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Soberania, megaeventos esportivos e subordinação: os impactos da lei geral da copa no direito e na sociedade brasileira no contexto da realização da copa do mundo FIFA 2014

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CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARCUS VINÍCIUS DE MESQUITA PEIXOTO

SOBERANIA, MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E SUBORDINAÇÃO: OS IMPACTOS DA LEI GERAL DA COPA NO DIREITO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO

CONTEXTO DA REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014

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SOBERANIA, MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E SUBORDINAÇÃO: OS IMPACTOS DA LEI GERAL DA COPA NO DIREITO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO

CONTEXTO DA REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque

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SOBERANIA, MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E SUBORDINAÇÃO: OS IMPACTOS DA LEI GERAL DA COPA NO DIREITO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO

CONTEXTO DA REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO FIFA 2014

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Aprovada em ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Prof. Me. Márcio Ferreira Rodrigues Pereira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Talita de Fátima Pereira Furtado Montezuma

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A Deus pelas energias, pela força, pela luz em minha vida e em minha luta.

A meus amados pais, Maria Eliene de Mesquita Peixoto e Manoel Cezario Peixoto por todo o apoio não só durante a feitura do presente trabalho ou o curso de direito, mas por essas boas 24 primaveras nas quais foram para mim exemplos máximos de caráter, responsabilidade, dedicação e amor absoluto. A minha irmã Nara Gabriela de Mesquita Peixoto, que trilha um brilhante caminho na área da arquitetura, pelo amor, carinho, amizade e apoio durante todo esse tempo.

A minha avó Maria Odete Cezario Peixoto, pelo amor, pelos abraços, pela torcida, pelas orações, pelas risadas e pelo mar. A meu avô Antônio Pinto de Mesquita, pelos exemplos de caráter, perseverança, honestidade, força e resistência do sertão. Pelo orgulho que sei que sentiriam ao ver seu neto formado, doutor, advogado. Orgulho sinto eu de vocês e da história de luta e de sacrifício que trilharam no interior desse Ceará.

A todos aqueles que de alguma forma me ajudaram na complexa luta por mim travada para passar no vestibular e entrar na Universidade Federal do Ceará, em especial aos amigos que fiz no colégio Ari de Sá e aos colegas do IBGE com os quais vivi de 2008 a 2010.

À educação superior pública, gratuita e de qualidade no Brasil e por todos aqueles que lutam por essa nobre causa.

Ao professor Dr. Newton de Menezes Albuquerque, por todo o apoio na orientação do presente trabalho, pela confiança e pela liberdade com a qual essa orientação foi conduzida, além das sugestões bibliográficas e de seus relevantes escritos sobre o tema da soberania. Compartilho muitas das ideias do professor com admiração e com orgulho em tê-lo como orientador.

Ao querido professor Me. Márcio Ferreira Rodrigues Pereira, por acreditar em projetos diferenciados de Universidade e de sociedade, por seu engajamento, disposição, militância, além da amizade e de sua disponibilidade em compor minha banca de monografia.

À Talita de Fátima Pereira Furtado Montezuma, por suas importantes contribuições, tanto no interior da Academia quanto fora dela, por sua militância em direitos humanos, além de sua compreensão e disponibilidade em compor minha banca de monografia.

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Kauhana Hellen, Murilo Leite e Breno Modesto, às queridas flores Enale Coutinho e Gláucia Sayuri, além de minha madrinha-Najucana, Melka Germana, e de meus padrinhos-Najucanos, Ladislau Duarte e José Rafael, além das lindas Caroline Nunes, Jéssica Rebouças, que brotaram recentemente na salinha e trazendo para o Núcleo uma nova geração de raça, força e coragem.

A todos e todas que militam no Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) e aos que lutam pelo direito à moradia e por uma cidade mais livre, justa e democrática.

Aos parceiros do Coletivo Conteste, queridos companheiros do movimento estudantil da Faculdade de Direito da UFC com os quais tive a oportunidade de dividir espaços, participar de formações, manifestações e intervenções, na Faculdade de Direito e fora dela.

Aos membros do Núcleo de Estudos Aplicados Direitos Infância e Justiça (Nudi-Jus), Núcleo de extensão no qual também atuei, pela intensa dedicação e carinho dos membros ao trabalhar essa temática que tanto me interessa.

Ao Centro de Assessoria Jurídica Universitária (CAJU-UFC), ao Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU-UNIFOR), ao Programa de Assessoria Jurídica Estudantil (PAJE-URCA), núcleos de extensão parceiros, que juntamente com o NAJUC compõem a Rede Estadual de Assessoria Jurídica Universitária do Ceará (REAJU). Aos demais Núcleos que, espalhados por esse Brasil, compõem a Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU).

Ao Escritório Frei Tito de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular (EFTA), meu primeiro estágio, no qual tive a sorte de atuar com Marília Passos, Talita Maciel, Arlindo Júnior e Patrícia Oliveira. Inestimável a contribuição desse estágio para minha formação humanística, jurídica, para a minha militância em assessoria jurídica universitária popular e para a própria realização desta monografia, uma vez que foi com o EFTA que tive meu primeiro contato com as diversas violações de direitos humanos em Fortaleza relacionadas à Copa do Mundo de 2014.

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que vivi e aprendido o que aprendi, por todo o amor, companheirismo, carinho, incentivo, dedicação, respeito e compreensão. A sua linda família, em especial a D. Fátima Nobre, a Kariny Nobre e aos pequenos Kayo Nobre e Alexandre Filho, por toda a amizade, carinho e apoio.

A todos meus amigos, amigas e amig@s e a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.

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“No creo que seamos parientes muy cercanos, Pero si usted es capaz de temblar de indignación cada vez que se comete uma injusticia en el mundo, somos compañeros, que es el más importante”.

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sede de um dos maiores megaeventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo FIFA 2014, verificando algumas das diversas alterações dessa escolha na soberania, na sociedade e no direito brasileiro, com especial enfoque na edição da Lei nº 12.663/2012, conhecida por Lei Geral da Copa, através da qual o Estado brasileiro normatizou diversos compromissos firmados com a FIFA, entidade que organiza o evento internacionalmente, com o objetivo de assegurar os privilégios econômicos da entidade e tornar juridicamente possível a ocorrência do evento, mesmo com diversos pontos incompatíveis com o direito brasileiro, o que significou a mitigação da própria soberania brasileira para a realização de um megaevento do porte da Copa do Mundo FIFA. Após uma análise do instituto da soberania e do fenômeno dos megaeventos esportivos, passamos a uma análise do megaevento Copa do Mundo FIFA 2014. Iniciamos nossa abordagem com um breve histórico do uso político do futebol no Brasil e chegamos ao mundial de 2014, analisando o processo de candidatura até a confirmação do país como sede do megaevento esportivo, com os impactos econômicos, sociais e políticos advindos dessa escolha. Aprofundando o estudo dos impactos político-jurídicos, passamos a analisar de que forma a mitigação da soberania nacional foi concretizada com a edição da Lei Geral da Copa, verificando os principais pontos da lei e de que modo conflitam com o ordenamento jurídico e impactam na sociedade brasileira. Por fim, abordamos a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.976/DF, uma medida que pretende eliminar algumas das incompatibilidades da Lei Geral da Copa com o direito brasileiro.

