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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GIUSEPPE TESAURO apresentadas em 13 de Novembro de 1997 *

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CONCLUSÕES DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

GIUSEPPE TESAURO

apresentadas em 13 de Novembro de 1997 *

1. O pedido de decisão prejudicial objecto do presente processo, apresentado ao Tribu-nal de Justiça pelo Arrondissementsrecht-bank te Amsterdam, respeita à interpretação do artigo 50.°, n.° 6, do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelec-tual relacionados com o comércio (a seguir «Acordo TRIPs»), acordo que consta do anexo 1 C ao Acordo que institui a Organi-zação Mundial do Comércio (a seguir «Acor-do OMC»).

Mais precisamente, o órgão jurisdicional nacional pergunta se uma medida urgente adoptada em conformidade com as disposi-ções nacionais pertinentes é abrangida pela noção de medida provisória, na acepção do artigo 50.° do Acordo TRIPs.

Quadro normativo

2. O Acordo O M C e, com ele, os outros acordos celebrados nesta matéria, entre os quais o Acordo TRIPs, foram aprovados, no que respeita à Comunidade, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da

Comunidade Europeia e em relação às maté-rias da sua competência, dos acordos resul-tantes das negociações multilaterais do Uru-guay Round (1986/1994) ». Os referidos acordos são publicados em anexo à decisão 2.

3. A parte III do Acordo TRIPs contém dis-posições que visam a «aplicação efectiva dos direitos de propriedade intelectual». Para esse efeito, «os membros velarão por que a sua legislação preveja processos de aplicação efectiva conforme especificado na presente parte de modo a permitir uma acção eficaz contra qualquer acto de infracção dos direi-tos de propriedade intelectual abrangidos pelo presente acordo, incluindo medidas cor-rectivas expeditas destinadas a impedir infracções e medidas correctivas que consti-tuam um dissuasivo de novas infracções. Esses processos serão aplicados de modo a evitar a criação de entraves ao comércio legí-timo e a oferecer salvaguardas contra qual-quer utilização abusiva» (artigo 41.°, n.° 1). Prevê-se, além disso, que «as autoridades judiciais serão habilitadas a ordenar a uma parte que cesse a infracção, inter alia para impedir a introdução nos circuitos comerci-ais sob a sua jurisdição de mercadorias importadas que envolvam uma infracção de um direito de propriedade intelectual, imedi-atamente após o desalfandegamento dessas

* Língua original: italiano.

1 — JO L 336, p. 1.

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HERMES

mercadorias. Os membros não são obrigados a conferir esses poderes no que diz respeito a objectos protegidos adquiridos ou encomen-dados por uma pessoa antes de saber ou ter motivos válidos para saber que uma tran-sacção sobre esse objecto implicaria a infracção de um direito de propriedade inte-lectual» (artigo 44.°, n.° 1).

Recorde-se, por fim, que o artigo 50.° do Acordo TRIPs, disposição cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional nacional, estipula, quanto ao que agora está em causa, que:

«1. As autoridades judiciais serão habilitadas a ordenar medidas provisórias imediatas c eficazes:

a) Para impedir uma infracção a qualquer direito de propriedade intelectual, c nomeadamente para impedir a introdução nos circuitos comerciais sob a sua juris-dição de mercadorias, incluindo mercado-rias importadas imediatamente após o seu desalfandegamento;

b) Para preservar elementos de prova rele-vantes no que diz respeito à alegada infracção.

2. As autoridades judiciais serão habilitadas a adoptar medidas provisórias inaudita altera parte sempre que necessário, especialmente nos casos em que um eventual atraso seja susceptível de causar prejuízos irreparáveis ao titular do direito, ou quando exista um risco comprovável de destruição dos elemen-tos de prova.

4. N o caso de terem sido adoptadas medidas provisórias inaudita altera parte, as partes afectadas serão notificadas sem demora, o mais tardar após a execução das medidas. Pode proceder-sc a uma revisão, incluindo o direito de ser ouvido, mediante pedido do requerido com vista a decidir-se, num prazo razoável a contar da notificação das medidas, se estas deverão ser alteradas, revogadas ou confirmadas.

6. Sem prejuízo do disposto no n.° 4, as medidas provisórias tomadas nos termos dos n.os 1 e 2 serão revogadas ou deixarão de outra forma de produzir efeitos, a pedido do requerido, caso um processo conducente a uma decisão quanto ao fundo não seja inici-ado num prazo razoável, que será definido pela autoridade judicial que ordenar as

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das quando a legislação de um membro o permita ou, na falta dessa definição, num prazo não superior a 20 dias úteis ou a 31 dias de calendário, sendo de considerar o prazo mais longo.

7. N o caso de as medidas provisórias serem revogadas ou caducarem devido a qualquer acto ou omissão do requerente, ou no caso de se verificar ulteriormente que não existiu qualquer infracção ou ameaça de infracção de um direito de propriedade intelectual, as autoridades judiciais serão habilitadas a orde-nar ao requerente, a pedido do requerido, que conceda a este último uma compensação adequada pelo prejuízos causados por essas medidas.

8. Na medida em que uma medida provisó-ria possa ser ordenada na sequência de pro-cessos administrativos, esses propro-cessos deverão obedecer a princípios materialmente equivalentes aos enunciados na presente sec-ção.»

4. Quanto às disposições nacionais pertinen-tes, há que recordar, antes de mais, que, segundo o artigo 289.° do Código de Pro-cesso Civil neerlandês, «em todos os proces-sos em que, tendo em conta os interesses das partes, uma medida provisória imediata se imponha em razão da urgência, o pedido

pode ser apresentado numa audiência que o presidente terá para tal fim, nos dias úteis estabelecidos para tal efeito» (n.° 1). Nesse caso, como se especifica no artigo 290.°, n.° 2, as partes podem também comparecer voluntariamente perante o presidente, devendo então o requerente fazer-se repre-sentar na audiência por um advogado, e podendo o requerido comparecer pessoal-mente ou fazer-se representar por um advo-gado. Garante-se assim às partes a possibili-dade de serem ouvidas em contraditório.

A medida de urgência adoptada pelo presi-dente, que é fundamentada e tomada por escrito, pode ser impugnada perante o Gere-chtshof no prazo de duas semanas a contar da data em que tenha sido proferida, ainda que não constitua título executivo (artigo 295.°, n.os 1, 2 e 3). O eventual recurso da decisão do Gerechtshof deve ser apresentado no prazo de seis semanas a contar da data em que o acórdão seja proferido (artigo 295.°, n.° 4). Recorde-se, por fim, que o artigo 292.° do mesmo código enuncia o princípio segundo o qual as decisões provisórias não prejudicam o exame do mérito. A eficácia das medidas de urgência não é, porém, subordi-nada a uma eventual acção principal quanto ao mérito. Quanto a este aspecto, não é des-piciendo acrescentar, como foi sublinhado pelo juiz a quo no despacho de reenvio, que, embora as partes tenham a possibilidade de apresentar paralelamente um recurso quanto ao mérito, «aceitam geralmente como defini-tiva a decisão de medidas provisórias em matérias abrangidas pelo Acordo TRIPs».

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HERMES

Os factos e a questão prejudicial

5. Passemos aos factos. A sociedade de direito francês Hermès International, socie-dade em comandita por acções (a seguir «Hermes») é titular da marca nominativa «Hermes» e da marca nominativa e figurativa «Hermes», em virtude dos registos internaci-onais R 196 756 e R 199 735, designando o Benelux. A Hermes é uma empresa que tem por objecto a concepção, o fabrico e a comercialização de diversos produtos, entre os quais gravatas, nos quais figura a marca tanto nominativa como figurativa acima refe-rida. Estas gravatas são comercializadas através de um sistema de distribuição selec-tiva; nos Países Baixos, são vendidas pela sociedade Galerie & Faïence BV de Scheve-ningen e pela boutique Le Duc de Zeist.

Em 21 de Dezembro de 1995, com a autori-zação do presidente do tribunal, a Hermes procedeu a duas apreensões de gravatas comercializadas pela sociedade F H T Marke-ting Choice BV (a seguir «FHT»), das quais constava a marca «Hermes», uma junto da F H T e outra junto de terceiros, abrangendo, respectivamente, 10 e 453 gravatas. A Hermes apresentou seguidamente, cm 2 de Janeiro de 1996, um pedido de medidas urgentes, pedindo que a F H T fosse conde-nada a pôr termo à violação dos direitos de autor c de marca de que a Hermès é titular, declarando, em particular, o número total de gravatas compradas c vendidas, bem como a retirar do mercado as gravatas na sua posse. A Hermès pediu também que a F H T fosse condenada a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos. Neste pedido, a Hermes pediu igualmente, nos termos do artigo 50.°, n.° 6,

do Acordo TRIPs, a fixação de um prazo de catorze dias para a instauração da acção prin-cipal, prazo este que começaria a correr a contar da (eventual) apresentação pela FHT dc um pedido de revogação das medidas adoptadas na sequencia do procedimento de urgência, ou decorrido um prazo de três meses a contar da data em que tenha sido proferida a decisão do presidente do tribunal, prazo a partir do qual teria caducado o direito da F H T de apresentar tal pedido.

