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Repositório Institucional UFC: Análise econômica dos contratos de planos de saúde: segurança jurídica e revisão contratual

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Academic year: 2018

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

ÉDILA LIMA SERRA

ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE: SEGURANÇA JURÍDICA E REVISÃO CONTRATUAL

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ÉDILA LIMA SERRA

ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE: SEGURANÇA JURÍDICA E REVISÃO CONTRATUAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Uinie Caminha

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ÉDILA LIMA SERRA

ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE: SEGURANÇA JURÍDICA E REVISÃO CONTRATUAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em 30/11/2007.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________ Profª. Drª. Uinie Caminha

Orientadora - UFC

___________________________________________ Prof. William Paiva Marques Júnior

Examinador

___________________________________________ Dr. Antonio Carlos dos Santos

(4)

Ao meu pai, homem eterno no meu coração e na minha mente.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter-me dado perseverança para não desistir diante das dificuldades e por fazer-me crer que poderia galgar um passo adiante.

À minha admirável e jovem mãe, pela confiança nos meus desígnios, pelo amor infindável e pela constante dedicação.

Ao meu padrasto, Carlos Eduardo, Mestre economista, pelas discussões enriquecedoras e pelos conselhos.

À minha orientadora, professora Doutora Uinie Caminha, sem a qual eu não conseguiria realizar este trabalho, por todo o auxílio, a atenção, a disponibilidade e o esforço a mim concedidos.

Ao meu companheiro, André, pela paciência e suporte.

Ao professor William Marques e ao advogado Antonio Carlos, pela presteza e solicitude em participarem da banca examinadora.

(6)

“O juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça, mas para julgar segundo as leis”.

(7)

RESUMO

O modelo suplementar de assistência médica pela iniciativa privada, previsto na Constituição Federal, permite a existência de um grande número de relações contratuais entre planos de saúde e usuários. Quando eivadas de conflitos e levadas à apreciação do Judiciário, essas relações jurídicas podem apresentar características típicas do fenômeno da politização da justiça, no qual o magistrado desvincula-se dos critérios legais de julgamento com o intuito de atender anseios de justiça social. A ocorrência de tal anomalia institucional, decorrente do ativismo judicial, acarreta um conflito com o princípio da segurança jurídica, garantia de previsibilidade para o destinatário da lei. Ademais, a inobservância freqüente das cláusulas contratuais, sob o pretexto de o juiz possuir um papel social a ser desempenhado, ofende os princípios regentes da teoria geral dos contratos, em principal o da força obrigatória dos contratos. O presente trabalho se propõe a, justamente, analisar o tratamento dado pelo Poder Judiciário a essas lides, traçando os reflexos de interpretações subjetivistas dos juízes na esfera jurídico-econômica.

(8)

ABSTRACT

The supplementary model of medical assistance by private initiative, as provided in the Federal Constitution, allows the existence of a large number of contractual relations between health plans and users. When involved with conflicts and taken to the Judiciary, those juridical relations may show characteristics that are typical of the justice politization phenomenon, in which the magistrate relieves himself from the judgment legal criteria with the purpose to promote claims of social justice. The occurrence of such institutional anomaly, arising from the judicial activism, generates a conflict against the legal certainty principle, which is a guarantee of predictability of conducts for the recipient of law. Furthermore, the frequent violation of contractual terms, under the pretext of a social role to be played by the judge, offends the principles of the general theory of contracts, especially the principle of contracts requirement. The present work intends to analyze exactly the treatment given by the Judiciary to such conflicts, mapping the repercussions of subjective interpretations by judges in the legal and economic sphere.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABRAMGE - Associação Brasileira de Medicina de Grupo

ABRASPE - Associação Brasileira de Securidade Social dos Servidores Públicos Estadual, Civil e Militar

AMB - Associação Médica Brasileira

ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar CCB/02 - Código Civil Brasileiro de 2002

CDC - Código de Defesa do Consumidor CF/88 - Constituição Federal de 1988

CIEFAS - Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde EUA - Estados Unidos da América

FBH - Federação Brasileira de Hospitais

FENASEG - Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social OMS - Organização Mundial de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 SAÚDE ... 14

1.1 CONCEITO ... 15

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA BRASILEIRA ... 16

1.3 SAÚDE COMO UM DIREITO SOCIAL ... 18

1.4 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 20

1.5 ASSISTÊNCIA À SAÚDE PELA INICIATIVA PRIVADA ... 22

1.5.1 Evolução histórica brasileira ... 23

1.5.2 Modelos de atuação conjunta do poder público e da iniciativa privada ... 25

1.5.3 Saúde suplementar no Brasil ... 26

1.5.4 Caráter de empresa dos planos de saúde ... 28

2 CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE ... 31

2.1 CLASSIFICAÇÃO ... 31

2.1.1 Contratos de adesão ... 33

2.1.1.1 Teoria tradicional dos contratos e contratos de massa ... 33

2.1.1.2 Conceito ... 36

2.1.2 Contratos dirigidos ou regulamentados ... 37

2.2 OBJETO ... 40

2.3 MODALIDADES ... 41

2.4 COBERTURAS ... 41

2.5 CARÊNCIA ... 44

3 INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL: JUSTIÇA versus SEGURANÇA JURÍDICA? ... 46

3.1 ATIVISMO JUDICIAL ... 46

3.1.1 Politização da justiça ... 48

3.1.2 Eqüidade e eficiência ... 55

3.1.3 Segurança jurídica ... 58

(11)

REFERÊNCIAS ... 66

ANEXO A ... 69

ANEXO B ... 70

ANEXO C ... 71

(12)

INTRODUÇÃO

Em decorrência do sistema misto adotado no Brasil, a assistência médica pode ser oferecida tanto pelo Poder Público, quanto pela via particular, por meio das operadoras de plano de saúde. Na divisão de competências, cabe ao Estado a parcela maior de responsabilidade, uma vez que este configura como principal ente na prestação da saúde, sendo-lhe reservada a obrigação de ofertar, de maneira universal e indiscricionária, serviços de assistência médica a todos que possam dela necessitar. Em contrapartida, a figura dos planos de saúde surge de maneira secundária, complementando a atuação da esfera pública, mediante a celebração de acordos entre a empresa e o particular, cujos objetos recaem sobre uma cobertura delimitada no instrumento contratual.

Nessa estrutura, considerável é a quantidade de indivíduos que optam pelos serviços de medicina privada, não obstante a disponibilidade gratuita pela saúde pública. Estima-se que 25% da população brasileira possuem pelo menos um contrato de plano de saúde1. Tal estatística traduz uma conseqüência imediata: o aumento das relações jurídicas entre empresas de assistência privada e usuário.

Verificar a postura do Judiciário, quando essas relações são levadas à sua apreciação, consiste no principal objeto do presente trabalho. Em outras palavras, o intuito será analisar o tratamento jurisdicional concedido às demandas cujos litigantes sejam planos de saúde e usuário. O enfoque recairá sobre a observância das cláusulas contratuais e da legislação pertinente - Constituição Federal, Código Civil, lei nº. 9.656/98, resoluções da ANS, dentre outras - no procedimento decisório dos magistrados. Para tanto, o estudo será dividido em três capítulos, dispostos da forma a seguir.