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Ce travail analyse les différents impacts de la choix du Brésil comme pays-hôte de l'un des plus grand méga-événement sportifs de la planète, la Coupe du Monde FIFA 2014, en analysant les différents changements apportés dans la souveraineté, dans la société et dans le droit brésilien, en particulier avec la promulgation de la Loi n° 12.663/2012, populairement connue comme Loi Générale de la Coupe du Monde, loi par laquelle l'Etat brésilien a matérialisé divers accords signés avec la FIFA l'organisation qui organise l'événement internationalement, dans le but de garantir les privilèges économiques de l'entité et de faire la occurrence de l'événement juridiquement possible, même avec plusieurs points contraires à la loi brésilienne, ce qui a signifié dans la pratique l'atténuation de la souveraineté brésilienne à la réalisation d'un grand événement de la taille de la Coupe du Monde FIFA. Après une analyse de la question de la souveraineté et du phénomène moderne des méga-événement sportifs, nous passons à l'étude de la Coupe du Monde FIFA 2014. Nous commençons notre approche par un bref historique de l'utilisation politique du football au Brésil, jusqu'au usqu'à aujourd'hui, avec le processos de candidature et la confirmation comme pays-hôte du mondial de 2014, avec des impacts économiques, sociaux et politiques résultant de ce choix. Continuant l'étude des impacts politiques et juridiques, nous analysons comment l'atténuation de la souveraineté nationale a été réalisée avec la promulgation de la Loi générale de la Coupe, vérifiant les principaux points de la loi et comment ils entrent en conflit avec le système juridique nacional et ses impacts sur la société brésilienne. Enfin, nous la ADI n ° 4.976/DF, une mesure visant l'élimination certaines des incohérences de la Loi Générale de la Coupe avec la loi brésilienne.

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Gráfico 01 - Qualntidade de horas dedicadas à cobertura da Copa do Mundo FIFA pela

mídia televisiva mundial ... 60 Gráfico 02 - Porcentagem de investimentos de verbas públicas na realização dos Jogos

Olímpicos... 68 Figura 01 - Empresas patrocinadoras da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 ... 74 Figura 02 - Exemplo de área de restrição comercial FIFA ... 149 Figura 03 - Restrições nas mediações do Estádio Arena Castelão durante os jogos da Copa

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ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

AFA Asociación del Futbol Argentino (Associação Argentina de Futebol) AFC Asian Football Confederation (Confederação Asiática de Futebol) AGU Advocacia Geral da União

AI Ato Institucional

ANCOP Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa

AUF Asociación Uruguaya de Fútbol (Associação Uruguaia de Futebol) BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BRIC Brasil, Rússia, Índia e China

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

BRT Bus Rapid Transit (Sistema de Trânsito Rápido de Ônibus)

CAF Confederation of African Football (Confederação Africana de Futebol) CBD Confederação Brasileira de Desportos

CBF Confederação Brasileira de Futebol

CC Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor CF Constituição Federal

CGCE Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva CND Conselho Nacional de Desportos

CNE Comissão Nacional dos Esportes

COHRE Centre on Housing Rights and Evictions (Centro de Direito à Moradia e Remoções)

COI Comitê Olímpico Internacional

CONCACAF Confederation of North, Central American and Caribbean (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe

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FMI Fundo Monetário Internacional

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional INSS Instituto Nacional do Seguro Social

MRE Ministério das Relações Exteriores

MLDM Movimento de Luta em Defesa da Moradia ME Ministério do Esporte

OFC Oceania Football Confederation (Confederação de Futebol da Oceania) ONG Organização não governamental

ONU Organização das Nações Unidas PGR Procuradoria-Geral da República PLC Projeto de Lei Complementar PST Programa Segundo Tempo

UEFA Union of European Football Associations (União das Federações Europeias de Futebol)

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INTRODUÇÃO ... 17

1. O INSTITUTO DA SOBERANIA ... 23

1.1. A formação do conceito e da titularidade da soberania ... 23

1.2. Soberania e Democracia ... 31

1.3. Soberania, Globalização e Neoliberalismo ... 37

1.4. Soberania e Estado de Exceção no Brasil ... 41

2. O FENÔMENO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS ... 43

2.1. De evento a megaevento esportivo: Discussões iniciais sobre a terminologia ... 43

2.2. O fenômeno dos megaeventos esportivos e a atual sociedade de espetáculo ... 50

2.2.1. A construção do esporte na modernidade e os megaeventos esportivos ... 50

2.2.2. Megaeventos esportivos, sociedade de espetáculo e alienação social ... 53

2.2.3. A importância do papel da mídia para os megaeventos esportivos ... 56

2.3. Os objetivos pretendidos com a realização de megaeventos esportivos por seus países-sede ... 62

2.3.1. O aspecto da imagem de um megaevento para seus países-sede ... 63

2.3.2. Os aspectos econômicos de um megaevento esportivo para seus países-sede ... 67

2.3.3. Os megaeventos esportivos e seu significado para os países BRICS ... 76

2.4. Os impactos da realização de megaeventos esportivos nas suas localidades-sede ... 80

3. O MEGAEVENTO COPA DO MUNDO FIFA BRASIL 2014 ... 89

3.1. Breve histórico do uso político do futebol e dos eventos esportivos no Brasil ... 90

3.1.1. O início do futebol no Brasil: de sua importação à sua institucionalização... 90

3.1.2. O Futebol se profissionaliza: da fase de popularização à Copa do Mundo FIFA 1950 .... 95

3.1.3. O Futebol arte e o seu uso político pela ditadura militar brasileira de 1964 ... 99

3.1.4. O futebol-empresa e o poder do mercado na modernização do futebol brasileiro ... 103

3.1.5. O Brasil emergente, uso político do futebol e os megaeventos esportivos ... 106

3.2. O Brasil e seu histórico interesse em ser sede de Copas do Mundo FIFA ... 111

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3.5.1. Os impactos político-jurídicos ... 120

3.5.2. Os impactos econômicos ... 123

3.5.3. Os impactos sociais... 128

4. A LEI GERAL DA COPA E SEUS IMPACTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO E NA SOCIEDADE BRASILEIRA ... 135

4.1 O processo legislativo da Lei Geral da Copa ... 135

4.2. A Lei Geral da Copa e o ordenamento jurídico brasileiro... 142

4.2.1. Disposições gerais contidas na Lei Geral da Copa... 144

4.2.2. Disposições sobre direito público contidas na Lei Geral da Copa ... 147

4.2.2.1. A liberdade de Locomoção e as Áreas de Restrição Comercial ... 148

4.2.2.2. A concessão dos vistos de entrada e das permissões de trabalho ... 153

4.2.2.3 Os tipos penais contidos na Lei Geral da Copa ... 155

4.2.2.4. O uso das Forças Armadas brasileiras nos eventos FIFA ... 157

4.2.2.5. A decretação de feriados e as mudanças nos calendários escolares brasileiros ... 159

4.2.2.6. A cessão de territórios e o fornecimento de serviços de forma gratuita à FIFA ... 162

4.2.3. Disposições sobre direito privado contidas na Lei Geral da Copa ... 164

4.2.3.1. A proteção dos direitos comerciais da FIFA ... 165

4.2.3.2. Os benefícios concedidos à FIFA referentes à responsabilidade civil ... 171

4.2.3.3. As alterações nas relações consumeristas ... 173

4.2.3.4. As relações de trabalho e a Lei Geral da Copa... 177

4.2.4. As disposições permanentes da Lei Geral da Copa... 178

4.3. A Lei Geral da Copa e a Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 4976/DF ... 180

4.3.1. Breves considerações sobre o Controle de Constitucionalidade no Brasil ... 180

4.3.2. A proposição e a tramitação da ADI Nº 4976/DF ... 182

4.3.3. A Lei Geral da Copa e a Constituição Federal do Brasil ... 186

CONCLUSÃO ... 189

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 192

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ANEXO C –Cronograma da candidatura do Brasil à Copa do Mundo FIFA 2014 ... 254

ANEXO D – Obrigações contraídas pela cidade-sede Manaus/AM perante a FIFA ... 256

ANEXO E – Calendário oficial da Copa do Mundo FIFA 2014 ... 263

ANEXO F – Tabela sobre impactos sociais de megaeventos (COHRE) ... 264

ANEXO G - Denúncias de violações de direitos humanos relacionados à Copa do Mundo FIFA 2014 (ANCOP) ... 269

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INTRODUÇÃO

“A Copa do Mundo está de volta ao país do futebol”. Em 2014 o Brasil volta finalmente

a receber um dos maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo FIFA. “Juntos, num só ritmo”, os brasileiros se preparam para receber “de braços abertos” o evento que volta “para

casa” 64 (sessenta e quatro) anos depois do mundial de 1950. Em 2014, no “maior mundial de todos os tempos”, 32 (trinta e duas) equipes disputarão entre si para selecionar aquela que irá levantar triunfantemente a taça do mundo FIFA no dia 13 de julho de 2014. “Aguenta coração!”.

