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CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E AQUISIÇÃO DA ESCRITA: UM ESTUDO LONGITUDINAL

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Academic year: 2021

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E AQUISIÇÃO DA ESCRITA: UM

ESTUDO LONGITUDINAL

Gabriela Castro Menezes de Freitas

Prof. Dr. Regina Ritter Lamprecht Orientador

Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Letras, na área de concentração de Lingüística Aplicada

Data da defesa: 08/01/2004

Instituição depositária: Biblioteca Central Irmão José Otão

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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AGRADECIMENTOS

à Profa Dr. Regina Ritter Lamprecht, ou melhor, à Regina, por ter sido mais do que uma orientadora durante todos os anos em que convivemos;

ao Curso de Pós-Graduação em Letras, na pessoa da Profa Dr. Regina Zilberman, pelas possibilidades de crescimento acadêmico;

ao CNPq, pela concessão da bolsa de pesquisa que possibilitou a realização deste trabalho;

às secretárias do Pós-Graduação em Letras, em especial à Cláudia e à Mara, pela constante disponibilidade;

ao Professor Nivaldo Almeida Fonseca, pela assessoria estatística prestada para a elaboração desta tese;

ao Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, por ter aberto as portas para a realização desta pesquisa;

ao grupo de pesquisa que elaborou o CONFIAS, pelas importantes discussões sobre consciência fonológica;

à colega Deisi Vidor, pelas horas e horas ouvindo atentamente as gravações das crianças;

às colegas do CEAAL, em especial à Carol, Coca e Maity, por tantos momentos agradáveis e divertidos, tantas alegrias e tantas angústias que dividimos;

aos familiares e aos verdadeiros amigos que torceram por este trabalho; ao meu marido, Diogo, por estar ao meu lado em todos os momentos e compartilhar todos os sonhos, contribuindo para que eles se concretizem;

(3)

DÚVIDA

Mandaram a pequenita escrever, no teste escolar, um nome de menino (que não fosse Lalau), um nome de menina (que não fosse Lili), e ainda nomes de fruta, planta e doce. Quando chegou a vez do nome de um animal, a menina escreveu: LIOA. Depois, achou que estava errado, apagou o “i” substituindo-o pelo “e”: LEOA. Mas ocorreu em seguida a dúvida cruel. Então a menina se encheu de coragem, apagou tudo e escreveu: GATO.

(Ribeiro, Antônio Carlos. Conversa à beira do tempo. Porto Alegre: Sulina, 1967.)

(4)

RESUMO

ÁREA:

LINGÜÍSTICA APLICADA

Nível:

Tese de Doutorado

Esta pesquisa tem como objetivo identificar a relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita em crianças falantes de português brasileiro. A consciência fonológica é a capacidade do ser humano de refletir sobre e manipular os sons, encarada neste estudo como um facilitador para a aquisição da escrita.

Para a realização desta pesquisa, 33 sujeitos foram testados através do instrumento “Teste Metafonológico Seqüencial – TMS”, e tiveram dados de escrita coletados e classificados segundo as hipóteses propostas por Ferreiro e Teberosky (1991). Treze sujeitos foram acompanhados longitudinalmente durante dois anos (desde o início do Jardim B até o final da 1a série), testados seis vezes ao longo da pesquisa. Ainda foram observados dois grupos transversais (10 crianças no Jardim A e 10 crianças na 2a série), permitindo a comparação do desempenho em consciência fonológica de crianças antes, durante e após o ensino sistemático da escrita. Os dados deste trabalho receberam tratamento estatístico e foram exaustivamente descritos e analisados, considerando-se aspectos quantitativos e qualitativos que levaram às conclusões da pesquisa.

Ao final deste estudo conclui-se que há uma importante relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita, que se influenciam de forma recíproca (Morais, Mousky e Kolinsky, 1998). Constata-se que há diferentes níveis e habilidades em consciência fonológica, que são aprimorados a partir da exposição sistemática à escrita.

(5)

ABSTRACT

The present research aims at identifying the relationship between phonological awareness and writing acquisition in Brazilian Portuguese speaking children. Phonological awareness is the ability of human beings to reflect upon and manipulate sounds, and in this study it is regarded as a facilitator for the acquisition of writing skills.

For this research, 33 subjects were tested using the “Teste Metafonológico Seqüencial - TMS” (Sequential Metaphonological Test). Samples of their writing were collected and classified according to the writing hypotheses proposed by Ferreiro and Teberosky (1991). Thirteen subjects were followed longitudinally (from the beginning of Kindergarten B until the end of the 1st grade)and tested six times during this period. Two cross-sectional groups were also observed (10 children in Kindergarten A and10 children in the 2nd grade), permitting a comparison between the phonological awareness performance of children before, during and after the systematic teaching of writing. The data in this study were treated statistically and were thoroughly described and analyzed, considering quantitative and qualitative aspects that led to the conclusions of the research.

At the end of this thesis, we conclude that there is an important relationship between phonological awareness and the acquisition of writing, and that both have a mutual influence on one another (Morais, Mousky and Kolinsky, 1998). It was also found that there are different levels and abilities in phonological awareness that are improved through systematic exposure to writing practice.

(6)

LISTA DE FIGURAS

Páginas

Figura 1 – Constituintes silábicos segundo Selkirk (1982) ... 9

Figura 2 – Quadro com exemplos de rima ... 9

Figura 3 – Esquema sobre os níveis de consciência fonológica ... 12

Figura 4 – Exemplos sobre os níveis de consciência fonológica ... 13

Figura 5 – Quadro sobre as tarefas de consciência fonológica, traduzidos de Coimbra (1997) ... 15

Figura 6 – Estrutura do Teste Metafonológico Seqüencial ... 38

Figura 7 – Palavras e frases utilizadas na coleta de dados da escrita ... 39

Figura 8 – Crescimento em consciência fonológica (L1) ... 46

Figura 9 – Crescimento em consciência fonológica (L2) ... 48

Figura 10 – Crescimento em consciência fonológica (L3) ... 50

Figura 11 – Crescimento em consciência fonológica (L4) ... 52

Figura 12 – Crescimento em consciência fonológica (L5) ... 54

Figura 13 – Crescimento em consciência fonológica (L6) ... 55

Figura 14 – Crescimento em consciência fonológica (L7) ... 57

Figura 15 – Crescimento em consciência fonológica (L8) ... 59

Figura 16 – Crescimento em consciência fonológica (L9) ... 61

Figura 17 – Crescimento em consciência fonológica (L10) ... 63

Figura 18 – Crescimento em consciência fonológica (L11) ... 65

Figura 19 – Crescimento em consciência fonológica (L12) ... 67

Figura 20 – Crescimento em consciência fonológica (L13) ... 68

Figura 21 – Erros fonológicos observados em escrita alfabética ... 87

Figura 22 – Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” no TMS ... 94

Figura 23 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ... 96

Figura 24 – Comparação entre rimas e aliterações ... 96

(7)

Figura 26 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” no TMS ... 98

Figura 27 - Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ... 100

Figura 28 – Comparação entre rimas e aliterações ... 100

Figura 29 – Comparação entre as tarefas do TMS ... 101

Figura 30 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” ... 103

Figura 31 – Comparação entre os níveis da sílaba e do fonema ... 105

Figura 32 – Comparação entre rimas e aliterações ... 105

Figura 33 – Comparação entre as tarefas do TMS ... 106

Figura 34 – Comparação do desempenho dos grupos “Antes, Durante e Após a Alfabetização” ... 107

(8)