No primeiro capítulo, aborda-se a saúde, bem jurídico de suma relevância, considerado pela Constituição Federal como direito social e dever estatal. Inicialmente, é exposto o conceito de saúde, para, em seguida, por meio de um detalhamento das disposições legais, delimitar-se as esferas de atuação compartilhada entre o Poder Público e a iniciativa privada. No que diz respeito ao exercício da atividade pelos planos de saúde, é feito seu enquadramento dentro da

1

(13)

Ordem Econômica constitucional, em que se permite a atuação empresarial com escopo de lucro.

Em continuidade, o segundo capítulo averigua a figura dos contratos de planos de saúde, celebrado por simples adesão, entre a operadora e o usuário. Aqui, são delineados os aspectos fundamentais do instrumento contratual, tais como classificação, objeto, modalidade, cobertura e carência.

(14)

1 SAÚDE

No atual contexto, a saúde, bem jurídico de relevância, ganha status de direito social, integrante dos setores prioritários de atuação estatal. O Poder Público não apenas deve proporcionar meios de recuperar a saúde, mas também criar meios preventivos que assegurem a sua manutenção. A proteção deve ser universal, não excluindo qualquer indivíduo do acesso à assistência pela via gratuita e pública.

Entretanto, os números revelam uma verdadeira inoperância do aparelho estatal nas ações da saúde. Estima-se que, aproximadamente, 25% da população brasileira2 utilizam serviços de planos de saúde. Ante a defasagem dos serviços públicos3 - as condições hospitalares são insuficientes para a demanda em face do número reduzido de leitos4, os postos de saúde limitados5 e os médicos encontram-se, em constância, deflagrando greves em decorrência de maus salários6 -, ao indivíduo resta a obrigação de contornar tais obstáculos, optando por outros meios capazes de atender suas necessidades, a fim de garantir proteção à sua saúde. Por vezes, finda o setor privado complementar de assistência à saúde por suprir a falta estatal.

Nesse panorama, o sistema de saúde demonstra ser bem mais complexo do que se mensura. Por vezes, é difícil delimitar a quem incumbe a obrigação de prestar assistência, se ao Estado ou ao setor privado. A lei, então, deverá ser aplicada para dirimir a controvérsia.

Sensível a este aspecto, o capítulo ora apresentado abraça essa proposta: delinear uma visão sistemática sobre a saúde, focando a divisão de

2 IBGE 2003. Op. cit. 3

A crise do setor público de saúde é assunto recorrente no Brasil. Em 3 de setembro de 2007, o governo liberou 2 bilhões para a área, com o principal objetivo de conter a crise. Ver RIBEIRO, Ana Paula e FERNANDES, Kamila. Governo antecipa R$ 2 bi para conter crise da saúde. Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u325465.shtml>. Acesso em: 29 out. 2007.

4

A estatística revela uma quantidade bem mais elevada de leitos no setor privado do que na esfera pública. O gráfico colacionado, no anexo A, expressa, em números, essa realidade.

5 Os anexos B e C demonstram a disparidade entre a quantidade de postos de saúde públicos e privados. 6

(15)

competência de implementação entre os setores público e privado, mediante análise detida dos dispositivos normativos aplicáveis à espécie.

1.1 CONCEITO

No decorrer da história da humanidade, vários conceitos foram elaborados a fim de definir o bem denominado saúde. Já no século IV a.C., Hipócrates, filósofo grego conhecido como o “pai da Medicina”, menciona a influência da cidade e do tipo de vida de seus habitantes sobre a saúde. Indica que o médico não incidiria em erro ao tratar doenças de determinada localidade, a partir do momento que tivesse compreendido, adequadamente, essas influências.7

Na mesma linha de raciocínio, Paracelso, médico e alquimista suíço-alemão, que viveu durante a primeira metade do século XVI, ressaltou a influência das leis físicas da natureza e os fenômenos biológicos no organismo humano, ao demonstrar a relação de certas doenças com o ambiente de trabalho.8

Engels, outro seguidor dessa corrente, averiguou que, mediante estudo da vida de trabalhadores na Inglaterra da era da Revolução Industrial, a cidade, o tipo de vida dos habitantes e o ambiente de trabalho seriam considerados fatores para estabelecer o nível de saúde das populações.9

Sob o reflexo de outra vertente, a saúde passou a ser identificada como a ausência de doenças. Tal corrente surgiu a partir dos trabalhos de René Descartes10, filósofo francês do século XVII, que identificou o corpo humano como uma máquina, razão pela qual acreditou poder descobrir a causa da conservação da saúde.

7

HIPÓCRATES apud SCLIAR, Moacyr. Do mágico ao social: trajetória da saúde pública. São Paulo: SENAC, 1998. p. 24. No texto conhecido como “Ares, areias e lugares”, Hipócrates defende um conceito ecológico de saúde-enfermidade, conforme se denota no trecho a seguir transcrito: “Quem quer que estude Medicina deve investigar os seguintes aspectos. Primeiro, o efeito das estações do ano, e as diferenças entre elas. Segundo, os ventos, quentes ou frios, característicos do país ou de um lugar em particular. O efeito da água sobre a saúde não deve ser esquecido. Por último, deve-se considerar o modo de vida das pessoas: são glutões e beberrões, e conseqüentemente incapazes de suportar a fadiga, ou, apreciando o trabalho e o exercício, comem e bebem moderadamente”.

8 BARROS, José Augusto C. Pensando o processo saúde doença: a que responde o modelo biomédico? Saúde

e Sociedade. São Paulo: 2002, v. 11, n. 1. p. 3. Menciona o referido autor que: “Na determinação da doença, Paracelso identificava influências cósmicas e telúricas além de substâncias tóxicas e venenosas, bem como da predisposição do próprio organismo e das motivações psíquicas. A doença também se explicava em virtude de reações inadequadas dos elementos constitutivos do mundo (excesso de um ou de mais de um deles)”.

9

DALLARI, Sueli Gandolfi. O direito à saúde. Revista de saúde pública. São Paulo: 1988, v. 22, n. 1. p. 3.

10

(16)

Qualificado pela sociedade industrial, o século XIX relevou o caráter mecanicista da doença. A doença representaria um erro na linha de montagem do indivíduo, ensejando um reparo específico. Tal posicionamento se fortaleceu com a comprovação da teoria sobre a etiologia específica das doenças, com a demonstração da causa que explica o defeito na linha de montagem humana, através dos estudos de Pasteur e Koch.11

O embate de definições perdurou entre o fim do século XIX até a primeira metade do século XX, momento esse em que a OMS pacificou as discussões, ao conceituar, no preâmbulo de sua Constituição12 datada de 1946, a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social. Há, então, um reconhecimento da imprescindibilidade do equilíbrio interno do homem com o ambiente.

