• Nenhum resultado encontrado

INTRODUÇÃO. 1 SUASSUNA, Ariano, Auto da Compadecida. 35 ed. Rio de Janeiro: AGIR, p. 204.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "INTRODUÇÃO. 1 SUASSUNA, Ariano, Auto da Compadecida. 35 ed. Rio de Janeiro: AGIR, p. 204."

Copied!
123
0
0

Texto

(1)

Começar uma pesquisa, em qualquer área de conhecimento, é partir para uma viagem instigante e desafiadora. Trata-se, no entanto, de uma viagem diferente, na qual já não se pode contar com caminho preexistente que basta ser percorrido após a decisão de partir.

Se uma viagem qualquer traz sensação de novidade e de confronto com o desconhecido, no conhecimento a viagem se depara com a realidade de que o caminho da Pesquisa deve ser construído cotidianamente pelo pesquisador.

Este trabalho de pesquisa se prende à Análise Semiótica Discursiva de o “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna, seguindo a linha de Greimas.

Estudar as obras de Ariano Suassuna é privilégio, pois muito ele tem contribuído para o desenvolvimento e divulgação da cultura brasileira, não só por todo o Brasil, mas também no exterior. Algumas de suas obras hoje estão presentes em vários idiomas, sendo estudadas e tornando-se bem conhecidas em alguns países, como no caso de o “Auto da Compadecida” que em português já chegou à trigésima quinta edição.

No caso da obra citada a ser estudada como fonte deste trabalho, foi considerada em 1962 por Magaldi como “o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”1 e hoje está incorporada no repertório internacional como uma peça de sucesso permanente de crítica, traduzida e representada em espanhol, francês, inglês, alemão, polonês, tcheco, holandês, finlandês e hebraico. A peça foi transformada, também, em filmes que têm sido grande sucesso de público, quer nos cinemas, pela televisão, ou na demanda de fitas em DVD para que os amantes das artes assistam a eles em casa, baseados na peça.

Nos últimos anos, tem havido um crescente interesse na investigação semiótica, com uma produção acadêmica concomitante em livros, periódicos e artigos devotados às infinitas facetas do assunto.

A pesquisa realizada com a análise de o “Auto da Compadecida” prende-se ao processo de aplicação semântica no que se refere à discursivização, considerando o sincretismo semiótico, por se tratar de uma obra dramática.

Analisa-se a obra literária completa, o livro em si, a fala dos personagens de acordo com a análise do campo semântico ou da semiótica, porém a opção é por trabalhar com a discursivização no decorrer da análise de toda esta obra teatral. É

(2)

importante estudar temas e figuras usados pelas personagens que podem expressar a realidade do presente cotidiano e a sua representação por parábolas, como nas aventuras de um sertanejo pobre e mentiroso chamado João Grilo, bem como vários outros, já que as personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque elas assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto. Como destaca Dantas: “O tipo de João Grilo, amarelo nordestino, cujas proezas são contadas em abc, dentro da peça de Ariano Suassuna, simboliza e representa muito bem o engenho popular de nossa raça, gente intuitiva e telúrica, imaginosa e sofrida.” 2

Nesta obra, encontra-se um material rico para esse tipo de análise, visto que a riqueza das falas das personagens permite visualizar a relação semiótica entre o significante e o significado das palavras dentro de um contexto histórico regional nordestino que precisa ser estudado e explorado. Observa-se isso na intenção, na comunicação de cada personagem, especialmente, nas falas de João Grilo e de Chicó.

O trabalho que foi realizadocom esta pesquisa é necessário, pois não é de nosso conhecimento que haja, especificamente, alguma obra com base na semiótica discursiva de o “Auto da Compadecida”.

Analisar a linguagem de Ariano Suassuna do ponto de vista da discursivização semiótica, pode ser feito em qualquer uma de suas obras. Foi escolhida “Auto da Compadecida”, no entanto, por ser a obra que mais tem sido vivenciada pelo público.

Faz-se aqui, então, um trabalho de destaque dentro de uma visão semiótica pela análise de toda a linguagem dos personagens como já citado, pelo nível de estrutura discursiva da semiótica, o que contribuirá para os estudos linguísticos e literários.

Na análise feita nesta dissertação, no entanto, vê-se a linguagem enquanto discurso, ou melhor dizendo, no seu nível de organização discursiva, examinando as relações entre a enunciação e o discurso enunciado, entre o discurso enunciado e os fatores sócio-históricos que o constroem à luz da semiótica, já que esta tem o texto como objeto e procura explicar os sentidos do texto, ou seja, o que o texto diz, e, além disso, os mecanismos e procedimentos que formam os seus sentidos.

Para a Semiótica, as relações sócio-históricas que participam da construção dos sentidos dos textos podem ser examinadas, metodologicamente, de duas formas: pela análise da organização linguístico-discursiva dos textos, em especial da semântica do discurso, isto é, de seus percursos temáticos e figurativos que revelam, de alguma

(3)

forma, as determinações sociais inconscientes (FIORIN,1988, p. 188); pelo exame das relações intertextuais e interdiscursivas que os textos mantêm com os textos com os quais dialogam.

Este trabalho de pesquisa tem, portanto, os seguintes objetivos:

- Estudar a linguagem de alguns personagens da obra pela discursivização, analisando os percursos temático e figurativo.

- Analisar as características dos personagens com a sua importância na obra, a partir de um estudo de seus traços semêmicos.

- Fazer a comparação, de acordo com a semântica e a semiótica, da força poética e da linguagem popular que se desprende da peça: o catolicismo romano que ela transmite, a simplicidade dos diálogos, a estrutura teatral e os tipos vivos que fazem de o “Auto da Compadecida” um exemplo raro na dramaturgia brasileira.