Partindo dessas expressões amplamente utilizadas no discurso publicitário oficial da organização do evento e difundidas por uma grande mídia também compromissada com essa mesma organização, nos propomos no presente trabalho a fazer um contraponto a essa visão desvirtuada da realidade, de modo a realizar de modo crítico uma análise não somente jurídica, como também sociológica, numa pesquisa socialmente referenciada acerca dos profundos impactos da realização do megaevento Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil.

A Copa do Mundo FIFA é um dos eventos esportivos mais impactantes do planeta. Essa afirmativa deve ser analisada sobre dois pontos de vista. O primeiro se refere ao amplo alcance que tal evento pode atingir, o que está diretamente relacionado ao intenso apelo midiático a ele relacionado na atualidade e à possibilidade de ganhos políticos pelos países que os sediam. Tais fatos tem historicamente levado os mais diversos Estados a ser países-sede das edições desse importante evento para o calendário esportivo mundial, incluindo o Brasil.

O segundo ponto de vista se refere às mais diversas alterações que historicamente tem sido implementadas nos países que sediam tal megaevento, de modo que, durante o processo de preparação dos para sua ocorrência, buscando atingir o “padrão-FIFA” de qualidade, são

realizadas inúmeras intervenções na infraestrutura urbana das cidades-sede, o que comumente tem ocorrido com inúmeras violações dos direitos humanos das populações residentes nesses centros urbanos, sobretudo a população mais vulnerável economicamente. No caso brasileiro, não seria diferente, tendo ocorrido a emergência dos mais diversos tipos de impactos sociais em cada uma das 12 (doze) cidades-sede do evento, sentidos com maior intensidade pela a população mais pobre dessas localidades.

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que, desde o processo de candidatura do Brasil a sede do evento, foram firmados diversos compromissos entre o país e a FIFA, no sentido do atendimento dos mais diversos interesses econômicos da entidade privada internacional.

Nesse contexto, a Lei nº 12.663/2012, conhecida por Lei Geral da Copa, veio a normatizar esses diversos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro perante a FIFA, o que significou uma tentativa de se legitimar a mitigação soberania nacional para a realização do megaevento, dados os diversos pontos trazidos pela lei que conflitam com o direito brasileiro.

O objetivo principal do presente trabalho é analisar a forma que a realização do megaevento Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil significou a mitigação da soberania nacional, com um especial enfoque nas mudanças que a Lei nº 12.663/2012 implementou no direito e na sociedade brasileira, verificando de que modo o atendimento aos interesses privados da FIFA significaram a mitigação da soberania brasileira e a instalação de um verdadeiro estado de exceção no país, num contexto em que os interesses de uma poderosa corporação internacional passaram a suplantar os direitos dos legítimos titulares dessa soberania, o povo brasileiro.

Entre os objetivos específicos do presente trabalho, pretendemos analisar o conceito de soberania e os aspectos histórico-conceituais do instituto até a contemporaneidade, bem como sua importância para a noção de Estado e para as relações de poder que se desenvolvem dentro e fora de suas fronteiras. Além disso, importante se mostra examinarmos as questões da titularidade da soberania e os impactos nela implementados com o fenômeno da globalização e com a execução das políticas neoliberais no final do século XX.

Também incluídos nos objetivos específicos do trabalho examinarmos o tema dos megaeventos esportivos, verificando sua terminologia, suas características, suas semelhanças e seus impactos na sociedade mundial moderna. Nesse ponto, importante se mostra fazermos uma breve análise sociológica do tema, relacionando as mudanças implementadas na concepção moderna do esporte com a emergência da atual “sociedade de espetáculo”, analisando de que modo os grandes conglomerados da mídia mundial se relacionam ao fenômeno dos megaeventos esportivos e os aspectos políticos e econômicos de sua realização.

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impactos sociais, econômicos e político-jurídicos do megaevento de 2014 e de que forma a Lei Geral da Copa modificou diretamente a vida e o cotidiano de milhões de brasileiros e implementou diversas mudanças no funcionamento de diversas instituições brasileiras.

Traçado inicialmente o objetivo principal e os objetivos específicos do presente trabalho, passamos a seguir ao referencial teórico utilizado para a consecução dos referidos objetivos.

Inicialmente, em nossa análise do instituto da soberania, nos utilizaremos das contribuições de autores clássicos como Jean Bodin, Thomas Hobbes, Nicolau Maquiavel e Jean-Jacques Rousseau. Partindo de Rousseau e de suas concepções de soberania popular, pretendemos analisar os estudos de Marx e Engels e suas críticas acerca da burocratização do modelo liberal burguês de democracia representativa no exercício dessa soberania pelo povo. Fundamentais se mostram as contribuições do professor de Direito da Universidade Federal do Ceará, Newton Albuquerque, ao concatenar em sua obra o histórico do conceito de soberania, os impactos da burocratização da democracia no exercício do poder soberano e os reflexos da globalização nesse processo.

Ao analisarmos a questão dos megaeventos esportivos, destacamos a análise das obras de Bourdieu, Betti, Bratch, Rubio, Ramonet, Lefebvre e Preuss, além da interessante análise de Guy Debord acerca de um fenômeno que se mostra bastante atual, a formação de uma “sociedade de espetáculo”, termo ao qual por vezes nos referiremos ao longo do trabalho.

Em nossa análise do histórico do uso político do futebol no Brasil, nos utilizaremos das contribuições de alguns autores nacionais que em suas abordagens analisaram o histórico do esporte mais popular no Brasil. Nesse sentido, fundamentais as obras de Daolio, Da Silva e Santos, Sarmento, Proni e Gutterman. Ao tratarmos do megaevento Copa do Mundo FIFA 2014, importantes para a presente pesquisa se tornam as análises críticas de publicações oficiais e relatórios elaborados pela própria FIFA e pelo governo brasileiro, além de relatórios de ONGs e de documentos de movimentos populares que ao tratar do megaevento acrescem ares de realidade às abordagens oficiais.

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Devido à atualidade do tema, de grande relevância para a pesquisa também se mostra o acesso a jornais, tanto nacionais quanto internacionais, a textos de tratados internacionais, além de artigos científicos, revistas científicas e demais trabalhos acadêmicos.

Destaco de forma especial a contribuição dos textos e das discussões tratadas no seio do Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC) grupo de extensão da Universidade Federal do Ceará do qual participamos, também de grande importância para o presente trabalho, em especial as trocas de experiências, de conhecimentos, as formações e a militância junto ao Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM).

Por fim, de fundamental relevância para o presente trabalho também foi a intensa vivência prática que realizamos do tema da Copa do Mundo FIFA 2014 na prática durante os últimos tempos, não somente na Universidade ou nos órgãos do Legislativo e do Judiciário, mas especialmente nas comunidades e nas ruas, destacando os inesquecíveis eventos ocorridos em junho de 2013 durante a Copa das Confederações FIFA, as maiores manifestações populares da história recente do Brasil.

