TÓPICO 3
A TRANSFORMADA DE FOURIER
EMANUEL CARNEIRO
1. A transformada de Fourier em L1
(Rn)
O conceito da transformada de Fourier, nomeada em homenagem ao matemá-tico francês Jean Baptiste Joseph Fourier (1768 - 1830), é motivado por duas ideias centrais em análise: (i) a ideia de expressar funções periódicas genéricas como super-posição de ondas básicas (senos e cossenos), que está relacionada com as chamadas séries de Fourier e (ii) a concepção de um operador que transforma diferenciação em multiplicação por polinômios, uma ferramenta de extrema utilidade na resolução de equações diferenciais. Apesar de historicamente a transformada de Fourier em Rn ser motivada pelas séries trigonométricas, trataremos neste tópico o caso Rn, para apenas no tópico seguinte considerarmos o caso periódico.
Para uma função f ∈ L1
(Rn), definimos sua transformada de Fourier bf por
b f (ξ) =
Z
Rn
e−2πix·ξf (x) dx.
Nossa primeira proposição coleciona uma série de propriedades básicas da transfor-mada de Fourier. Em particular, observe sua relação com o operador de convolução e seu caráter especial de transformar diferenciação em multiplicação por polinô-mios. Abaixo adotamos a seguinte notação clássica: (i) a translação (τyf )(x) :=
f (x − y); (ii) o multi-índice α = (α1, α2, . . . , αn), com αi ∈ Z+, cuja ordem é
|α| = α1+ α2+ . . . + αn; (iii) polinômios xα := xα11x α2 2 . . . x αn n ; (iv) diferenciais parciais ∂α:= ∂ ∂x1 α1 . . .∂x∂ n αn
. Denotamos por C0(Rn) o espaço das funções
contínuas em Rnque tendem a zero no infinito (i.e. dado ε > 0, existe um compacto K tal que |f (x)| < ε para x ∈ Kc).
Proposição 1. Sejam f, g ∈ L1(Rn). Então: (i) k bf k∞≤ kf k1.
(ii) (τyf )b(ξ ) = e−2πiξ·yf (ξ) e τb η( bf ) = bh onde h(x) = e2πiη·xf (x).
(iii) Se T é uma transformação linear invertível em Rne S = (T∗)−1é a inversa de sua transposta, então (f ◦ T )b = | det T |−1f ◦ S. Em particular, se Tb é uma rotação, temos (f ◦ T )b = f ◦ T ; e se T x = tb −1x (t > 0), então (f ◦ T )b(ξ ) = tnf (tξ).b (iv) [f ∗ g = bf bg. (v) Se xαf ∈ L1 (Rn) para |α| ≤ k, então bf ∈ Ck (Rn) e ∂α b f = [(−2πix)αf ] b. Date: 24 de março de 2015.
2000 Mathematics Subject Classification. XX-XXX. Key words and phrases. XXX-XXX.
(vi) Se f ∈ Ck(Rn), ∂αf ∈ L1(Rn) para |α| ≤ k, e ∂αf ∈ C0(Rn) para |α| ≤
k − 1, então \(∂αf )(ξ) = (2πiξ)α
b f (ξ).
Prova. Exercício.
Nosso próximo resultado nos dá uma caracterização (parcial) importante do con-junto imagem da transformada de Fourier em L1
(Rn).
Lema 2 (Riemann-Lebesgue). Se f ∈ L1
(Rn) então bf ∈ C 0(Rn).