A referida acepção não é isenta de críticas, uma vez que, de acordo com trabalhadores sanitários, corresponderia à definição da felicidade, porquanto equivalente a um completo bem-estar impossível de alcançar.

A despeito de correntes dissidentes, a definição da OMS é adotada na legislação brasileira. É o que se infere a partir do artigo 3º, parágrafo único, da lei nº. 8.080/90, no qual a saúde integra as ações destinadas a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A Constituição Italiana13 de 1947 foi a primeira a erigir a saúde como um direito fundamental do ser humano e um interesse coletivo, segundo posicionamento de José Afonso da Silva14.

11

BARROS, José Augusto C. Op. cit., p. 5. Transcreve-se trecho do doutrinador referente aos trabalhos de Pasteur e Koch: “Mais adiante, na década de 1860 e subseqüentes, a era bacteriológica se instaura com a decisiva participação, com merecido destaque, entre outros, de Louis Pasteur e Robert Koch, o primeiro evidenciando o papel das bactérias, seja no processo de fermentação, seja nas doenças, além de entre outras contribuições, ter chegado às vacinas anti-rábica e contra o Anthrax e o segundo, tendo descoberto o agente etiológico da tuberculose e formulado os postulados que tipificam o rigor do raciocínio mecanicista e sua insistência na correlação causa-efeito: o microorganismo está presente e pode ser detectado em todo caso da doença; ele pode ser cultivado em meio de cultura apropriado; a inoculação desta cultura reproduz a doença em animal susceptível e o microorganismo pode ser recuperado, de novo, do animal infectado”.

12

A Constituição foi adotada pela Conferência Internacional de Saúde, realizada em Nova York, no período de 19 de junho a 22 de julho 1946, sendo assinada em 22 de julho de 1946 pelos representantes de 61 Estados. Entrou em vigor em 7 de abril de 1948. Alterações aprovadas pela 26ª, 29ª, 39ª e 51ª Assembléia Mundial da Saúde.

13

(17)

Em continuidade, seguiu a Constituição Portuguesa15 de 1976, que logrou um maior êxito na delimitação universal da saúde. As Constituições da Espanha16 de 1978 e da Guatemala17 de 1985 também trataram do assunto, porém de maneira menos precisa que a Constituição Portuguesa.

Um dado de importância é que as quatro constituições incluíam a saúde na abrangência da Seguridade Social, verdadeiro manto de proteção estatal para os necessitados da sociedade em geral.

A despeito da relevância do direito à saúde, decorrência direta do direito à vida, o Brasil veio a atuar tardiamente na regulamentação do tema. O Direito Constitucional anterior ventilou a matéria ao determinar a competência da União para legislar sobre defesa e proteção da saúde, com o sentido voltado para a organização administrativa de combate a endemias e epidemias. Inexistente era a previsão da saúde como direito do homem. Somente com o legislador de 1988

obbligato a un determinato trattamento sanitario se non per disposizione di legge. La legge non può in nessun caso violare i limiti imposti dal rispetto della persona umana”.

14

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 308.

15

Prevê o artigo 34 da Constituição Portuguesa de 1976:

“1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. 2. O direito à protecção da saúde é realizado:

a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde; c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência”. 4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.

16

Prescreve o artigo 43 da Constituição Espanhola datada de 1978: “1. Se reconoce el derecho a la protección de la salud.

2. Compete a los poderes públicos organizar y tutelar la salud pública a través de medidas preventivas y de las prestaciones y servicios necesarios. La ley establecerá los derechos y deberes de todos al respecto.

3. Los poderes públicos fomentarán la educación sanitaria, la educación física y el deporte. Asimismo facilitarán la adecuada utilización del ocio”.

17 Dispõem os artigos 93 e 94 da Constituição da Guatemala:

“Articulo 93. Derecho a la salud. El goce de la salud es derecho fundamental del ser humano, sin discriminación alguna.

(18)

(artigo 196), o assunto ganhou delimitados contornos constitucionais, ao se tratar da saúde como um direito fundamental, pertencente à ordem social, e, por conseguinte, referente à coletividade.

1.3 SAÚDE COMO UM DIREITO SOCIAL

Nesse momento, cumpre fixar a associação entre a saúde e o direito, considerado, nesse trabalho, no sentido subjetivo, ou seja, de “regra de direito vista por dentro, como ação regulada”, conforme as palavras de Miguel Reale18.

Abordado no plano do direito subjetivo, o direito à saúde privilegia a liberdade, no sentido de proporcionar ao indivíduo autonomia para escolher o meio-ambiente e o estilo de vida os quais pretende adotar, as condições de trabalho, o tratamento a ser procedido no caso de doenças, entre outros. Essa perspectiva abrange, também, a possibilidade de o médico prescrever o diagnóstico mais apropriado para o caso concreto. Pressupõe a abstenção de condutas prejudiciais à saúde, por parte do Estado ou de terceiros. A efetiva liberdade dependerá do grau de desenvolvimento de um Estado, pois, conforme Sueli Gandolfi Dallari, “unicamente no Estado desenvolvido socioeconômico e culturalmente o indivíduo é livre para procurar um completo bem-estar físico, mental e social e para, adoecendo, participar do estabelecimento do tratamento”.19

Por outro lado, de acordo com aspectos sociais, o direito à saúde enfoca a igualdade, ao implicar limitações no comportamento humano a fim de que todos possam usufruir, paritariamente, das vantagens da vida em sociedade. A preservação da saúde fica condicionada, então, a dois fatores: ninguém poderá impossibilitar a procura de outrem por seu bem-estar, tampouco está autorizado a induzi-lo ao adoecimento. Sendo assim, há um cunho eminentemente positivo, ao implicar a efetivação de atos, tanto pelo Estado quanto pela sociedade, tendentes a preservar a saúde do indivíduo.

Enfocada como direito coletivo, a saúde demonstra a razão de ser de várias normas jurídicas, como as que obrigam a vacinação, a notificação, o tratamento e o isolamento de certas doenças, a destruição de alimentos deteriorados, o controle do meio ambiente e as condições de trabalho. A

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universalidade do atendimento proporcionada a todos no mesmo nível também diz respeito à exigência da igualdade. Assim como no plano subjetivo, está atrelada ao grau de desenvolvimento de um Estado.

Sobre o tema, transcrevem-se as palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, que sintetizam as referidas vertentes:

Uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais, visando a prevenção das doenças e o tratamento delas.20

O equilíbrio instável desses valores - liberdade e igualdade - exprime o direito à saúde, o qual, conforme o período histórico, realça mais um ponto em detrimento do outro.

No caso brasileiro, apesar de assegurada a liberdade do indivíduo de escolher fatores determinantes nas condições de sua saúde, tais como moradia, alimentação, ambiente e jornada de trabalho, dentre outros, prevalece a indisponibilidade do bem jurídico vida, encarado, tanto em sede constitucional e em legislação infralegal (artigo 13 do Código Civil), como um direito fundamental indisponível. Dessa forma, não cabe ao indivíduo optar se deseja viver, pois sua vida recebeu pelo legislador uma valoração de tal monta que a titularidade transcende do próprio indivíduo que a detém.