6. Considerando, por um lado, que a hipó-tese de contrafacção das gravatas era, à pri-meira vista, plausível e, por outro lado, que a F H T não podia razoavelmente sustentar ter agido de boa fé, o referido juiz acolheu o pedido da Hermes, à excepção do pedido de adiantamento da indemnização pelos danos.

N o que respeita à questão dos prazos, o juiz considerou que o pedido não podia ser aco-lhido, na medida cm que o artigo 50.°, n.° 6, do Acordo TRIPs não prevê a fixação de um prazo para efeitos de apresentação de um pedido de revogação das medidas provisórias adoptadas, com a consequência de o prazo para a instauração da acção principal não poder, cm caso algum, ser condicionado pela imposição de um prazo de caducidade de três meses, no caso cm apreço, à FHT, para a apresentação de tal pedido. O mesmo juiz levanta, porém, a questão de saber se não scria necessário, de qualquer modo, impor um prazo para a instauração da acção princi-pal, acrescentando que a resposta só pode ser afirmativa se se chegar à conclusão de que uma medida adoptada em conformidade com

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o artigo 289.° do Código de Processo Civil neerlandês constitui uma medida provisória na acepção do artigo 50.° do Acordo TRIPs.

7. E, portanto, para decidir de fixar ou não à Hermès um prazo para a apresentação da acção principal que o órgão jurisdicional nacional procedeu ao reenvio para o Tribunal de Justiça. A questão colocada é formulada nos seguintes termos:

«Uma medida provisória, como a que por exemplo se encontra prevista no artigo 289.° e seguintes do Wetboek van Burgerlijke Rechtsvordering (Código de Processo Civil), que permite solicitar ao presidente do tribu-nal uma decisão provisória urgente e imedi-ata, é abrangida pelo conceito de medida provisória na acepção do artigo 50.° do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio?»

Observações preliminares

8. Os termos em que a questão é colocada demonstram que o juiz a quo não tem qual-quer dúvida nem no que respeita à compe-tência do Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 50.° do Acordo TRIPs, nem quanto à possibilidade de os particulares invocarem esta disposição perante os órgãos jurisdicio-nais naciojurisdicio-nais. Aliás, no despacho de reenvio,

afirma-se explicitamente (e lapidarmente), por um lado, que o Acordo TRIPs, tendo também sido ratificado pela Comunidade, como tal, «faz parte do direito comunitário», o que implica também que «esta questão pode ser colocada ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.° do Tratado CE», e, por outro lado, que o artigo 50.° «tem efeito directo».

A este respeito há, porém, que sublinhar que, contrariamente ao que parece considerar o órgão jurisdicional de reenvio, a competência do Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 50.° do Acordo TRIPs e o efeito directo de tal disposição não podem, de modo algum, ser tomados como dados adquiridos, e muito menos pressupostos. Com efeito, o facto de a competência para celebrar o Acordo TRIPs, segundo foi afir-mado pelo Tribunal de Justiça no seu Parecer 1/94 3, ser partilhada entre a Comunidade e os Estados-Membros exige que se verifique se a disposição em questão é da competência da Comunidade ou dos Estados-Membros e, nesta segunda hipótese, se o Tribunal de Jus-tiça é, ainda assim, competente para fornecer a sua interpretação ao órgão jurisdicional nacional. Quanto ao pretenso efeito directo da disposição em questão, não se pode esquecer que a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem, até à data, negado que as dispo-sições do GATT (1947) tenham tal efeito 4, pelo que convém, pelo menos, verificar até que ponto, e em que medida, a situação se alterou no que respeita às disposições da O M C , incluindo as do Acordo TRIPs.

3 — Parecer de 15 de Novembro de 1994 (Colect., p. I-5267) sobre a «competência da Comunidade para concluir acordos internacionais cm matéria de serviços e de protecção da pro-priedade intelectual».

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9. São estas, portanto, as duas questões a que há que responder, antes de passar, eventual-mente, ao exame do mérito da questão apre-sentada. São estas, aliás, as questões nas quais se concentrou, não por acaso, decerto, a atenção dos Estados e das instituições que apresentaram observações no processo cm apreço.

Quanto à competência do Tribunal de Jus-tiça

10. O ponto de partida de tal verificação só pode ser o Parecer 1/94, atrás referido. Cha-mado a decidir, nomeadamente, se a Comu-nidade Europeia tinha competência para con-cluir todas as partes do Acordo O M C relativos aos aspectos comerciais dos direitos de propriedade intelectual, incluindo o comércio de mercadorias contrafeitas, em virtude do artigo 113.° do Tratado ou das disposições combinadas deste artigo e dos artigos 100.°-A e/ou 235.° do mesmo, o Tri-bunal de Justiça concluiu, com efeito, que «a Comunidade e os seus Estados-Membros partilham a competência para concluir o TRIPs» 5.

O Tribunal de Justiça chegou a esta con-clusão depois de ter afirmado que, apesar de

haver uma relação com o comércio de pro-dutos, a propriedade intelectual não é abran-gida pela política comercial. Mais precisa-mente, o Tribunal de Justiça isolou, sobretudo, a hipótese das medidas destinadas a evitar a introdução na Comunidade de con-trafacções, que são já objecto de uma regula-mentação comunitária baseada no artigo 113.°, e que são, portanto, da competência externa exclusiva da Comunidade. Quanto ao resto, reconhecendo embora a relação com o comércio de mercadorias c os efeitos que tais trocas podem produzir, o Tribunal de Justiça não considerou que tal bastasse para que os direitos de propriedade intelec-tual fossem abrangidos pelo âmbito de apli-cação específico do artigo 113.° e, como tal, pela esfera da competência externa exclusiva

da Comunidade6. O Tribunal de Justiça

também não reconheceu que tal competência pudesse fundar-se noutras bases jurídicas, tais como os artigos 100.°-A c/ou 235.° do Tratado, ou no paralelismo entre competên-cias internas c externas. A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou, por um lado, que os artigos não são, em si, susceptíveis de criar uma competência comunitária exclusiva; por outro lado, recordou o princípio segundo o qual a competência externa exclu-siva resulta apenas de competências internas efectivamente exercidas, para o conjunto do sector visado, c quando este paralelismo seja

5 — Parecer 1/94, já referido na nota 3, n.° 105.

6 — Uma das razões que o levaram a esta conclusão ó que, de outro modo, através de acordos com países terceiros destina-dos a harmonizar a protecção da propriedade intelectual à escala mundial c, simultaneamente, comunitária, poder-se--iam alterar os processos c as modalidades de voto previstas pelo Tratado para a harmonização do sector nos termos dos artigos 100.°, 1 0 0 . ° - A e 235.°, que são diferentes dos previs-tos pelo artico 113.a O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que não podia ter qualquer relevo a anterior prática consis-tente na adopção de medidas, de modo autónomo, pela Comunidade, ou inseridas cm acordos externos adoptados nos termos do artigo 113.°; c isto essencialmente porque nes-sas hipóteses se tratava de medidas simplesmente acessórias (n.os 60 a 70).

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C O N C L U S Õ E S DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

necessário para que a competência interna seja exercida utilmente 7.

11. Quanto ao que agora está em causa, há que recordar, além disso, que, nas observa-ções apresentadas no âmbito do Parecer 1/94, certos Estados-Membros tinham sustentado que «as disposições do TRIPs relativas às medidas a tomar para assegurar uma pro-tecção eficaz dos direitos de propriedade intelectual, como a garantia de um processo leal e equitativo, as regras quanto à produção da prova, o direito de ser ouvido, a funda-mentação das decisões, o direito de recurso, as medidas provisórias e as indemnizações, são da competência dos Estados-Membros». Em resposta a este argumento, o Tribunal de Justiça afirmou que a «Comunidade tem ine-quivocamente competência para harmonizar as normas nacionais sobre estas matérias, desde que elas tenham, utilizando a formu-lação do artigo 100.° do Tratado, "incidência directa no estabelecimento ou no funciona-mento do mercado comum". Resta que as instituições comunitárias não utilizaram até ao presente as suas competências no domínio

dos "meios para fazer respeitar os direitos de propriedade intelectual", excepto no que toca ao Regulamento n.° 3842/86... relativo à proibição de colocação em livre prática de mercadorias em contrafacção» 8.