Passemos então à metodologia adotada no presente trabalho.

A hipótese fundante do presente trabalho é que o Estado brasileiro, ao objetivar a realização da Copa do Mundo FIFA 2014 em seu território consentiu na mitigação de sua própria soberania, o que foi feito com os mais diversos objetivos políticos e econômicos. Assim, o país firmou diversos compromissos com a FIFA no sentido de garantir à entidade diversos privilégios para que fosse confirmado como sede do referido megaevento esportivo, benefícios esses que foram concedidos de forma simultânea à mitigação ou supressão de diversos direitos de cidadãos brasileiros e a alterações em diversas instituições brasileiras, mostrando a prevalência dos interesses da FIFA, uma entidade privada internacional, que foram assegurados em detrimento de diversos direitos historicamente conquistados pelos legítimos titulares da soberania na República Federativa do Brasil, o povo brasileiro.

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democracia e, em seguida, fazemos uma abordagem dos impactos que o fenômeno da globalização e o neoliberalismo tiveram na concepção moderna de soberania e de que modo as influências do capital puderam nela ser sentidas.

O segundo capítulo trata dos megaeventos esportivos, no qual traçamos inicialmente algumas considerações sobre a terminologia e passamos para a uma análise do modo como a consolidação do sistema de produção capitalista repercutiu no esporte moderno, com sucessivas mudanças que culminaram no fenômeno da atual “sociedade de espetáculo”. Nesse ponto

traçamos algumas considerações sobre a importância da mídia e sobre a alienação social produzida nesse sistema. Seguimos nossa abordagem analisando alguns dos principais objetivos pretendidos pelos países-sede de megaeventos esportivos com sua realização, destacando o papel da transmissão de uma imagem nacional positiva e os aspectos econômicos que geralmente envolvem a realização de eventos de tamanho porte. Posteriormente, apresentamos alguns dos impactos produzidos na realização desses eventos em suas localidades-sede, ocasionados nos âmbitos político, jurídico, econômico e social que mundialmente vem sendo sentidos pelas populações das localidades que sediam esses eventos.

No terceiro capítulo, passamos do geral para o particular indo de uma abordagem geral do fenômeno mundial da realização de megaeventos esportivos para o caso específico do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA 2014. Iniciamos o capítulo traçando um breve histórico do uso político do futebol e das edições da Copa do Mundo FIFA pelas autoridades brasileiras, analisando o modo como foram utilizados como instrumento para a consecução dos mais diversos objetivos governamentais no Brasil. Em seguida, apresentamos as ocasiões em que o Brasil apresentou candidatura à realização da Copas do Mundo FIFA e passamos à candidatura e escolha do país como sede do megaevento de 2014. Nesse ponto, comentamos cada um dos compromissos firmados internacionalmente com a FIFA pelo Estado brasileiro para que o país fosse oficialmente eleito como sede do maior evento esportivo do futebol mundial. Uma vez escolhido como sede, passamos a alguns dos principais impactos da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil, tendo em nossa abordagem, dividido tais impactos em três categorias de impactos: político-jurídicos, econômicos e sociais.

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repercussões do megaevento FIFA na soberania nacional. Iniciamos nossa análise com o processo legislativo da lei para verificar de que modo os aludidos compromissos firmados com a FIFA foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro e, passando por uma análise do Projeto de Lei em cada uma das Casas do Congresso Nacional brasileiro, realizamos uma análise dos principais dispositivos da Lei Geral da Copa e de que modo eles repercutiram no direito e na sociedade brasileira. Em seguida, passamos a analisar a ADI Nº 4976/DF, e o modo como a referida medida judicial objetivou extirpar alguns pontos da Lei Geral da Copa do ordenamento jurídico brasileiro.

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1. O INSTITUTO DA SOBERANIA

1.1. A formação do conceito e da titularidade da soberania

Inicialmente, destacamos a importância do conceito de soberania, por sua íntima relação com a ideia das relações de poder que se desenvolvem em um determinado grupo social, de quem é o do poder em última instância nesse grupo, e de que modo ocorre a participação do coletivo de suas decisões políticas. Assim, muitos a caracterizaram como o poder exercido pelo povo (Rousseau), enquanto outros a consideraram uma característica do poder do exercido pelo Estado (Jellinek), enquanto outros a enxergaram numa abordagem mais restrita como o poder exercido pelo direito num determinado grupo social (Kelsen).

No decorrer da história, diversas foram as tentativas de realizar uma conceituação que abordasse a totalidade dos elementos que o conceito de soberania abrange, uns relacionando o conceito de modo a alcançar processos de emancipação política, enquanto outros viram nessa conceituação uma forma de assegurar as relações de dominação existentes numa sociedade. Interessante passagem da obra de Dallari (2010, p. 79) é aquela que relaciona essa diversidade de abordagens que foram sendo realizadas no decorrer do tempo a respeito do instituto da soberania:

Entre os autores há quem se refira a ela como um poder do Estado, enquanto outros preferem concebê-la como qualidade do poder do Estado, sendo diferente a posição de Kelsen, que, segundo sua concepção normativista, entende a soberania como expressão da unidade de uma ordem. Para Heller e Reale ela é uma qualidade essencial do Estado, enquanto Jellinek prefere qualificá-la como nota essencial do poder do Estado. Ranelletti faz uma distinção entre a soberania, com o significado poder de império, hipótese em que é elemento essencial do Estado, e soberania como sentido de qualidade do Estado, admitindo que esta última possa faltar sem que se desnature o Estado, o que, aliás, coincide com a observação de Jellinek de que o Estado Medieval não apresentava essa qualidade (DALLARI, 2010, p. 79).

Paupério (1958, p.15) apresenta que a noção de soberania está intimamente ligada ao exercício do poder de mando numa determinada localidade. Tal fato estaria comprovado na própria semântica do vocábulo soberania, que viria do latim superomnia, ou superanus, ou supremitas, termos que teriam originado posteriormente as noções de soberania e soberano, que seria aquele que deteria o aludido poder de mando num determinado grupamento social.

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Baixa Idade Média, possível graças à convergência das principais forças políticas da época, que se uniram com o objetivo da centralização do poder nos Estados Nacionais.

Assim, com a formação dos Estados Modernos, houve a centralização do poder político que no feudalismo permaneceu dividido entre os grandes latifundiários da Idade Média, os senhores feudais. Nas novas monarquias absolutistas, produtos desses processos políticos que se desenvolveram durante esse período da história na Europa ocidental, emerge essa noção moderna de soberania, na qual os monarcas puderam exercer plenamente seu poder naqueles Estados recém-criados. Nesse sentido, Bobbio (1991, p. 65) estabelece que

[...] a formação do Estado moderno coincide com o reconhecimento e com a consolidação da supremacia absoluta do poder político sobre qualquer outro poder humano. Esta supremacia absoluta se chama soberania. E esta significa, diante do exterior, em relação ao processo de libertação, independência; diante do interior, em relação ao processo de unificação, superioridade do poder estatal sobre qualquer outro centro de poder existente num determinado território (BOBBIO, 1991, p. 65).

Dessa forma, o Estado Moderno emerge nesse contexto, capaz de organizar de forma centralizada o uso da força sobre uma determinada população e nos limites de um determinado território, de forma que o poder soberano do monarca pudesse predominar em relação a todos os outros com os quais com ele pudessem colidir, tanto interna quanto externamente. Destacamos o papel do direito e da lei nesse novo sistema, pois estes seriam os instrumentos por meio dos quais os monarcas absolutos exerciam a plenitude de seu poder soberano.

