PLANEJAMENTO DO USO DAS TERRAS DO MUNICÍPIO DE
ITARARÉ, SP, VISANDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA
AGRICULTURA IRRIGADA
Samuel Sussumu Agena* (agena@ipt.br), Zeno Hellmeister Junior*; Fausto Luis Stefani*; Márcio Lúcio Gonzaga*, Mario Otavio Costa*, *Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. – IPT.
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados dos levantamentos dos aspectos do meio físico (solo; relevo, clima; recursos hídricos superficiais e uso e ocupação das terras) e das análises referentes à classificação das terras no Sistema de Capacidade de Uso; potencialidade das terras à implantação de Projetos de Irrigação; balanço hídrico; demandas de água para irrigação e vazão teórica dos Projetos de Irrigação realizadas para o município de Itararé, SP.
O projeto teve como objetivo fornecer subsídios para a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para a agricultura irrigada, baseando-se principalmente no uso adequado dos recursos naturais (solo e água) a fim de minimizar os processos de degradação como erosões superficiais das terras e perda de fertilidade.
Palavras-Chaves: Planejamento do uso da terra, Capacidade de Uso, irrigação, conservação do solo e da água
ABSTRACT
This article shows the results of studies related to the soil, relief, climate, water resources and land use and the analyses of Land Use System Classification, land use pontential in order to establish Irrigation Projects, water balance, water demands to irrigation and out flow calculated of Irrigation Projects developed to Itarare county of São Paulo State.
The objetive of this project is to give support to the elaboration of a sustained development plain to the irrigated agriculture, based mainly in adequated natural resources (soil and water) to diminish degradation process like superficial erosion and fertility loss. Keywords: Land use planning, Land Capability Classes, irrigation, soil and water conservation.
INTRODUÇÃO
O município de Itararé situa-se na região sudoeste do Estado de São, na divisa com o Estado do Paraná. Localiza-se entre as coordenadas UTM norte 7.310.000 e 7.356.000m, e leste 652.000 e 690.000m.
A fim de selecionar as terras do Município de Itararé, SP, quanto às suas potencialidades para se transformarem em Distritos Agrícolas Irrigados, foi firmado contrato no âmbito do Programa de Assistência Técnica aos Municípios-Patem (conforme Ofício AAM no 062/98) entre a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-SCTDE e o IPT, para que os técnicos do Laboratório de Física do Solo e Irrigação da Divisão de Geologia executassem o reconhecimento do meio físico (solos, geologia, relevo, recursos hídricos superficiais e uso e ocupação atual das terras), resultando no Parecer Técnico IPT No 7 794.
Distrito Agrícola Irrigado refere-se à associação de agricultores, proprietários de terras de uma Microbacia Hidrográfica, determinados a desenvolver uma agricultura sustentável, através da adoção de altas tecnologias de manejo do solo (controle de erosão: terraceamento agrícola; plantio direto; plantio em nível; cultura em faixas; calagem e adubação química
adequadas; adubação orgânica e/ou verde; rotação de culturas; cobertura morta; controle do lixo tóxico) e da água (irrigação; sistemas de monitoramento da água no solo; manutenção de matas ciliares; preservação das áreas de mananciais).
OBJETIVO DO TRABALHO
O presente trabalho teve como objetivo selecionar as terras do município de Itararé, SP, que são potenciais ao desenvolvimento da agricultura irrigada.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O fluxograma da FIGURA 1 mostra os procedimentos metodológicos adotados para estudos de reconhecimento que visam selecionar áreas que apresentam potencial para a implantação de projetos de irrigação e desenvolvimento de Distritos Agrícolas Irrigados. RESULTADOS
A FIGURA 2 e as TABELAS 1, 2, 3, 4, 5 e 6 apresentam resumidamente alguns resultados obtidos durante o desenvolvimento deste projeto.
TABELA 1 – Solos mapeados no município de Itararé (EMBRAPA, 1999) e as áreas correlacionadas.
