fundamental de nove anos
Adriana Zampieri Martinati/Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha Pontifícia Universidade Católica de Campinas Programa de Pós-graduação em Educação – SP/CAPES Eixo 1: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Práticas Pedagógicas Pôster Resumo
A transição da Educação Infantil (EI) para o Ensino Fundamental (EF) é o tema deste trabalho. Nosso principal objetivo é analisar como tem se constituído este processo de transição da perspectiva das crianças que o vivenciam. A Lei n° 11.274/06 ampliou a duração do EF para 9 anos com ingresso da criança aos seis anos de idade, o que significa que ela deixará a EI um ano mais cedo, caso frequente instituições deste segmento educacional. O novo EF prescreve que a transição não ocorra de maneira abrupta. Os resultados parciais de revisão bibliográfica demonstraram haver poucos trabalhos sobre o novo EF, escassez de pesquisas envolvendo as crianças e nenhum enfoque específico sobre a etapa de transição, demandando investimentos maciços acerca do presente tema. Nossa metodologia, de natureza qualitativa, compor-se-á de entrevista com crianças de 5, 6 e 7 anos e observação participante delas em seu percurso formativo da EI para o EF. Os resultados obtidos a partir da escuta das crianças poderão contribuir para re-significações do trabalho pedagógico a ser feito na saída da EI e ingresso no EF. A devolutiva para a escola e seu núcleo administrativo poderá ser um instrumento valioso para subsidiar a práxis pedagógica e constituir-se como referência na formação continuada dos profissionais da educação.
Palavras-chave: Ensino Fundamental de 9 anos. Educação Infantil. Voz infantil.
Introdução
O novo EF passou a vigorar com a Lei nº 11.274/06, ampliando a sua duração de oito para nove anos. Fato recente na educação brasileira, requer mudanças organizacionais, estruturais, curriculares e de gestão, sobretudo para as crianças de seis anos que estão em processo de adaptação, como ressaltam os documentos do Ministério da Educação e Cultura (MEC):
É necessário assegurar que a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental ocorra da forma mais natural possível, não provocando nas crianças rupturas e impactos negativos no seu processo de escolarização (BRASIL, 2004b, p. 22).
Os processos educativos precisam ser adequados à faixa etária das crianças ingressantes para que a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental aconteça sem rupturas traumáticas para elas. A ampliação tem implicações, que não podem ser subestimadas, em vários aspectos: proposta pedagógica, currículo, organização dos espaços físicos, materiais didáticos e aspectos financeiros. Também repercute sobre a Educação Infantil, pois as diretrizes em vigor para esta etapa precisarão ser reelaboradas (BRASIL, 2004a, p.2).
Depreende-se que a passagem da EI para o EF deverá ter, ao menos relativa continuidade; mas, na prática, sabemos que ela é marcada por dicotomias que podem ser assim sintetizadas: na EI a criança brinca e no EF ela estuda.
Tradicionalmente, toda transição é vista como uma ruptura1 e a passagem do conhecido para o desconhecido desencadeia sentimentos de ansiedade, expectativas positivas e negativas, tensões, estresses, medos, traumas e crises que incidem sobre o desenvolvimento biopsicológico da criança (FACCI, 2004; SARETTA, 2004; VYGOTSKI, 1996). Apesar da importância teórica dada às transições e seus impactos na vida dos sujeitos, o processo de adaptação escolar é um tema ainda escassamente2 estudado na literatura científica brasileira; quanto à transição da EI para o EF de 9 anos, esta escassez se acentua, por ser quadro recente na educação do Brasil. Estes dados vem ratificar a necessidade de maior aprofundamento sobre o assunto, tendo em vista que estas transições podem deixar profundas marcas na vida da criança como também podem ser bem produtivas.
Mas, o que dizem as crianças sobre isso? As pesquisas tem escutado as crianças ou tem renunciado às suas vozes?