Por outras palavras, o Tribunal de Justiça negou que o domínio relativo aos instrumen-tos de protecção dos direiinstrumen-tos de propriedade intelectual pudesse constituir um sector reservado aos Estados-Membros, uma vez que é certo que a Comunidade é competente para harmonizar também nesse sector em caso de incidência sobre o funcionamento do mercado comum; mas reconheceu também que, até então, essa competência não tinha ainda sido exercida no plano interno senão de modo marginal e que, portanto, a con-dição para poder determinar uma competên-cia externa exclusiva da Comunidade ainda não se verificava. Em definitivo, relativa-mente ao núcleo essencial das disposições sobre a protecção dos direitos de proprie-dade intelectual, à data do parecer, uma com-petência comunitária externa exclusiva era meramente potencial. Neste momento, como já foi confirmado durante a instância, a situ-ação não se alterou. Os termos do problema mantêm-se portanto inalterados, no sentido de que a competência para celebrar um acordo como o TRIPs continua a ser parti-lhada pelos Estados-Membros e pela Comu-nidade 9 e, mais precisamente, a competência 7 — Quanto a este aspecto, o parecer explicita que o paralelismo

se realiza quando no plano interno sejam definidas normas comuns que possam ser afectadas pelos vínculos internacio-nais (n.° 102). A competência relativa ao TRIPs não pode, portando, ser exclusiva, na medida cm que, se ć certo que no domínio da propriedade intelectual foram adoptados actos de direito derivado no exercício desta competencia interna, ć também certo que se trata de uma harmonização apenas par-cial c que noutros domínios nenhuma harmonização foi pre-vista nem realizada (n.° 103). Além disso, segundo o Tribunal de Justiça, não pode deduzir-se uma competência externa exclusiva de uma determinada leitura do Parecer 1/76, de 26 de Abril de 1977 (Colcct., p. 253), segundo o qual à simples atribuição de uma competência interna para a realização de um determinado objectivo (coesão do mercado interno, por exemplo) deve necessária c implicitamente corresponder uma competência externa. Com efeito, no Parecer 1/94 o Tribunal de Justiça fez uma nova leitura do Parecer 1/76, reduzindo o seu alcance à especificidade do caso então cm apreço, sem, porém, fornecer muitas explicações (n.°s 85 c 100).

8 — Parecer 1/94, já referido na nota 3, n.° 104; sublinhado nosso. 9 — Tal situação só poderia alterar-se se se aplicasse, após a sua entrada cm vigor, o artigo 113.°, n.° 5, do Tratado, tal como foi inserido pelo Tratado de Amesterdão. Esta disposição prevê, com efeito, que o Conselho, deliberando por unani-midade sob proposta da Comissão, c após consulta do Par-lamento Europeu, pode alargar a aplicação dos n.°s 1 a 4 do

artigo 113.° às negociações c aos acordos internacionais rela-tivos aos serviços c aos direitos de propriedade intelectual, na medida cm que estes não sejam abrangidos por esses núme-ros. Por outras palavras, o artigo 113.°, n.° 5, permite inserir também na política comercial comum c, portanto, na compe-tência exclusiva da Comunidade, disposições sobre a propri-edade intelectual que, neste momento, são dela excluídas.

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para celebrar acordos relativamente aos quais a competência da Comunidade é (ainda e apenas) potencial continua a caber aos Estados-Mcmbros.

12. Ora, escusado será dizer que, no caso cm apreço, a disposição do Acordo TRIPs que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar respeita às medidas provisórias e, portanto, a uma matéria sobre a qual a Comunidade não exerceu ainda (efectivamente) a sua compe-tência (potencial) no plano interno, sendo portanto uma matéria que, cm princípio, continua a ser da competência dos Estados--Membros.

Tendo em conta o que antecede, o resultado que parece impor-se é que, no que respeita a este tipo de normas, a Comunidade não deve ser considerada como parte contratante. É esse, aliás, o sentido indicado pelos artigos 1.° c 2.° da Decisão 94/800, já referida, que aprova os acordos em nome da Comunidade «cm relação às matérias da sua competência», precisão que é até inserida no título da deci-são. Só se poderia chegar a uma conclusão diferente se a expressão «competência parti-lhada» fosse interpretada no sentido de a competência caber igualmente c

simultanea-mente à Comunidade e aos Estados--Membros, com a consequência de qualquer decisão abrangida pelo domínio de compe-tência mista dever ser adoptada por comum acordo por uma e por outros 10.

13. Tal interpretação, além de parecer já con-trária à expressão «em relação às matérias da sua competência», parece-me enganosa e, de qualquer modo, inadequada para resolver o problema. Dada a falta de instrumentos que permitem intervir na hipótese de não se che-gar a uma decisão comum, a interpretação proposta implicaria, com efeito, nas matérias cm que as competências são partilhadas, um verdadeiro poder de veto, tanto por parte da Comunidade como de cada Estado-Mcmbro. Tal teria como consequência inevitável bloquear por completo o processo decisório, no sentido de se poder chegar a uma situação de empate susceptível de levar ao «não voto» da Comunidade c dos seus

Estados-10 — Neste sentido, v., por exemplo, Appella: Constitutional

Aspects of Opinion 1/94 of the EC] concerning WTO Agre-ement, cm International and Comparative Law Quarterly,

p. 440 c segs. Segundo o autor, «it should be noted that "shared competence" docs not mean that the Community and the member States have separate competence for diffe-rent parts of the Agreements, as if the Community had exclusive power for certain parts of the Agreements and the member States retained their exclusive powers for other parts. It means, rather, that any decision in respect of the areas covered by the Agreement is to be decided jointly by the Community and the member States» (p. 460, nota 79). N o sentido, correcto, de que «The adoption of this proce-dure is therefore the expression of sharing of authority and not of concurrent authority», v. Pescatore: The Law of

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CONCLUSÕES DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

-Membros11. Parece-me, portanto, que há que reconhecer, tendo em conta, em particu-lar, a clareza do Parecer 1/94 quanto a este aspecto, que a competência partilhada para celebrar um acordo é comunitária quanto às matérias em que já tenha sido adoptada regu-lamentação comunitária — e não de modo meramente parcial e marginal -— continu-ando a ser dos Estados-Membros na falta de tal regulamentação.

O mérito desta tese é confirmado na parte final do Parecer 1/94. Com efeito, o Tribunal de Justiça, precisamente para responder às queixas da Comissão sobre as dificuldades práticas de uma atribuição de competências partilhadas com os Estados-Membros, subli-nhou a necessidade de uma estreita coorde-nação tanto no processo de negociação e conclusão dos acordos sobre a matéria como na execução dos mesmos 12. Tal não faria, obviamente, qualquer sentido se a competên-cia partilhada entre a Comunidade e os Estados-Membros devesse ser entendida como referindo-se à conclusão de uma mesma disposição e não, pelo contrário, a partes diferentes do mesmo acordo. Em

definitivo, a expressão «competência parti-lhada» só pode significar que os Estados--Membros e a Comunidade mantêm a última palavra, pelo menos dentro dos limites em que a coordenação não se traduza por um comum acordo, nos seus respectivos domí-nios de competência.

14. Se é este o quadro do lado comunitário, não se pode, todavia, esquecer que a Comu-nidade e os Estados-Membros assinaram o conjunto dos acordos OMC e que, portanto, face aos Estados terceiros contratantes, são tanto uma como outros partes contratantes. Se é verdade, além disso, que a aprovação destes mesmos acordos em nome da Comu-nidade se limita «às matérias da sua compe-tência», é também verdade que nem a Acta Final nem o Acordo O M C contêm qualquer

cláusula sobre a competência13 e que a

Comunidade e os seus Estados-Membros são

11 — Tal problema também não poderia ser resolvido, na minha opinião, pela adopção de um código de conduta, cm gesta-ção, com efeito, desde há demasiados anos, destinado a reger as modalidades de participação dos Estados-Membros c da Comunidade na O M C no que respeita ao exercício das competências (respectivas) nos sectores dc competencia par-tilhada. Quanto ao que agora nos diz respeito, há, com efeito, que sublinhar que o projecto de código confirma que a expressão «competência partilhada» não deve de modo algum ser entendida no sentido de qualquer decisão sobre a matéria dever ser adoptada por comum acordo entre a Comunidade c os Estados-Membros. Prevendo que a Comissão seria encarregue de conduzir as negociações c seria o porta-voz único da Comunidade c dos Estados--Mcmbros, com base numa autorização concedida relativa-mente a uma posição comum previarelativa-mente adoptada, este projecto autoriza, com efeito, os Estados-Membros, quando não se chegue a uma posição comum, a agir autonoma-mente. Sobre o projecto de código, v. Van den Bossche, V:

The EC and the Uruguay Round Agreements, University of

Limburg, 1995, p. 17 c segs.

