos à ‘função social da propriedade’e à justiça que deve presidir a ordem econômica.” (p. 32).

77 REALE, Miguel; O Projeto do Novo Código Civil, 2ª. edição, editora Saraiva, São Paulo 1999. 78

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lealdade e correção. Por conseguinte, a parte não pode, no exercício de seus direitos, exceder os limites impostos pela boa-fé, sob pena de proceder ilicitamente ou, ao menos, antijuridicamente, ou seja, sob pena de configurar abuso de direito.

No entendimento de Fernando Noronha79, o abuso de direito dentro da órbita contratual, verifica-se quando há manifesta a desproporção entre o interesse perseguido pela parte e aquele da contraparte lesada:

Na verdade, se o contrato tem uma função social, se os direitos reconhecidos a cada parte têm por finalidade não só a satisfação de interesses privativos de cada uma delas, como também a realização de interesses sociais (o interesse geral, ou o bem comum, como quer que estas expressões sejam entendidas em cada sociedade, mas que, em matéria de contratos, sempre são integradas pelafinalidade de assegurar a maximização da riqueza, pelo melhor aproveitamento dos recursos disponíveis), não se vê como seja possível tutelar pretensões de um contratante que, considerando o seu interesse, representem sacrifício manifestamente desproporcional dos interesses do co-contratante.”80

Sob tal perspectiva, a boa-fé exerce papel primordial, por exemplo, no vasto campo da resolução contratual, nos casos de adimplemento substancial do contrato81, pelo qual o cumprimento próximo do resultado final exclui o direito de resolução, facultando apenas o pedido de adimplemento e o de perdas e danos.

79O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais

, p. 174.

80O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais

, editora Saraiva, 1994, p. 174.

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