LISTA DE TABELAS

Páginas

Tabela 1 – Desempenho de L1 no TMS ... 45

Tabela 2 – Desempenho de L1 nos níveis do teste ... 46

Tabela 3 – Desempenho de L2 no TMS ... 47

Tabela 4 – Desempenho de L2 nos níveis do teste ... 48

Tabela 5 – Desempenho de L3 no TMS ... 49

Tabela 6 – Desempenho de L3 nos níveis do teste ... 50

Tabela 7 – Desempenho de L4 no TMS ... 51

Tabela 8 – Desempenho de L4 nos níveis do teste ... 52

Tabela 9 – Desempenho de L5 no TMS ... 53

Tabela 10 – Desempenho de L5 nos níveis do teste ... 54

Tabela 11 – Desempenho de L6 no TMS ... 55

Tabela 12 – Desempenho de L6 nos níveis do teste ... 56

Tabela 13 – Desempenho de L7 no TMS ... 56

Tabela 14 – Desempenho de L7 nos níveis do teste ... 58

Tabela 15 – Desempenho de L8 no TMS ... 58

Tabela 16 – Desempenho de L8 nos níveis do teste ... 60

Tabela 17 – Desempenho de L9 no TMS ... 60

Tabela 18 – Desempenho de L9 nos níveis do teste ... 61

Tabela 19 – Desempenho de L10 no TMS ... 62

Tabela 20 – Desempenho de L10 nos níveis do teste ... 63

Tabela 21 – Desempenho de L11 no TMS ... 64

Tabela 22 – Desempenho de L11 nos níveis do teste ... 65

Tabela 23 – Desempenho de L12 no TMS ... 66

Tabela 24 – Desempenho de L12 nos níveis do teste ... 67

(9)

Tabela 26 – Desempenho de L13 nos níveis do teste ... 69 Tabela 27 – Dados estatísticos dos sujeitos longitudinais ... 70 Tabela 28 – Relação entre a taxa de crescimento em consciência fonológica

e as hipóteses de escrita ...

71 Tabela 29 – Desempenho inicial e taxa de crescimento em consciência

fonológica ...

73 Tabela 30 – Correlação entre consciência fonológica e hipóteses de escrita ... 75 Tabela 31 – Descrição estatística dos dados do Grupo Longitudinal ... 76 Tabela 32 – Número de ocorrência dos erros fonológicos ... 88 Tabela 33 – Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” no TMS e na

escrita ... 93 Tabela 34 - Desempenho do grupo “Antes da Alfabetização” nas tarefas do

TMS ...

94 Tabela 35 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” no TMS ... 98 Tabela 36 – Desempenho do grupo “Durante a Alfabetização” nas tarefas do

TMS ...

99 Tabela 37 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” no TMS ... 102 Tabela 38 – Desempenho do grupo “Após a Alfabetização” nas tarefas do

TMS ...

104 Tabela 39 – Comparação do desempenho em consciência fonológica dos

grupos “Antes, Durante a Após a Alfabetização” ...

106 Tabela 40 – Comparação do desempenho referente à consciência silábica e

fonêmica ...

109 Tabela 41 – Comparação do desempenho em tarefas de rimas e aliterações 109

(10)

SUMÁRIO Páginas AGRADECIMENTOS ... RESUMO ... ABSTRACT ... LISTA DE FIGURAS ... LISTA DE TABELAS ... INTRODUÇÃO ... 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 1.1 Consciência fonológica ... 1.1.1 Níveis de consciência fonológica ... 1.1.1.1 Nível das sílabas ... 1.1.1.2 Nível das unidades intra-silábicas ... 1.1.1.3 Nível dos fonemas (consciência fonêmica) ... 1.1.2 Tarefas de consciência fonológica ... 1.2 Aquisição da escrita ... 1.2.1 A psicogênese da aquisição da escrita ... 1.2.2 Aquisição da fala e aquisição da escrita ... 1.3 Relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita ... 1.3.1 Estudos realizados no Brasil ...

II IV V VI VIII 1 5 5 6 7 8 11 14 17 19 22 24 30

(11)

2 METODOLOGIA ... 2.1 Tipo de pesquisa ... 2.2 Amostra ... 2.3 Coleta de dados ... 2.4 Instrumentos ... 2.4.1 Teste Metafonológico Seqüencial ... 2.4.2 Instrumento para a coleta da escrita ... 2.5 Tratamento estatístico dos dados ... 2.5.1 Consciência fonológica ... 2.5.2 Escrita ...

3 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DO GRUPO LONGITUDINAL ... 3.1 Descrição e análise dos dados individuais ... 3. 2 Comparação do desempenho dos sujeitos ... 3.3 Relação entre o crescimento em consciência fonológica e a

evolução das hipóteses de escrita... 3.4 Correlação entre o desempenho inicial e a taxa de crescimento em consciência fonológica ... 3.5 Correlação entre consciência fonológica e hipóteses de escrita ... 3.6 Comparação dos desempenhos do Grupo Longitudinal ... 3.7 Manifestações dos sujeitos durante a aplicação do teste ... 3.8 Análise da escrita ...

4 DESCRIÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS GRUPOS TRANSVERSAIS ... 4.1 Grupo “Antes da Alfabetização”... 4.1.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ... 4.1.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS ... 4.2 Grupo “Durante a Alfabetização”... 4.2.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ... 4.2.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS ... 4.3 Grupo “Após a Alfabetização”... 4.3.1 Desempenho em consciência fonológica e escrita ... 4.3.2 Comparação do desempenho nas tarefas do TMS ...

34 34 34 36 37 37 38 40 40 42 44 44 69 71 73 74 76 77 85 92 92 93 94 97 98 99 101 101 104

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4.4 Comparação entre os grupos “Antes, Durante e Após a

alfabetização” ...

5 RETOMADA DOS RESULTADOS ... 5.1 Comprovação das hipóteses a partir dos dados individuais ... 5.2 Resultados gerais da pesquisa ...

CONCLUSÃO ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...

ANEXO 1: Teste Metafonológico Seqüencial ... 106 112 113 115 119 122 129

(13)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa investiga a relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita através de um acompanhamento longitudinal de crianças antes, durante e após o ensino sistemático da escrita. A consciência fonológica é encarada neste estudo como um facilitador (F. Yavas, 1989; Haase, 1990) para essa aquisição, acreditando-se que habilidades metafonológicas e aquisição da escrita influenciam-se de forma recíproca (Gathercole e Baddeley, 1993; Morais, Mousky e Kolinsky, 1998).

Estudos sobre consciência fonológica têm sido desenvolvidos nas últimas três décadas; no entanto, a grande maioria deles investiga a relação entre a consciência fonológica e o aprendizado da leitura, não sendo de grande número aqueles que pretendem investigar o desenvolvimento da escrita. Além disso, grande parte dessas pesquisas são realizadas com falantes de língua inglesa, existindo poucos trabalhos que investiguem a consciência fonológica em falantes de português. Dessa forma, salienta-se a originalidade da presente pesquisa, que desenvolve uma investigação sobre a escrita, contribuindo com novos dados sobre a consciência fonológica em crianças falantes de português brasileiro.

Deve-se ainda ressaltar como original o fato de este trabalho apresentar um acompanhamento longitudinal, que não é encontrado em estudos sobre consciência fonológica e aquisição da escrita realizados no Brasil. Pode-se citar unicamente a pesquisa de Costa (2002), que apresenta um caráter longitudinal, uma vez que examina os dados de crianças em dois momentos separados por um ano, fato que não possibilita a observação mais detalhada do desenvolvimento das capacidades das crianças.

(14)

Resultados de pesquisas sobre a relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita diferem quanto à direção dessa relação:1) consciência fonológica precede a aquisição da escrita; 2) consciência fonológica segue a aquisição da escrita; 3) consciência fonológica desenvolve-se concomitante à aquisição da escrita.

Para que se observe a verdadeira relação existente entre consciência fonológica e aquisição da escrita, é necessário que sejam realizados mais estudos sobre o assunto, principalmente estudos longitudinais, que permitam a observação do desenvolvimento das habilidades metafonológicas em comparação ao desenvolvimento da aquisição da escrita. Dessa forma, justifica-se a importância da realização de um estudo que observe longitudinalmente o comportamento de indivíduos em tarefas metafonológicas desde o período pré-até o pós-alfabetização. Através desta pesquisa será possível observar o desenvolvimento da consciência fonológica por crianças antes, durante e após o ensino sistemático da escrita, bem como o processo de aquisição do código escrito.