12 — Parecer 1/94, já referido na nota 3, n.os 106 a 109.

13 — A presença de cláusulas que definem os domínios de com-petência respectivos da Comunidade c dos Estados--Mcmbros, na hipótese de participação conjunta num mesmo acordo, começa a ser cada vez mais frequente. V., por exemplo, a Convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono, de 22 de Março de 1985 QO 1988, L 297, p. 10), bem como a Terceira Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Montcgo Bay), de 10 de Dezembro de 1982. Uma definição precisa c rigorosa do domínio das competências respectivas da Comunidade c dos seus Estados-Membros constitui, além disso, uma exi-gência a que as outras partes contratantes atribuem conside-rável importância, o que é comprovado, por exemplo, pelo estatuto da Organização das Nações Unidas para a Alimen-tação c Agricultura (FAO), tal como foi alterado para per-mitir a admissão da Comunidade, que se verificou em 26 de Novembro de 1991, como membro desta organização. Este estatuto exige, com efeito, uma declaração de competência onde se especificam as questões para as quais os Estados--Membros transferiram a competência para a Comunidade c sobre as quais, portanto, esta está habilitada a obrigar-se no plano internacional. Além disso, no plano interno, foi adop-tado um entendimento «relativo à preparação das reuniões da FAO, às intervenções c aos votos», tendo por objectivo realizar a coordenação necessária entre a Comunidade c os Estados-Membros para efeitos do exercício das suas respon-sabilidades respectivas c/ou das intervenções sobre uma determinada questão. Este entendimento não se revelou, porém, capaz de eliminar qualquer oposição, como se veri-fica pelo facto de o Tribunal de Justiça ter já sido chamado a decidir de um litígio sobre a matéria (v. acórdão de 19 de Março de 1996, Comissão/Conselho, C-25/94, Colect., p. I-1469).

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referidos como membros originais na mesma qualidade 14.

Nestas condições, deveria admitir-se que os Estados-Membros e a Comunidade consti-tuem, face aos países terceiros contratantes, uma única parte contratante ou, pelo menos, partes contratantes igualmente responsáveis relativamente a uma eventual não aplicação do acordo. A consequência manifesta é que, numa hipótese deste tipo, o alcance da repar-tição de competências é meramente inter-no 15. Como se verá melhor mais adiante, esta circunstância pode não ser irrelevante para a solução do problema em apreço.

15. Dito isto, há agora que procurar saber qual é o estatuto do Acordo TRIPs na ordem jurídica comunitária, em particular no que respeita aos aspectos fundamentais da obri-gatoriedade c da competência para a inter-pretação c aplicação das disposições cm causa. À primeira vista, diria que a

Comuni-dade está vinculada ao respeito das disposi-ções do Acordo TRIPs apenas «em relação às matérias da sua competência», ou seja, exclu-sivamente quanto às partes que são abrangi-das pela sua competência para celebrar um acordo, com a consequência de só dever ser responsável dentro desses limites.

Tal conclusão levaria também a considerar, ao contrário do que entendeu o órgão juris-dicional de reenvio no processo cm apreço, que só «fazem parte do direito comunitário» as partes do acordo ou conjuntos de normas que sejam abrangidas pela competência da Comunidade e que, portanto, o Tribunal de Justiça só é competente para interpretar estas disposições, pelo que os órgãos jurisdicionais nacionais manteriam a sua autonomia inter-pretativa relativamente às partes c às disposi-ções quanto às quais os Estados-Mcmbros mantêm (pelo menos por enquanto) a sua competência.

16. É precisamente esta a tese sustentada por todos os Estados que apresentaram observa-ções no decorrer do presente processo, bem como pelo Conselho, que convidaram, com efeito, o Tribunal de Justiça a declarar-se incompetente para interpretar o artigo 50.° do Acordo TRIPs. Só a Comissão foi de opi-nião diferente: partindo do princípio de que não existe um paralelismo perfeito entre a competência para celebrar um acordo c a competência interpretativa do Tribunal de 14 -— V. o artigo XI do Acordo O M C . Rccordc-sc, porém, que,

nos lermos do artigo IX, n.° 1, se precisa que, «Nos casos cm que as Comunidades Europeias exerçam o seu direito de voto, disporão de um número de votos igual ao número dos seus Estados-Mcmbros». Especifica-sc, além disso, numa nota, que «o número de votos das Comunidades Europeias c dos seus Estados-Mcmbros não ultrapassará, em caso algum, o número dos Estados-Mcmbros das Comunidades Europeias».

15 — Foi neste sentido que se exprimiu uma parte da doutrina sobre o fenómeno mais geral dos acordos mistos, na falta, obviamente, de cláusulas sobre a competência externa (v., entre outros, Steenbergen c Louis: La repartition des

com-petences entre les Communautés, cm Les fitais fédéraux dans les relations internationales, Bruxelles, 1984). N o

mesmo sentido apontam certas tomadas de posição do Tri-bunal de Justiça, que sublinhou, com efeito, que a repar-tição de competências é uma problema interno, tanto mais que ć susceptível de evoluir no tempo (v., cm particular, a Decisão 1/78, de H dc Novembro de 1978, aprovada ao abrigo do artigo 103.°, terceiro parágrafo, do Tratado CEEA, Colect., p. 711, n.° 35).

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C O N C L U S Õ E S DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

Justiça, a Comissão salientou a necessidade de uma interpretação e aplicação uniformes no interior da Comunidade.

E certo que a Comissão — admitindo que, no que respeita ao parecer, bem como à res-trição colocada pelo Conselho à aprovação dos acordos O M C em relação «às matérias da sua competência», uma resposta negativa do Tribunal de Justiça quanto à sua compe-tência não seria de surpreender — defendeu a tese da competência do Tribunal de Justiça com base, também, em razões de oportuni-dade. Mais precisamente, sustentou que: a) não há um paralelismo perfeito e necessário entre a competência da Comunidade para celebrar acordos e a competência interpreta-tiva do Tribunal de Justiça, devendo a pri-meira fundar-se em poderes efectivos e actu-ais da Comunidade, e podendo a segunda basear-se em poderes «potenciais» da Comu-nidade; b) o acordo misto é um acordo único entre a Comunidade e os Estados-Membros, por um lado, e os países terceiros, por outro, pelo que a sua interpretação e aplicação devem ser uniformes; c) a interpretação das disposições comunitárias que, embora de modo limitado, harmonizaram o sector deve ser coerente com a das medidas de protecção; d) os acordos O M C constituem um conjunto que exige uma interpretação inspirada pelos mesmos critérios, que permitam evitar o risco de interpretações divergentes entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais quanto a questões de grande importância, como a do efeito directo.

17. Ora, as questões levantadas pela Comissão foram abordadas e resolvidas pela

doutrina, relativamente ao fenómeno mais geral dos acordos mistos, de modo comple-tamente diferente 16. O Tribunal de Justiça, por seu lado, não deu, até ao momento, uma resposta clara e de princípio. Com efeito, o Tribunal de Justiça interpretou, em várias ocasiões, disposições contidas em acordos mistos, mas sem especificar se a sua compe-tência decorria de as disposições em questão serem certamente abrangidas pela competên-cia comunitária ou do facto de a sua compe-tência abranger todas as disposições de um acordo misto 17. Frequentemente, o ponto de partida foi o de que este tipo de acordo se deve qualificar, «no que respeita à

Comuni-16 — Com efeito, segundo certos autores, a conclusão de um acordo misto, precisamente por essa possibilidade não estar prevista no Tratado, constituiria uma alteração implícita do Tratado, através da qual qualquer acordo se tornaria parte do direito comunitário, com a consequência de o Tribunal de Justiça ser, decerto, competente para interpretar um acordo misto na íntegra (neste sentido, v., entre outros, Ble-ckmann: Der Gemischte Vertrag im Europarecht, em

Euro-parecht, 1976, pp. 301 c segs.). Segundo outros autores, pelo

contrário, o acordo misto pode dividir-se cm duas partes: uma secção comunitária que se torna parte integrante da ordem jurídica comunitária, tal como um acordo que é da competência exclusiva da Comunidade, c uma segunda secção que continua a ser da competência dos Estados--Mcmbros (neste sentido, v., entre outros, Ehlcrmann:

Mixed agreements: a list of problems, cm O'Kccfc,

Scher-mers, Mixed agreements: Deventer, 1983, pp. 3 c segs., que preconiza a utilização do artigo 228.° para resolver todos os problemas de coordenação que podem surgir da partici-pação mista c para determinar cm que condições c dentro de que limites podem os Estados participar nesses acordos. O contexto do Parecer 1/94 mostra bem, porém, que o parecer prévio do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 228.°, pode não bastar para resolver todos os problemas. N o caso em apreço, bastará recordar que o Tribunal de Jus-tiça se limitou a recordar uma obrigação genérica de coope-ração; dada a falta de disposições sobre a matéria, não me parece que se pudesse ter expresso de outro modo). Opondo-se a que o Tribunal de Justiça interprete todas as disposições de um acordo misto, independentemente de uma verificação destinada a determinar a competência da Comunidade ou dos Estados, v. também Schcrmcrs--Waclbrocck: Judicial Protection in the European

Commu-nities, Deventer, 1992, p. 430, bem como Hartley: The Foundations of European Community Law: an introduction to the constitutional and administrative law of the European Community, Oxford, 1994, pp. 186, 273 c segs.