Prova. O fato que bf é contínua é uma simples aplicação do Teorema da Conver-gência Dominada. Verifiquemos o resultado para a função característica de um retângulo n-dimensional E (produto de n-intervalos limitados). Por linearidade, isso implicará a veracidade do resultado para qualquer step function (combinação linear finita de funções características de retângulos). Usando translações e dilata-ções ((ii) e (iii) na Proposição 1), podemos assumir sem perda de generalidade que E = [−1, 1]n. Daí, se f (x) = χ E(x) temos, para ξ = (ξ1, . . . , ξn), b f (ξ) = n Y i=1 sin 2πξi πξi → 0 se |ξ| → ∞. No caso geral f ∈ L1
(R), escrevemos f = f1+ f2, com f1 step function e kf2k1
pequena. O resultado segue então do item (i) na Proposição 1. Nesse ponto é instrutivo apresentarmos as transformadas de Fourier de algumas funções especiais. Exemplo 1. (Gaussiana) Se gλ(x) = e−πλ|x| 2 , onde λ > 0, entãobgλ(ξ) = λ− n 2e− π|ξ|2 λ . De fato, b gλ(ξ) = Z Rn e−2πix·ξe−πλ|x|2dx = n Y j=1 Z R e−2πixjξje−πλx2jdxj = n Y j=1 λ−12e− πξ2j λ = λ−n2e− π|ξ|2 λ .
Observe portanto que a transformada de Fourier de uma Gaussiana continua sendo uma Gaussiana (de fato se tomamos λ = 1 temos um ponto fixo). Note que bgλ,
com λ > 0, é uma família de aproximações da identidade (chamada núcleo de Gauss-Weierstrass ou núcleo do calor).
Exemplo 2. (Exponencial) Se fλ(x) = e−2πλ|x|, onde λ > 0, então bfλé dada por
b
fλ(ξ) = Cn
λ
(λ2+ |ξ|2)(n+1)/2, (1.1)
onde Cn= Γ[(n + 1)/2]/π(n+1)/2. Deixaremos a prova como exercício. Observe que
as funções bfλ, com λ > 0, definidas em (1.1) constituem uma família de
aproxima-ções da identidade (chamada núcleo de Poisson).
Passamos a investigar agora o problema inverso: como obter f a partir de sua transformada de Fourier bf ? Definimos para isso a transformada de Fourier inversa (denotada porˇ) de uma função f ∈ L1
(Rn) por ˇ f (ξ) = Z Rn e2πix·ξf (x) dx.
Antes de passarmos para o teorema da inversão propriamente dito, apresentamos a chamada fórmula de multiplicação para a transformada de Fourier, um resultado simples, porém bastante útil.
Teorema 3 (Fórmula de multiplicação). Se f, g ∈ L1
(Rn) então: Z Rn b f (x) g(x) dx = Z Rn f (x)bg(x) dx. (1.2)
Prova. Pelo Teorema de Fubini, ambos os lados de (1.2) são iguais a Z
Rn
Z
Rn
e−2πix·yg(x) f (y) dx dy.
Teorema 4 (Fórmula de inversão). Se f, bf ∈ L1(Rn) então
f (x) = Z
Rn
e2πix·ξf (ξ) dξ,b para quase todo ponto x ∈ Rn.
Prova. Dado x ∈ Rn e t > 0 definimos
φ(ξ) = e2πix·ξe−πt2|ξ|2.
Sabemos pelo Exemplo 1 acima que a transformada de Fourier desta Gaussiana é dada por
b
φ(y) = t−ne−π|x−y|2t2 = gt(x − y),
onde g(x) = e−π|x|2 e gt(x) = t−ng(x/t). Observe que
Z
Rn
g(x) dx = 1. Da fórmula de multiplicação obtemos
Z Rn e2πix·ξe−πt2|ξ|2f (ξ) dξ =b Z Rn φ(ξ) bf (ξ) dξ = Z Rn b φ(y) f (y) dy (1.3) = f ∗ gt(x)
e observe que como bf ∈ L1
(Rn) (por hipótese), o lado esquerdo de (1.3) converge
para
Z
Rn
e2πix·ξf (ξ) dξ,b
quando t → 0. Da teoria de aproximações da identidade sabemos também que f ∗ gt→ f na norma L1, quando t → 0, e portanto
f (x) = Z
Rn
e2πix·ξf (ξ) dξ,b para quase todo x ∈ Rn.