Como bem postulado por Campos (2008, p.35): “A criança faz parte da pesquisa científica há muito tempo, principalmente na condição de objeto a ser observado, medido, descrito, analisado e interpretado”. É bastante freqüente a presença das crianças nas pesquisas da área educacional: muito tem se falado nelas, mas pouco elas tem sido ouvidas. Ouvir as crianças é um passo fundamental para analisar suas necessidades, interesses, vontades, fazendo prevalecer o ideário infantil, colocando-a na posição de sujeito ativo e protagonista do processo educacional.
As pesquisas com crianças são ainda discretas, mas vem despertando o interesse dos pesquisadores (tais como ARFOUILLOUX, 1980, CAMPOS, 2008 e outros). Soma-se isso ao fato de que as pesquisas que dão voz às crianças na passagem da EI para o EF são praticamente inéditas, justificando a relevância da presente investigação, em que se assume como principal problema o seguinte questionamento: “Como as crianças interpretam a sua passagem da EI para o EF de 9 anos?”.
Procurar dar voz às crianças, reconhecendo-as como agentes sociais participativos é o caminho para a compreensão dos fenômenos educacionais sob o seu ponto de vista e não apenas do adulto, trazendo implicações educacionais incisivas sobre o ser e estar criança na escola.
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Neste trabalho, compreendida como a abrupta separação dos espaços, tempos, relações sociais e atividades desenvolvidas na EI em função do ingresso da criança no EF, desconsiderando suas características e interesses.
Referencial teórico
O desenvolvimento humano sob a perspectiva histórico-cultural é visto como fruto das relações sociais, um fenômeno histórico e contextualizado dentro da cultura. Também é caracterizado por períodos, que Vygotski (1996) chama de periodização do desenvolvimento humano, que se processa por meio de momentos estáveis e de crises durante a passagem de uma etapa para outra, produzindo mudanças significativas na personalidade infantil.
A entrada na escola constitui uma nova etapa na vida da criança e acompanhada por um período de crise: “A idade escolar, como todas as idades, começa por uma etapa de crise ou virada, descrita pelos cientistas antes que as demais, como a crise dos sete anos” (VYGOTSKI, 1996, p.366). A crise dos sete anos apresenta como marca distintiva a perda da espontaneidade infantil, já que as exigências sociais postas à criança ao ingressar na escola são outras, ela tem que estudar.
Leontiev (2001) reitera tais afirmações dizendo que os deveres da criança só ganham sentido quando ela passa a estudar. Já em relação ao período de crise, diz este autor:
Não são as crises que são inevitáveis, mas o momento crítico, a ruptura, as mudanças qualitativas no desenvolvimento. A crise, pelo contrário, é a prova de que um momento crítico ou mudança não se deu em tempo [...]. Nos casos comuns, a mudança do tipo principal de atividade e a transição da criança de um estágio de desenvolvimento para outro correspondem a uma necessidade interior que está surgindo, e ocorre em conexão com o fato de a criança estar enfrentando a educação com novas tarefas correspondentes a suas potencialidades em mudança e uma nova percepção (LEONTIEV, 2001, p.67).
Na abordagem histórico-cultural as crises tem sentido produtivo e se manifestam com a passagem de uma etapa para outra em virtude de necessidades internas geradas pelas condições externas, conduzindo a mudança de interesses e da atividade principal da criança. No caso da crise dos sete anos, há um processo dialético entre os interesses antigos da criança (brincar) e os novos (estudar).
O modo como se vivencia a crise e os efeitos dela para o desenvolvimento dependem da forma como os adultos trabalham-na, ou seja, das mediações (LEONTIEV, 2001). A mediação tem importância central na perspectiva vigotskiana, sobretudo as que ocorrem na zona de desenvolvimento proximal e efetivam-se como uma ação conjunta: “O que caracteriza o desenvolvimento proximal é a capacidade que merge e cresce de modo partilhado” (GÓES, 1991, p.20). A apropriação não é um processo linear ou especular e nem contempla a atuação passiva do sujeito; pelo contrário, como o sujeito é constituído socialmente, ele é ativo e competente na produção de sentidos e significados.