Neste momento é necessário esclarecer que esta pesquisa não pretende discutir termos para determinar o processo de aquisição do código escrito, tais como “aquisição”, “aprendizagem”, “desenvolvimento”, “alfabetização”, “letramento”. Dessa forma, optou-se por utilizar o termo “aquisição da escrita”, amplamente adotado em pesquisas lingüísticas que investigam o assunto. Em alguns momentos será utilizado o termo “alfabetização”, entendido neste estudo como o ensino sistemático do código escrito, realizado em ambiente escolar, normalmente na primeira série do ensino básico.

São sujeitos deste estudo 33 crianças de uma escola particular da cidade de Porto Alegre. Treze crianças foram acompanhadas longitudinalmente durante dois anos, e vinte fazem parte de dois grupos transversais, possibilitando a observação das habilidades metafonológicas em crianças antes, durante e após a aquisição da escrita.

Para verificar o desempenho dos sujeitos em consciência fonológica, foi utilizado o Teste Metafonológico Seqüencial (TMS), elaborado por um grupo de pesquisadoras do qual a autora deste trabalho faz parte. Os dados da escrita das crianças foram observados com base na proposta de Ferreiro e Teberosky (1991), que identifica as hipóteses de escrita trilhadas pelas crianças durante o processo de aquisição. Dessa forma, pode-se observar se há uma relação entre a

(15)

consciência fonológica e o desenvolvimento da escrita, objetivo principal deste estudo.

O objetivo geral desta pesquisa é observar a relação existente entre consciência fonológica e aquisição da escrita, a partir do qual foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos:

- observar habilidades metafonológicas em crianças antes, durante e após o ensino sistemático da escrita;

- investigar se as habilidades metafonológicas desenvolvem-se em uma escala; - verificar se, ao longo de dois anos, há um crescimento no desempenho dos

sujeitos em responder a um teste metafonológico;

- analisar se há relação entre o nível de consciência fonológica das crianças e o desempenho na escrita.

A partir desses objetivos são aventadas as seguintes hipóteses:

1) As crianças apresentam habilidades metafonológicas antes de receberem o ensino sistemático da escrita.

2) As habilidades metafonológicas são aprimoradas ao longo do processo de aquisição da escrita.

3) O nível de consciência fonológica está relacionado à hipótese de escrita em que a criança se encontra.

4) As crianças apresentam maior facilidade em responder às tarefas referentes ao nível da sílaba do que às do nível do fonema.

5) O desempenho nas tarefas referentes ao nível do fonema é beneficiado pela chegada à hipótese de escrita alfabética.

6) O ensino sistemático da escrita, realizado na 1a série, impulsiona o aprimoramento das habilidades metafonológicas.

Os dados deste estudo receberam tratamento estatístico e foram exaustivamente descritos e analisados, considerando-se aspectos quantitativos e qualitativos que levaram às conclusões da pesquisa.

Estudos sobre aquisição da escrita e consciência fonológica podem servir para averiguar a importância de trabalhar com o som em sala de aula, utilizar as capacidades das crianças quanto à fala, auxiliá-las a pensar sobre o som das palavras e a correspondência com a escrita. Pode-se sugerir a utilização do som não como método, mas como apoio para a aquisição da escrita. Dessa forma, o presente estudo pretende contribuir com subsídios para a investigação sobre a

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aquisição da escrita, servindo para a instrumentalização de educadores e pesquisadores da área.

No primeiro capítulo deste estudo será apresentada a fundamentação teórica, que aborda consciência fonológica (1.1), níveis de consciência fonológica (1.1.1), tarefas de consciência fonológica (1.1.2), aquisição da escrita (1.2), a psicogênese da aquisição da escrita (1.2.1), aquisição da fala e aquisição da escrita (1.2.2), relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita (1.3), e estudos realizados no Brasil (1.3.1). No capítulo 2 está exposta a metodologia utilizada na pesquisa, onde são descritos os instrumentos utilizados e os procedimentos realizados para a análise quantitativa e qualitativa dos dados coletados. Os capítulos 3 e 4 apresentam a descrição dos dados e a análise dos resultados dos grupos longitudinal e transversais, seguidos da retomada dos resultados, exposta no capítulo 5, e das conclusões da pesquisa.

(17)

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Consciência fonológica

A consciência fonológica ou metafonologia faz parte dos conhecimentos metalingüísticos, os quais pertencem ao domínio da metacognição, ou seja, do conhecimento de um sujeito sobre seus próprios processos e produtos cognitivos (Signorini, 1998). Ela decorre, em essência, da capacidade do ser humano de poder se debruçar sobre a linguagem de forma consciente (Scliar-Cabral, 2003), permitindo a reflexão sobre os sons da fala e sua organização na formação das palavras.

Segundo Morais (1989), a consciência fonológica é uma capacidade metalingüística que se refere à representação consciente das propriedades fonológicas e das unidades constituintes da fala. É a “consciência dos sons que compõem as palavras que ouvimos e falamos” (Cardoso-Martins, 1991, p. 103). Deve-se considerar a consciência fonológica como a habilidade para executar operações mentais sobre a fala (Morais, 1990), permitindo o julgamento e a manipulação da estrutura sonora das palavras. Crianças que desenvolvem a consciência fonológica reconhecem que palavras podem rimar, começar ou terminar com o mesmo som e são compostas por fonemas que podem ser manipulados para criar novas palavras (Ericson e Juliebö, 1998). “A consciência fonológica requer que a criança ignore o significado e preste atenção à estrutura da palavra” (Gough, Larson e Yopp,1996, p.15).

Gough, Larson e Yopp (1996) apontam que a consciência fonológica é uma constelação de habilidades, que são heterogêneas e cujos componentes têm

(18)

diferentes propriedades e desenvolvem-se em diferentes tempos. Ou seja, a consciência fonológica não pode ser considerada como um construto unitário (Roazzi e Dowker, 1989), mas deve ser vista como uma habilidade cognitiva que envolve diferentes níveis lingüísticos (sílabas, unidades intra-silábicas, fonemas) e pode ser testadas através de diferentes tarefas. Neste sentido, afirmam Moojen et al. (2003) que

A consciência fonológica envolve o reconhecimento pelo indivíduo de que as palavras são formadas por diferentes sons que podem ser manipulados, abrangendo não só a capacidade de reflexão (constatar e comparar), mas também a de operação com fonemas, sílabas, rimas e aliterações (contar, segmentar, unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor). (Moojen et al., 2003, p. 11).

É importante ressaltar que a consciência fonológica pode ser manifestada em um nível implícito ou explícito. A manipulação jocosa de palavras e o jogo espontâneo com os sons representam a consciência fonológica implícita, ao passo que a análise consciente dos sons constituintes das palavras caracteriza a consciência fonológica explícita (Roazzi e Dowker, 1989). A identificação de rimas por crianças pequenas não alfabetizadas, por exemplo, pode indicar a existência de uma consciência implícita, ou seja, de uma sensibilidade às similaridades fonológicas. Por outro lado, julgamentos mais refinados, como o isolamento de fonemas de uma palavra, exigem que a criança apresente um nível explícito de consciência fonológica, manipulando conscientemente a estrutura sonora. Dessa forma, não se pode pensar em consciência fonológica como algo que as crianças têm ou não têm, mas como habilidades apresentadas em maior ou menor grau. Como afirma Scliar-Cabral (2003), “o conhecimento metalingüístico não é um tipo de conhecimento oposto à sua ausência” (p. 33). Esse conhecimento é observado em diferentes níveis, que serão apresentados a seguir.

1.1.1 Níveis de consciência fonológica

Segundo Goswami e Bryant (1990), há diferentes níveis de consciência fonológica porque há diferentes maneiras através das quais palavras e sílabas podem ser divididas em unidades sonoras menores. Os autores explicitam três

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níveis de consciência fonológica: nível das sílabas, nível das unidades intra-silábicas e nível dos fonemas.

Atualmente, os pesquisadores que se dedicam à investigação da consciência fonológica adotam essa noção de níveis, reconhecendo que a consciência sobre os sons da fala é um contínuo (Signorini, 1998). Conforme Byrne (1989), identificação de rima e identificação de fonema correspondem a pontos diferentes de uma escala em consciência fonológica. Dessa forma, os testes metafonológicos variam de acordo com as unidades sonoras em jogo: sílabas, unidades intra-silábicas ou fonemas. A seguir serão explicitados cada um desses níveis.