Quanto ao caráter de direito coletivo, imperioso delinear alguns aspectos dos direitos sociais para, então, situar a saúde dentro do tema.

Os direitos sociais, como dimensões dos direitos fundamentais do homem, consistem em:

Prestações positivas do Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitem melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização (sic) de situações

sociais desiguais.21

Destarte, são direitos intrinsecamente ligados ao princípio da igualdade, ao implicar o mesmo tratamento para aqueles que se encontram em situações

20

CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada.3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1984. p. 342.

(20)

semelhantes e o tratamento diferenciado para indivíduos enquadrados em condições diversas.

Configuram, ainda, pressupostos para a concretização dos direitos individuais na medida em que ensejam condições mais favoráveis ao alcance dessa igualdade real, a qual oferece condições mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade. Conforme ressaltado por Fábio Konder Comparato:

As chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.22

O legislador brasileiro optou por integrar a saúde na categoria desses direitos que “formam (...) a espinha dorsal do Estado social brasileiro na última versão que lhe é dada por uma constituinte republicana”23, ao incluí-la no capítulo denominado Dos Direitos Sociais, inserto no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) da Constituição Federal. Sendo assim, prevê o artigo 6º que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

1.4 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Segundo o artigo 196 da Constituição Federal de 1988, a saúde consiste em direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Em consonância com o texto constitucional, a lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção, recuperação da saúde e acerca do funcionamento de serviços correlatos, indica ser a saúde um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis para seu pleno exercício.

Destarte, para assegurar a satisfação desse direito é primordial a atuação estatal, ente incumbido de ofertar a todos os cidadãos uma qualificada rede pública

22 COMPARATO, Fábio Konder. Direito público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 59. 23

(21)

de saúde, independente de qualquer contribuição ou prévio requisito para atendimento. Esse conceito consagra o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento à saúde, previsto no sistema da Seguridade Social.24

Tendo em vista que a saúde representa um bem jurídico de suma importância, a competência para sua regulamentação, fiscalização e controle não poderia pertencer a outro órgão senão ao Poder Público, que desempenha esse encargo através de uma autarquia especializada, a ANS.

Já a execução das ações e dos serviços de saúde é passível de ser realizada diretamente pelo Estado ou por intermédio de terceiros, bem como por pessoa física ou jurídica de direito privado.25 Note-se que a mencionada lei nº. 8.080/90, no § 2º do artigo 2º, estatui que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

Nessa divisão de atuação, na qual se possibilita a coexistência da assistência pública juntamente com a privada, o legislador encarrega a Seguridade Social do mister de responder pela obrigação estatal para com a saúde. Sendo assim, além de atividades voltadas para a Assistência Social e a Previdência Social, esse ente deverá proporcionar um sistema apropriado e gratuito de saúde para toda a população brasileira.

Sobre o tema, Fábio Zambitte Ibrahim leciona que:

A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuição de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida.26

Em relação ao modo de realização das atividades, as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, composta por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constituindo um sistema único de saúde - SUS.

24 Artigo 194, parágrafo único, inciso I, da CF/88. 25

Vide artigo 197 da CF/88.

26

(22)

Tal sistema é organizado conforme várias diretrizes e preceitos, dentre os quais se destacam: universalidade de acesso aos serviços de assistência à saúde27; integralidade de assistência, ou seja, um conjunto articulado e contínuo das ações e dos serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos; igualdade de assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie28; descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; participação da comunidade; e capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência. Em específico, a lei nº. 8.080/90 versa acerca das condições para implantação de ações, organização e funcionamento da saúde pelo SUS.

1.5 ASSISTÊNCIA À SAÚDE PELA INICIATIVA PRIVADA

Conforme já abordado, a atual Carta Constitucional permite o exercício das ações na seara da saúde tanto pelo Poder Público, através do SUS, quanto pela iniciativa privada, por intermédio dos planos de saúde.

Entretanto, nem sempre foi assim a divisão de tarefas entre os entes público e particular. No Brasil, durante décadas, a atividade de medicina privada reservou-se a um campo de assistência marginal, a despeito de qualquer reconhecimento estatal.

A regulamentação específica das operadoras de planos de saúde surgiu apenas recentemente, com a promulgação da lei nº. 9.656/98, a qual reconheceu a existência dessas entidades e delimitou os moldes da prestação dos serviços de assistência à saúde suplementar. Logo no início29, a referida legislação dispõe acerca do conceito dos planos de saúde, determinando que os mesmos consistem em prestações continuadas de serviços ou cobertura de eventuais custos de assistência à saúde, a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, pagas integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.

27

Norma de repetição do princípio constitucional da universalidade de atendimento, o qual já foi mencionado no presente trabalho.

28

Essa diretriz é um corolário do princípio da isonomia.

(23)

As operadoras estão legitimadas a comercializar, por meio de contraprestação por parte do usuário, serviços de assistência médica. Desse modo, enquadram-se na definição de empresa, explorando o setor com o intuito de lucro, nos exatos termos da legislação pertinente.

1.5.1 Evolução histórica brasileira

Já na década de 1960, era possível se verificar empresas atuantes no mercado da saúde com contornos bastante semelhantes aos atuais planos de saúde. Até o final da década de 1970, tais entidades possuíam uma grande dependência do sistema público-previdenciário vigente à época e um número de clientes bastante reduzido.

O principal centro de discussões do 1º Congresso Brasileiro de Medicina de Grupo, realizado em 1978, recaiu, justamente, sobre o fortalecimento do enlace entre a assistência à saúde pelos setores público e privado, ou seja, a relação entre as empresas médicas e o INAMPS. As estatísticas eram propensas para o tema: dos 7,6 milhões de usuários das empresas de medicina de grupo, aproximadamente 4,8 milhões (61%) detinham origem nos convênios-empresa intermediados pelo INAMPS.

Os referidos convênios poderiam envolver três instituições: empresa ou indústria, Previdência Social e empresa de medicina coletiva. Um primeiro modelo ocorreria quando a Previdência Social repassasse um valor global do convênio, arbitrado de acordo com a quantidade de funcionários de uma empresa, para a empresa de medicina, a qual, a partir desse momento, assumiria o encargo de atendimento médico ao grupo de segurados. Outro padrão adotado consistia na contratação direta pelo empregador da empresa de medicina, que restaria incumbida da assistência à saúde dos respectivos trabalhadores e dependentes. Nesse caso, o INAMPS efetuava um ressarcimento de parte da quantia paga pelo empregador, com base no número de funcionários assegurados pela cobertura.

(24)

realizados pelas empresas privadas se apresentavam inoperantes para os beneficiários. Por conseqüência, ocorreu uma queda no mercado de empresas de assistência à saúde, gerando uma crise na estratégia conjunta entre o poder público e a iniciativa privada.