Destacamos a importância do Tratado de Vestfália, que foi assinado em 1648, com o fim da Guerra dos Trinta Anos, considerado atualmente um marco histórico para o direito internacional, por ter consagrado princípios de suma importância para as relações internacionais na modernidade, como a soberania dos Estados, a igualdade e a reciprocidade nas relações internacionais traçadas entre eles. Podemos dizer que com a assinatura do referido Tratado pelas potências da época que o firmaram, houve o reconhecimento mútuo das fronteiras dentro das quais cada poder soberano poderia incidir. Sobre a importância desse tratado, destacamos:

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unidades políticas sobre a base dos princípios da soberania e da igualdade. Com isto, um dos objetivos fundamentais das relações internacionais passa a ser a busca do equilíbrio de poder entre os diversos Estados modernos e a necessidade compatibilização do exercício das respectivas soberania de cada um de seus membros. Isso porque as

relações internacionais passam a ser determinadas pela ‘ausência de uma instância

superior que detenha o monopólio da violência legítima’ e pelo reconhecimento da

guerra como um recurso legítimo na preservação dos interesses de cada país (GUERRA, 2008, p. 7-9).

O conceito de soberania, nesse contexto de afirmação do Estado Moderno, foi abordado por diversos teóricos no sentido de justificar o novo poder estabelecido. Um deles foi Jean Bodin, que teve o papel de ser o primeiro a sistematizar uma teoria organizada a respeito do instituto da soberania. Em sua obra Os Seis Livros da República” (1576), o autor apresenta a soberania como sendo um poder absoluto e perpétuo1 instituído num determinado território, que seria exercido de forma plena pelo monarca, pelo “soberano”.

Bodin estabelece que, ao ser absoluto, o poder exercido pelo rei se sobrepunha a todos os poderes que pudessem conflitar com o seu. Para a instrumentalização desse poder, de forma que pudesse ser conhecida a vontade do monarca a ser seguida nos diversos assuntos do reino e na vida de seus súditos, eram necessárias as leis e o direito, que tratariam de conferir a esse poder supremo a devida legitimação.

Assim, o monarca poderia criar, aplicar e eliminar as leis, exercendo o seu poder de forma plena, não havendo ninguém que pudesse restringi-lo. Os únicos limites nos quais o poder soberano encontrava eram as leis divinas e a chamada lei natural. Quanto à lei divina, o monarca deveria obedecê-la porque, assim como os súditos do reino lhe deviam obediência, ele próprio devia obediência a Deus, de quem também seria súdito. Quanto às leis naturais, estas seriam os fenômenos da natureza sobre os quais o rei também não teria controle, pois também estariam sujeitos à vontade de Deus.

As duas ressalvas ao poder do monarca soberano demonstram a importância da religiosidade para a sociedade francesa da época e o ainda presente poder da Igreja naqueles tempos. Excetuando-se esses dois aspectos, o poder do monarca dentro dos limites de seu reino

1 La souveraineté est la puissance absolue et perpétuelle d'une République, (...)Il est ici besoin de former la définition

de souveraineté, parce qu'il n'y a ni jurisconsulte, ni philosophe politique, qui l'ait définie, [bien] que c'est le point principal, et le plus nécessaire d'être entendu au traité de la République. (“A soberania é o poder absoluto e perpétuo

de uma República (...) É necessário definir a soberania porque, apesar de constituir um tema principal e que precisa ser melhor compreendido ao se tratar da república, não foi definida ainda por nenhum jurisconsulto, filósofo ou

político”, tradução livre). Disponível em: <http://classiques.uqac.ca/classiques/bodin_jean/six_livres_republique/

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seria absoluto. Outros elementos que destacamos da concepção de Bodin sobre a soberania são a vitaliciedade, a superioridade, a independência e incondicionalidade desse absoluto poder.

Partindo da concepção de soberania de Bodin, partimos para a abordagem de dois importantes autores que o sucederam e que desenvolveram importantes contribuições para a compreensão do instituto da soberania, que não mais seria considerada um poder emanado de Deus, mas um poder resultado da ação humana em sociedade através de acordos estabelecidos. Por tal motivo, esses dois importantes filósofos, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, foram

denominados “contratualistas”. Se Bodin teve o mérito de primeiro sistematizar uma teoria da soberania, coube a Hobbes e, principalmente, a Rousseau o desenvolvimento da “teoria da soberania popular”.

Vivendo na Inglaterra do século XVII, época em que o país passava por diversos conflitos políticos e religiosos, agitações que tiveram intensas repercussões na sociedade da época e em sua própria teoria política, Thomas Hobbes desenvolveu seu pensamento político e filosófico bastante influenciado pelo racionalismo de sua época. Um dos principais méritos do filósofo foram suas análises da relação existente entre o exercício do poder soberano e as ideias de representação política.

Em “O Leviatã”, Hobbes descreve o estado que chamou de “guerra de todos contra todos”

uma consequência natural de ser “o homem o lobo do homem”. Para evitar esse caos

generalizado, usando a razão e o instinto de autoconservação, os homens fariam entre si um pacto social, um contrato, e delegariam a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos o direito de representá-los. Assim, o Estado teria a legitimidade para tomar todas as medidas necessárias para que fosse evitado esse possível caos social, além da defesa dessa sociedade de agressões externas (BOBBIO, 1991, p. 43)

Para Hobbes, a soberania seria detida pelo indivíduo ou pela assembleia a quem fossem delegados todos aqueles poderes necessários à preservação daquilo que ele chamou de “ordem”.

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parte do pensamento do autor e do modo ele articulou as ideias de soberania e a representação política:

Isso é mais do que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens [...] Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes – com toda reverência – daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e

defesa” [...] É nele que consiste a essência do Estado, que pode ser assim definida: ‘Uma

grande multidão institui a uma pessoa, mediante pactos recíprocos uns aos outros, para em nome de cada um como autora, poder usar a força e os recursos de todos, da maneira

que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum’. O soberano é

aquele que representa essa pessoa” (HOBBES, 2002, p.130-1 31).

Thomas Hobbes, conforme estabelece Bonavides (2010, p. 141-142) desenvolveu sua doutrina da soberania popular como forma de fundamentar o processo de representação política, através da qual o poder soberano seria entregue por todos os indivíduos para que fosse exercido unicamente pelo monarca, de modo que sua teoria serviria para derivar da vontade popular e do contrato firmado a própria justificação do poder monárquico.

Na obra “O Contrato Social”, o teórico iluminista Jean-Jacques Rousseau aprofundou o estudo das relações entre soberania e representação política desenvolvida por Hobbes. Para o

autor francês, a soberania compreenderia o exercício da “vontade geral”, que seria o resultado de um pacto entre todos os indivíduos de um grupo social, que resultaria na criação de uma sociedade política. Nela, o homem deixaria o “estado de natureza” e passaria ao “estado civil”,

sendo importante esse processo de alienação de cada “contratante” no sentido de aglutinar a vontade de todos, formando a aludida “vontade geral”, e garantindo a paz social e a consecução dos fins do Estado. Segundo o autor:

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Para Rousseau, essa “vontade geral”, seria composta pela soma de todas as vontades políticas dos que vivessem num determinado território. Nessa ideia de soberania popular, o Povo seria o verdadeiro titular do poder soberano, sendo aquele representante, apenas uma voz dessa vontade maior, a “vontade geral”. Assim, para o autor, o poder soberano, expressão dessa

“vontade geral”, seria algo inalienável, indivisível, infalível e absoluto. O pensamento de Rousseau foi de grande importância para a formação do conceito de soberania popular adotado modernamente em diversas democracias.