1.1.1.1 Nível das sílabas

O nível das sílabas compreende a capacidade de dividir as palavras em sílabas. É o primeiro e talvez o mais óbvio caminho de segmentação sonora, que traz pouca dificuldade à maioria das crianças. Antes do início do processo de aquisição da escrita, muitas crianças apresentam a habilidade de dividir uma palavra em suas sílabas oralmente, sendo um excelente indicativo de que possuem algum nível de consciência fonológica (Goswami e Bryant, 1990; Liberman et alii, 1974; Treiman e Zukowski, 1991; Hakes, 1980).

Abordando a questão da familiaridade da criança com a identificação silábica, Magnusson (1990) propõe que

O fato de o acesso às sílabas ser mais fácil do que o acesso a unidades lingüísticas como os fonemas pode ser explicado pela existência de marcadores auditivos diretos, picos de energia acústica, correspondendo ao número de sílabas... (Magnusson, 1990, p. 132)

Como afirma Gombert (1992), a sílaba é a unidade natural de segmentação da fala. Logo, ela é mais acessível do que as unidades intra-silábicas e os fonemas. Tomando-se a explicação de Haase (1990), as sílabas são unidades cuja extração intencional requer menos esforço analítico, uma vez que correspondem grosseiramente aos gestos articulatórios, enquanto que a extração intencional dos segmentos fonéticos e fonêmicos requer um alto grau de analiticidade.

(20)

A sílaba está no topo da hierarquia no processamento fonológico (Cheung et alii, 2001), sendo um universal fonológico que serve de base de sustentação sobre a qual recaem as assinalações lingüísticas e prosódicas (acento, timbre, tom), e que dá conta das restrições fonemática das línguas (Barrera, 1999). Essas características fazem da sílaba uma unidade muito significativa, contribuindo para a facilidade de sua identificação. Caso seja solicitado a uma criança que segmente uma palavra, a segmentação será silábica, o que indica que a estrutura silábica faz parte do conhecimento intuitivo que todo falante possui sobre sua língua materna.

Observa-se, na infância, dois fatos que evidenciam que a criança põe em funcionamento sua consciência e sua competência lingüística em termos silábicos. O primeiro deles refere-se à aquisição da linguagem, que inicia por sílabas (Ex.: ‘mamãe’  [‘ma]; [ma’ma]). Além disso, já desde o balbucio a criança apresenta estruturas CV e VC. O segundo fato que ressalta a importância da sílaba está relacionado à aquisição da escrita, quando a criança passa pela hipótese silábica de escrita, realizando uma análise silábica e escrevendo uma letra para cada sílaba de determinada palavra.

Estudos sobre consciência fonológica em falantes de português como, por exemplo, os trabalhos de Capovilla e Capovilla (1997) e Menezes (1999), têm demonstrado que as crianças apresentam desempenho superior em tarefas de manipulação silábica. As tarefas de identificação, síntese e segmentação silábica não trazem dificuldades para as crianças testadas nessas pesquisas, o que confirma a facilidade de tarefas que envolvem as unidades silábicas.

1.1.1.2 Nível das unidades intra-silábicas

As palavras podem ser divididas em unidades que são maiores que um fonema individual, mas menores que uma sílaba, ou seja, as unidades intra-silábicas Ataque e Rima. Essas denominações são utilizadas na Teoria Métrica (Selkirk, 1982) para identificar os constituintes silábicos. A sílaba divide-se em Ataque e Rima; a Rima consiste em um Núcleo e uma Coda. O Núcleo da sílaba é constituído por uma vogal, sendo obrigatório. O Ataque é formado por uma consoante ou um grupo de consoantes iniciais, enquanto que a Coda compreende

(21)

a(s) consoante(s) que ocorre(m) após o Núcleo. A estrutura da sílaba pode ser observada na figura a seguir.

 (Ataque) Rima

Núcleo (Coda)

(C) V (C) / v o z /

Figura 1 – Constituintes silábicos segundo Selkirk (1982)

As palavras que apresentam a mesma Rima1 da sílaba são palavras que rimam (sabão – fogão) e as palavras que apresentam o mesmo Ataque configuram aliterações (macaco – menino). Logo, a consciência de rimas e aliterações envolve a consciência de elementos intra-silábicos. Através da capacidade de identificar os sons finais e iniciais são identificadas rimas (saber -poder) e aliterações (prato – preto).

A rima da palavra é definida como a igualdade entre os sons das palavras desde a vogal ou ditongo tônico até o último fonema (boneca – caneca). Ela pode englobar não só a Rima da sílaba (café – boné), como também uma sílaba inteira (salão – balão) ou mais que uma sílaba (chocolate – abacate / janela - panela). Em palavras oxítonas, a Rima é um elemento intra-silábico, reconhecido através da distinção Ataque – Rima (mão – pão). O quadro a seguir apresenta alguns exemplos. Rima da sílaba   R R c a f é b o n é Rima da palavra       A A R A R A R R R R b a l ã o s a l ã o c h o c o l a t e a b a c a t e FIGURA 2 – Quadro com exemplos de rima.

1

Neste trabalho, usa-se Rima (com letra maiúscula) para fazer referência à rima da sílaba (Ex.: café – boné). A palavra rima, quando grafada com letras minúsculas, indica a rima da palavra (Ex.: cachorro – socorro).

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Segundo Goswami e Bryant (1990), a rima da palavra parece ser parte natural e espontânea do desenvolvimento lingüístico. Ela é um nível de conhecimento fonológico elementar (Rueda, 1995), que faz parte da vida das crianças desde cedo, estando presentes em músicas, brincadeiras e livros infantis. Estudos realizados com crianças pequenas têm demonstrado que elas reconhecem rimas e aliterações antes de ingressarem na escola. Treiman e Zukowski (1996) observaram que crianças falantes de inglês, com idades entre 3 e 4 anos, são capazes de produzir rimas. Duncan, Seymour e Hill (1997) afirmam, baseados em uma pesquisa longitudinal, que crianças pré-alfabetizadas apresentam consciência relacionada à rima. O estudo de Cardoso-Martins (1994) mostra que crianças entre 4:0 e 4:6 anos apresentam capacidades para a detecção de rimas.

Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas no intuito de investigar as habilidades de crianças, não-alfabetizadas e alfabetizadas, em reconhecer e produzir rimas e aliterações. Os estudos de Muter, Hulme, Snowling e Taylor (1998) e de Goswami e Bryant (1990), entre outros realizados com falantes de inglês, apontam a consciência da rima como elemento fortemente presente. Segundo Treiman e Zukowski (1996), as crianças falantes de inglês são mais conscientes de rimas do que de aliterações, o que pode estar relacionado à estrutura da língua em questão. Essas pesquisas, no entanto, apontam resultados que só podem ser aplicados aos falantes da língua inglesa. Como ressaltam Roazzi e Dowker (1989), é importante a realização de pesquisas com falantes de diferentes línguas, uma vez que os resultados sobre consciência fonológica podem variar devido aos fatores lingüísticos particulares às línguas. Os resultados de pesquisas com falantes de língua inglesa não podem ser assumidos por pesquisadores que investigam as habilidades metafonológicas em falantes de outras línguas.

Os estudos de Cardoso-Martins (1994) e Freitas (2003), sobre rimas e aliterações em crianças falantes de português brasileiro, mostram a saliência da rima para crianças pequenas, mas apontam que essas crianças têm mais facilidade em lidar com aliterações. Uma pesquisa realizada por Bertelson, Gelder, Tfouni e Morais (1989) demonstrou que crianças brasileiras não alfabetizadas reconhecem com mais freqüência aliterações do que rimas. Deve-se ressaltar que os estudos em língua portuguesa não são em grande número, o que aponta para a necessidade de realização de mais pesquisas sobre o assunto,

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como o estudo de Santos (2003), que aborda exclusivamente a consciência de rimas e aliterações em crianças em fase de aquisição da escrita.