CLASSES DE SOLOS ÁREA
Km2 (%)
Associação de LATOSSOLOS VERMELHOS Álicos, Distróficos e Eutróficos típicos, textura argilosa, A moderado e LATOSSOLOS VERMELHOS Álicos típicos, textura muito argilosa, A moderado (LV-1)
247,24 24,60
LATOSSOLOS VERMELHOS Álicos típicos, textura média, A moderado (LV 2)
23,97 2,39 Associação de LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos
típicos, textura média, A moderado e proeminente e LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos e Eutróficos típicos, textura argilosa, A moderado e proeminente (LVA-1)
65,09 6,48
LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos típicos, textura
argilosa, A moderado e proeminente (LVA-2) 5,11 0,51
LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos típicos, textura
média, A moderado e proeminente (LVA-3) 12,73 1,27
LATOSSOLOS AMARELOS Distróficos típicos, textura média, A moderado (LA)
1,16 0,12 ARGISSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos e Distróficos típicos,
textura média/média e média/argilosa, A moderado e proeminente (PVA) 6,44 0,64 ARGISSOLOS VERMELHOS Álicos e Eutróficos típicos, textura
média/argilosa, A proeminente (PV)
0,79 0,08 Associação de LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos,
texturas média e argilosa, A moderado; CAMBISSOLOS HÁPLICOS Tb Álicos típicos, texturas média e argilosa, A proeminente; NEOSSOLOS REGOLÍTICOS Eutróficos típicos, texturas média e argilosa, A proeminente e NEOSSOLOS QUARTZARÊNICOS Órticos latossólicos, A proeminente (LVA/C/R)
304,28 30,28
Continuação...
Associação de CAMBISSOLOS HÁPLICOS Tb Álicos e Distróficos típicos, texturas média e argilosa, A proeminente; NEOSSOLOS LITÓLICOS Eutróficos típicos, textura média, A proeminente; NEOSSOLOS REGOLÍTICOS Eutróficos lepticos, textura média, A proeminente; e LATOSSOLOS VERMELHO-AMARELOS Álicos, texturas média e argilosa, A moderado (C/R/LVA)
337,75 33,61
GLEISSOLOS HÁPLICOS Tb (G) 0,41 0,04
TOTAL 1004,97 100,00
TABELA 2 - Área ocupada por cada classe de declividade. CLASSES DE DECLIVIDADE ÁREA Km2 % A (0 a 3%) 123,91 12,33 B (3 a 6%) 183,45 18,25 C (6 a 12%) 309,89 30,84 D (12 a 20%) 218,50 21,74 E (>20%) 169,22 16,84 TOTAL 1.004,97 100,00
A cada classe de declive correspondem características particulares quanto ao escoamento das águas superficiais e, também, aos procedimentos específicos quanto a usos, manejos e práticas conservacionistas:
a) Classe A (0 a 3%): compreende áreas planas ou quase planas, onde o escoamento superficial (deflúvio) é lento ou muito lento. Esta classe não oferece dificuldade ao uso de máquinas agrícolas. A erosão hídrica não é significativa, exceto em vertentes muito longas e com solos altamente suscetíveis à erosão;
b) Classe B (3 a 6%): os terrenos desta classe têm declives suaves, onde geralmente o deflúvio é lento ou médio. Nessa classe o trabalho mecanizado usual é de fácil operação. Geralmente práticas simples de conservação do solo são suficientes (cultivo em nível ou plantio direto), exceto em solos erodíveis (arenosos) com comprimento de rampa muito longo;
c) Classe C (6 a 12%): a classe C engloba terrenos inclinados em relevo geralmente ondulado. O deflúvio é médio ou rápido. O declive normalmente não prejudica o uso de máquinas agrícolas. Em alguns casos, a erosão hídrica pode ser controlada com práticas simples. Porém, normalmente são necessárias práticas complexas de conservação do solo (terraceamento, plantio direto), para que seja cultivado intensamente;
d) Classe D (12 a 20%): compreende terrenos inclinados em relevo ondulado. Geralmente o escoamento superficial é rápido para a grande maioria dos solos. O uso de máquinas agrícolas é parcialmente prejudicado. A erosão hídrica compromete o cultivo intenso;
e) Classe E (>20%): a classe E constitui terrenos muito inclinados a fortemente inclinados, onde o escoamento superficial é muito rápido. Nessa classe, a grande maioria dos solos, é extremamente suscetível à erosão, e os terrenos devem ser utilizados somente para cultivos perenes, pastagens ou reflorestamentos. A maior parte das máquinas agrícolas pode ser usada, mas com dificuldades. Há sérios impedimentos ao uso, exigindo práticas muito complexas
(projetos de drenagem), e devem ser mantidos preferencialmente como áreas de preservação ambiental.