Logo após, em meio ao ambiente de discussão do setor e de redemocratização, o Poder Constituinte de 1988 abraça a universalização da cobertura de assistência médica pelo Estado, abrindo a possibilidade de exercício no setor pela iniciativa privada.

Em busca de autonomia, empresas do setor suplementar, como cooperativas, medicina de grupo, autogestão e seguradoras, passaram a ofertar seus serviços para empresas de áreas dinâmicas da economia e para consumidores individuais capazes de contratar seus serviços, o que gerou uma absorção considerável de médicos, clínicas e hospitais privados. Dessa maneira, o Estado perde a figura de principal consumidor das empresas médicas coletivas.

O aumento do mercado privado da saúde na década de 1980, consoante alguns autores30, pode ser imputado ao decréscimo de qualidade e acessibilidade da saúde proporcionada pelo setor público, cujos serviços de assistência foram incapazes de acompanhar o avanço populacional em decorrência da escassez de recursos.

Entretanto, para Luís Otávio Farias e Clarice Melamed:

Essa linha de argumentação, embora consistente, não esgota as possibilidades de explicação do crescimento do setor supletivo. Deve-se considerar, também, a participação efetiva das operadoras de planos e dos estabelecimentos de saúde na reestruturação da oferta no segmento do mercado de assistência à saúde.31

Em meados da década de 1990, a regulamentação do setor supletivo exsurge de maneira determinante nas discussões políticas, mobilizando setores direta ou indiretamente envolvidos na produção, comercialização e consumo dos serviços de saúde. Com uma dimensão de 30 milhões de beneficiários, controvérsias relativas às operadoras e aos direitos dos consumidores tornavam-se

30

Dentre os quais Faveret Filho, Oliveira PJ e Médici AC, conforme indicam FARIAS, Luís Otávio e MELAMED, Clarice. Segmentação de mercados da assistência à saúde no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: 2003, v. 8, n. 2. p. 6.

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mais freqüentes. Os debates ganhavam notoriedade com o destaque do tema pela mídia.

Houve dificuldade de consenso, ante a divergência de interesses do atores dos embates: planos de saúde, provedores e beneficiários buscavam maximizar os ganhos e reduzir as perdas. No palco de discussões, se destacavam entidades de defesa dos consumidores (IDEC, PROCON, dentre outros), Ministério Público, Ministério da Saúde, Ministério da Fazenda, Poder Legislativo, entidades de representação do setor complementar (ABRAMGE, FENASEG, Confederação das Unimeds do Brasil, CIEFAS, ABRASPE), entidades de representação de médicos (AMB e Conselhos Federais e Regionais de Medicina) e dos hospitais (FBH).

No ano de 1998, o Estado inicia a regulação do setor, por intermédio da lei nº. 9.656, de 3 de junho de 1998, editando, em seguida, a medida provisória nº. 1.976 e a lei no 9.961, de 28 de janeiro de 2000, a qual deu origem à ANS.

1.5.2 Modelos de atuação conjunta do poder público e da iniciativa privada

Os contornos e a dimensão do setor privado na saúde dependem, por via direta, da maneira de organização de um Estado. Nesse diapasão, podem ser verificados três modelos de atividade dos planos de saúde, conforme a abrangência da prestação assistencial do Poder Público.

O primeiro padrão é o exemplo dos EUA. Nesse país, existe uma categoria de indivíduos inelegíveis ao seguro púbico, cabendo às empresas privadas atender a parcela excedente, que, diga-se de passagem, é considerável, porquanto somente idosos e pobres são assistidos pelo Estado.

Outra sistemática também aplicada é a cobertura somente daqueles que preferem se retirar do programa de seguro público universal. É a situação, por exemplo, da Alemanha.

(26)

1.5.3 Saúde suplementar no Brasil

De acordo com a classificação acima descrita, percebe-se que o Brasil se enquadra no último modelo, uma vez que a Constituição alberga a possibilidade da livre iniciativa privada na área da assistência à saúde, na seção destinada à saúde, em específico no artigo 199, caput.32

Sendo assim, as instituições privadas podem participar, de forma complementar, do Sistema Único de Saúde, conforme diretrizes deste e por meio de contrato de direito público ou convênio, com preferência para as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Por conseqüência, pelo fato de ostentarem o caráter de empresa, os planos de saúde devem observar as bases e os valores da ordem econômica brasileira, local onde se inclui o princípio da livre iniciativa.

Com base em dados históricos, essa vinculação entre institutos sociais e econômicos se justifica na origem da regulamentação constitucional dessas categorias de direitos. Sob a influência da Constituição de Weimar de 1919, o direito constitucional brasileiro passou a veicular não apenas normas acerca da organização política, mas também regras referentes à ordem econômico-social, conforme se verifica na Constituição de 1934.

Acerca desse contexto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que:

Ao lado dos preceitos sobre a organização política – órgãos governamentais, divisão de competências, etc. – as Constituições modernas passaram a conter também um complexo de regras auto-aplicáveis e princípios programáticos destinados a dar raízes, nos planos econômico e social, à democracia política.33

Rompendo as estruturas tradicionais das cartas constitucionais brasileiras, cujos conteúdos consagravam apenas a organização política, a Constituição de 1934 inovou ao prever, em seu bojo, parte destinada à regulamentação da estrutura econômico-social. A tendência se consolidou nas Constituições posteriores, permanecendo na Constituição vigente, a qual dispõe

32 O art. 199 da Constituição Federal prescreve que: “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.

33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional.29. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.

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sobre a ordem econômica e financeira e a ordem social, nos títulos VII e VIII, respectivamente.

Nesse horizonte, o artigo 170 da CF/88 preceitua que a ordem econômica, com fundamento na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, possui como fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, isto é, do bem comum.

Embora aparente o inverso, a livre iniciativa possibilita uma posição secundária, mas importante, do Estado na ordem econômica. A função reservada ao Poder Público rege-se pelo princípio da subsidiariedade, de maneira a não reprimir a liberdade de iniciativa particular, mas, ao contrário, garantir a proteção dos direitos individuais.

No que diz respeito aos planos de saúde, sua atuação empresarial é expressamente permitida, porém, com a possibilidade de limitação sobre aspectos de regulamentação, fiscalização e controle pelo ente estatal responsável, que, atualmente, é a ANS.

A atuação no setor de planos privados de assistência à saúde é exclusiva das pessoas jurídicas. Por conseguinte, estão habilitadas para exercer atividades na medicina coletiva privada, por exemplo, a sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato.

Em relação às entidades fundacionais, permite-se, também, que exerçam atividade ligadas à saúde, desde que inexistentes intuitos lucrativos, até mesmo porque esta é uma característica inerente de sua essência. Porém, é admissível o investimento com o fito de obter economia com gastos ou, até mesmo, rendimento sem a natureza exclusiva de lucro, na medida em que realize seu objetivo institucional com o valor arrecadado.

(28)

Apesar de não vedar a percepção de lucros por entidades com atuação na saúde, a Constituição não permite a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde do país, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.