Roazzi e Dowker (1989) afirmam que a consciência de rimas e aliterações existe em um nível implícito antes do ensino da leitura e da escrita. Nesse sentido, Cardoso-Martins (1994) propõe que a rima não envolve necessariamente a habilidade de identificar conscientemente os segmentos compartilhados por rimas, mas sim uma sensibilidade a similaridades fonológicas globais. Como afirma Morais (1996), a rima é uma atividade holística que pode ser desenvolvida sem instrução formal. Crianças com menos de três anos já usam rimas e aliterações (Roazzi e Dowker, 1989).

Segundo Yavas (1990), a criação de rimas é realizada mais facilmente do que as tarefas de segmentação completa de sons ou a identificação fonêmica. Talvez essa facilidade se justifique pelo fato de a rima depender de uma sensibilidade a similaridades fonológicas, sem exigir necessariamente uma competência analítica ( Yavas, 1990; Morais et alii, 1987).

A consciência de rimas e aliterações pode contribuir para a leitura e também influenciar outras formas do desenvolvimento fonológico, como a sensibilidade aos fonemas (Goswami e Bryant, 1990). Rimas e aliterações podem ajudar a criança a tornar-se mais interessada em aspectos da linguagem em geral. O desenvolvimento da consciência fonológica pode ser facilitado pelo envolvimento com jogos, brincadeiras, músicas e livros que coloquem a criança em momentos de reflexão sobre os sons da fala.

1.1.1.3 Nível dos fonemas (consciência fonêmica)

O nível dos fonemas compreende a capacidade de dividir as palavras em fonemas, ou seja, nas menores unidades de som que podem mudar o significado de uma palavra. Para isso, é necessário o reconhecimento de que uma palavra é, na verdade, uma coleção de fonemas.

A consciência fonêmica é a “habilidade de manipular conscientemente os segmentos. Ela emerge quando a criança se dá conta de que as palavras são constituídas de sons que podem ser modificados, apagados ou reposicionados” (Haase, 1990, p. 94). Porém, o caráter abstrato do fonema aumenta a dificuldade de a criança realizar a segmentação fonêmica de uma produção sonora (Tunmer,

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Pratt, Herriman, 1984). Essa parece ser uma tarefa que exige um alto nível de consciência fonológica, já que a criança está lidando com unidades abstratas que estão colocadas em um segmento sonoro contínuo, o que dificulta a percepção individual dos sons. Um bom desempenho em testes de consciência fonêmica depende de a criança ter representações fonológicas bem estruturadas foneticamente (Hulme et alii, 2002).

A dificuldade de discriminação aumenta quando se passa da sílaba para o fonema, pois eles são menos transparentes para serem percebidos (Gombert, 1992; Hakes, 1980). Para Hakes, isso ocorre porque “as unidades silábicas são produtos próprios, inerentes do processo de percepção da fala, enquanto que as unidades fonêmicas não o são” (1980, p.33). A identificação fonêmica ocasiona a decomposição dessa unidade natural.

Deve-se salientar que existem pesquisadores que utilizam os termos consciência fonológica e consciência fonêmica como sinônimos, muitas vezes tratando a consciência fonológica como exclusivamente a capacidade de manipular fonemas. No entanto, a consciência fonológica é algo mais abrangente, que envolve a manipulação de diferentes unidades. A consciência fonêmica, por sua vez, está inserida nas habilidades metafonológicas, sendo a capacidade de identificar e manipular fonemas. Essa distinção pode ser visualizada no esquema a seguir. CONSCIÊNCIA consciência silábica consciência fonêmica consciência intra-silábica FONOLÓGICA

Figura 3 – Esquema sobre os níveis de consciência fonológica

A consciência fonêmica é muito necessária quando a criança tem que aprender o que as letras representam (Scliar-Cabral, 1999), sendo a habilidade que mais auxilia a aquisição da escrita alfabética. Para a identificação do princípio alfabético, a criança deve reconhecer a relação som-letra e dispor da habilidade

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de segmentação fonêmica, deve ser capaz de analisar, refletir, sintetizar as unidades fonêmicas que compõem as palavras faladas (Tunmer, Pratt, Herriman, 1984).

Segundo Yopp (1992), a consciência fonêmica pode ser desenvolvida na fase pré-escolar mediante uma variedade de atividades de linguagem. Essas tarefas devem ser oferecidas como suplemento que proporcione à criança um engajamento em atividades orais, enfatizando o som da linguagem como estimulação. Para iniciar essa estimulação, alguns fonemas são mais facilitadores do que outros. Por sua característica continuante, os fonemas fricativos e nasais em posição inicial são isolados mais prontamente que os plosivos. As fricativas são as melhores para o trabalho com consciência fonológica devido à maior facilidade com que são isoladas na corrente acústica (Yopp, 1992). Com relação à posição, Vandervelden e Siegel (1995) observam que a posição inicial na palavra é a primeira a ser adquirida, seguida pela consciência de fonemas em posição final, para depois dar-se a conscientização acerca dos fonemas em posição medial na palavra. Deve-se ressaltar que não parece necessário ter-se que trabalhar todos e cada um dos fonemas, pois a habilidade de análise fonológica também se generaliza aos outros fonemas que não estão sendo abordados.

O desenvolvimento da consciência fonológica nem sempre se dá na ordem palavras > rimas > aliterações > sílabas > fonemas. Porém, parece ser um consenso de que a última habilidade a surgir seja a consciência fonêmica, devendo ser encarada como o nível mais complexo de consciência fonológica. Pesquisas sobre os níveis de consciência fonológica, assim como a de Liberman (1974), demonstram que a consciência silábica precede a fonêmica. A sílaba está no topo da estrutura e é a unidade mais acessível, seguida pelas unidades intra-silábicas (Ataque – Rima) e finalmente pelos fonemas (Cheung et alii, 2001).

A figura a seguir apresenta exemplos para cada um dos níveis de consciência fonológica.

NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

Nível das sílabas Nível das unidades intra-silábicas Nível dos fonemas sa – pa – to

Ataque:

sapato; sujo; cinza Rima:

pão; chão

s – a – p – a – t – o

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Após a exposição dos diferentes níveis de consciência fonológica, constata-se que as exigências das atividades que envolvem consciência fonológica variam de acordo com os níveis que estão sendo acessados (sílabas, rimas, aliterações, fonemas). Além disso, deve-se considerar o tipo de tarefa que está sendo exigida, pois as atividades divergem em termos de maior ou menor exigência cognitiva, fato que será abordado na seção a seguir.

1.1.2 Tarefas de consciência fonológica

As habilidades em consciência fonológica podem ser testadas através de diferentes tarefas, que apresentam maior ou menor grau de dificuldade, podendo ser simples ou complexas (Coimbra, 1997). São tarefas simples aquelas que exigem somente a realização de uma operação seguida de resposta, como por exemplo a segmentação de sílabas de uma palavra (pa – lha - ço). As tarefas complexas, por sua vez, exigem a realização de duas operações: guardar uma unidade na memória enquanto é feita uma nova operação que requer manipulação. Dentre as tarefas complexas pode-se citar a substituição de fonema, que requer a substituição de um fonema específico e a identificação da palavra resultante (Ex.: Tire o [z] da palavra ‘casa’ e coloque [s]. Que palavra fica? – ‘caça’).

Para Hulme et alii (2002), as tarefas diferem em termos de consciência explícita e implícita. As operações cognitivas são diferentes nas tarefas de apagamento, onde o julgamento é muito mais explícito, e de identificação de sons diferentes e iguais. A identificação parece requerer mais uma sensibilidade às similaridades ou às diferenças das palavras, dependendo de uma consciência implícita ao sujeito.

As tarefas metafonológicas também podem variar segundo  o tipo das unidades (palavras polissilábicas ou monossilábicas);

 o contexto no qual as unidades estão inseridas (Ataque simples ou ramificado2);

 a posição que a unidade sonora ocupa na palavra (inicial, medial, final);  a quantidade de operações cognitivas exigidas das crianças;

 o tipo de operação – apagamento, reversão, segmentação.