A prova do teorema anterior nos mostra como podemos forçar a convergência da integral, através da multiplicação por um núcleo com decaimento rápido (no caso a Gaussiana). Suponha agora que f ∈ L1(Rn) é contínua na origem (portanto
0 pertence ao conjunto de Lebesgue). O Teorema da Aproximação da identidade (convergência pontual) nos dá então que (com a mesma notação da prova anterior)
Z Rn b f (ξ) e−πt2|ξ|2dξ = Z Rn f (y) gt(y) dy = f ∗ gt(0) → f (0), (1.4)
quando t → 0. Adicionalmente, se assumimos que bf ≥ 0, usando (1.4) e o Lema de Fatou, teremos bf ∈ L1
(Rn). Usando agora a fórmula de inversão, temos o seguinte
corolário.
Corolário 5. Suponha que f ∈ L1(Rn) e que bf ≥ 0. Se f é contínua em x = 0 temos que bf ∈ L1(Rn), e portanto
f (x) = Z
Rn
e2πix·ξf (ξ) dξ,b para quase todo ponto x ∈ Rn. Em particular,
f (0) = Z Rn b f (ξ) dξ. 2. Teoria básica em L2 (Rn ): o Teorema de Plancherel
Apesar da integral que define a transformada de Fourier não fazer sentido em geral para uma função f ∈ L2
(Rn), existe uma maneira simples e elegante de
estendermos a teoria para o contexto L2. O ponto chave para essa extensão é o
resultado abaixo, onde assumimos f ∈ L1
(Rn) ∩ L2 (Rn). Teorema 6. Se f ∈ L1 (Rn) ∩ L2 (Rn) então bf 2= f 2.
Prova. Seja g(x) = f (−x). Sabemos pela desigualdade de Young que h = f ∗ g ∈ L1(Rn) e portanto bh = bf .bg. Note porém que bg = bf , e daí bh = bf
2
. Como h é uniformemente contínua, pelo Corolário 5 temos que bh ∈ L1
(Rn) e vale Z Rn |f (x)|2dx = h(0) = Z Rn bh(ξ) dξ = Z Rn bf (ξ) 2 dξ. Como L1 (Rn) ∩ L2 (Rn) é denso em L2
(Rn), existe uma única extensão limitada,
denotada por F , da transformada de Fourier para o espaço L2(Rn). Continuaremos usando a notação bf = F f quando f ∈ L2(Rn). Em particular se χk é a função
característica da bola de raio k > 0, e f ∈ L2(Rn), se denotamos fk = f.χk,
podemos obter bf como o limite L2 da sequência bfk.
Teorema 7 (Plancherel). O operador F : L2(Rn) → L2(Rn) é unitário, i.e. linear, isométrico e sobrejetivo. Ademais, sua inversa F−1 pode ser obtida por (F−1g)(x) = F g(−x), para qualquer g ∈ L2(Rn).
Demonstração. O fato que F : L2(Rn) → L2(Rn) é uma isometria já foi estabele-cido no Teorema 6. Como F é uma isometria, sua imagem é um subespaço fechado de L2(Rn). Suponha que F (L2) ( L2, então existe g ∈ L2(Rn) tal queR
Rnf g = 0b
para ∀f ∈ L2(Rn). Note que se aproximamos por funções em L1(Rn) ∩ L2(Rn), a formula de multiplicação dada pelo Teorema 3 continua válida para f e g em L2
(Rn). Daí temos queR
Rnfbg = 0 para ∀f ∈ L
2
(Rn), o que implica que
b g = 0, e portanto g = 0, uma vez que kgk2= kbgk2= 0.