De maneira geral, esses são os nortes constitucionais para a assistência médica privada, que, como se verifica, está autorizada para tratar a saúde como um produto passível de mercantilização, com a devida regulamentação e fiscalização estatal da seara.

1.5.4 Caráter de empresa dos planos de saúde

Alberto Asquine34, jurista italiano, em análise do instituto da empresa dentro das disposições do Código Civil Italiano de 1942, afirmou se tratar "o conceito de um fenômeno jurídico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que ali concorrem". Sendo assim, o doutrinador dividiu a conceituação de empresa em quatro aspectos: subjetivo, objetivo ou patrimonial, funcional e corporativo.

De acordo com o prisma subjetivo, a empresa se identifica com a figura do empresário, aquele que exercita a atividade econômica com o intuito de produção de bens ou serviços.

O perfil objetivo conceitua a empresa comoo conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, distinto do patrimônio remanescente nas mãos da empresa, ou seja, um patrimônio afetado a uma finalidade específica.

Já o aspecto funcional, enfoca a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo. Nesse particular, a empresa representaria um conjunto de atos tendentes a organizar os fatores da produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços.

Por último, segundo o caráter corporativo, a empresa seria a instituição que reúne empresário e colaboradores, uma "especial organização de pessoas que

34

(29)

é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviço, seus colaboradores (...) um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum".35

Essa visão da empresa já está superada, haja vista que não representa o estudo teórico da empresa em si, mas apenas demonstra a imprecisão terminológica do Código Italiano, que confunde a noção de empresa com outros conceitos. No entanto, com exceção do perfil corporativo, os demais perfis demonstram três realidades intimamente ligadas e bastante importantes na teoria da empresa: a empresa, o empresário e o estabelecimento.

O Código Civil Brasileiro de 2002 adota a teoria da organização ao tratar da empresa com um organismo fundado em princípios técnicos e leis econômicas: empresário organiza uma atividade, mediante a coordenação dos elementos bens e pessoal, a fim de produzir bens ou serviços.

Tendo em vista essas considerações, pode-se inferir ser amplamente possível a inclusão dos planos de saúde no conceito de empresa, porquanto realizam atividade organizada com o intuito de prestação de assistência médica, a qual nada mais é do que uma oferta de serviços.

O conteúdo do artigo 1º, inciso I da lei nº. 9.656/98, corrobora com esse entendimento, ao assinalar como operadora de plano de saúde a pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto ou serviço referente à assistência médica, hospitalar ou odontológica.

Veja-se que a referida legislação se refere às modalidades de assistência ora como produto ora como serviço. Para Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado, a partir do momento em que é designado como produto, o plano privado reveste o caráter de empresa, passando a vida a ser um bem comercializável:

Ao denominar de produto o plano privado, o legislador reforçou o caráter empresarial da atividade, dando às empresas do ramo um caráter de industriais produtores daquele bem da vida, indispensável em qualquer

sociedade razoavelmente organizada. [...] A garantia de acesso a esses benefícios, a continuidade da prestação deles, a proteção legal dos usuários fazem parte do Poder-Dever governamental, seja mediante a criação de

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estímulos à iniciativa empresarial, seja por meio da prestação oficial dos serviços.36

Ao tratar do objeto do contrato como produto, a norma estimula o escopo de lucro pelas operadoras de plano de saúde. Por certo, existem limites legais. Um deles é a variação de preço da prestação pecuniária mensal do usuário. A atualização de valores conforme a idade do beneficiário somente pode ocorrer mediante previsão contratual expressa e com observância das faixas etária definidas pela resolução nº. 6, datada de 3 de novembro de 1998, da ANS37, caso contrário, o reajuste será abusivo e, por conseqüência, não aplicável.

36 BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde: comentada e

anotada: artigo por artigo, doutrina, jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 29-30.

37

(31)

2 CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

Após o enquadramento constitucional da saúde, com a separação de competências entre o ente estatal e o setor privado, cumpre agora analisar a figura dos planos de saúde.

Uma característica inerente a essas empresas é o modelo contratual adotado, o qual se aperfeiçoa, entre operadora e usuário, por mera adesão. Esse instrumento sofre regulação expressa por lei específica e por várias resoluções promulgadas pela ANS. Dessa forma, coexistem dois fatores antagônicos: de um lado, a escassez ou a inexistência de negociação de cláusulas perante os contraentes; em contrapartida, recebe regulamentação direta do Poder Público, o qual pode determinar as condições da assistência médica a ser prestada.

À primeira vista, o consumidor aparenta estar bastante desprotegido na relação jurídica com o plano de saúde, pois resta impossibilitado de discutir as cláusulas contratuais. Entretanto, a impressão é logo derrubada, haja vista que as operadoras de medicina privada recebem regulamentação expressa pela lei nº. 9.656/98, assim como fiscalização direta de autarquia especializada.

Também conhecida como Lei dos Planos de Saúde, a lei nº. 9.656/98 apresenta um cunho eminentemente protecionista do usuário, ao prever várias limitações para as empresas. Indica as modalidades de adesão, as possíveis coberturas, os serviços de oferta obrigatória, os prazos carenciais, procedimentos e tratamentos possíveis de exclusão, dentre diversos outros aspectos, com o objetivo primordial de assegurar um padrão de assistência médica qualificado.

2.1 CLASSIFICAÇÃO CONTRATUAL

Classificar consiste em observar um fenômeno e, por meio de procedimento lógico, estabelecer grupos diferenciados conforme as semelhanças ou diferenças entre as espécies.38 Através desse método, pode-se facilitar de sobremaneira a análise do problema em estudo.

Nessa perspectiva, um mesmo fenômeno pode ser classificado de várias formas, como é o caso dos contratos de planos de saúde, os quais podem ser assim

38

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divididos39: quanto à natureza, são bilaterais, onerosos e aleatórios; quanto ao modo de aperfeiçoamento, são consensuais e solenes; quanto à acessoriedade, são principais; quanto ao momento de execução, são de trato sucessivo; e quanto à formação, são de adesão.

Recebem a designação de bilaterais ou sinalagmáticos pelo fato de vincularem ambos os contraentes em obrigações recíprocas: a operadora assume o dever de proporcionar serviço de assistência médica nos termos pactuados, ao passo que ao usuário incumbe adimplir as mensalidades e cumprir as carências.

A onerosidade advém do sacrifício patrimonial, que acarreta vantagem para a outra parte. Constitui consectário direto da bilateralidade, porquanto os sujeitos do contrato se obrigam reciprocamente, gerando benefícios e encargos mútuos.

A contraprestação da empresa de saúde depende da ocorrência de evento futuro e incerto, que é a ocasional doença do cliente ou de seus dependentes. Os contratos de planos de saúde são, assim, aleatórios. O consumidor finda por contratar um risco, não podendo receber desde logo a prestação do fornecedor. A incerteza recairá sobre o momento em que se dará a prestação pelo fornecedor e não se deve ou não ser prestada a obrigação principal, de acordo com interpretação conjunta dos artigos 2º, 3º, § 3º e 29 do CDC.

