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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LETRAS NO DISCURSO OFICIAL: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PARA O MERCADO DE TRABALHO

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ISSN: 1981-3031 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LETRAS NO DISCURSO OFICIAL: “COMPETÊNCIAS” E “HABILIDADES” PARA O “MERCADO DE TRABALHO”

Helson Flávio da Silva Sobrinho1 Juliana Tereza de Souza Lima2

Resumo

Este artigo analisa os sentidos de “competências” e “habilidades” produzidos pelo Discurso Oficial, materializado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Letras (DCN, 2001). Para realização deste estudo, tomamos como base teórico-metodológica a Análise do Discurso (AD), que trabalha na relação entre língua, história, sujeito e ideologia, concebendo o discurso como prática social que produz efeitos de sentido em determinadas condições históricas. Desse modo, pressupomos que as Diretrizes foram elaboradas em decorrência das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, resultantes do processo de reorganização produtiva do capital. Ao desvelarmos o funcionamento discursivo, constatamos que as “competências” e “habilidades” que orientam a formação do professor são reguladas pelas determinações do mercado e por princípios da ideologia neoliberal da sociedade capitalista. Palavras-chave: Discurso Oficial - formação de professores - competências e habilidades.

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Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Email: helsonf@gmail.com

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar o discurso das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Letras (DCN, 2001). Nesse momento, traremos um resultado ainda parcial da reflexão que estamos desenvolvendo na Faculdade de Letras (FALE-UFAL), na linha de pesquisa em Análise do Discurso, onde temos nos dedicado ao estudo da relação Discurso, Educação e Sociedade.

Diante da inscrição teórica e metodológica desta pesquisa, é importante, inicialmente, fazer algumas observações sobre a Análise do Discurso (doravante AD) e seu objeto de estudo3. Para a AD, o sentido das palavras sempre pode ser outro porque é produzido por sujeitos que assumem posições ideológicas em diferentes condições de produção e respondem às necessidades postas pela conjuntura histórica. Do ponto de vista discursivo, a produção de sentidos não se realiza de forma abstrata, ou seja, desvinculada das práticas históricas, ao contrário, é determinada pelas complexas relações estabelecidas entre os sujeitos em uma determinada sociedade.

Nessa perspectiva, a língua é a base para os processos discursivos onde se materializam as ideologias, por isso, as palavras não significam em si e por si mesmas, elas estão inseridas num complexo social, histórico e ideológico. Desse modo, o discurso, objeto de estudo da AD, é uma especificidade humana, prática social (linguístico-histórica) que abre espaço para a interpretação, resultando, assim, em efeitos de sentido entre interlocutores (ORLANDI, 2005).

Desse lugar teórico, entendemos que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Letras (DCN, 2001) é uma prática discursiva engendrada na conjuntura histórica da sociedade capitalista, pois foram elaboradas no contexto das reformas educacionais no Brasil decorrentes das novas exigências do mundo do trabalho, resultantes do processo de reestruturação produtiva do capital.

Buscaremos, portanto, desvelar os efeitos de sentidos que são (re) produzidos por esse discurso para formação inicial dos professores de Letras, especificamente, os sentidos de

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A AD foi iniciada na França pelo filósofo marxista Michel Pêcheux, no final da década de 60 do século XX. Essa corrente teórica articula saberes da Linguística, do Marxismo e da Psicanálise, instaurando-se como uma disciplina de entremeio, problematizando a questão do sentido e da interpretação, trabalhando com a relação contraditória entre língua, sujeito, história e ideologia.

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“competência” e “habilidades”, desvelando, assim, os mecanismos discursivos como parte do processo de significação, bem como, a filiação ideológica que constituem esse Discurso Oficial.

O PROFESSOR FORMADO EM LETRAS: “COMPETÊNCIAS” E “HABILIDADES”

Segundo Silva Sobrinho (2009, p.150), “todo discurso tem seu alicerce, ou seja, uma base histórica que o sustenta e que dinamiza sua processualidade” (2009, p.150). Desse modo, o “alicerce” do dizer corresponde às condições de produção do discurso (CPD) que compreendem, fundamentalmente, os sujeitos e a situação. Essas condições embora não sejam separadas, pois são complexos articulados, para o gesto analítico, são consideradas em dois sentidos: o restrito que se refere ao contexto imediato da enunciação, as circunstâncias empíricas do dizer; e o amplo, correspondente ao contexto mediato, sócio-histórico e ideológico da enunciação (ORLANDI, 2005).