Denote agoraeg(x) := g(−x). Note que Feg = F (g) (pois reflexão e conjugação são isomorfismos isométricos de L2(Rn) em L2(Rn), e esta relação vale no subcon-junto denso L1(Rn) ∩ L2(Rn)). Denotando por (· , ·) o produto interno de L2(Rn) temos
f, F ( fF g) = (Ff, Fg) = (f, g) , (2.1) onde usamos a fórmula de multiplicação na primeira igualdade e o fato de F ser uma isometria (e portanto preservar o produto interno) na segunda. Como (2.1) vale para quaisquer f, g ∈ L2(Rn), concluímos que (F−1g)(x) = F g(−x).
Uma vez definida a transformada de Fourier em L1
(Rn) e em L2
(Rn) podemos
estender sua definição para a classe de funções
L1(Rn) + L2(Rn) = {f ; f = f1+ f2; f1∈ L1(Rn) e f2∈ L2(Rn)}.
De fato, se f = f1+f2como acima, definimos bf = bf1+ bf2. Esta definição independe
da decomposição de f escolhida, pois caso f = f1+f2= g1+g2, com fi, gi∈ Li(Rn),
i = 1, 2, temos que h = f1−g1= g2−f2∈ L1(Rn)∩L2(Rn). Portanto bh = bf1−bg1= b
g2− bf2, o que implica que bf1+ bf2=bg1+bg2. Como Lp
(Rn) ⊂ L1
(Rn) + L2
(Rn) para 1 ≤ p ≤ 2, conseguimos assim definir
a transformada de Fourier nestes espaços Lp. Nesse contexto, a Proposição 1 (iv)
admite a seguinte forma mais geral Proposição 8. Se f ∈ L1
(Rn) e g ∈ Lp
(Rn), com 1 ≤ p ≤ 2, então sabemos que
h = f ∗ g ∈ Lp(Rn) (pela desigualdade de Young) e vale que b
h(x) = bf (x)bg(x) para quase todo ponto x ∈ Rn.
Prova. Exercício.
Por fim apresentamos uma das desigualdades clássicas em Análise de Fourier, a chamada desigualdade de Hausdorff-Young. A forma ótima desta desigualdade foi encontrada por W. Beckner em [1].
Teorema 9 (Desigualdade de Hausdorff - Young). Se f ∈ Lp(Rn) com 1 ≤ p ≤ 2, e 1/p + 1/p0 = 1, temos bf p0 ≤ f p. Prova. Pela Proposição 1 (i) temos
bf ∞≤ f 1, e pelo Teorema de Plancherel
bf 2= f 2.
O resultado segue então do Teorema da Interpolação de Riesz-Thorin (que será
3. A classe de Schwartz e as distribuições temperadas
No sentido de generalizar a noção da transformada de Fourier para o contexto de distribuições, definiremos primeiramente a classe de funções-teste adequada. Tentativamente, seria interessante pedir que tal classe seja fechada com relação às operações básicas que estamos tratando (translação, dilatação, diferenciação, con-volução e transformada de Fourier). No intuito de explorar livremente a relação entre diferenciação e multiplicação por polinômios peculiar à transformada de Fou-rier (vide Proposição 1 (v) e (vi)), consideramos a classe de funções f ∈ C∞(Rn)
tais que
sup
x∈Rn
xα(∂βf )(x)< ∞ ,
para quaisquer multi-índices α = (α1, . . . , αn) e β = (β1, . . . , βn), ou seja, é o
conjunto das funções infinitamente diferenciáveis tais que qualquer derivada decai mais rapidamente do que qualquer polinômio. Este conjunto é conhecido como classe de Schwartz, e denotado por S(Rn) ou simplesmente S, quando for claro pelo contexto. A nomenclatura é uma homenagem ao pioneiro na teoria de distribuições, o matemático francês Laurent Schwartz (1915-2002) (note que o matemático alemão Hermann Schwarz (1843 - 1921), da desigualdade de Cauchy-Schwarz, viveu cerca de um século antes).