Evidencia-se o papel da mediação, que deve ser realizada de modo planejado e intencional, ajudando a criança a superar as crises de maneira menos traumática e mais produtiva possível, dando um salto qualitativo no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Se os documentos oficiais enfatizam que a proposta pedagógica deve ser centrada na infância3 e no infante4, sabe-se que na prática prevalece a visão adultocêntrica. É preciso novos olhares e fazeres na educação centrada na atividade mediada. É do outro lado (escuta infantil) e com o outro lado (junto ao adulto) que a criança produzirá cultura e construirá sua própria história.
Objetivos
Objetivamos analisar como se tem constituído o processo de transição da EI para o EF de 9 anos, da perspectiva das crianças de 5, 6 e 7 anos de idade.
Os objetivos específicos são analisar as interpretações das crianças sobre suas experiências na EI e no EF e a obrigatoriedade de ingressarem no EF.
Metodologia
A metodologia centrada na abordagem qualitativa constituir-se-á de entrevistas e observação participante por meio da videofilmagem, além de registros em diário de campo de elementos que considerarmos importantes para a melhor compreensão do material empírico.
Os sujeitos - as crianças - serão analisados em seu processo de transição da EI para o EF; portanto, a pesquisa se sucederá em duas fases distintas:
2º semestre de 2011: entrevistas com um grupo de crianças de 5 ou 6 anos de idade de uma turma de Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) do município de Campinas;
1º semestre de 2012: segunda etapa de entrevistas com o mesmo grupo de crianças, mas agora com 6 ou 7 anos de idade e ingressantes do 1º ano do EF de duas Escolas Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) próximas da EMEI.
A fim de esclarecer os critérios utilizados para a escolha das unidades de EI e EF convém informar que a Secretaria Municipal de Educação de Campinas atua de modo
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Do latim “In fans”: ausência de fala.
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descentralizado, através dos Núcleos de Ação Educativa Descentralizada (Naeds). Nosso trabalho será desenvolvido em unidades do Naed Sudoeste, no qual outras pesquisas (sob responsabilidade de membros do Grupo de Pesquisa Direito à Educação) também serão realizadas.
Em contato com coordenadoras pedagógicas da EI e do EF deste Naed, fomos orientadas na escolha das unidades de EMEI e EMEF que são próximas. Existe, portanto, grande probabilidade de que o grupo de crianças observadas e entrevistadas na EMEI, em 2011, ingresse nas EMEF em 2012, o que nos permitirá cruzamento de dados e maior profundidade para a sua interpretação.
As entrevistas serão feitas por meio de recursos gráfico-expressivos (desenho, história, jogos) nas duas fases da pesquisa. Arfouilloux (1980, p.44) esclarece que a entrevista com criança é diferente das realizadas com adultos, devendo prevalecer recursos específicos:
O desenho pode, sob muitos aspectos, ser comparado à linguagem, pois tem uma função de expressão e de comunicação e obedece regras de construção que permite nele identificar um código. Quanto ao brinquedo [...] está carregado de significação simbólica e representa um modo de relação com a criança inteiramente privilegiado, tanto na entrevista quanto na psicoterapia.
A observação participante ocorrerá no cotidiano escolar, na jornada diária de aula, 1 vez por semana, prevendo-se um total de 6 encontros nas duas fases da pesquisa. Os dados obtidos serão transcritos e a análise e interpretação das informações serão objeto de trabalho futuro, haja vista que a pesquisa está em fase inicial.
Os desafios metodológicos incidem em três aspectos: construção de estratégias comunicativas com as crianças, análise do material empírico e aspectos éticos em função dos interlocutores envolvidos. Como o tema e a metodologia são recentes na comunidade acadêmica, entendemos que os resultados obtidos representarão importante contribuição para os profissionais da educação.
Desenvolvimento
A pesquisa em andamento está em processo de construção do referencial teórico na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) com os seguintes descritores
- teoria histórico-cultural; - pesquisas com crianças; - EF de 9 anos;
O próximo passo será o encaminhamento do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética e após a aprovação, realizar-se-á a pesquisa de campo.
