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REFLEXÕES SOBRE O DOCUMENTÁRIO MARTÍRIO DE VINCENT CARELLI

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Academic year: 2021

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REFLEXÕES SOBRE O DOCUMENTÁRIO MARTÍRIO DE VINCENT CARELLI

Alessandra A. Marçal Franco1

Introdução

Este trabalho tem importância significativa devido ao seu conteúdo registrado no documentário Martírio (2016, 160 min, dir. Vincent Carelli). Há vários anos o indigenista e cineasta Vincent Carelli fazia visitas e dialogava com os povos indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul com o objetivo de trazer à tona o impasse das questões de sobrevivência, os conflitos e as lutas, que de forma persistente ficam acobertados nos noticiários, nos debates, muitas vezes deturpada e subestimada pela civilização ao longo de séculos. O documentário traz também a questão da desapropriação das terras desses nativos, relata a Guerra do Paraguai, o período da plantação do mate, as intervenções de Getúlio Vargas, chegando até o momento atual.

Busca refletir acerca do capitalismo que atinge esses povos e a omissão dos órgãos responsáveis pela punição de vários crimes cometidos contra os índios. A respeito do capitalismo um indígena Kaiowá diz: "O que tá pegando a gente é o capitalismo" essa frase, dita nessas circunstâncias, na voz e ritmo da língua guarani, faz com que haja a compreensão da verdadeira situação e a causa de várias mortes inclusive de lideranças na tentativa de calar a voz tão sofrida desses povos.

Portanto, o genocídio contra os Guarani-Kaiowá continua, enquanto o capitalismo se expande no campo com o auxílio dos sindicatos, federações de trabalhadores rurais e movimentos sociais que apoiam o governo e também aos interesses do capital. Dessa forma, os povos indígenas resistem por meio de ações diretas, pois tem sofrido com o progresso do capitalismo no campo e tem resistido de todas as maneiras possíveis. Na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu as famílias indígenas afirmaram:

Nós Guaranis e Kaiowá desta localidade vamos resistir até o fim, porque temos direito à posse dessa terra tradicional que nos pertence. Esperamos

1 Graduação em Administração. Especialização em Gestão Pública e Gestão Empresarial: Controladoria e

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que a Justiça resolva essa situação o mais breve possível. (Jornal da União Popular Anarquista, 2015, p. 4).

A situação é bastante grave, devido aos conflitos, a sensação de medo e de desesperança é transmitida por meio das fortes imagens desse filme onde a dor e a tristeza ocupa boa parte pelos choros e nas falas desses indígenas. Porém eles resistem e deixam bem claro que não esquecem e não perdoam aos ataques sofridos pelos grupos de latifundiários.

1 Martírio

Martírio traduz uma enorme indignação que caracteriza a vida de Vincent Carelli: essa imposição de gritar, de se indignar, de protestar, uma revolta contida desde a primeira vez em que ele esteve entre os Guarani-Kaiowá nos anos 1980 no Estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Martírio, um filme registrado de dentro, junto, e pelos indígenas também. E traz o que se pode chamar de o “outro lado” do genocídio através dos vômitos racistas no Congresso Nacional, cenas deploráveis de um leilão da morte, a fala mansa dos componentes da bancada ruralista.

O tema é a luta dos Guarani-Kaiowá pela retomada de suas terras e basicamente a luta pela sobrevivência que sofrem há anos. Martírio é um documentário que vem para nos conduzir para o interior da escuridão do agronegócio, segue a trajetória dessa catástrofe e da violência do capitalismo que atinge esses povos, desde os séculos anteriores com a Guerra do Paraguai, até o brutal progresso que vem acontecendo nessas últimas décadas, evidenciada pela crueldade, pelo racismo e a desumanização contra os indígenas durante anos. Sem dúvida a mensagem foi transmitida a nós, causando muita indignação e tristeza pelas injustiças contra esses povos que estão sem aldeias, nas beiras de rodovias sem nenhuma condição de moradia, de dignidade, sem condição de produzir algum tipo de alimentação, vivendo em situação de miséria.

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encorajados a enfrentar balas e cada vez mais nessas lutas pela própria existência e das crianças que virão e que devemos respeitar a cultura deles e do outro, porque eles nasceram nessa terra e ali querem ser enterrados e da mesma forma com os seus parentes.

A iniciativa de um indigenista e cineasta passar décadas para acompanhar, entender, adentrar nessas comunidades, e na tentativa de ajudar essa cultura é genial. Porque Vincent Carelli mostra aos indígenas as histórias do passado para que possam entender o presente, ensinam a filmar os embates e a realidade em que vivem para que chegue às autoridades o que ocorre de fato, mostrando a versão deles nos tristes acontecimentos. Carelli ouve os índios, vai aos encontros de ruralistas, ao Congresso brasileiro com a finalidade nos mostrar os episódios, discursos e as decisões do governo.