As classes de Capacidade de Uso (I a VIII) são definidas com base no grau de limitação de uso e podem ser agrupadas, como segue:
a) no Grupo A estão as terras passíveis de utilização com culturas anuais , perenes, pastagens e/ou reflorestamentos e vida silvestre. Esta subdividido nas classes I, II, III e IV;
b) no Grupo B aglutinam-se as terras impróprias para cultivos intensivos, mas ainda adaptadas para pastagens e/ou reflorestamentos e/ou vida silvestre; e se subdividem nas classes V, VI e VII; e
c) o Grupo C representa as terras não adequadas para culturas anuais, perenes, pastagens ou reflorestamento, porém, apropriadas para proteção da flora e fauna silvestre, recreação ou armazenamento de água. Comporta a classe VIII.
As subclasses são definidas em função do fator que limita o uso da terra e tornam mais explícitas as práticas ou grupos de práticas conservacionistas a serem adotadas.
Convencionalmente, as limitações de uso podem ser de quatro naturezas, a saber: e: limitações devido à erosão atuante e/ou risco de erosão;
s: limitações relativas ao solo; a: limitações por excesso de água; e c: limitações climáticas.
Conforme HUDSON (1971), citado por LEPSCH (1991), esta classificação técnica indica os dados necessários para a escolha da combinação entre o uso agrícola e as medidas de controle da erosão que permitem o aproveitamento mais intensivo da terra aliado à mínima ou nula degradação do solo.
TABELA 3 - Classes e subclasses de capacidade de uso que resultaram da integração entre as classes de solos e de declividades que predominam nas terras do município
SOLOS
Classes de Declividade
A (0 a 3%) B (3 a 6%) C (6 a 12%) D (12 a 20%) E (>20%)
SUBCLASSES DE CAPACIDADE DE USO DAS TERRAS
LV –1 IIIs IIIs IIIse IVe VIe
LV – 2 IIIs IIIse IVe VIe VIe
LVA – 1 IIIs IIIse IVe VIe VIe
LVA – 2 IIIs IIIs IIIse IVe VIe
LVA – 3 IIIs IIIse IVe VIe VIe
LA IIse IIIe IVe VIe VIe
PVA IIIs IIIes Ive VIe VIIe
PV IIIs IIIes IVe VIe VIIe
LVA/C/R IIIs IIIes IVes VIe VIIIe
C/R/LVA IIIs Ivs VIe VIs VIIIs
TABELA 4 – Extensão das sub-classes de capacidade de uso das terras.
CLASSE SUBCLASSE ÁREA (Km2) %
II IIse 0,11 0,01 III IIIe 0,19 0,02 IIIs 191,60 19,06 IIIse 109,46 10,89 IIIes 60,69 6,04 IV IVe 80,89 8,05 IVs 32,63 3,25 IVes 94,93 9,45 V Va 0,41 0,04 VI VIe 192,72 19,18 VIs 89,53 8,89 VII VIIe 0,70 0,07
VIII VIIIe e VIIIs 151,08 15,04
TOTAL 1.004,97 100,00
TABELA 5 - Grupos e categorias de uso e ocupação das terras e as suas respectivas áreas. GRUPO DE CATEGORIAS CATEGORIAS DE USO E OCUPAÇÃO ÁREA ha % Vegetação de porte alto a médio
Vegetação natural de porte arbóreo e capoeiras (M)
11.771,90 11,71 Reflorestamento (R) 18.833,10 18,74 Vegetação de porte
médio a baixo Citricultura (L)
195,66 0,20 Vegetação de porte baixo a rasteiro Pasto sujo (S) 9.347,34 9,30 Pastagem (P) 49.388,00 49,14 Culturas temporárias (T) 9.969,00 9,92
Usos Espelho d’água 28,54 0,03
antrópicos Área urbanizada 963,90 0,96
TOTAL 100.497,44 100,00
A potencialidade das terras em Itararé à implantação de projetos de irrigação foi classificada da seguinte maneira (TABELA 6): P1 são as terras com alta potencialidade; P2 são as terras com média potencialidade; P3 são as terras com baixa potencialidade e NP são as terras não potenciais à implantação de projetos de irrigação.