Resultados
A visita ao Naed já foi feita pelas pesquisadoras, na qual foi aprovado o desenho inicial da pesquisa e a intenção do núcleo de aprofundar articulações da EI com o EF e as dificuldades de concretizá-las.
Quanto à revisão bibliográfica, a pesquisa sobre EF de 9 anos já se encontra finalizada, pois uma das alunas do grupo de pesquisa realizou busca nas teses e dissertações publicadas no BDTD (2006-2010), utilizando como descritores: EF de 9 anos e Escola de 9 anos. Foram encontrados 30 trabalhos, validando a afirmativa de que os estudos nessa área são ainda recentes. Desse total:
- 3 trabalhos realizaram pesquisa com crianças, confirmando que oportunidades de registro da voz das crianças nas pesquisas científicas ainda são discretas.
- nenhum trabalho tratou especificamente o processo de transição da EI para o EF, indicando o descaso com o referente assunto.
A pesquisa bibliográfica no BDTD com os descritores transição, passagem, entrada, ingresso e adaptação (2011) permitiu-nos localizar 19 trabalhos:
- 5 sobre a adaptação na EI, 5 no EF (anos iniciais), 4 no EF (anos finais) e 5 no Ensino Superior;
- 2 sobre a antecipação da idade no novo EF; - 2 discutiam a transição da EI para o EF; - 2 realizaram pesquisas com crianças.
Os resultados parciais indicaram que as discussões em torno do EF possuem como foco a visão do adulto, com especial atenção ao processo de alfabetização. Pouco se tem produzido sobre a transição da EI para o EF e a participação das crianças em pesquisas.
Conclusões
A pesquisa já nos fornece alguns dados relevantes. O ingresso no EF está atrelado ao ensino de atividades mais sistematizadas, por vezes desconsiderando os interesses e características específicas da criança de seis anos, que se expressa e aprende por meio de diversas linguagens e que se encontra em fase de adaptação no 1º ano do EF. Espera-se que os frutos desse trabalho possam contribuir para maiores reflexões acerca da passagem da EI para o
EF, a fim de que esta transcorra de maneira mais tranquila e se assegure um desenvolvimento mais saudável. Os resultados da pesquisa, expressas na devolutiva a ser dada para a escola e o Naed poderão servir como referência para reflexões das práticas pedagógicas dos professores, pois nele estarão contidas as vozes das crianças, suas expectativas e desejos, um aspecto relevante para que a saída da EI e o ingresso no EF sejam mais harmônicos possível, contribuindo para a autonomia e a participação das crianças.
Referências
ARFOUILLOUX, A entrevista com a criança: a abordagem da criança através do diálogo, do brinquedo e do desenho. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
BRASIL. Ampliação do Ensino Fundamental para nove anos: relatório do Programa. Brasília: MEC/SEB, 2004a.
_______. Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília: MEC/SEB, 2004b. _______. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 anos para o EF, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade.
CAMPOS, M.M. Por que é importante ouvir a criança?: a participação das crianças pequenas na pesquisa científica. In: CRUZ, S.H.V. (Org.). A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008, p.35-42.
FACCI, M.G.D. A periodização do desenvolvimento psicológico individual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cadernos CEDES. Campinas, v.24, n.62, p.64-81, 2004.
GÓES, M.C.R. A natureza social do desenvolvimento psicológico. Cadernos CEDES. Campinas, n.24, p.21-29, 1991. (Pensamento e linguagem: estudos na perspectiva da psicologia soviética).
LEONTIEV, A N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VYGOTSKY, L.S.; LURIA, AR.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 5. ed. São Paulo: EDUSP, 2001.
SARETTA, P. A um passo do ensino fundamental: dando voz aos sentimentos das crianças. Dissertação: (Mestrado em Psicologia Escolar). Campinas: PUCC, 2004.
VYGOSTSKI, L.S. Obras escogidas. Madrid: Visor. 1996. v.4.