Por meio das CPD podemos localizar o lugar material do discurso, ou seja, a conjuntura sócio-ideológica de um determinado momento histórico, desvelando, assim, as contradições sociais e ideológicas constituintes do processo discursivo e da produção de sentidos. É nessa direção que apresentaremos os principais fatores que determinaram a produção das Diretrizes Curriculares de Letras.

O processo de reestruturação do capital e, consequentemente, a implementação do ideário neoliberal impôs mudanças em todos os setores da sociedade a fim de adaptá-la às reconfigurações do mundo do trabalho. Com isso, é exigida uma nova formação para os indivíduos embasada no desenvolvimento de “competências” e “habilidades” para garantir a empregabilidade no mercado de trabalho.

Observamos que é a partir da década de 1990 que são instauradas no Brasil uma série de reformas em todas as modalidades do sistema educacional, buscando reordenar os currículos para adequá-los ao mundo do trabalho. A formação docente também ganha centralidade nessas reformas educacionais, pois, como trabalhadores, os professores são levados a se adequar às regras mercadológicas. Os docentes são vistos como elementos centrais na implementação dessas mudanças porque são eles que, interiorizando cotidianamente os interesses dominantes, materializarão, em sua prática pedagógica, os parâmetros apresentados nos discursos reformistas, inculcando nos alunos os valores da sociedade capitalista.

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Nesse contexto, são formuladas, para todas as licenciaturas, diretrizes cujo objetivo é embasar a elaboração dos projetos político-pedagógicos dos cursos, tornando-se um referencial para a formação de professores. As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras são materializadas no Parecer CNE/CES Nº 492/2001, elaborado no começo do século XXI pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Segundo o Parecer, a “proposta de Diretrizes Curriculares leva em consideração os desafios da educação superior diante das intensas transformações que têm ocorrido na sociedade contemporânea, no mercado de trabalho e nas condições de exercício profissional” (DCN, 2001, p.29).

Frente a esse Discurso oficial que se auto-justifica por “levar em consideração as intensas transformações na sociedade contemporânea”, elegemos para nosso gesto interpretativo, a partir das temáticas competências e habilidades, algumas sequências discursivas (SD) 4, visando compreender os efeitos de sentido produzidos por essas noções no discurso da formação docente.

SD 1 - O graduado em Letras [...] deverá ser identificado por múltiplas competências e habilidades adquiridas durante sua formação acadêmica convencional, teórica e prática, ou fora dela. (DCN, 2001, p.30)

Nesse sequência discursiva, podemos observar que há uma definição da identidade do professor de Letras, o qual deve ser “identificado por múltiplas” (variadas e numerosas) “competências” e “habilidades”. Restringe-se, assim, a identidade do professor a esses termos, pois só é possível saber/identificar se uma pessoa é docente se esta tiver “competências” e “habilidades”, e para obtê-las é necessário adquiri-las na formação teórica e prática e, além disso, “fora” da formação acadêmica convencional, ou seja, em toda vida do graduando.

O termo “competência” é incorporado na educação a partir das reformas ocasionadas pela reestruturação do mercado, que tem a competência como princípio norteador para a formação dos trabalhadores. Moreira (2005, p. 8) ao refletir sobre a inserção das competências no âmbito do trabalho afirma que “as competências, irão possibilitar aos indivíduos, o surgimento de capacidades subjetivas, flexíveis e criativas para o mundo da concorrência cada vez mais acirrada do mercado de trabalho”.

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Conforme Amaral (2007) apud Melo (2007, p.98) “as sequências discursivas são as formas concretas do discurso [...], onde se dá o encontro das duas dimensões discursivas, quais sejam intra e o interdiscurso. É nessa concreção que se pode(m) identificar a(s) posição(ões) que o sujeito ocupa em relação às formações ideológicas e às formações discursivas que representam essas formações ideológicas na sociedade”.