TABELA 6 - Potencialidades das terras à irrigação
Subclasses de capacidade de uso das terras
Categorias de uso e ocupação do solo
T P L R S M
IIse, IIIe, IIIes, IIIs, IIIse P1 P2 P3 NP NP NP
IVe, IVes, IVs P2 P3 P3 NP NP NP
Va NP NP NP - NP NP
VIe, VIs NP NP NP NP NP NP
VIIe NP NP NP NP NP NP
CONCLUSÕES
Relevo com predomínio das formas onduladas (aproximadamente 70% das terras apresentam declives entre 6 e 20%), propiciando a presença rios e córregos que viabilizam as construções de barragens para represamento de água;
Predominância de solos pouco desenvolvidos (em 64% das terras desenvolveram-se solos das associações LVA/C/R e C/R/LVA);
Necessidade de atentar para as práticas mecânicas de conservação do solo, pois os solos apresentam moderada a alta suscetibilidade à erosão, em função da declividade do terreno e de natureza do próprio solo;
Moderada a alta aptidão ao desenvolvimento agrícola, uma vez que das 19 bacias hidrográficas do município (FIGURA 2), 7 apresentam entre 30 e 60% de suas terras enquadradas no Grupo A de Capacidade de Uso e 9, mais de 60% das terras classificadas no Grupo A de Capacidade de Uso;
Vocação para agropecuária, pois 58, 19 e 10% das terras do município estão ocupadas por pastagens, reflorestamentos e culturas temporárias, respectivamente;
O balanço hídrico anual (TABELA 7) indicou um valor de precipitação pluvial total de 1.526mm, evapotranspiração potencial de 1.426mm e evapotranspiração real de 1.313mm, resultando em déficit e excesso de água no solo durante o ano de 113mm e 234mm, respectivamente.
Clima propício para o desenvolvimento de agricultura irrigada de grãos de alto nível, devido à amplitude térmica diária alta e o inverno rigoroso;
Necessidade de irrigação principalmente no mês novembro, pois o balanço hídrico para uma CAD de 100mm apontou tendência de ocorrência de veranico neste mês; Um meio físico com moderada aptidão ao desenvolvimento da agricultura irrigada,
pois somente 31% das terras itararenses enquadram-se nas classes com potencialidade à implantação de projetos de irrigação;
Vazão específica média plurianual (Qesp) igual a 18,42 l/s/km2, o que corresponde a
aproximadamente 25% da dotação de rega para irrigação localizada de culturas perenes (0,4692 l/s/ha) e 32% da dotação para irrigação por aspersão mecanizada de culturas anuais (0,5958 l/s/ha), tornando necessário represar água para irrigar as culturas de valor econômico.
RECOMENDAÇÕES
a) Cadastramento dos irrigantes potencias; b) Fundação dos Distritos Agrícolas Irrigados;
c) Estudos de pré-viabilidade e viabilidade e projetos básicos e executivos de sistemas de irrigação de uso comum;
d) Programa de parametrização físico-hídrica dos solos das terras aráveis; e) Programa de conservação do solo (BERTOLINI et al., 1994);
f) Programa de manejo da irrigação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IPT, 1999. Estudos do meio físico para implantação de Distritos Agrícolas Irrigados na zona rural do município de Itararé, SP. São Paulo: IPT. (Parecer Técnico 7.794).
BERTOLINI, D. et al. 1994. Tecnologias disponíveis para controlar o escorrimento superficial do solo. Manual Técnico de Manejo e Conservação de Solo e Água: Volume IV. Campinas, SP: Governo do Estado. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Coordenadoria de Assistência Técnica Integral-CATI.
DAEE 1994. Manual de cálculo das vazões máximas, médias e mínimas nas Bacias Hidrográficas do Estado de São Paulo. Plano Estadual de Recursos Hídricos. São Paulo: Governo de São Paulo. Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras. Departamento de Águas e Energia Elétrica.
THORNTHWAITE, C. W. & MATHER, J. R. 1955. The water balance. New Jersey: Laboratory of Climatology.
FIGURA 1 – Roteiro metodológico para atingir o objetivo deste estudo. MEIO FÍSICO
SOLO RELEVO USO E
OCUPAÇÃO ATUAL DAS
TERRAS
CLIMA RECURSOS HÍDRICOS
SUPERFICIAIS CLASSIFICAÇÃO DAS TERRAS NO SISTEMA DE CAPACIDADE DE USO PARAMETRIZAÇÃO FÍSICO-HÍDRICA DOS SOLOS IRRIGADOS POTENCIALIDADE DAS TERRAS À IRRIGAÇÃO
DIRETRIZES BÁSICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DE DISTRITOS AGRÍCOLAS IRRIGADOS
BALANÇO HÍDRICO VAZÃO TEÓRICA DOS PROJETOS DE IRRIGAÇÃO POTENCIALIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS DEMANDA DE ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO DISPONIBILIDADE DE RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS SUBSÍDIOS PARA O MANEJO DA IRRIGAÇÃO
FIGURA 2 – Mapa de potencialidade das terras do município de Itararé à implantação de Projetos de Irrigação.