17 — V., por exemplo, os acordãos de 30 de Abril de 1974, Hae-geman (181/73, Colect., p. 251), relativo à interpretação do Acordo de Associação com a Grécia; de 5 de Fevereiro de 1976, Bresciani (87/75, Colcct., p. 61, relativo à interpre-tação da Convenção de Iaundé de 1963, e de 24 dc Novem-bro de 1977, Razanatsimba (65/77, Colcct., p. 819), relativo à interpretação da Convenção dc Lomé. Mais recentemente, v. os acordãos dc 31 de Janeiro de 1991, Kziber (C-18/90, Colcct., p. I-199), e de 5 de Abril de 1995, Krid (C-103/94, Colcct., p. I-719), relativos à interpretação dos acordos de cooperação, respectivamente, com Marrocos c com a Argé-lia.

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dade», obviamente, como um acto adoptado por uma das instituições, na acepção do artigo 177.°, com a consequência de as suas disposições constituírem «parte integrante da ordem jurídica comunitária» e de o Tribunal de Justiça ser, portanto, competente para se pronunciar a título prejudicial sobre a sua interpretação , 8.

A existência de uma competência do Tribu-nal de Justiça para interpretar acordos mistos — independentemente de uma verificação destinada a determinar se, relativamente à disposição em questão, a competência para celebrar o acordo é da Comunidade ou dos Estados-Membros ·— foi pela primeira vez posta em causa no processo Demirel 19. Com efeito, vários governos invocaram então a incompetência do órgão jurisdicional comu-nitário para interpretar as disposições sobre a livre circulação dos trabalhadores, afirmando que, na sua opinião, as mesmas eram da com-petência específica dos Estados-Mcmbros.

18. A resposta do Tribunal de Justiça baseou-se em dois argumentos distintos. Em primeiro lugar, declarou, recordando a natu-reza e o tipo particulares do acordo cm apreço, que a competência para celebrar acordos de associação nos termos do artigo 238.° respeita a todos os domínios abrangi-dos pelo Tratado, entre os quais se encontra decerto a livre circulação dos trabalhadores, pelo que não havia, no caso cm apreço, qual-quer problema quanto à competência para interpretar as disposições de um acordo misto da competência exclusiva dos Estados--Membros 20. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça observou, além disso, que «ao garantir o respeito pelos compromissos decorrentes de um acordo concluído pelas instituições comunitárias, os Estados--Membros cumprem, na ordem comunitária, uma obrigação para com a Comunidade que assumiu a responsabilidade pela boa exe-cução do acordo» 21, evidenciando assim o alcance comunitário da obrigação dos Estados-Mcmbros de respeitar, na íntegra, um acordo misto.

Parece, portanto, resultar destas afirmações, embora não decisivas para efeitos da solução do problema cm apreço, por um lado, que, segundo o Tribunal de Justiça, haveria que 18 — Neste sentido, v. o acórdão Haegeman, já referido na nota

anterior, n.°s 3, 5 c 6. Foi precisamente cm função dessas afirmações que o advogado-geral A. Trabucchi, nas conclu-sões relativas ao processo Bresciani, já referido na nota anterior, sustentou que «quando um juiz nacional deva declarar se tal acto ou comportamento de um Estado--Membro está cm conformidade com certas obrigações subscritas pela Comunidade numa convenção internacional que, por força do artigo 228.°, n.° 2, do Tratado CEE, vin-cula igualmente cada Estado-Membro, ć perfeitamente pos­ sível, a título acessório, tomar cm consideração a conven-ção, c isso torna-se mesmo necessário, quando se trate de determinar a obrigação comunitária do Estado, que se baseia no Tratado c se encontra materialmente definida na convenção que vincula a Comunidade». Nas mesmas con-clusões, o advogado-geral salientou, além disso, que «a defi-nição do alcance de uma obrigação comunitária da respon-sabilidade do Estado [é] sempre uma questão de interpretação do direito comunitário» (Colect. 1976, p. 75). 19 — Acórdão de 30 de Setembro de 1987 (12/86, Colcct.,

p. 3719), relativo à interpretação de disposições do Acordo de Associação com a Turquia.

20 — Acórdão Demirel, já referido na nota anterior, n.° 9. Ver também, quanto a este aspecto, a afirmação do advogado--geral M. Darmon, nas conclusões relativas ao mesmo pro-cesso, segundo a qual «no caso cm apreço, para a solução do problema da vossa competência não nos parece, no entanto, necessário elaborar uma teoria geral sobre o tema. Claro que esta teria a sua utilidade» (Colcct. 1987, pp. 3737 c segs., n.° 13).

21 — Acórdão Demirel, já referido na nota 19, n.° 11. V, além disso, as conclusões do advogado-gcral M. Darmon, quando sublinha que a jurisprudencia é clara quanto ao carácter comunitário da obrigação imposta aos Estados--Mcmbros de respeitar os acordos externos, mas «não defi-ne... um critério de competência nem afasta expressamente a hipótese de uma disposição constante de um acordo misto poder, cm virtude da sua própria natureza ou de uma reserva expressa..., ficar fora do âmbito da vossa competên-cia para interpretar» (n.° 12 das conclusões já referidas na nota anterior).

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C O N C L U S Õ E S DE G. T E S A U R O — PROCESSO C-53/96

rejeitar qualquer competência interpretativa nos termos do artigo 177.°, apenas quanto às matérias da competência exclusiva dos

Estados-Membros22 e, por outro, que a

Comunidade seria responsável, quando se trata de um acordo (ainda que misto) con-cluído pelas instituições comunitárias,

relati-vamente ao acordo . no seu conjunto23.

Acrescentaria que não me parece que estas considerações se possam limitar apenas aos acordos de associação, como acordos para cuja celebração a competência exclusiva da Comunidade se baseia no próprio Tratado, nesse caso no artigo 238.° Com efeito, reco-nhecendo embora que o fenómeno e o tipo de acordos mistos varia sensivelmente em função da intensidade da participação dos Estados 24, o problema examinado não deixa de se colocar nos mesmos termos, seja em relação a um acordo de associação, quando é celebrado sob a forma de um acordo misto, seja em relação a acordos (também mistos) que não têm uma base jurídica ad hoc no Tratado.

19. Voltando ao caso em apreço, começaria por salientar que, se fosse pacífico que exis-tem sectores que são da competência apenas dos Estados-Membros (ou que a eles é reser-vada), poderia decerto admitir-se que não é necessário que haja uma harmonia perfeita na aplicação e, portanto, na interpretação, das diferentes disposições de um acordo misto. Não seria, com efeito, indispensável uma interpretação centralizada no Tribunal de Justiça para todos os sectores da matéria visada, tanto mais se se pensar nas perturba-ções que resultariam da atribuição ao Tribu-nal de Justiça da última palavra na interpre-tação de acordos mistos no seu conjunto. Por exemplo, haveria que procurar saber porque razão deviam o órgão jurisdicional ou as administrações nacionais estar vinculados — na aplicação de acordos nos quais, em subs-tância, só o Estado (e não a Comunidade) é parte — pela interpretação do Tribunal de Justiça e não, por hipótese, pela sua ou pela da OMC, expressa no âmbito do mecanismo de resolução de conflitos, tendo em conta, além disso, as inevitáveis consequências na perspectiva da responsabilidade 25.

Porém, a situação examinada é bem diferente ou, pelo menos, não é tão pacífica. Ē ver­ dade, com efeito, que a resposta do Tribunal de Justiça quanto às consequências negativas, evidenciadas pela Comissão, em caso de competência partilhada, no plano da for-22 — Quanto a este ponto, v. Gaja: Sull'interpretazione degli

accordi misti da parte della Corte di giustizia, em Rivista di diritto internazionale, 1988, pp. 605 e segs. Depois de ter

salientado que, com tal acórdão, o Tribunal de Justiça não afirmou, de modo algum, que todas as materias abrangidas por acordos de associação ou outros acordos mistos são abrangidas pela competência comunitária, o autor sustenta que a competência do Tribunal de Justiça não pode abran-ger disposições de acordos mistos cujo objecto seja alheio ao direito comunitário. Admite, porém, embora com pru-dência, que se possa conceber uma excepção no que respeita a um «processo de infracção contra um Estado-Mcmbro cujo comportamento de violação das obrigações próprias derivadas do acordo misto tem consequências negativas para a Comunidade».