Um exemplo clássico de função que está na classe de Schwartz é a Gaussiana f (x) = e−π|x|2. Além disso, observe que Cc∞ ⊂ S. Uma observação interessante é que se f ∈ S então f ∈ Lp para qualquer 1 ≤ p ≤ ∞ (verifique!). Para 1 ≤ p < ∞,
a classe de Schwartz S é densa em Lp (pois como sabemos, C∞
c é denso em Lp).
Proposição 10. (i) Se f ∈ S então bf ∈ S. (ii) Se f, g ∈ S então f ∗ g ∈ S.
Prova. O item (i) é consequência direta da Proposição 1 (v) e (vi). Caso f, g ∈ S, teremos bf ,bg ∈ S. Daí bf .bg = [f ∗ g ∈ S e portanto f ∗ g ∈ S. Em verdade, S tem uma estrutura de espaço métrico, que definiremos a seguir. Observe inicialmente que cada
ραβ(f ) = sup x∈Rn
xα(∂βf )(x)
é uma norma em S (verifique este fato). Cada uma destas define portanto uma métrica dαβ(f, g) = ραβ(f − g) em S. Consideramos uma enumeração d1, d2, d3, . . .
destas métricas sobre a coleção de multi-índices α e β. A construção clássica em aná-lise para gerar uma métrica que capta toda a informação de uma família enumerável de métricas é a seguinte: para cada n ≥ 1 definimos a métrica d0n= dn/(1 + dn), e
observamos que 0 ≤ d0n≤ 1, e que dn e d0n são equivalentes, no sentido que geram
a mesma topologia; e consideramos a métrica d =
∞
X
n=1
2−nd0n.
Note que uma sequência ϕj → ϕ na topologia induzida por d se e somente se ϕj→ ϕ
com respeito a cada d0n, n ≥ 1. Segue daqui que as operações (ϕ, ψ) 7→ ϕ + ψ
e (a, ϕ) 7→ aϕ (com a ∈ C) que definem o espaço vetorial, são contínuas nesta topologia, e portanto (S, d) é um espaço vetorial topológico.
A proposição seguinte lista algumas das propriedades básicas do espaço (S, d). A prova é deixada como exercício.
Proposição 11. Considerando o espaço vetorial topológico (S, d), valem as seguin-tes propriedades:
(i) O mapa ϕ 7→ xα(∂βϕ) é contínuo. (ii) Se ϕ ∈ S então
lim
h→0τhϕ = ϕ.
(iii) Se ϕ ∈ S e h = (0, 0, . . . , hi, 0, . . . , 0) pertence ao i-ésimo eixo coordenado
de Rn, então lim |h|→0 (ϕ − τhϕ) h = ∂ϕ ∂xi . (iv) S é um espaço métrico completo.
(v) A transformada de Fourier F é um homeomorfismo de S em S. (vi) Cc∞(Rn) é denso em S.
(vii) S é separável (i.e. possui um subconjunto enumerável e denso).
O espaço dual S0 formado por todos os funcionais lineares contínuos em S é chamado espaço das distribuições temperadas. São exemplos de distribuições tem-peradas:
(i) Funções de crescimento polinomial. Diremos que uma função f tem crescimento polinomial Lp (ou simplesmente crescimento polinomial, se p = ∞), se f (x)/(1 +
|x|2)k ∈ Lp
(Rn) para algum inteiro k ≥ 0 e algum p com 1 ≤ p ≤ ∞. Definimos o
funcional linear:
Lf(ϕ) =
Z
Rn
f (x) ϕ(x) dx.
Como Lfé linear, para verificar sua continuidade, é suficiente considerarmos o caso
ϕ → 0. Nesse caso usamos a desigualdade de Hölder para concluir que |Lf(ϕ)| = Z Rn f (x) ϕ(x) dx ≤ Z Rn f (x) (1 + |x|2)k (1 + |x|2)kϕ(x)dx ≤ f (x) (1 + |x|2)k p (1 + |x|2)kϕ(x) p0 → 0, (3.1) quando ϕ → 0.