O contrato de plano de saúde se aperfeiçoa pela mera concordância entre as partes, sem necessidade de qualquer outro complemento, razão pela qual são denominados de consensuais.

Ante a obrigatoriedade de observância da forma prescrita em leis especiais e gerais imperativas, bem como em regulamentações administrativas, adquirem tais instrumentos contratuais a qualidade de solenes.

39 Classificação sintetizada através dos ensinamentos de Silvio Rodrigues e Caio Mário da Silva Pereira. O

(33)

São principais, pois a existência do contrato de plano de saúde independe da existência de qualquer outro. Sendo assim, afasta-se a condição da acessoriedade.

A prestação dos serviços se delonga no tempo, de maneira contínua. Inexistente é o adimplemento imediato. Por esse motivo, os referidos contratos podem ser denominados de trato sucessivo, pois, não obstante o pagamento das mensalidades, a obrigação da operadora será cumprida em tempo futuro, caso o usuário venha necessitar dos serviços de assistência médica hospitalar. O traço caracterizador é a circunstância de os pagamentos não gerarem a extinção da obrigação, que, pelo contrário, renasce. A continuidade ou a duração da obrigação não é simplesmente suportada pelo credor, mas desejada pelos contraentes40.

No que diz respeito à formação, os contratos de planos de saúde expressam-se por mera adesão, em contrariedade ao modelo tradicional de contrato. No entanto, cabe a ressalva que, diante do dirigismo contratual, ou seja, a possibilidade de intervenção estatal, os mesmos apresentam certas peculiaridades, como a regulamentação específica de seu objeto.

2.1.1 Contratos de adesão

Nos tópicos seguintes, será efetuado, primeiramente, um estudo acerca dos contratos de adesão em relação à origem, ao conceito e aos elementos característicos. Após, abordar-se-ão os aspectos peculiares dos contratos de plano de saúde, em especial o intervencionismo estatal ao regulamentar o conteúdo das cláusulas pactuadas.

2.1.1.1 Teoria tradicional dos contratos e contratos de massa

A concepção tradicional de contratos pressupõe a manifestação de vontade convergente de dois ou mais indivíduos, que se encontram em condições de igualdade entre si e perante a sociedade. A paridade de situação entre os sujeitos permite a discussão, de maneira ampla, das condições a serem avençadas. Tal figura consiste nos denominados contratos paritários ou individuais, nos quais se abre a possibilidade do debate de cláusula a cláusula, com tempo suficiente para

40 MESSINEO apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro:

(34)

negociações preliminares. Essa estrutura obedece às fases de formação do vínculo contratual preceituado no Código Civil Brasileiro, quais sejam negociação preliminar, proposta e aceitação.

No âmbito das negociações, não há qualquer liame de obrigatoriedade entre as partes. Existe apenas um período de sugestões, debates, sondagens e conversações. Embora não se verifique obrigatoriedade nessa fase, será possível a aplicação de responsabilidade civil aquilina ao indivíduo que induzir no outro uma forte expectativa de realização do contrato, acarretando para este dispêndio, assim como afastando contratação com terceiros. Aqui, configura-se o dano e, por conseqüência, o ilícito deverá ser reparado, uma vez que ocorreu violação do dever de lealdade e de correção.

A proposta, diferentemente da negociação preliminar, envolve um caráter vinculante, apesar de nesse momento, via de regra, ainda não existir o contrato, com a devida ressalva para os contratos preliminares, nos quais a parte desde logo se obriga à realização de um contrato definitivo. Aquele que propõe, nomeado policitante, fica obrigado nos termos da sua oferta. Apesar da omissão legal a respeito, a proposta deve ser séria e delimitada, pois consiste no impulso inicial para a feitura do negócio jurídico.

A existência do contrato só é concretizada a partir da aceitação, definida como a anuência das partes às condições estipuladas. Pode ser expressa, tácita ou presumida. Quando a concordância for manifestada de forma indubitável, seja por meio escrito, oral ou por intermédio de gestos, a aceitação será expressa. Na hipótese do indivíduo realizar atos inequívocos de anuência, será tácita. Por fim, presumida será a aceitação em que a conduta do aceitante induz concordância, nos termos da lei.

(35)

Na realidade contemporânea, essa estrutura contratual ainda existe, porém, em quantidade bastante restrita e, geralmente, nas relações entre dois particulares, sendo rara a ocorrência entre dois profissionais.

Diante da sociedade de consumo, na qual comércio jurídico avança a passos largos, a função econômica dos contratos recebe notoriedade. “Qualquer indivíduo – sem distinção de classe, de padrão econômico, de grau de instrução – contrata. O mundo moderno é o mundo do contrato”, aduz Caio Mário da Silva Pereira.41

Nesse panorama, surgem os contratos em massa, os quais se distinguem pelo fato de uma da partes apresentar as cláusulas contratuais de maneira pré-disposta ou pré-confeccionada, de modo que cabe ao outro contraente somente anuir ou recusar a proposta como um todo. Destarte, por razões de economia, de racionalização, de segurança e de praticidade, a empresa predispõe, antecipadamente, um esquema contratual, ofertado à mera adesão dos consumidores.

Além da forma escrita, esses contratos também podem ser manifestados oralmente, por meio das chamadas condutas sociais típicas42, nas quais, por vezes, sequer há diálogo ou dialética, como, por exemplo, em simples recibos e em tickets de caixas automáticos.

É muito comum a aplicação desses instrumentos por empresas ou pelo Estado, que, em decorrência das posições econômicas e do volume das atividades desenvolvidas, possuem uma tendência para pactuar com um número elevado de indivíduos.

Consoante os aspectos delineados, pode-se inferir que os principais elementos caracterizadores dos contratos de massa são: homogeneidade do conteúdo, porquanto versam sobre um mesmo objeto, e destinação a um número indefinido e considerável de contraentes.

Nesse cenário, tendo em vista a classificação tradicionalista de contrato e contratos de massa, é de se depreender que os contratos de adesão situam-se na

41 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 11.

42 LARENZ apudMARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo

(36)

última categoria, sendo uma ramificação deste, uma vez que possuem as características inerentes de tal instrumento, porém com peculiaridades que lhe são próprias, conforme se analisará com maiores detalhes adiante.

2.1.1.2 Conceito

Os contratos de adesão, termo concebido por Salleiles43, adotam, obrigatoriamente, a forma escrita, figurando como uma subespécie do contrato de massa. Apresentam uma modalidade contratual cujas cláusulas não se sujeitam ao livre debate entre as partes, mas são preestabelecidas unilateralmente por um dos parceiros, sem que o outro contraente possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo de tais disposições.44 Via de regra, a oferta é feita ao público em modelo uniforme e impresso, faltando apenas o preenchimento de dados referentes ao contratante, ao objeto e ao preço.45

Seguindo as vertentes do contrato de massa, singularizam-se os contratos de adesão pela ausência de uma fase pré-negocial, não havendo margem para transigência entre o fornecedor de bens e serviços e o possível contraente. Há, portanto, uma restrição ao princípio da autonomia da vontade, pois a liberdade de contratar acaba sendo limitada pela impossibilidade de modificação ou supressão das cláusulas impostas pela parte detentora de maiores conhecimentos técnicos.