2

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Coimbra (1997), baseada nos trabalhos de Catts e Scott (1994) e Yopp (1988), elenca as tarefas mais utilizadas em testes metafonológicos, que são expostas no quadro a seguir.

TAREFAS EXEMPLOS Comparação de sons - Reconhecimento ou produção de rimas - Emparelhamento palavra-palavra - Mesmo som

- “Mão” e “pão” rimam? Qual dessas palavras rima com “mão”: “pá” ou “pão”?

- “Casa” e “carro” começam iguais? Qual palavra começa igual a “carro”: “casa” ou “mala”?

- Quais dessas palavras começam iguais? “pato – garfo – palha – dedo”

Singularidade - Entre 3 ou mais palavras, a criança deve escolher a palavra que não rima, começa, termina ou compartilha do mesmo som que as outras.

Detecção

- Emparelhamento som-palavra

- Tem /s/ em “sopa”? (ou perguntar se um som dado está no início ou no fim da palavra)

- Responder se as palavras têm erros ou enganos de pronúncia.

Elicitação - Som-palavra

- Dizer uma palavra que rime com a palavra alvo. - Produzir uma palavra curta e uma longa.

- Produzir uma palavra que comece com o som alvo ou com o mesmo som da palavra alvo.

Segmentação - Palmas - Contagem - Segmentação silábica - Segmentação ataque-rima - Isolamento de um som - Segmentação de palavra - Apagamento de sílaba - Apagamento de fonema - Adição de fonema - Reversão fonêmica - Substituição fonêmica - Língua do p - Soletração inventada

- Bater palmas para cada sílaba ou cada fonema. - Quantos sons você escuta na palavra “bolo”? - Dizer cada uma das sílabas de uma palavra.

- Dizer a palavra de maneira “engraçada”, separando o ataque da rima.

- Qual é o primeiro som em “rosa”? - Dizer pequenos pedaços da palavra.

- Diga a palavra “pasta” sem o “ta”, ou diga “rolar” sem o “ro”.

- Diga a palavra “sai” sem o /s/. Que som você tira de “sai” para ficar “ai”?

- Produzir uma sílaba depois de agrupar com o fonema dado.

- Diga “es” com o 1o som no fim e o som final no início. - Diga “gata”. Agora diga isso com /l/ no lugar de /g/. - la-pa-ta-pa (lata)

- Soletrar, da melhor maneira possível, uma palavra falada.

Agrupamento (síntese) - Agrupamento de sílabas - Agrupamento ataque-rima - Agrupamento fonêmico

- Agrupar sílabas para formar uma palavra.

- Agrupar ataque-rima ditos separadamente para formar uma palavra.

- Agrupar fonemas que estão sendo ditos separadamente para formar uma palavra

Figura 5 – Quadro sobre as tarefas de consciência fonológica, traduzido de Coimbra (1997)3.

3

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A partir da observação de diferentes tarefas de consciência fonológica, identifica-se que algumas requerem um maior nível de consciência do que outras. A performance da criança depende da demanda cognitiva da tarefa e do nível lingüístico que ela acessa (Treiman e Zukowski, 1996), pois atividades que aparentemente avaliam a mesma habilidade, em realidade podem exigir diferentes níveis de consciência fonológica ou podem diferir em suas exigências cognitivas (Salles, Mota, Cechella e Parente, 1999).

Segundo Domínguez e Clemente (1993), quanto maior o nível de abstração, maior a dificuldade da tarefa, logo, tarefas que envolvam fonemas são mais complexas do que as que lidam com sílabas, rimas e aliterações. Além disso, o tipo de atividade a ser desenvolvida pela criança pode ser mais complexa e dificultar a realização da tarefa. A identificação fonêmica, por exemplo, é mais fácil do que a realização de síntese ou transposição fonêmica.

Os autores acima referidos observaram que é mais fácil para as crianças identificar sílabas e fonemas no começo das palavras do que no final, e as duas atividades são mais fáceis que a identificação medial. Adição e omissão são realizadas mais facilmente em posição final de palavra e mais dificilmente no meio. Esses dados apontam para a existência de diferentes graus de dificuldade entre as tarefas testadas.

Com relação às diferenças entre as tarefas, Morais (1991) afirma que tarefas de classificação ou de identificação são mais fáceis que as de segmentação, pois estas últimas requerem a manipulação das unidades. Há diferença entre as tarefas que envolvem similaridades, como por exemplo a identificação de rima, e aquelas que envolvem a consciência segmental, como o isolamento de fonemas.

Conforme afirmam Schatschneider et alii (1999), os testes podem ser muito diferentes, variando a unidade lingüística (sílaba, Rima, Ataque, fonema), a posição da unidade na palavra, ou se a palavra é real ou é uma pseudo-palavra. Testes metafonológicos diferem em termos de dificuldade e capacidade de discriminação, e sua utilidade para medir consciência fonológica depende do nível de habilidade da criança.

Ainda deve-se considerar que a posição do segmento e sua natureza são importantes para determinar a performance obtida em um teste (Hulme et alii, 2002). Nesse sentido, Scliar-Cabral (2003) critica os testes metafonológicos que apresentam tarefas impossíveis de serem realizadas, como as atividades que

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solicitam a realização isolada de fonemas oclusivos. Tais fonemas não podem ser articulados isoladamente, o que compromete a realização da tarefa.

Devido à existência dessas diferenças entre as tarefas, os pesquisadores devem estar atentos ao tipo de tarefa que será exigida das crianças, considerando o nível de dificuldade que ela apresenta. Além disso, os testes de consciência fonológica devem variar as tarefas e só podem ser comparados quando apresentam níveis de dificuldade semelhantes. Deve-se ter o cuidado de perceber se a criança está tendo dificuldade em responder a tarefa porque não é capaz de lidar com a manipulação das unidades sonoras ou porque é exigido algo muito complexo. O nível de complexidade da tarefa e a maneira como elas são explicadas podem mascarar os resultados em consciência fonológica.

1.2 Aquisição da escrita

Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), a escrita é um objeto simbólico, um substituto (significante) que representa algo. Nenhuma escrita constitui uma transcrição fonética da fala, mas estabelece uma relação essencialmente fonêmica, isto é, a escrita procura representar aquilo que é funcionalmente significativo (Kato, 1986; Ferreiro e Teberosky, 1991). “A escrita constitui, como a linguagem, um sistema de regras próprias” (Ferreiro e Teberosky, 1991, p.64).

Conforme Abaurre (1991), aprender a escrever é uma atividade sistemática e estruturada que se desenvolve gradualmente, é um momento particular de um processo mais geral de aquisição da linguagem. Afirma a autora que

em contato com a representação escrita da língua que fala, o sujeito reconstrói a história da sua relação com a linguagem. A contemplação da forma escrita da língua faz com que ele passe a refletir sobre a própria linguagem, chegando, muitas vezes, a manipulá-la conscientemente, de uma maneira diferente da maneira pela qual manipula a própria fala (Abaurre, 1991, p.39).

Durante a infância e os anos escolares, as crianças adquirem a linguagem escrita ao lado da linguagem oral, trocando suas relações de forma entrelaçada e interligada (Sulzby, 1996). As crianças que iniciam o processo de aquisição da escrita passam a identificar a ligação entre o oral e o escrito, o som e o sinal gráfico. Elas começam, então, a escrever com sua própria organização,

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capacidade motora, faculdade de estruturação, orientação, análise, síntese e representação verbal (Ajuriaguerra e Auzias, 1975).

Inicialmente, a escrita é a tentativa de representar os sons das palavras e não de recordar formas memorizadas. Como diz Morais (1996, p. 38), a chave da linguagem escrita encontra-se na relação desta com a linguagem falada. No início da aquisição da escrita as crianças se utilizam mais da capacidade de analisar e sintetizar grafemas, relacionando-os com os sons que representam (Treiman, 1978). A escrita inicial das crianças é fonética e criativa, elas criam seu próprio sistema baseadas no conhecimento (subjacente) da fonologia da língua (Read, 1971; 1986). Esse conhecimento pressupõe a consciência fonológica, ou seja, a capacidade de refletir sobre os sons da fala. Dessa forma, é estabelecida a relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita, a qual será tratada nesta pesquisa.