(ii) Medidas de crescimento polinomial. Dizemos que uma medida de Borel com-plexa µ tem crescimento polinomial (ou medida temperada) se
Z
Rn
1
(1 + |x|2)k d|µ|(x) < ∞,
para algum inteiro k ≥ 0. De modo análogo a (3.1) verificamos que o funcional linear
Lµ(ϕ) =
Z
Rn
ϕ(x) dµ(x) é contínuo, e portanto uma distribuição temperada.
(iii) Funcionais de avaliação. Podemos ainda considerar para cada par de multi-índices (α, β), e cada x0∈ Rn, o funcional
Lα,β,x0(ϕ) = x
α 0∂
βϕ(x 0),
que diretamente pela definição da métrica de S é contínuo.
As distribuições temperadas de (i) serão chamadas funções, enquanto as de (ii) serão chamadas medidas. Usualmente denota-se Lf e Lµ simplesmente por f e µ.
Podemos munir o espaço S0com a sua topologia fraca*, i.e. a menor topologia que torna as aplicações de avaliação L 7→ L(ϕ) contínuas para cada ϕ ∈ S. Deste modo vemos que os espaços Lp e o espaço das medidas de Borel complexas finitas (que é
um espaço de Banach com kµk =R
Rnd|µ|) estão continuamente imersos em S 0.
A próxima proposição apresenta uma caracterização das distribuições tempera-das.
Proposição 12. Um funcional linear L em S é uma distribuição temperada se e somente se existir uma constante C e inteiros m e l tais que:
|L(ϕ)| ≤ C X
|α|≤l; |β|≤m
ραβ(ϕ),
para qualquer ϕ ∈ S.
Prova. É claro que se existem tais C, m e l o funcional linear L será contínuo. Para a recíproca utilizaremos o fato que o sistema de vizinhanças
Bε,m,l= ϕ ∈ S; X |α|≤l; |β|≤m ραβ(ϕ) < ε ,
e suas translações, onde ε > 0, m, l ∈ Z+, formam uma base da topologia de S
(i.e. para qualquer aberto U da topologia de S, contendo a origem, existe uma Bε,m,l ⊂ U ). Daí, supondo que L é contínuo, existe portanto uma vizinhança
Bε,m,l tal que se ϕ ∈ Bε,m,l temos |L(ϕ)| ≤ 1. Definindo
kϕk = X
|α|≤l; |β|≤m
ραβ(ϕ),
temos que, para uma ϕ geral, |L(ϕ)| = 2 εkϕk L ϕ kϕk ε 2 ≤ 2 εkϕk,
e o resultado vale então com constante C = 2/ε.
Podemos estender as diversas operações da nossa análise (multiplicação, trans-lação, diferenciação, transformada de Fourier e convolução) para o contexto das distribuições temperadas.
3.0.1. Multiplicação por uma função. Sejam u ∈ S0 e ψ ∈ C∞uma função tal que ψ e todas as suas derivadas têm crescimento polinomial. Definimos a multiplicação uψ ∈ S0 como
(uψ)(ϕ) := u(ψϕ), para qualquer ϕ ∈ S.
3.0.2. Translação. Se y ∈ Rn e u ∈ S0 definimos τyu ∈ S0 por
(τyu)(ϕ) := u(τ−yϕ),
para qualquer ϕ ∈ S.
3.0.3. Diferenciação. Para u e ϕ em S, usando integração por partes, temos Z Rn (∂αu)(x) ϕ(x) dx = (−1)|α| Z Rn u(x) (∂αϕ)(x) dx.
Se u ∈ S0, o funcional linear ϕ 7→ (−1)|α|u(∂αϕ) é contínuo, e este será a derivada parcial α da distribuição u, denotado por (∂αu) ∈ S0. Temos portanto:
(∂αu)(ϕ) := (−1)|α|u(∂αϕ), para cada ϕ ∈ S.