23 — Partindo da ideia de que os Estados-Membros assumiram um compromisso não só perante os Estados-Membros mas também perante a Comunidade, afirmou-se que o incum-primento do acordo implicaria, de qualquer modo, a res-ponsabilidade da Comunidade, além da resres-ponsabilidade individual do Estado cm questão, com a consequência de haver um intcrcssc-podcr da Comunidade, e especialmente do Tribunal de Justiça, no sentido de uma aplicação, exe-cução c interpretação uniformes de todas as disposições (neste sentido, v. Nolte: Comentário ao processo 12/86, cm

Common Market Law Review, 1988, pp. 403 e segs.).

24 — V., quanto a este aspecto, Neuwahl: Shared Powers or

Com-bined Incompetence? More on Mixity, cm Common Market Law Review, 1996, pp. 667 c segs. D e modo mais geral, v.,

nomeadamente, Bourgeois, Dewost, Gaiffc: La

Commu-nauté européenne et les accords mixtes. Quelles perspecti-ves?, Conferências de Bruges, n.° 11, 1997.

25 — O Governo do Reino Unido não deixou de manifestar uma certa preocupação a este respeito. N o caso de o Tribunal de Justiça se declarar competente para interpretar o conjunto das disposições da O M C , o Reino Unido previu para o futuro, por um lado, uma maior prudência dos Estados--Mcmbros para celebrar acordos mistos c, por outro, c con-sequentemente, uma maior propensão para optar por regi-mes completamente diferentes.

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mação do consenso e, portanto, da aplicação das disposições da OMC, foi claríssima: «... o problema da repartição da competência não pode ser decidido em função das dificuldades eventuais que possam surgir na gestão dos acordos» 26. Porém, é também verdade que, no mesmo parecer, o Tribunal de Justiça não deixou de sublinhar que os sectores em que a competência 6 partilhada não constituem um «domínio reservado» dos Estados-Membros, não sendo, portanto, alheios ao direito comunitário.

20. Nestas condições, não posso deixar de reconhecer que a aplicação da tese acima referida, segundo a qual o Tribunal de Justiça só seria competente para interpretar as dis-posições abrangidas pela competência da Comunidade para concluir um acordo c não as que se mantêm na sua competência, só é simples e clara à primeira vista. Com efeito, rcvela-sc problemática, que mais não seja pelas conexões que possam existir entre as disposições de um mesmo acordo, no sentido de que pode não ser fácil determinar com precisão se uma determinada disposição é (também) abrangida pelo âmbito

comunitá-rio ou apenas nacional 27; também não é de excluir que uma determinada interpretação nacional possa ter incidência sobre a apli-cação de disposições comunitárias e/ou sobre o funcionamento do sistema, considerado no seu conjunto 28. A exigência de uniformidade de interpretação e de aplicação de todas as disposições dos acordos em questão poderia

26 — Parecer 1/94, já referido na nota 3, n.° 107.

27 — A este respeito, v., por exemplo, Rideau: Les accords

inter-nationaux dans la jurisprudence de la Cour de justice des Communautés Europeéennes; réflexions sur les relations entre ¡es ordres juridiques international, communautaire et nationaux, cm Revue générale de droit international public,

1990, pp. 289 c segs. O autor salienta que uma repartição de competencias entre os órgãos jurisdicionais nacionais c o Tribunal de Justiça «peut cependant s'avérer délicate en rai-son des difficultés de rattachement des différentes dispositi-ons de l'accord à l'un ou à l'autre ordre de compétences et des risques de discordance dans l'application de l'accord mixte» (p. 347). Λ mesma perspectiva de exigência dc apli-cação uniforme das disposições que fazem parte do sistema comunitário está patente nas conclusões do advogado-geral M. Darmon no processo Demirel, já referido na nota 20; também não é muito diferente a tese avançada, precisamente quanto à interpretação das disposições da O M C , por Ecckhout: The domestic legal status of the WTO

Agree-ment: interconnecting legal systems, cm Common Market Law Review, 1997, pp. 11 c segs.

28 — Nesta perspectiva, há que salientar que a competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições do Acordo TRIPs relativas às medidas de protecção da propri-edade intelectual deve considcrar-sc constante, não só no que respeita aos aspectos que sejam eventualmente

abrangi-os pela regulamentação comunitária relativa à proibição da colocação em livre prática de mercadorias contrafeitas mas também relativamente à regulamentação da marca comuni-tária, tal como consta do Regulamento (CE) n.° 40/94 (JO 1994, L 11, p. 1). Este regulamento contém, aliás, uma disposição específica sobre as medidas provisórias e caute-lares (artigo 99.°), com a consequência, paradoxal, na reali-dade, de a competência para interpretar uma mesma dispo-sição de um mesmo acordo, no caso cm apreço, o artigo 50.° do Acordo TRIPs, incumbir, conforme os casos, ora ao órgão jurisdicional comunitário, ora ao órgão jurisdicional nacional. Além disso, não pode deixar de se salientar que o próprio facto de repartir a competência interpretativa entre o órgão jurisdicional comunitário c os órgãos jurisdicionais nacionais teria consequências não despiciendas para o fun-cionamento do sistema considerado no seu conjunto, desde logo, por exemplo, no que respeita à possibilidade (que não é de todo remota) de um e outros chegarem a uma con-clusão diferente quanto à questão do efeito directo. Quanto a esta questão, a posição expressa na audiência pelo Governo francês ć decerto significativa, ainda que bastante singular c contraditória, quando, afirmando a incompetên-cia do Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 50.° do Acordo TRIPs, o aconselhou a fornecer uma indicação ao órgão jurisdicional nacional sobre a falta de efeito directo das disposições da O M C , incluindo as do Acordo TRIPs: c isto precisamente no sentido de evitar divergências de inter-pretação sobre uma questão tão importante.

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CONCLUSÕES DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

portanto, com razão, considerar-se uma exi-gência fundamental 29.

Acresce que poderiam surgir outras dificul-dades em razão das consequências que, inde-pendentemente da questão de saber quem violou as disposições do acordo em questão, poderiam decorrer para a Comunidade no plano internacional 30. O facto de a Comuni-dade ser parte face aos países terceiros con-tratantes e de um acordo internacional cele-brado (também) pela Comunidade vincular, nos termos do artigo 228.° do Tratado, quer os Estados-Membros, quer as instituições comunitárias, só pode levar à conclusão de que a Comunidade é responsável perante cada uma das partes do acordo em questão. Daí a competência prejudicial do Tribunal de Justiça, no sentido de garantir a uniformi-dade de interpretação e, portanto, de

apli-cação das disposições do acordo em questão no interior da Comunidade, bem como para proteger o interesse da Comunidade em não ver a sua própria responsabilidade envolvida por causa de violações cometidas por um ou mais Estados-Membros 31.

21. Mas há mais. Para respeitar a obrigação de cooperação e a exigência de uma unidade de representação exterior, tais como foram expostas pelo Tribunal de Justiça no Parecer 1/94 32, os Estados-Membros e as instituições comunitárias estão obrigados a uma estreita coordenação, tanto no que respeita à negoci-ação e à celebrnegoci-ação de acordos sobre a maté-ria como, o que é ainda mais importante, no

29 — H á que precisar que uma tal exigência fundamental não prossegue, com efeito, o objectivo dc «evitar divergências de interpretação futuras», tal como o Tribunal de Justiça salientou para afirmar a sua competência para interpretar disposições de direito nacional que remetem para o direito comunitário ou são formuladas de modo idêntico às dispo-sições comunitárias correspondentes, mas que se destinam a ser aplicadas fora do campo de aplicação do direito comu-nitário (acórdão de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi, C-297/88 e C-197/89, Colect., p. I-3763, n.° 37; esta juris-prudência foi confirmada, cm último lugar, pelos acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem, C-28/95, Colect., p. I-4161, n.° 32, e Giloy, 130/95, Colect., p. I-4291, n.° 28). É certo que se pode tentar transpor, com algumas adapta-ções, claro, o mesmo tipo de raciocínio para o caso cm apreço, em especial associando o objectivo de evitar diver-gencias de interpretação futuras à competência comunitária

potencial. Note-se, porém, que a situação é manifestamente

diferente, devendo salientar, por um lado, que a disposição visada não remete para qualquer norma de direito comuni-tário nem copia nenhuma; por outro lado, que, no caso cm apreço, a exigencia de uniformidade de interpretação é actual e não potencial. De qualquer modo, não posso deixar de acrescentar que a extensão da tese Dzodzi ao processo em apreço implicaria uma contradição mais geral com a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a admissibili-dade de questões prejudiciais, cm especial relativamente a questões hipotéticas e/ou meramente internas (v., sobre esta questão, o que evidenciei nas conclusões que apresentei no processo Klcinwort Benson (acórdão de 28 de Março de 1995, C-346/93, p. I-617, em especial, n.os 25 a 27). 30 — V., a este respeito, o que foi recordado nos n.os 14 e 18,