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Dessa forma, a concepção de “competência” dialoga com a noção de empregabilidade, que coloca sob a responsabilidade do trabalhador sua inserção no mundo do trabalho, cabendo as instituições de ensino promover condições para que os profissionais sejam empregáveis. Vale ressaltar, no entanto, que mais do que ser competente (ser capaz), o trabalhador deve saber colocar em prática o que aprende, pois no mundo do trabalho não há lugar para todos os “profissionais competentes”, por isso, é preciso ser, também, “hábil”. As “habilidades” estão, portanto, ligadas à prática, ao “saber fazer”, ao exercício da “competência” em determinada situação.

Assim, segundo o Discurso Oficial, o graduado em Letras deve ter tanto “competências” como “habilidades”, ambas devem ser adquiridas concomitantemente. Esse efeito de sentido é produzido na SD 1 pela conjunção coordenativa aditiva (e), que coloca as duas noções em relação de igualdade e reciprocidade. Isto não quer dizer que a língua significa por si mesma, pois a referida conjunção só produz esse efeito porque é inscrita num funcionamento discursivo cujo movimento é fincado nas relações sociais capitalistas5.

Em nossa análise, encontramos o atravessamento do discurso jurídico que determina o “dever”. Desse modo, as instituições de ensino superior “devem” propor condições para que os estudantes sejam empregáveis, ou seja, “devem” introduzir as “competências” e “habilidades” na formação acadêmica desses futuros profissionais. É nesse sentido que as DCN afirmam;

SD 2 - o curso de Letras deve contribuir para o desenvolvimento das seguintes competências e habilidades [...] preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho. (DCN, 2001, p.30).

Essa articulação (competência/ habilidade/ mercado de trabalho) aponta que o curso “deve contribuir” para o desenvolvimento desse perfil, mas a responsabilidade total é do licenciando, pois cabe a este o seu sucesso ou fracasso na vida profissional. Isso acontece porque o Discurso oficial silencia6 em sua política que numa sociedade capitalista não há

emprego para todos os trabalhadores, nem mesmo para os mais “competentes” e “hábeis”,

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Segundo Orlandi (2005, p. 47), “O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia.

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Para Orlandi (2002, p. 75): “a política do silêncio se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada.”

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pois, na perspectiva do capital, é preciso existir um exército social de reserva7, pronto para atender ao mercado de trabalho. Diante disso, observamos que a defesa da formação docente centrada nas “competências” e nas “habilidades” é circunscrita na formação discursiva do mercado, representativa da formação ideológica do capital, voltada para a perpetuação do modo de produção vigente.

Até aqui, podemos dizer que ser “competente” e “hábil” “deve” ser a meta dos professores de Letras, mas, afinal, o que significa ser um professor dotado de “competências” e “habilidades” na atual conjuntura sócio-histórica gerida pelas determinações do mercado? Prossigamos para a SD3 que apresenta algumas “competências” inerentes ao graduado em Letras, procurando indícios, pistas discursivas, para o desvelamento dessa questão.

SD 3 - Deverá ter, também, a capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe.

Neste enunciado, são expressas algumas das “competências” e “habilidades” que devem compor a formação acadêmica do professor de Letras, para que, quando formado, possa exercê-las em seu cotidiano. Se atentarmos para o verbo dever, conjugado no futuro do presente, perceberemos que ele produz no enunciado o efeito de sentido de ordem, de obrigação. Isso implica que o graduado em Letras não poderá, e sim deverá ter capacidade para “resolver problemas”, “tomar decisões”, “trabalhar em equipe”. Há, desse modo, uma imposição do que deve ser feito e cumprido pelo professor, mais do que isto, o discurso busca capturar a subjetividade do docente, delineando sua identidade segundo as “competências” e “habilidades” pressupostas nessa política de Estado para a formação docente.

Prossigamos na leitura da sequência buscando entender na conjuntura social capitalista quais os sentidos das “competências” apresentadas, ou seja, o que significa ser um professor capaz de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe, respectivamente.