3.0.4. Transformada de Fourier. Usamos agora a fórmula de multiplicação para motivar a definição. Se u, ϕ ∈ S temos
Z Rn b u(x) ϕ(x) dx = Z Rn u(x)ϕ(x) dx.b Se u ∈ S0, definiremos a sua trasformada de Fourier bu ∈ S0 por
b
u(ϕ) := u(ϕ),b
para cada ϕ ∈ S. É fácil ver que u ∈ Sb 0 por ser a composição de duas funções contínuas. É fácil ver que a transformada de Fourier define um isomorfismo do espaço vetorial topológico S0 em si mesmo.
3.0.5. Convolução. (Opção 1) Defina o operador de reflexão poreg(x) := g(−x). Se u, ϕ ∈ S escrevemos u ∗ ϕ(x) = Z Rn u(y)ϕ(x − y) dy = Z Rn
u(y)τxϕ(y) dy.e
Com isso, se u ∈ S0, podemos definir a convolução de u com uma função ϕ ∈ S como sendo uma nova função dada por
u ∗ ϕ(x) := u(τxϕ).e
(Opção 2) Se u, ϕ, ψ ∈ S temos que Z Rn (u ∗ ϕ)(x) ψ(x) dx = Z Rn u(x) (ϕ ∗ ψ)(x) dx.e
Desta forma podemos definir a convolução de uma distribuição temperada u ∈ S0 com uma função ϕ ∈ S, como sendo o elemento u ∗ ϕ ∈ S0 definido por
(u ∗ ϕ)(ψ) = u(ϕ ∗ ψ),e para qualquer ψ ∈ S.
Deixamos como exercício a verificação de que estas duas definições para a con-volução u ∗ ϕ, com u ∈ S0 e ϕ ∈ S, são equivalentes.
Note que as propriedades básicas da transformada de Fourier (Proposição 1 (ii)-(vi)) continuam valendo no sentido das distribuições temperadas.
Proposição 13. Se u ∈ S0 temos
(iii’) Se T é uma transformação linear invertível em Rne S = (T∗)−1é a inversa de sua transposta, então (u ◦ T )b = | det T |−1u ◦ S.b
(iv’) [u ∗ ϕ =ubϕ, onde ϕ ∈ S.b (v’) ∂αu = [(−2πix)b αu]b . (vi) (∂αu)b = (2πiξ )αu.b
Prova. Exercício.
4. Leitura complementar
Leia [7, Cap 1] e [2, Seções 8.3, 9.1 e 9.2] para aprofundar nos tópicos aqui discutidos.
Referências
[1] W. Beckner, Inequalities in Fourier Analysis, Ann. Math. 102 (1975), 159–182.
[2] G. B. Folland, Real Analysis: Modern Techniques and Their Applications, John Wiley and Sons Inc., 1999.
[3] L. Grafakos, Classical and Modern Fourier Analysis, Pearson Education Inc., 2004. [4] E. H. Lieb and M. Loss, Analysis, Graduate Studies in Mathematics, Volume 14, 2nd edition,
American Mathematical Society, 2001.
[5] E. M. Stein, Singular Integrals and Differentiability Properties of Functions, Princeton Uni-versity Press, 1970.
[6] E. M. Stein, Harmonic Analysis, Princeton University Press, 1993.
[7] E. M. Stein and G. Weiss Introduction to Fourier Analysis on Euclidean spaces, Princeton University Press, 1973.
[8] E. M. Stein and R. Shakarchi, Real Analysis: Measure theory, Integration and Hilbert Spaces, Princeton Lecture Series in Analysis III, Princeton University Press, 2005.
[9] R. L. Wheeden and A. Zygmund, Measure and Integral, Monographs and textbooks in pure and applied mathematics, Marcel Dekker, Inc., New York, 1977.
[10] A. Zygmund, Trigonometric Series, Vol II, Cambridge University Press, 1959. IMPA - Estrada Dona Castorina, 110, Rio de Janeiro, RJ, Brazil 22460-320 E-mail address: carneiro@impa.br