31 — Não é supérfluo recordar, a este respeito, que, no acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg (104/81, Recueil, p. 3641), relativo, é certo, a um acordo não misto, a tònica foi colocada, sobretudo, na exigencia de interpretação uni-forme das disposições que fazem parte integrante da ordem jurídica comunitária, incluindo os acordos internacionais. Partindo do princípio de que as instituições comunitárias c os Estados-Membros são conjuntamente obrigados a asse-gurar o respeito dos acordos celebrados pela Comunidade, o Tribunal de Justiça afirmou, com efeito, que os Estados--Mcmbros cumprem uma obrigação não só perante o país terceiro cm questão, «mas também c sobretudo perante a Comunidade que assumiu a responsabilidade pela boa exe-cução do acordo» (n.° 13): observação que me parece parti-cularmente significativa e que foi também recordada relati-vamente a um acordo misto, tal como o que era objecto do processo Demirel (acórdão já referido na nota 19, n.° 11). E se as disposições de um acordo fazem parte integrante do direito comunitário, mesmo quando estão contidas em acor-dos mistos, como o Tribunal de Justiça já afirmou no acórdão Haegeman, já referido na nota 17, daí decorre que é também, e sobretudo, a esses acordos que se aplica a afir-mação segundo a qual «não se pode admitir que os seus efeitos na Comunidade variem conforme a sua aplicação incumba, na prática, às instituições comunitárias ou aos Estados-Membros, no que respeita aos efeitos produzidos, na sua ordem jurídica interna, pelos acordos internacionais por eles celebrados» (n.° 14).

32 — V., no mesmo sentido, a Decisão 1/78, já referida na nota 15, n.°36, e o Parecer 2/91, de 19 de Março de 1993 (Colect., p. I-1061, n,° 36), bem como, em último lugar, o acórdão Comissão/Conselho, já referido na nota 13, n.° 48.

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que respeita à sua aplicação: e portanto, em definitivo, a procurar chegar a uma posição comum 33.

Se isto é verdade, há também que reconhecer que a falta de interpretação centralizada implica o risco de eliminar por completo os resultados produzidos pela obrigação de coordenação aquando da negociação c cele-bração das disposições dos acordos cm ques-tão. Com efeito, não é decerto de excluir que se chegue, precisamente quanto aos aspectos sobre os quais se chegou a um consenso, a uma fragmentação em quinze interpretações diferentes por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais, o que reduziria a uma mera utopia a realização da coordenação na fase de apli-cação das disposições em questão. Nesta perspectiva, poder-sc-ia sustentar que a inter-pretação que o Tribunal de Justiça é chamado a fornecer constitui a sua contribuição para a realização do dever de cooperação entre as instituições c os Estados-Membros, tal como o sublinhou no Parecer 1/94.

Enfim, uma observação de caracter mais geral. O sistema jurídico comunitário é caracterizado pela aplicação simultânea de disposições de origens diversas, internacio-nais, comunitárias e nacionais; mas trata-se, mesmo assim, de um sistema que tende a funcionar e a apresentar-se exteriormente de modo unitário. Tal é, se se quiser, a lógica do sistema que, garantindo a manutenção de realidades estaduais, bem como individuali-dades de todo o tipo, tende a realizar uma maneira de ser unitária. E para a fidelidade a este objectivo, qualificada pelo próprio Tri-bunal de Justiça como obrigação de solidari-edade, é decerto uma garantia de peso o mecanismo de controlo jurisdicional definido pelo Tratado e que comporta a contribuição simultânea do órgão jurisdicional comunitá-rio c dos órgãos jurisdicionais nacionais.

Quanto ao efeito directo do artigo 50.° do Acordo TRIPs

22. Uma vez determinado que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar a

título prejudicial sobre todas as questões do Acordo TRIPs, há que procurar saber, ainda antes de passar ao exame do mérito da questão colocada, se o artigo 50.°, n.° 6, deste acordo, disposição cuja interpretação é pedida, tem ou não efeito directo. O juiz a quo, recorde-se, não apresentou ao Tribunal de Justiça qualquer questão a este respeito, considerando, como resulta do despacho de reenvio, que a disposição cm questão tem decerto efeito directo. Tal conclusão — viva-mente contestada, de resto, tanto pelos Esta-dos que apresentaram observações durante o processo, à excepção dos Países Baixos, como pelo Conselho c pela Comissão — não 33 — Λ falta de uma estreita coordenação entre as instituições

comunitárias c os Estados-Mcmbros produziria, com efeito — dada a ineficácia que resultaria inevitavelmente da uma falta de voz única c, sobretudo, de normas de conduta c de comportamentos comuns — consideráveis problemas tanto cm eventuais negociações futuras no âmbito da O M G como, de um modo mais geral, sempre que fosse necessário tomar posição sobre uma questão regida pelo TRIPs (v., a este respeito, Vellano: La Comunità europea c i suoi Stati

membri dinanzi al sistema di risoluzione delle controversie dell'Organizzazione Mondiale del Commercio: alcune ques-tioni da risolvere, cm La Comunità Internazionale, 1996,

pp. 499 c segs.). Em especial, como a Comissão sustenta perante o Tribunal de Justiça, nos domínios de competencia partilhada o chamado mecanismo de retorsão cruzada, ta! como ć previsto pelo artigo 22,° do memorando de enten­ dimento sobre a resolução de litígios, perderia uma grande parte da sua eficácia. Com efeito, é evidente que, na falta de acordo quanto a este aspecto, um Estado-Membro que pre-tendesse exercer o seu direito de retorsão no sector das mer-cadorias c não no dos serviços ou no da propriedade inte-lectual não seria autorizado a fazê-lo. Do mesmo modo, na falta de acordo com os Estados-Mcmbros, a Comunidade não poderia exercer o direito de retorsão nos sectores do GATT c do TRIPs que sejam (ainda) da competência dos Estados-Mcmbros.

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C O N C L U S Õ E S D E G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

pode fazer esquecer que, se o artigo 50.°, n.° 6, do Acordo TRIPs não tiver efeito directo, daí decorre a impossibilidade de a Hermès o invocar perante o órgão jurisdici-onal nacijurisdici-onal no sentido de alegar a incom-patibilidade da regulamentação nacional per-tinente e, portanto, nesse caso, a sua inaplicabilidade ao caso em apreço.

Manifestamente, a questão do efeito directo da disposição em questão é, sem dúvida, per-tinente para a solução do litígio no processo principal e é preliminar relativamente ao mérito da questão apresentada ao Tribunal de Justiça. Acrescente-se que a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual se inclui nos poderes discricionários do órgão jurisdicional nacional apreciar se a resolução do litígio está subordinada à res-posta a uma determinada questão e, por-tanto, se é ou não necessário apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça 34, não pode considerar-se como susceptível de se opor a que o órgão jurisdi-cional comunitário se pronuncie sobre a questão em causa. A este respeito, recordo, com efeito, que, precisamente em função do espírito de cooperação que inspira o pro-cesso do artigo 177.°, o Tribunal de Justiça exprimiu-se repetidamente no sentido de que lhe incumbe «fornecer ao órgão jurisdicional [nacional] todos os elementos de interpre-tação úteis» 35. Parece-me, portanto, que o

Tribunal de Justiça pode pronunciar-se sobre o efeito directo da disposição do Acordo TRIPs em questão; e isto mesmo na falta de uma questão específica a este respeito, preci-samente para fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional, que, repito, tomou como assente o efeito directo da dis-posição cuja interpretação é pedida.

23. Observe-se, antes de mais, que as dúvi-das sobre o efeito directo dúvi-das disposições do Acordo TRIPs e, de um modo mais geral, das disposições da O M C , são legítimas sob vários aspectos. Refiro-me, em especial, à jurisprudência do Tribunal de Justiça que negou qualquer efeito directo às disposições do GATT 1947 e ao facto de o último consi-derando da Decisão 94/800, já referida, através da qual a Comunidade aprovou os acordos celebrados na sequência das negoci-ações multilaterais do Uruguay Round, afir-mar textualmente que «o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio e seus anexos não pode ser invocado directamente nos tribunais da Comunidade e dos Estados--Membros».