No momento da aquisição da escrita, a criança deve estar pronta para ligar o output falado com a forma escrita, através do conhecimento das letras. Há, então, uma relação entre a linguagem falada e a escrita, mediada pelas habilidades metafonológicas (Stackhouse, 1997). Conforme assegura Treiman (1993), parece haver três fatores envolvidos na escrita:

1) análise das palavras faladas em unidades menores; 2) memória;

3) utilização dos conhecimentos estocados na correspondência entre sons e letras.

Como aponta Vygotsky (1996), a linguagem escrita exige um trabalho consciente, no qual a criança deve desvincular-se do concreto. Um importante obstáculo para a maioria das crianças é compreender o princípio alfabético: palavras escritas contêm combinações de unidades visuais (letras ou combinações de letras) que são sistematicamente relacionadas às unidades sonoras das palavras (fonemas). A criança deve ser capaz de prestar atenção em segmentos sonoros sem significado – os fonemas, desconstruindo a percepção que o indivíduo tem da cadeia de fala como um contínuo (Scliar-Cabral, 1999). A aquisição da escrita alfabética é uma atividade que supõe a descoberta do fonema, e que compreende a memória das correspondências e uma habilidade de síntese (Morais,1996). A habilidade de aprender a ler e a escrever depende de mapeamentos entre a representação ortográfica e a organização fonêmica da representação fonológica (Hulme et alii, 2002).

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A manipulação da linguagem escrita necessita de um certo grau de reflexão consciente a respeito das características gerais da escrita, dos grafemas e dos fonemas. Para a identificação do princípio alfabético a criança deve reconhecer a relação som-letra e dispor da habilidade de segmentação fonêmica, deve ser capaz de analisar, refletir, sintetizar as unidades fonêmicas que compõem as palavras faladas (Tunmer, Pratt, Herriman, 1984). Conforme afirma Scliar-Cabral (2001)

Refazer, pois, a percepção da fala como um contínuo, cujas unidades fonéticas básicas deixam de ser a sílaba, para desmembrá-la em unidades menores, a realização dos fonemas, a fim de, aos poucos, capturar os princípios do sistema alfabético do português do Brasil, tanto para descodificar os grafemas no processo da leitura e, assim, reconhecer a palavra escrita, como para codificar os fonemas em grafemas e escrever as palavras no texto, é façanha que se irá estruturando pari passu com a apreensão destes mesmos princípios. (Scliar-Cabral, 2001, p. 26)

Observa-se, então, que a aquisição da escrita está intimamente ligada à consciência fonológica, uma vez que para dominar o código escrito é necessária a reflexão sobre os sons da fala e sua representação na escrita. No entanto, há ainda questões sobre essa ligação a serem investigadas, o que é objetivo da presente pesquisa. Para a realização de tal investigação, faz-se necessário abordar aspectos relevantes sobre o desenvolvimento da aquisição da escrita, os quais serão tratados nas duas últimas subseções deste capítulo.

1.2.1 A psicogênese da aquisição da escrita

Segundo Ferreiro e Teberosky (1991), a aprendizagem da leitura e da escrita inicia-se muito antes do que a escola o imagina, pois as crianças estão em contato com a escrita desde cedo. Elas estão expostas a um mundo letrado, onde vêem constantemente a escrita e o uso que as pessoas fazem dela. Aos 6 anos a criança possui toda uma série de concepções sobre a escrita, as quais surgem em idades mais precoces. Essas conceitualizações infantis precedem a alfabetização convencional e a ela dão lugar (Kato, Moreira e Tarallo, 1998).

Os aspectos fundamentais para a aquisição da escrita são a competência lingüística da criança e suas capacidades cognoscitivas. O desenvolvimento da competência para a escrita é um fenômeno de natureza complexa. Além de uma

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dimensão psico-sócio-lingüística, há uma dimensão que implica o desenvolvimento da capacidade metalingüística, capacidade de identificar e manipular unidades como a sílaba e o fonema (Ferreiro e Teberosky, 1991).

O trabalho de Ferreiro e Teberosky (1991) apresenta uma psicogênese das etapas de aquisição da escrita trilhadas pelas crianças, as quais são representadas por quatro hipóteses de escrita, quais sejam: hipótese pré-silábica, hipótese silábica, hipótese silábico-alfabética e hipótese alfabética.

Hipótese pré-silábica - Em um primeiro momento da hipótese pré-silábica, escrever é reproduzir traços típicos da escrita que a criança conhece, grafismos separados entre si, compostos por linhas curvas e/ou retas, ou grafismos ligados entre si com uma linha ondulada, caracterizando a fase chamada de icônica. A escrita não pode funcionar como veículo de transmissão de informação: cada um pode interpretar sua escrita, mas não a dos outros. Podem ocorrer tentativas de correspondência figurativa entre a escrita e o objeto referido, uma tendência de refletir na escrita algumas características do objeto. A criança espera que a escrita do nome seja proporcional ao tamanho ou idade da pessoa. Por exemplo, acredita que a palavra ‘formiguinha’ deva ser escrita com poucas letras, pois refere-se a um animal muito pequeno, ao passo que ‘leão’ deve apresentar um maior número de grafemas, pois se trata de um animal grande. O exemplo a seguir ilustra o primeiro nível da hipótese pré-silábica, quando a criança encontra-se ainda no nível icônico. Para escrever a palavra ‘esqueleto’, a criança fez traços verticais.

EXEMPLO4:

Em um segundo nível dentro da hipótese pré-silábica, a criança acredita que, para ler coisas diferentes, deve haver uma diferença objetiva nas escritas. Neste momento, duas hipóteses são formuladas: 1) número mínimo (nunca menos que três) de grafismos para escrever algo; 2) variedade nos grafismos.

4

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Neste nível, chamado de não-icônico, a forma dos grafismos é mais definida e mais próxima à das letras. A criança pode adquirir certos modelos estáveis de escrita, formas fixas que é capaz de reproduzir na ausência do modelo, sendo o nome próprio a forma mais importante. Porém, a correspondência entre o nome e a escrita ainda é global.

EXEMPLOS:

castelo – HNMA; AESEDR; IFALAIELN; ESDÓQLAHC

Hipótese silábica – Nesta hipótese observa-se a tentativa da criança de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita; cada letra vale por uma sílaba. O uso das letras pode não apresentar valor sonoro convencional, mas manter a relação entre o número de sílabas e o número de letras a serem usadas (Ex.: CAVALO GIF).

Neste momento da evolução da escrita, é superada a etapa de correspondência global entre a forma escrita e a expressão oral, para passar a uma correspondência entre partes do texto e partes da expressão oral. Pela primeira vez a criança trabalha com a hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala. Os exemplos abaixo mostram escrita silábica com valor sonoro convencional, ou seja, uso de letras que remetem aos sons contidos nas palavras.

EXEMPLOS:

esqueleto – IQEO; ICQLO; IPEO fantasma - FAM

Hipótese silábico-alfabética – Nesta hipótese de escrita a criança começa a abandonar a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá além da sílaba. Há o conflito entre a hipótese silábica e a exigência da quantidade mínima de grafemas, além do conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos silábicos. A hipótese silábica entra em contradição com o valor sonoro atribuído às letras. Há uma manifestação alternante do valor silábico ou fonético para as diferentes letras.

EXEMPLOS:

castelo – CASTLO; CATLU esqueleto - ISQLETO; ISQLEO

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Hipótese alfabética – Ao chegar a esse nível, a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, realizando uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. A partir desse momento a criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas com a escrita, no sentido estrito.

EXEMPLOS:

castelo – CASTELU fantasma – FÃTASMA

esqueleto – ESCELETO; ISQELETO monstro – MONSTRU

Essa classificação da evolução da escrita da criança, realizada por Ferreiro e Teberosky (1991), tem servido para descrição de dados de muitas pesquisas sobre aquisição da escrita. Neste trabalho optou-se por classificar e acompanhar a escrita dos sujeitos pesquisados com base nessas hipóteses de escrita.