As ideias de Rousseau foram bastante utilizadas no combate travado entre a burguesia e as monarquias absolutas europeias, que culminou com a Revolução Francesa (1789-1799). Ocorre que os interesses da classe burguesa que emergiu politicamente com a queda do Antigo Regime, passaram a ser contrários aos “excessos de participação política do povo” que poderiam ocorrer caso fossem adotadas de forma integral as ideias iluministas de Rousseau.

Tais “excessos” poderiam prejudicar os interesses daquela classe política que se destacara entre todas as outras e que havia capitaneado as demais forças políticas na luta do Tiers État2

contra as monarquias absolutistas europeias. Dessa forma, a soberania popular poderia tornar essa poderosa burguesia, grupo consciente de seu poder político e econômico na sociedade da época refém de um novo senhor, o Povo.

Temendo as consequências dessa possível “radicalização”, essa poderosa classe burguesa articulou uma nova teoria da soberania, a “teoria da soberania nacional”, na qual o Povo ainda permaneceria como titular da soberania num determinado Estado, mas agora enquanto componente de um novo instituto, a Nação. Naquela época, diversas disputas ideológicas foram travadas, tendo predominado as ideias do abade Sieyés, defensor do exercício da soberania pelo povo, enquanto Nação através de seus representantes políticos.

A doutrina da soberania nacional foi corporificada pela vitoriosa classe burguesa na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e na Constituição Francesa de 1791. Assim, afastando-se da doutrina da soberania popular e considerando o povo como um todo

2O termo “Terceiro Estado”, no contexto da sociedade europeia no período que antecedeu a Revolução Francesa

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unitário, agora articulado na ideia de Nação, a burguesia substitui o poder soberano do monarca absolutista pelo poder dessa nova entidade soberana, legítima titular do poder político numa sociedade, poder esse que passaria a ser exercido por meio de representantes eleitos democraticamente, através da lei e do direito.

Bonavides (2010, p.142) destaca a articulação feita entre as ideias de povo e nação pelos franceses da época:

Aquela imagem do indivíduo titular de uma fração da soberania, com milhões de soberanos em cada coletividade, cede poder à concepção de uma pessoa privilegiadamente soberana: a Nação. Povo e Nação formam uma só entidade, compreendida organicamente como ser novo, distinto e abstratamente personificado, dotado de vontade própria, superior às vontades individuais que o compõem. A Nação, assim constituída, se apresenta nessa doutrina como um corpo político vivo, real, atuante, que detém a soberania através de seus representantes (BONAVIDES, 2010, p. 142).

Passamos dessa abordagem da soberania feita pela chamada escola clássica francesa, para o que foi estabelecido pelas escolas alemã e austríaca. Numa nova concepção de soberania, as escolas alemã e austríaca tiveram como principal teórico o filósofo alemão Georg Jellinek. Para ele, o poder soberano de um Estado seria aquele que não reconheceria nenhum outro superior a si, sendo supremo e independente (JELLINEK, 1943).

O autor entende que a soberania seria um dos elementos do Estado, juntamente com o povo e o território. Jellinek acredita que a soberania seria uma qualidade do poder do Estado, ou seja, uma qualidade de um Estado perfeito. Além dele, o filósofo Hans Kelsen foi um dos maiores expoentes dessa corrente do pensamento político. Assim, se Jellinek afirma que a soberania seria um “poder jurídico” exercido em um Estado, Kelsen, no mesmo sentido, defende o Estado como uma articulação de normas jurídicas, entendendo a soberania como algo inserido no interior desse sistema jurídico.

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Com a Cara das Nações Unidas, assinada em junho de 1945, foi inaugurado um novo momento para o direito internacional, com reflexos na própria concepção de soberania, de modo que ocorreu uma espécie de humanização da soberania exercida pelos Estados em relação aos indivíduos que neles viveriam (MAZZUOLI, 2007). Assim, a ONU, buscando adequar as relações estatais com o objetivo da manutenção da paz e da segurança internacional, além da garantia da prevalência dos direitos humanos, consagrou algumas inovações no que tange ao instituto da soberania, como a igualdade soberana entre os Estados, a relativização da soberania nacional no sentido da prevalência dos direitos humanos e o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2003, p.88).

Nesse sentido, importante para essa nova abordagem da soberania, nesse novo parâmetro dos direitos humanos, foi a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, que passou a promover uma especial proteção aos direitos humanos dos indivíduos, ainda que estivessem os sujeitos de tais direitos vivendo no interior de estados soberanos. Nesse sentido, apresenta Bobbio:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos favoreceu [...] a emergência, embora débil, tênue e obstacularizada, do indivíduo no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados soberanos. Ela pôs em movimento um processo irreversível com o qual todos deveriam se alegrar. Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender – fortalecido por novos argumentos que os direitos do ser humano, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstancias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascido de modo gradual, não todos de uma vez nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 25-25).

Diante das diversas abordagens feitas ao longo da história acerca da soberania e de sua titularidade, diversos outros autores trouxeram as mais variadas contribuições para o estudo do instituto. Em todas as propostas que analisamos, verificamos que a soberania é essencialmente um conceito político e que as diferentes propostas que foram sendo realizadas no decorrer do tempo refletiram concepções também políticas acerca da titularidade desse poder e do modo como ele seria exercido.

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humano do Estado, sendo exercida essa soberania por meio de representantes democraticamente escolhidos por esse mesmo povo.

No entanto, a construção de uma ideia moderna acerca da soberania não pode ser considerado um processo puro e acabado. Em nossa pesquisa, verificamos que alguns publicistas se referiram à ocorrência de uma crise no instituto da soberania, que teria emergido devido a diversos processos implementados no seio do sistema de produção capitalista. Nesse sentido, comenta Albuquerque:

Entretanto, é com a ascensão da teoria liberal do Estado e da Soberania, agora percebida sob o ângulo do constitucionalismo – que refreia e define as competências do exercício do poder político –, que o Estado passa a ser entendido como algo que decorre do domínio de uma racionalidade dialógica entre os indivíduos, e não como a expressão de uma vontade taumartúrgica do Estado, todavia, constantemente mitigada pela supremacia do poderio econômico, e que reiteradamente ameaça o exercício das liberdades políticas no capitalismo.3

As referidas ameaças às liberdades políticas e ao exercício do poder soberano de forma livre foram acentuadas com os fenômenos da globalização e do neoliberalismo, notadamente quando em tal poder se fizeram sentir as mais diversas pressões econômicas e políticas do grande capital internacional, que, eliminando fronteiras e unificando os espaços de produção e de consumo, acabaram por modificar as instituições e o próprio modo de funcionamento dos Estados soberanos, com os mais diversos impactos econômicos e sociais.

1.2. Soberania e Democracia

Importante se torna para o presente trabalho realizarmos uma breve análise das relações entre o instituto da soberania e uma forma de governo que a ela se mostra fundamental, a democracia, dada a relevância dessa última no que se refere à sua titularidade e no modo de exercício do poder soberano.

Segundo Bonavides (1980, p. 17), a democracia, palavra originada das partículas gregas demos: povo e kratos: governo, corresponderia a uma forma de exercício do governo em que a vontade soberana do povo decidiria, direta ou indiretamente, todas as questões do governo, de modo que esse povo seria sempre o sujeito titular e o objeto do poder soberano.

3 ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Soberania política e vontade democrática no Estado Contemporâneo.

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Bobbio (2003) entende que a democracia seria um conjunto de regras que estabeleceriam quem estaria autorizado a tomar as decisões para a coletividade, bem como o modo que essas decisões seriam tomadas e os seus procedimentos. Assim, o conceito apresentado pelo autor relaciona a democracia à delegação de poderes que encontramos num sistema de exercício do poder democrático de forma representativa.