Nem todas as cenas coincidem com a realidade, há muitas farsas, pois, os fazendeiros acusam os indígenas de posse ilegal da terra. Por outro lado, os índios afirmam que desde seus antepassados estão naquela localidade, seus parentes estão enterrados ali. Isso fica bem nítido na cena onde o índio mostra o local que seu irmão foi enterrado, ali realmente tem sentimentos de dor e desespero, uma indígena caminhando e chorando pelo ente que se foi; outra indígena diz que o homem branco e os fazendeiros, não sabem onde foram enterrados os avós, bisavós e a sobrinha. Dessa forma, está estampado nas faces o sofrimento na luta para a existência desses povos. O deputado Ivan Valente diz: “[...] os índios não são responsáveis pelo que está aí, não são, pelo contrário eles são grandes vítimas, eles recebem uma cesta básica e vive disso [...]”.

As inverdades são várias, em relação ao agronegócio, no Congresso a senadora Kátia Abreu diz com todas as palavras, que depois do MST e do Código Florestal, o adversário agora é a questão indígena, “que nós vamos derrotar”. Ora, os índios não é um empecilho para o agronegócio porque tem lugar para os índios e tem lugar para o agronegócio. Uma coisa não proíbe a outra.

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No entanto, a resistência é somente dos indígenas que vivem constantemente ameaçados e vítimas do descaso e dos discursos mais brutais dos políticos: “a propriedade é a coisa mais sagrada que o ser humano tem, a propriedade é aquilo que motiva o cidadão pra viver, e nós temos uma missão, zelar pela nossa propriedade, porque quem não cuida do que é seu não merece tê-lo”. Assim, essa fala é contraditória, esqueceu-se de dizer quem são os verdadeiros proprietários e esqueceram também que os índios são seres humanos que estão na mira dos exterminadores e no Congresso Nacional são tratados como se fossem bandidos.

Este assunto é muito crítico e também está em várias narrativas literárias como Selva

Trágica (1959), de Hernâni Donato, retrata as condições dos trabalhadores, homens e

mulheres na lida incessante da erva mate. Donato resgata por meio dessa narrativa, fatos, sensibilidades, aspirações, e, sobretudo a vida cotidiana nos ervais no início da década de 1930, quando Getúlio Vargas teria extinguido o monopólio da empresa Mate Laranjeira que detinha o monopólio da extração da erva no início do século XX.

O tema social é a exploração humana no campo conforme LUCAS (1931), p. 54 “O cenário é o sudeste de Mato Grosso. Trata-se da produção de erva-mate, quando os ervais eram aproveitados por uma Companhia que deles tinha o monopólio”. Observa-se que a empresa explorava o trabalho indígena e também dos paraguaios. Trabalhavam desde a madrugada até à tardinha, carregava pesados fardos de erva nos ombros, nas costas, no peito diariamente e para forçar o trabalho contínuo, a Companhia forçava-os a gastar o que ganhavam para prolongar o contrato e não tendo opção continuavam ali naquele ambiente insalubre.

Não há organização dos oprimidos, nem elementos instigadores para os arregimentar. O protesto é a fuga, cada um que se cuide, havendo até quem planeje o sacrifício de um colega para facilitar o escape. Os funcionários da Companhia, que tomam conta dos mineiros, ficam inteiramente brutalizados: batem, espancam, trapaceiam, tudo com indiferença e sadismo (LUCAS 1931, p. 55).

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Enfim, o genocídio é um ato em que um grupo tenta extinguir o “outro”, acabar com a existência de um povo. Diante disso, o lado genocida, concretizado pelas balas dos pistoleiros e dos grupos de extermínio e empresas de segurança, é formado por fazendeiros, ruralistas, e pela omissão e ação do Estado, enquanto os indígenas estão sem condições de sobrevivência e principalmente sem o seu bem maior que são suas terras.

Considerações

As lutas dos povos indígenas sempre existiram, porém a situação agrava cada vez mais devido aos interesses políticos que são totalmente contrários aos direitos dos povos indígenas e, sobretudo à demarcação das terras para a sobrevivência e principalmente para que possam dar continuidade nessa cultura.

Esse documentário produzido por Carelli é um material histórico do registro de um período, de uma transformação da ditadura para a democracia, em um processo aonde os povos indígenas continuaram, sempre, excluídos das garantias aos direitos fundamentais e do acesso aos aparatos do Estado, constantes na Constituição Federal de 1988, sempre mantidos de forma privilegiada nas mãos de uma minoria e brancos. Isso contribuiu para que o povo brasileiro entenda que os indígenas além de lutar pelas terras, suas lutas é também pela própria existência, pois a forma que estão vivendo não é digna de seres humanos.

Referências:

Jornal da União Popular Anarquista – UNIPA. A luta dos Guarani Kaiowá contra o estado

e o capital. Causa do Povo, n. 73, set/out/nov 2015. Disponível em:

<https://uniaoanarquista.wordpress.com/2015/10/14/a-luta-dos-guarani-kaiowa-contra-o-estado-e-o-capital/>. Acesso em: 27 maio 2018.

LUCAS, Fábio. O caráter social da ficção do Brasil. São Paulo: Ática, 1985.

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