1.2.2 Aquisição da fala e aquisição da escrita

Como afirma Rego (1988), existem semelhanças entre a aquisição da linguagem oral e a aquisição da escrita, principalmente em relação ao trabalho de construção e descoberta realizado pela criança. A aquisição da escrita é parte do desenvolvimento da linguagem (Varella, 1993), é o momento em que a criança formula hipóteses sobre a escrita e começa a refletir sobre a relação entre a fala e a escrita. Nesse sentido, Abaurre (1988) afirma que

as crianças de um modo geral recorrem à oralidade para fazer várias hipóteses sobre a escrita, mas usam também a escrita, dinamicamente, para construir uma análise da própria fala (Abaurre, 1988, p. 140)

Nesse processo de reflexão sobre fala e escrita, a criança formula hipóteses que muitas vezes já foram observadas no momento da aquisição da linguagem. Os trabalhos de Hofman e Norris (1989) e Varella (1993) mostram que processos fonológicos ocorridos na aquisição da linguagem aparecem nos erros de escrita das crianças, indicando um retorno a incorreções que já apareceram na fala, mas que já foram superadas. Parece que o fato de iniciar a aquisição de uma

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nova modalidade de linguagem – a escrita – faz com que a criança reapresente dúvidas que vivenciou no momento de aquisição da fala.

Com relação ao reaparecimento de características da fala na escrita, é importante citar as pesquisas de Ogliari (1991) e Santos (1995), realizadas com crianças que apresentam desvios fonológicos. Esses estudos comprovam que crianças que já superaram seus desvios de fala reapresentam esses desvios na escrita. No momento em que a criança necessita refletir conscientemente sobre a fala para produzir a escrita, suas produções aparecem marcadas pelo reaparecimento de características da fala desviante, das dúvidas que já foram superadas para a fala, mas reaparecem na escrita. Ainda pode-se citar o trabalho de Menezes (1999), que mostra que crianças com desvios fonológicos evolutivos podem ou não reproduzir na escrita seus desvios de fala. Segundo a autora, o nível de consciência fonológica das crianças auxilia na superação dos desvios, possibilitando que elas apresentem uma escrita correta.

O reaparecimento de dados observados na aquisição da linguagem, de características da fala da criança, no momento da aquisição da escrita, reafirma a ligação entre essas duas aquisições. Observa-se que na aquisição da escrita, assim como na aquisição da fala, a criança formula hipóteses que vai comprovando à medida que evolui sua aprendizagem (Barrera, 1999). Essas hipóteses podem ser observadas através dos erros de escrita, que são indícios dos julgamentos das crianças e evidenciam conhecimentos básicos que elas possuem. A abordagem desses erros numa perspectiva fonológica relacionada à aquisição da fala pode explicá-los e permite estabelecer estratégias para resolver cada um dos problemas apresentados (Varella, 1993).

Durante um longo período, os estudos e práticas pedagógicas ignoraram o fato de que os “erros” cometidos pelos aprendizes de escrita/leitura eram, na verdade, preciosos indícios de um processo em curso de aquisição da representação escrita da linguagem, registros dos momentos em que a criança torna evidente a manipulação que faz da própria linguagem, história da relação que com ela (re)constrói ao começar a escrever/ler (Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson, 2002, p. 16 – 17)

Como apropriadamente afirmam as autoras citadas anteriormente, os erros de escrita devem ser vistos como indícios das hipóteses que a criança faz com relação à escrita no momento da aquisição. Quando uma criança erra porque cria certas regularizações, ela mostra que elabora suas próprias representações sobre

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a escrita das palavras, não sendo um mero repetidor das formas que vê ao seu redor (A. Morais, 2000).

Através desses erros é possível observar a relação que a criança estabelece entre a fala e a escrita, e a reconstrução dessa relação. Os erros de escrita, no entanto, devem ser analisados, pois podem apresentar características distintas. Varella (1993) observa que há três tipos de erros: erro psicogenético, erro convencional e erro fonológico. O erro psicogenético refere-se à hipótese de escrita em que a criança se encontra, como por exemplo a escrita silábica (Ex.: ‘cachorro’ CXR). O erro convencional é aquele referente às incorreções quanto ao sistema ortográfico convencional (Ex.: ‘cachorro’  CAXORO). O erro fonológico pode ser encontrado no momento em que a criança tenta representar formas fonológicas das palavras que escreve. Os exemplos de erros fonológicos diferenciam-se por não apresentarem somente uma incoerência com o sistema ortográfico convencional, mas também em relação ao sistema fonológico da língua (Ex.: ‘cachorro’ CASORRO; ‘casa  CAJA).

São os erros fonológicos que podem demonstrar as hipóteses da criança sobre a relação entre o oral e o escrito, evidenciar as dúvidas que surgem no momento de aquisição da escrita. Além disso, tais erros podem ser encarados como um indício de consciência fonológica, mostrando que a criança tem consciência da existência de determinado som e busca o registro desse som na posição correta (Ex.: ‘prato’  PARTO; ‘morcego’  MOROCEGO). Nesta pesquisa serão considerados exclusivamente os erros fonológicos apresentados nos dados coletados.

1.3 Relação entre consciência fonológica e aquisição da escrita

Os estudos sobre consciência fonológica realizados nas três últimas décadas apresentam concepções divergentes sobre sua relação com a aquisição da escrita. Alguns estudos estabelecem uma relação causal importante entre metafonologia e conseqüente desenvolvimento da aquisição da escrita, como o de Lundeberg et alii (1988). Outros (Morais, Cary, Alegria e Bertelson,1979; Read et alii, 1986) favorecem uma conexão contrária, que garante que aprender um alfabeto ortográfico desenvolve a consciência fonológica. Porém, essas duas visões não são incompatíveis. Concordam Bertelson, Morais, Alegria e Content

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(1985), Gathercole e Baddeley (1993) que as habilidades metafonológicas e as habilidades de leitura e escrita se influenciam reciprocamente durante os primeiros anos de escola.

Os estudiosos adeptos da idéia de que a consciência fonológica beneficia o processo de aquisição da escrita acreditam que este pressupõe a capacidade de prestar atenção às estruturas fonológicas da fala (Cielo, 1996; Cardoso-Martins, 1996). A criança deve dominar a correspondência fonema-grafema para poder extrair sentido do material escrito. Sendo assim, a consciência fonológica capacita as crianças em fase de aquisição da escrita a fazerem uma melhor utilização das pistas grafêmicas, compreendendo as correspondências delas com os fonemas. “A criança deve recorrer ao seu conhecimento da língua oral para trabalhar com a língua escrita” (Cielo, 1996, p.35).

Concordam Bryant e Bradley (1987), Ball e Blachman (1991) que quanto mais desenvolvida a consciência fonológica, mais o sistema alfabético torna-se um instrumento razoável para representar a língua oral, pois é a metafonologia que garante a compreensão da relação grafema-fonema. Neste sentido, Treiman et alii (1994) argumentam que, num sistema alfabético, a primeira capacidade importante para a criança aprender a escrever é a de segmentação fonêmica, a compreensão de que as palavras faladas podem ser analisadas como seqüências de fonemas. A segunda capacidade necessária às crianças é a de saber estabelecer relações entre os sons das palavras faladas e as letras das palavras escritas.

Vários estudos demonstraram que as habilidades em consciência fonológica proporcionam êxito em leitura. O estudo de Cardoso-Martins (1991), por exemplo, observa uma correlação positiva entre consciência fonológica de crianças em idade escolar e variações na aprendizagem posterior da leitura e da escrita. Dessa forma, crianças que têm essas habilidades pouco desenvolvidas, podem ter afetadas suas capacidades para ler e escrever.

Bryant et alii (1990) mostraram que a sensibilidade inicial à rima apresenta uma contribuição direta à leitura. Segundo Goswami e Bryant (1990), quanto mais sensível à rima a criança for, mais rápido irá aprender a ler. Os estudos de Bryant e Bradley (1983, 1985) acharam uma forte e específica relação entre a sensibilidade inicial de crianças a rimas e aliterações e o progresso que elas fazem no aprendizado da leitura e escrita após três anos. Rimas e aliterações

Referências

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