Para resolver o problema em causa, parece--me, portanto, indispensável determinar, em primeiro lugar, se uma tal «declaração», que exclui expressamente a possibilidade de os particulares invocarem as disposições da O M C perante as instâncias jurisdicionais competentes pode, ou mesmo deve, ser entendida no sentido de não permitir ao 34 — V., nomeadamente, os acórdãos de 13 de Dezembro de

1994, SMW Winzcrsckt (C-306/93, Colect., p. 1-5555, n.° 14), c de 5 de Dezembro de 1996, Reisdorf (C-85/95, Colcct., p. I-6257, n.° 15).

35 — Acórdão de 6 de Novembro de 1979, Danis c o. (16/79 a 20/79, Recueil, p. 3327, n.° 8). De um modo mais geral, v. o acórdão dc 25 dc Junho de 1992, Ferrer Laderer (C-147/91, Colcct., p. I-4097), no qual o Tribunal de Justiça afirma que, «no âmbito do processo de cooperação entre o juiz nacional c o Tribunal de Justiça, criado pelo artigo 177.°, compete ao Tribunal de Justiça dar ao juiz nacional uma resposta ade-quada para a solução do litígio que lhe ć submetido, inter­ pretando as disposições do direito comunitário susceptíveis de serem aplicadas» (n.° 6).

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Tribunal de Justiça chegar a outra conclusão. A resposta, diga-se desde já, só pode ser negativa.

24. Em primeiro lugar, trata-se de uma afir-mação contida apenas na fundamentação da decisão do Conselho através da qual foram aprovados os acordos O M C , mas que não é retomada no dispositivo desta decisão, o que, cm termos jurídicos, obviamente, reduz con-sideravelmente o seu alcance. Em segundo lugar, e sobretudo, há aqui que recordar que o Tribunal de Justiça teve já a oportunidade de precisar que, cm aplicação do direito internacional, as instituições comunitárias podem acordar com os países terceiros os efeitos que as disposições dum acordo com eles celebrado devem produzir no seio da sua respectiva ordem jurídica, acrescentando, porém, que, «se esta questão não é regulada pelo acordo, cabe às jurisdições competentes c, em especial, ao Tribunal de Justiça, no âmbito da sua competência decorrente do Tratado, decidi-la nos mesmos termos que qualquer outra questão de interpretação rela-tiva à aplicação do acordo na Comunida-de» 36.

Na minha opinião, isto chega para afirmar que o considerando em questão não pode, de modo algum, dada a falta de disposições pre-vistas nesse sentido por todas as partes con-tratantes, ser considerado susceptível de impedir o Tribunal de Justiça de chegar a

outra solução 37. Aliás, mesmo os defensores da falta de efeito directo não atribuiriam importância decisiva ao considerando em questão, A Comissão, por exemplo, limitou-se a alegar que, através deste consi-derando, o legislador comunitário pretendeu indicar que as razões que tinham levado o Tribunal de Justiça a recusar qualquer efeito directo às disposições do GATT 1947 se mantinham válidas no contexto, alterado, da O M C c que, de qualquer modo, o conside-rando cm questão respondia às preocupações inevitavelmente associadas ao facto, já conhe-cido aquando da adopção da Decisão 94/800, de outras partes contratantes (Estados Uni-dos e Canadá, por exemplo) terem também declarado não reconhecer efeito directo às disposições dos acordos O M C .

25. Diria apenas que, na minha opinião, os argumentos avançados pela Comissão não são, em si, susceptíveis de alterar os termos do problema. Continua a incumbir apenas ao Tribunal de Justiça, também à luz da sua

36 — Acórdão Kupferberg, já referido na nota 31, n.° 17.

37 — Λ este respeito, v. Pescatore: Drafting and analysing decisi­

ons on dispute settlement, cm Pescatore, Davcy, Lowenfeld: Handbook of WTO/GATT Dispute settlement, New York,

1997, O autor afirma, cm especial, que estas tentativas de modificar a posteriori os efeitos dc um tratado multilateral, através dc uma norma interna adoptada unilateralmente, são incompatíveis com a boa fé nas relações internacionais c com o princípio da protecção legal dos direitos individuais numa sociedade democrática (p. 11, nota 3). V., alem disso, Mengozzi: Les droits des citoyens de l'Union européenne et

l'applicabilité directe des accords de Marrakech, cm Revue du Marché unique européen, 1994, p. 171; bem como Gaja:

/ / preambolo di una decisione del Consiglio preclude al

»GATT 1994» gli effetti diretti nell'ordinamento comunita-rio?, em Rivista di diritto internazionale, 1995, pp. 407 c

segs. Pelo contrário, no sentido de que o considerando cm questão não deixaria de ter uma certa pertinencia, v. o n.° 127 das conclusões do advogado-geral G. Cosmas rela-tivas ao processo C-183/95 (acórdão de 17 de Julho de 1997, Affish, Colect., p. I-4315), bem como os n.°'28 c 29 das conclusões do advogado-geral B. Iilmcr relativas aos processos C-364/95 c C-365/95 (T Port, ainda pendentes).

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CONCLUSÕES DE G. TESAURO — PROCESSO C-53/96

jurisprudência anterior sobre a matéria e tendo em conta a eventual falta de reciproci-dade quanto a este aspecto, determinar se as disposições da O M C têm ou não efeito directo; do mesmo modo, é também ao Tri-bunal de Justiça que cabe apreciar se as alte-rações que acompanharam a passagem do GATT 1947 à O M C são susceptíveis de levar, quanto à questão do efeito directo, à mesma solução ou a uma solução diferente 38.

Nesta perspectiva, parece-me, portanto, oportuno recordar a jurisprudência que recu-sou qualquer efeito directo às disposições do GATT 1947. Verificarei, seguidamente, se os fundamentos em que se baseia esta jurispru-dência se mantêm igualmente válidos relati-vamente às disposições da OMC.

26. Ora, já no acórdão International Fruit e o., partindo do princípio de que para deter-minar se uma disposição do GATT tem efei-tos direcefei-tos «deve-se ter em vista simultane-amente o espírito, a economia e os termos do Acordo Geral» 39, o Tribunal de Justiça

observa que este acordo, «baseado, nos ter-mos do seu preâmbulo, no princípio das negociações empreendidas "numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas", é caracterizado pela grande maleabilidade das suas disposições, nomeadamente das que se referem às possibilidades de derrogação, às medidas que podem ser tomadas perante dificuldades excepcionais e à resolução dos diferendos entre as partes contratantes» 40. Tais são, portanto, os elementos que o Tribu-nal de Justiça considerou suficientes para demonstrar que, num tal contexto, o artigo XI do GATT, disposição invocada no caso então em apreço, não podia ser considerado como susceptível de gerar, para os particula-res da Comunidade, o direito de o invocar em juízo 41. Tais são, de um modo mais geral, os elementos que levaram o Tribunal de Jus-tiça a afirmar que as disposições do GATT 1947 «não têm carácter incondicional e que a obrigação de se lhes reconhecer o valor de normas de direito internacional imediata-mente aplicáveis nas ordens jurídicas internas das partes contratantes não pode basear-se no espírito, na economia ou nos termos do acordo» 42.

Esta mesma argumentação, que também provocou duras críticas por parte da

doutri-38 — Por outras palavras, para determinar se as disposições da O M C têm ou não efeito directo, não ć decerto bastante, nem mesmo pertinente, que a Comissão, o Conselho e o Parlamento estejam de acordo para considerar que as cir-cunstâncias que até então tinham levado o Tribunal de Jus-tiça a excluir o efeito directo das disposições do GATT 1947 se mantêm para as disposições da O M C . Além disso, parece-me que dificilmente se poderá contestar que incumbe ao Tribunal de Justiça proceder, pela via interpre-tativa, a tal apreciação.

39 — Acórdão de 12 de Dezembro de 1972 (21/72, 22/72, 23/72 c 24/72, Colect., p. 407, n.°s 19 e 20).

40 — Idem, n.° 21. 41 — Idem, n.os 27 c 28.

42 — Acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C-280/93, Colect., p. I-4973, n.° 110). Neste acórdão, o Tribunal dc Justiça foi, aliás, mais generoso, cm termos dc fundamentação, dos que nas suas anteriores decisões sobre a matéria. Com efeito, colocou a tónica, em particular, no carácter não obrigatório das decisões no âmbito do GATT, na «compreensão» exigida para o exame das propostas, na possibilidade de suspender também unilateralmente a apli-cação de determinadas obrigações (v. n.os 107 c 108).

Referências

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36. E evidentemente ao órgão jurisdicional nacional que compete formular a questão de modo a obter a resposta mais apropri- ada para regular o litígio que lhe está submetido.

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