Conforme compilações doutrinárias46, as características do referido modelo contratual dividem-se em quatro, que podem ser assim sintetizadas: aspecto da pré-elaboração unilateral; oferta uniforme e de caráter geral para um número ainda indeterminado de futuras relações contratuais; monopólio de direito ou de fato pelo contratante mais forte, isto é, é preciso que a procura exceda em tal proporção a oferta que uns necessitem comprar e outros possam se recusar a vender; modo de aceitação por simples adesão à vontade manifestada pelo parceiro contratual.

43

A expressão original em francês é contrats d’adhésion. SALEILLES, Raymond. De la déclaration de volonté. Paris, 1929. p. 229.

44 MARQUES, Cláudia Lima Marques. Op. cit., p. 58. 45

Após expender a opinião em destaque, Cláudia Lima Marques indica que o consumidor que intenciona contratar com a empresa, a fim de adquirir produtos e serviços, receberá pronta e regulamentada a relação contratual, não podendo discutir, tampouco negociar singularmente os termos e as condições mais importantes do contrato. MARQUES, Cláudia Lima Marques. Op. cit., p. 59.

46

(37)

O caráter contratual ou não do instrumento foi alvo de discussões doutrinárias. Para certos autores, o instituto assemelhava-se aos atos regulamentares e de direito público, principalmente devido à ausência de um período pré-negocial na avença e à pré-disposição do complexo de cláusulas a gerir a relação. Uma outra corrente afirmava ser um ato unilateral e não um acordo de vontades. Em virtude da unilateralidade extrema e da desmaterialização dos contratos no comércio eletrônico, essa posição vem ressurgindo na Itália.47

De modo geral, prevalece o entendimento da essência contratual dos termos de adesão. O Código Civil brasileiro reconhece tal aspecto, ao prever os contratos de adesão no título destinado às disposições gerais dos contratos. O Código de Defesa do Consumidor, lei nº. 8.078 de 11 de setembro de 1990, galga os mesmos passos da legislação civilista ao instituir que contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54, caput).

De acordo com essa conceituação, é de se verificar que os contratos de planos de saúde enquadram-se no modelo de adesão, haja vista que a empresa de medicina coletiva oferta ao cliente um contrato pré-confeccionado, com diversas opções de modalidades, coberturas e abrangências geográficas. Por decorrência, tudo quanto foi exposto acerca dos contratos de adesão aplica-se aos contratos em comento.

No entanto, é de se perceber que os contratos de plano de saúde, a despeito de serem considerados contratos de adesão, caracterizam-se por um aspecto: recebem regulamentação direta do Estado, que, por meio de leis e resoluções, determina o conteúdo de algumas cláusulas contratuais, o que se denomina, doutrinariamente, de dirigismo contratual.

2.1.2 Contrato dirigido ou regulamentado

Consoante Silvio Rodrigues, a teria contratual está alicerçada em três princípios básicos: autonomia da vontade, relatividade das convenções e força

(38)

vinculante dos contratos.48

O princípio da autonomia da vontade traduz-se na possibilidade de os indivíduos criarem relações na órbita jurídica, pela mera manifestação da vontade. A legislação civilista garante a liberdade da expressão da vontade, no âmbito da relação contratual, em quatro momentos: primeiro, ao garantir às partes a possibilidade de escolher por contratar ou não, isto é, o arbítrio de decidir, conforme critérios e interesses de cada um; segundo, ao promover a liberdade de escolha da parte adversa do pacto e o objeto do negócio, não sendo a liberdade, aqui, absoluta, uma vez que, por vezes, a figura do outro contraente não é suscetível de opção, como nos casos de monopólio de serviços públicos; porém as exceções não derrubam a relevância do princípio; terceiro, ao assegurar a determinação, por ambos os contraentes, das cláusulas contratuais; quarto, ao proporcionar o aparelho jurisdicional estatal como um meio de coagir o contraente a respeitar e a cumprir as condições avençadas.

Já o princípio da relatividade das convenções significa que os efeitos dos contratos se manifestam somente entre as partes, afastando o alcance de terceiros. Isso é uma decorrência lógica: tendo em vista que o contrato emana da vontade das partes, não haveria que se falar em obrigatoriedade do seu objeto em face daquele que não manifestou vontade nesse sentido ou tampouco possuía um dever de cumprimento previsto por lei.

Por último, o princípio da força vinculante das convenções, também denominado princípio da obrigatoriedade das convenções, consagra a idéia de que o contrato torna-se obrigatório entre as partes, desde que observados os requisitos legais. Jefferson Daibert, ao discorrer sobre o assunto, afirma que ninguém é obrigado a tratar, mas se o fez, é obrigado a cumprir.49 O contrato assume uma espécie de lei privada entre os contraentes, os quais não podem se desligar senão por outra avença. A desobediência acarreta a possibilidade de execução patrimonial do devedor. Esse princípio consiste na tradução do famoso brocardo latino pacta sunt servanda.

Sobre o tema, discorre Sílvio de Salvo Venoza:

48

RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 15.

49

(39)

Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontades faz lei entre as partes. Essa

obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou indenizar pelas perdas e danos. Se não tivesse o contrato força obrigatória, estaria estabelecido o caos. Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz intervir nesse conteúdo. Essa é a regra [...]. A noção decorre do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido sua vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada.50

Quando se trata de contrato dirigido ou regulamentado, a autonomia da vontade vem a sofrer a maior restrição dentre os princípios acima expostos. O Estado passa a imiscuir-se nas relações privadas, impondo determinadas orientações, estabelecendo cláusulas ou proibindo-as e delimitando o âmbito da vontade das partes.

Nos contratos de planos de saúde, o Poder Público prescreve limitações expressas na lei nº. 9.656/98, especificadas, inclusive, por meio de resoluções expedidas pela ANS.

É o que ocorre, por exemplo, no artigo 10, § 2º, da lei dos planos de saúde, o qual determina a obrigatoriedade de oferta pelas operadoras, aos atuais e futuros consumidores, do plano referência, que abrange ampla cobertura assistencial médico-hospitalar-odontológica, partos e tratamentos.

Outra situação é a vedação de exclusão de cobertura de doenças e lesões preexistentes à data da contratação do plano após vinte e quatro meses de vigência do instrumento contratual, cabendo à operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor (artigo 11, caput, da lei nº. 9.656/98).

Cite-se, também, como regra cogente o parágrafo único do artigo 13 da mencionada lei, que, determinando a vigência mínima dos contratos individuais no prazo de um ano, veda a recontagem de carências, a suspensão do contrato e a denúncia unilateral, salvo exceções legais.

Por último, é de se indicar o artigo 16, que determina a menção ostensiva e clara, nos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos, de

50 VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito civil

: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São

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