Para encaminhar nossa análise é preciso levar em consideração que no cenário da reestruturação produtiva, com a superação do fordismo e implementação do toyotismo, é exigido um novo perfil de trabalhador, não mais apenas dotado de “habilidades” específicas,

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Marx se refere ao “Exército industrial de reserva” quando faz crítica à Economia Política, trata-se do desemprego estrutural que é intrínsico ao funcionamento da sociedade capitalista, pois permite a acumulação através da manutenção dos baixos salários. No texto “Manuscristo Econômicos-Filosoficos”, Marx afirma: “A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende, depende do capricho do rico e capitalista”. (2004, p. 24).

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mas com múltiplas “competências”, ou seja, um profissional “flexível” 8. Nesse sentido, ter flexibilidade significa se adaptar às diversas situações do cotidiano, do mundo do trabalho, e mais do que isto, se adaptar é ter a capacidade de resolver problemas/tomar decisões/trabalhar em equipe.

Ao enunciar que o professor “deve” ser capaz de “resolver problemas”, o discurso afirma que há problemas e, ao mesmo tempo, coloca a resolução destes sob a responsabilidade do docente. Todavia, silencia quais são e onde estão os problemas. É somente pela memória discursiva9 que podemos recuperar uma série de problemas que são omitidos, tais como: as más condições e sobrecarga de trabalho que refletem a realidade das escolas no Brasil, e o baixo salário que é pago aos professores. Segundo Melo (2007, p. 147):

O processo de funcionamento discursivo visa ocultar a filiação do discurso oficial à Formação Discursiva do Mercado, inserida na Formação Ideológica Neoliberal/Capitalista. Segundo essa formação ideológica, a formação docente deve contribuir para a adequação da escola ao processo de fortalecimento da ordem social vigente, por meio da preparação de indivíduos que cooperem para o fortalecimento da sociedade democrática, concebida como a expressão da liberdade individual e de afirmação da cidadania.

O silenciamento dessas questões é um mecanismo ideológico utilizado no funcionamento discursivo para interditar, para evitar sentidos indesejáveis, em outras palavras, busca-se fechar o sentido no que é posto no intradiscurso, excluindo os “outros” sentidos possíveis, pois estes são tidos como inconvenientes. Sobre isso Orlandi (2002, p. 76) explica que:

se diz „x‟ para não (deixar) dizer „y‟, este sendo o sentido a se descartar do dito. É o não-dito necessariamente excluído. Por aí se apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo de uma „outra‟ formação discursiva, uma „outra‟ região de sentidos.

Ao avançarmos na análise observamos que decorre dessas “competências” a noção de autonomia, também propagada na política da formação docente, que, na prática, não está

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Cf. (DCN, 2001, p. 29), sobre a proposta de flexibilização do currículo: “A flexibilização do currículo, na qual se prevê nova validação de atividades acadêmicas, requer o desdobramento do papel de professor na figura de orientador, que deverá responder não só pelo ensino de conteúdos programáticos, mas também pela qualidade da formação do aluno”.

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Segundo Orlandi (2005, p. 31): “chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”. Ainda, conforme a autora, “o fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer, é fundamental para se compreender o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e com a ideologia.” (2005, p. 32).

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relacionada à independência, à liberdade, trata-se, portanto, de uma “falsa autonomia”, pois na sociedade vigente o sujeito é, paradoxalmente, livre e submisso. Dessa forma, a autonomia do professor se resume em “resolver problemas” e “tomar decisões” condizentes às regras da Escola, do Estado, e, em última instância, condizentes aos interesses da lógica do Capital.

A autonomia na formação docente faz parte de uma estratégia do discurso neoliberal: a

“culpabilização” das vítimas que é um mecanismo de perpetuação da hegemonia do Capital

(CAVALCANTE, 2007). Assim, transferem-se as responsabilidades do Estado capitalista para os indivíduos, o dever de “tomar decisões” e “resolver os problemas” da educação brasileira é imposto aos professores e desviado do Estado. A manobra da ideologia neoliberal, da culpabilização, além de fazer cada indivíduo acreditar que é responsável pelos problemas sociais, como a pobreza, a violência, o desemprego, a falta de escolas etc, faz com que os indivíduos acusem uns aos outros; pois é recorrente a reprodução de discursos nos quais o professor é responsabilizado pela atual situação da educação brasileira.