Ocorre que profundas mudanças ocorreram na concepção de democracia desde que tal regime de governo foi proposto na Antiguidade Clássica. Destacamos a abordagem feita pelo filósofo Aristóteles4, que analisou a democracia vigente na cidade-Estado de Atenas. Apresentando algumas das diferenças entre ambas as concepções de democracia, Dallari (2010, p. 146) esclarece que a abordagem feita por Aristóteles, ao restringir a atuação política àqueles que eram considerados cidadãos, na realidade grega da época, promovia a exclusão de grande parte da sociedade, uma vez que essa seleta atuação política na democracia ateniense, essa nobre virtude da sabedoria necessária para ditar os rumos da política local somente poderia ser exercida por um seleto grupo, formado por aqueles que, segundo Aristóteles, “não tinham a necessidade de trabalhar para viver”.

Assim, estavam automaticamente excluídos dessa concepção de “povo”, participante dos rumos da política ateniense, a grande maioria dos que compunham aquela coletividade, como mulheres, crianças, estrangeiros, além dos escravos, base econômica daquela democracia. Dessa forma, esses “escolhidos” se limitavam basicamente a homens, livres e nascidos na pólis, estando excluída da arte de governar a cidade-Estado a esmagadora maioria daquela excludente sociedade.

O surgimento da democracia com suas feições modernas ocorreu com os movimentos liberais burgueses do século XVIII5, que consagraram o ideário iluminista. Essa nova concepção

4 No tocante à classificação proposta por Aristóteles para as formas de governo, o filósofo grego propôs uma

classificação baseada num critério quantitativo, para o qual a monarquia seria o governo de um só; a aristocracia, que seria o governo de alguns, os melhores de uma determinada localidade; e a democracia, que seria o governo do

“povo”. Além dessas três formas de governo, consideradas puras, Aristóteles também elaborou as possíveis degenerações dessas formas de governo, que originariam outras três. A monarquia, quando desvirtuada, se converteria em tirania; a aristocracia se tornaria oligarquia; e a democracia seria transformada em mera demagogia.

5 Esses processos revolucionários burgueses iniciados no século XVIII e que se seguiram ao longo do século XIX,

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de democracia passou a consagrar a liberdade individual, a igualdade de todos perante a lei e o direito de escolha dos representantes políticos de um Estado por meio de eleições. Essa nova democracia seria o sistema político através do qual a autoridade suprema seria exercida pelos representantes eleitos pela Nação através do sufrágio popular, no contexto da doutrina da soberania nacional.

No tópico anterior, ao discorrermos sobre a formação histórica do conceito de soberania, também realizamos uma breve análise dos processos de formação e queda do Estado Moderno absolutista. Se o processo de formação do Estado absolutista teve íntimas relações com a emergência de um poder único e centralizado na figura do monarca, o seu o processo de queda esteve relacionado ao modo como esse poder foi apropriado pela classe burguesa.

Nesse contexto, destacamos a figura de Jean-Jacques Rousseau, um dos principais teóricos do iluminismo, suporte ideológico do movimento que, com as ideias de Liberté, Égalité e Fraternité, defendia a derrubada do antigo regime e a tomada do poder dos monarcas pelo povo. Como dissemos anteriormente, Rousseau desenvolveu suas ideias de soberania popular

atribuindo o exercício do poder soberano à “vontade geral” do povo, que seria a soma das vontades de cada um dos indivíduos de um Estado. Essa soberania de Rousseau ainda teria as características de ser inalienável, indivisível, infalível e absoluta, no sentido de garantir expressar cada uma das vontades daqueles que compunham o Estado.

Como visto, a intensa participação democrática de forma direta pelas diversas classes sociais nos rumos do Estado foi vista como algo indesejável pela alta burguesia europeia, classe econômica e política que ao tomar os rumos das Revoluções, buscou garantir que as mudanças políticas e econômicas fossem articuladas a seu favor, de modo que as suas próprias concepções de Liberdade, Igualdade e Fraternidade prevalecessem sobre a das demais classes sociais.

Assim, essa vitoriosa burguesia elaborou a comentada doutrina da soberania nacional, consagrando democraticamente a titularidade do poder soberano à Nação, que aglutinaria todos os indivíduos de um Estado. O exercício desse poder soberano ficaria a cargo dos representantes políticos democraticamente escolhidos pelo povo.

Para o iluminismo que servira de ideologia a essas revoluções liberais, importante foram

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tipos de governo6 nas diversas sociedades, dispondo que o surgimento da democracia como forma de governo ocorreria quando o povo se aglutinasse num só corpo - a Nação -, para exercer a titularidade do poder soberano. Prosseguindo em sua análise, o autor estabelece que o exercício

dessa democracia por esse “povo aglutinado”, dependeria da imposição de determinados limites e de determinadas regras ao seu exercício.

Nesse contexto, a teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu sua principal contribuição para o conceito moderno de democracia. A seguir, destacamos a parte de sua obra na qual o autor discorre sobre cada um dos 03 (três) poderes, bem como de sua importância para uma democracia representativa:

Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das que dependem do direito civil. Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar, e, o outro, simplesmente o poder executivo do Estado. A liberdade política, num cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança, para que tenha esta liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo, que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Se num Estado livre todo homem que supõe ter uma alma livre deve governar a si próprio, é necessário que o povo, no seu conjunto, possua o poder legislativo (MONTESQUIEU, 2002, p. 165-166)

Nessa democracia representativa, as diversas distinções entre os “cidadãos passivos”,

titulares do poder soberano, os “cidadãos ativos”, aqueles que através da representação exerceriam na prática o poder político em um Estado, demonstravam o descompasso entre ideais de igualdade jurídica e ao exercício da cidadania de forma restrita por alguns indivíduos, pois, apesar da moderna possibilidade do exercício da cidadania através do voto, dele estiveram durante um longo período excluídas as mulheres, negros, analfabetos, e pessoas sem um determinado padrão econômico. Tal fato levou diversos teóricos a questionarem esse modelo

6 Montesquieu tratando de forma diferente o que havia no passado sido disposto por Aristóteles, identifica como

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democrático de representatividade, que estaria condicionado a diversos fatores dentro de uma sociedade.

As análises de Marx e Engels refletiram o aspecto de que a chamada igualdade jurídica, uma igualdade meramente formal que existiria entre todos os indivíduos num Estado, escamoteava na realidade uma profunda diferença entre as distintas classes sociais que o compunham. Assim, a representatividade burguesa refletiria esse status quo no sentido de perpetuar essas desigualdades e essa dominação social.

O Estado moderno, para Mészáros (2002, p. 106), autor que desenvolveu suas ideias baseado no pensamento de Marx, seria uma estrutura complementar às forças econômicas do sistema do capital numa determinada sociedade. Na abordagem do autor estariam interligados os conceitos de capital, trabalho e o Estado, elementos que articulados, permitiriam o funcionamento do sistema de produção capitalista. Nele, a representatividade democrática seria “uma estrutura

totalizadora de comando político do capital”, que teria a função primordial de “assegurar e

proteger numa base permanente as realizações produtivas do sistema”.

A democracia representativa para Marx seria uma forma de igualdade formal, fictícia, daqueles indivíduos que na vida real, cotidiana, se mostravam tão desiguais, devido às relações entre capital e trabalho que se desenvolveriam numa sociedade. Em que pese diversas interpretações de sua obra terem sido feitas no sentido de desqualificar seu discurso, atribuindo a

ele a defesa do totalitarismo e da opressão, Marx e Engels”, (1998, p. 29-30) em seu projeto de transformação social, consideraram em seu “Manifesto Comunista”, que “(...) o primeiro passo na

revolução operária é a passagem do proletariado a classe dominante, a conquista da democracia

pela luta”. Considerando insuficiente a existência de uma democracia meramente fictícia, os autores estabeleceram que somente com uma igualdade real, fática, entre os cidadãos de um Estado a democracia poderia ser exercida em sua plenitude.