Ao mesmo tempo, a capacidade de “trabalhar em equipe” atualiza, nas DCN, outra estratégia do neoliberalismo: a cooperação, a parceria no exercício profissional. Prega-se, assim, a unicidade, a coletividade, a ajuda no âmbito do trabalho, para que as atividades sejam realizadas com êxito e consenso, pois assim não haverá prejuízo para a classe dominante na exploração da força de trabalho da classe dominada10.

Desse modo, na atual conjuntura, para o discurso do poder, saber “trabalhar em equipe” é fundamental para ser um “profissional empregável”. É imprescindível ter a capacidade de trabalhar com outras pessoas, respeitando as diferenças, mas sem perder de vista a concorrência no mercado de trabalho na busca pela empregabilidade. Ou seja, as relações sociais capitalistas exigem, através do discurso, que é preciso ser, paradoxalmente, individualista e solidário; um indivíduo de múltiplas “competências” e “habilidades”, que consegue se adaptar e agir corretamente frente às diferentes situações e “intensas transformações da sociedade contemporânea” (DCN, 2001, p. 29).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises das sequências discursivas, podemos afirmar que ser um professor com “competências” e “habilidades” é ser capaz de “resolver problemas”, “tomar decisões”, “trabalhar em equipe”. No entanto, a defesa do desenvolvimento das

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Para Pêcheux (1990, p. 12): “O poder da burguesia tende ao invisível, para se exercer com mais eficácia; ao mesmo tempo, ele se encarrega sistematicamente de observar as classes dominadas, para melhor assujeitá-las.”

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“competências” e “habilidades” na formação docente representa um mecanismo destinado a adequar a escola aos preceitos do mercado globalizado. Ao desvelarmos o funcionamento discursivo das DCN, constatamos que esse discurso é regulado pelas determinações do mercado de trabalho, fundamentado nos princípios da ideologia neoliberal pertencente à sociedade capitalista, na qual a mercantilização da educação é crescente e que promove a reprodução da desigualdade social.

Em suma, procuramos entender alguns dos efeitos de sentido produzidos na dinâmica contraditória do discurso das DCN de Letras, pois consideramos que “entender é desalienar- se, é decifrar, antes de tudo, o mistério da mercadoria, é ir para além do capital” (SADER, 2005, p. 18). Com esse entendimento crítico, podemos vislumbrar uma formação para além das determinações do mercado, pensar também na educação como instrumento de intervenção social. Dizer isto significa que, mesmo condicionado às determinações políticos sociais, somos seres históricos, o que nos possibilita uma intervenção nas práticas sócio-educativas, visando um rompimento do que nos é posto pela ideologia e interesses dominantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores de Letras. Distrito Federal, 2001.

CAVALCANTE, Mª do S. de Oliveira. Parâmetros Curriculares Nacionais: o simulacro de um discurso modernizador. Maceió: EDUFAL, 2007.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

MELO, Kátia. Formação e profissionaliza docente: o discurso das competências. Maceió: Edufal, 2007.

MOREIRA, Luciano A. Lemos. A empregabilidade nos Parâmetros Curriculares Nacionais: implicações e limites a formação humana. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira). Centro de Educação.Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2005.

ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 6ª ed. Campinas: Pontes, 2005.

ORLANDI, Eni. As formas do silêncio no movimento dos sentidos. 5º ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. In Cadernos de Estudos Linguísticos, 19. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990.

SADER, Emir. Prefácio. In. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

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SILVA SOBRINHO, Helson Flávio da. Os andaimes suspensos do discurso nos alicerces do real. In: INDURKY, Freda; FERREIRA, Mª. C. L; MITTMANN, Solange (orgs.). O discurso na contemporaneidade: materialidades e fronteiras. São Carlos: Claraluz, 2009.

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