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Em que pese os sucessos historicamente conquistados pelo povo com o atual modelo de democracia, entendemos que, se a moderna tomada da soberania pelo povo foi um dos maiores marcos desse sistema político, o modo representativo de como essa democracia é exercida na prática, com regras e procedimentos técnicos que por vezes limitam a própria expressão da voz dessa “vontade geral”, refletem um tecnicismo que por vezes se mostra bastante antidemocrático. Nesse sentido, Bonavides (1973, p. 33):

Descamba a tecnocracia no monopólio da decisão política sonegada do povo e seus representantes. Na melhor das hipóteses esse monopólio concede ao povo tão-somente a possibilidade de uma participação plebiscitária, ilustrativa do novo cesarismo

tecnológico, que politizou vertiginosamente, governada pelos “novos príncipes” do

vocabulário político de Debré. [...]

A tecnocracia pode ser o último grau na deterioração do próprio sistema de grupos e significar apenas o alojamento permanente do grupo mais forte no poder, onde seus interesses dominantes aparecem servidos por especialistas acobertados e legitimados pelo diploma político de tecnocratas, confirmando-se assim a mais ousada e refinada usurpação da vontade popular (BONAVIDES, 1973, p. 33-34).

Assim, percebemos que essa dissonância entre representantes e representados retira a grande parte da essência do sistema democrático, que seria transformado numa burocracia da técnica, numa burocracia que teria o papel de monopolizar o direito em uma sociedade. Contudo, tal problema se torna ainda mais grave quando analisamos a influência do poder do grande capital nesse sistema político, que o tornaria ainda mais opressor, pois o poder econômico passaria a ditar não somente as regras do mercado economia nessa sociedade, como também a política e o direito nela existentes, procurando assegurar esse estado de dominação social e restringindo das mais diversas formas a expressão popular, a verdadeira vontade do povo. Nesse sentido, importante a contribuição de Albuquerque (2001, p. 99-100), que articulou numa interessante abordagem os elementos antidemocráticos que a influência do capital exerceria nesse modelo burocrático e tecnicista de democracia:

O desvanecer do sentido ético do Estado e do Direito produz um giro no discurso liberal, atribuindo-lhe um sentido formalista e utilitário. O espaço político no interior do Estado liberal, que estava voltado para o expurgo de tudo aquilo que se opusesse à plena realização da individualidade, passa a ser compreendido como uma simples duplicação do espaço do mercado, onde o que importa não é o fim último a que deve se submeter o Estado, mas apenas se as condições gerais de observância às normas legais e os procedimentos foram atendidos.

[...]

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seu querer coletivo de cidadãos, vê-se toldado pela ação apropriadora das burocracias privadas e estatais, mancomunadas no mesmo objetivo comum: o de ver mantidas a qualquer custo os privilégios e a vontade particularista do capital. A convivência entre Estado democrático e capitalismo dá suas primeiras demonstrações das imensas dificuldades em harmonizar-se, pois se de um lado o Estado de direito ético pressupõe incorporação de novos sujeitos políticos, maior participação e igualdade entre os seus cidadãos – o que só pode ser imaginado em condições de ampliação da esfera pública- de outro lado temos o capital, com seu apetite feroz, sedento de ganhos e de privilégios e que para isso não titubeia de lançar mão de toda sorte de mecanismos técnicos para auferi-los (ALBUQUERQUE, 2001, p. 99-100).

Compartilhando da opinião do professor, entendemos que para que possa existir um sistema político verdadeiramente democrático devem ser concentrados esforços não somente no sentido de possibilitar uma maior sintonia política entre representantes e representados, com uma maior realização de plebiscitos, referendos ou iniciativas populares, mas sobretudo no sentido de possibilitar condições materiais para que essa cidadania seja exercida de forma plena, com mecanismos que favoreçam condições materiais para a emergência do povo como sujeito de direitos, como soberano. Bastante claro se torna que somente em uma sociedade mais justa e mais igual a democracia pode ser exercida em sua plenitude, superando o aspecto exclusivista da democracia grega e possibilitando verdadeiramente a todos o papel de decidir soberanamente os rumos do Estado, não mais numa democracia fictícia, tecnicista e burocrática, mas sim, emancipatória, livre e popular.

1.3. Soberania, Globalização e Neoliberalismo

As rápidas transformações pelas quais o mundo nas décadas finais do século XX, com os intensos avanços nas áreas dos transportes e das comunicações, refletiram na emergência do fenômeno da moderno da globalização econômica. No entanto, apesar de estar diretamente ligado à economia, ao fluxo de mercadorias e de serviços, a globalização teve intensos reflexos nos âmbitos social, cultural e político, implementando até mesmo mudanças no instituto da soberania. O geógrafo Milton Santos (2001, p.23) define esse processo de globalização como o ápice da internacionalização do sistema de produção capitalista. Em sua análise, o autor caracteriza o fenômeno como perverso, uma vez que essas transformações técnicas que se deram a nível mundial foram seguidas de um intenso processo de concentração do capital e da informação, o que significou a concentração do próprio poder mundial.

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global, com diversos benefícios dele advindos, notadamente uma maior facilidade para consumir bens e de serviços produzidos em outros países, a maioria da população mundial permaneceu excluída desses avanços científicos e tecnológicos, desses produtos mundiais expostos nessas vitrines mundiais por uma mídia também mundial.

Além de não dispor do capital necessário para consumir tais produtos e serviços, essa maioria da população mundial foi afetada pelas diversas transformações políticas e econômicas decorrentes da globalização, com o processo de concentração do poder pelas grandes corporações e por instituições que, mesmo externas aos Estados, neles passaram a ditar os rumos da economia e da política nacional. Nesse sentido, Siqueira (2002):

Quando falamos da globalização como o contexto formado pela síntese das tecnologias de informação, de comunicação e de entretenimento, que reestruturam não só o lazer, mas também o trabalho, a produção, a educação e o próprio homem, estamos nos referindo a uma nova forma de capitalismo chamada tecnocapitalismo que, em termos de economia política se caracteriza pelo aumento do poder do mercado e pelo declínio do Estado-nação acompanhado do crescente poder das corporações transnacionais (SIQUEIRA, 2002)7.

Os reflexos da globalização na política e na soberania nacional acarretaram o aludido enfraquecimento do Estado e de sua atuação em setores que se mostram a ele essenciais, com a consequente abertura dos mercados e do atendimento dos ditames de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou o Banco Central Europeu. Octávio Ianni (1994) analisa o significado do fenômeno moderno da globalização para o Estado, relacionando as condições e as restrições implementadas ao exercício de forma livre de seu poder soberano. O autor relaciona o crescente poder dessas poderosas organizações financeiras e dos grandes conglomerados empresariais, que passaram a influenciar diretamente as políticas internas de Estados soberanos espalhados por todo o mundo:

As noções de interdependência, dependência e imperialismo também estão postas em causa, se admitimos que o estado-nação está em crise, enfrenta uma fase de declínio, busca reformular-se. As grandes e pequenas nações, centrais e periféricas, dominantes e subordinadas, ocidentais e orientais, ao sul e ao norte, todas se deparam com o dilema da reformulação das condições de soberania e hegemonia. É claro que há blocos, geopolíticas, imperialismos, dependências e interdependências nesse mesmo cenário. Há vínculos antigos e novos que atrelam nações umas às outras, não só em condições de igualdade mas principalmente de desigualdades. Também as organizações internacionais, compreendendo a ONU, FMI, BIRD, GATT e outras exercem as suas atividades

7 SIQUEIRA, Holgonsi Soares Gonçalves. Globalização e Autonomia. Disponível em: <http://www.angelfire.com/

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