- Comprovar a relação da linguagem de cordel com o “Auto da Compadecida” (em que o livro foi baseado), por meio de fontes cordelistas a que o autor se refere, analisando à luz da discursivização semiótica.

No primeiro capítulo, o do embasamento teórico, veem-se Princípios da Semiótica em que são apresentados: Conceitos da semiótica; História da semiótica; A contribuição da semântica à semiótica; Os níveis de estudo semióticos - em que são comentadas as suas estruturas; Relações intersubjetivas e espaço-temporais; O que resulta da embreagem e da debreagem; A semântica discursiva: temas e figuras; Percursos figurativos e temáticos; Literatura de cordel; A origem da literatura de cordel e A literatura de Cordel no Brasil. Neste capítulo, vivencia-se a parte teórica da Semiótica, dando-se ênfase ao nível discursivo por ser a parte mais interessante a esta pesquisa.

No segundo capítulo, descreve-se sobre Ariano Suassuna - Vida, Obras e Gêneros em que são vistos: Breve biografia; O erudito versus popular em sua obra; O épico de seu teatro; A literatura de cordel e o “Auto da Compadecida” - com uma breve apresentação dessa literatura, principalmente no Brasil.

No Corpus da Pesquisa, no terceiro capítulo, faz-se uma apresentação histórica de o “Auto da Compadecida”, em que também se comenta A semiótica discursiva na referida obra - destacando-se os temas e as figuras.

Tem-se, no quarto capítulo, a análise discursiva através das relações intersubjetivas e espaço-temporais, e pelos percursos temáticos e figurativos.

(4)

1. EMBASAMENTO TEÓRICO

1.1. Princípios da Semiótica

1.1.1. Conceito

O estudo da Semiótica é o da vida dos signos no seio da sociedade. É evidente que o ser humano não se comunica, somente, através dos signos orais ou escritos – signos linguísticos. Existem outros sistemas de signos como os gestuais, os pictóricos, os musicais, os rituais e a tarefa da Semiótica é interpretá-los.

Desde a Antiguidade, as reflexões sobre o signo já eram objeto de estudo. Praticamente tudo, ou quase tudo, que se estuda hoje foi legado pela Filosofia da Linguagem através de filósofos como: Platão, Aristóteles, dos Estóicos e passando por uma tradição medieval pelas obras de Agostinho, Tomás de Aquino, Boécio, Abelardo, Thomas de Effurt, Dum Scotus e vários outros.

A Semiótica tem sido desenvolvida com a finalidade de contribuir para a busca da interpretação do texto, através de seus sistemas de signos e de suas estruturas, sendo proposta a possibilidade de analisar os textos nos níveis: narrativo, discursivo, fundamental e textual. Ela estuda e vê a linguagem como um sistema de significação, passando e fazendo, como diz Greimas, “a transposição de um nível de linguagem num outro, de uma linguagem numa outra”.

Um dos principais objetivos da Semiótica é o estudo, a análise da narratividade, e ela vai a busca dessa narratividade que há em todo o texto, trabalhando a narrativização dos valores.

A Semiótica investiga os sistemas de signos, pois o estudo dos signos começa com a origem dos homens, já que entender e interpretar o mundo e os homens significa estudar os signos, e mais, a ação dos signos, ou semiose. A Semiótica, no entanto, difere da semiose tanto quanto o conhecer difere daquilo que se conhece. A Semiótica é o conhecimento sobre a semiose, a explicação teórica sobre os signos e o que eles fazem.

Saussure (1857-1913), o fundador do estruturalismo linguístico, definiu Semiologia, que alguns linguistas consideram semelhante ou igual à Semiótica, como uma nova ciência geral da comunicação humana, que estudaria a “vida dos signos como parte da vida social”. Dele, é possível:

(5)

[. . .] conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia Geral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego Sēmeîon, “signo”). Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; ela tem direito, porém à existência; seu lugar está determinado de antemão. A Lingüística não é senão uma parte dessa ciência geral. 3

Todorov, por sua vez, argumenta:

[...] ela (a semiologia) nunca tratará senão da significação lingüística, que substitui sub-repticiamente o seu verdadeiro objeto. A Semiótica da

não-lingüística é curto-circuitada não ao nível do seu objeto (que existe), mas ao nível do seu discurso, que vicia pelo verbal resultado do seu trabalho. 4

O termo “semiótica” foi usado modernamente pelo americano Charles Sanders Pierce e, nessas últimas décadas, tem sido bastante desenvolvida por estudiosos de outras nacionalidades, principalmente os da chamada linha francesa, como: Algirdas Julien Greimas, Joseph Courtès, Bernard Pottier, François Rasttier e outros, além de alguns brasileiros, como Cidmar Pais e outros.

Na década de 1970, Greimas, Pottier, Courtès e seus discípulos fundaram a Escola Semiótica de Paris, sendo o brasileiro Cidmar Pais, um de seus estudiosos. A Semiótica está se desenvolvendo em todas as partes do mundo, embora seja uma ciência em formação ou projeto de ciência, que já possui uma metalinguagem científica. Hoje, os seus estudiosos consideram a existência de outras ciências ramos da Semiótica, como a sociossemiótica, que se ocupa dos discursos sociais não literários; a psicossemiótica, que se preocupa com os estudos das relações entre sujeitos e seus objetos de valor, mantendo, assim, uma relação interdisciplinar com a Psicanálise, e ainda se podem citar outras, como etnossemiótica, a semiologia das paixões e das culturas, as naturais e as semióticas-objeto, ditas humanas. Nas humanas, tem-se a seguinte tipologia: semiótica verbal, semióticas não-verbais e complexas ou sincréticas. No caso deste trabalho de análise semiótica discursiva, o mesmo prende-se às semióticas sincréticas.

3 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro

Blikstein. 8. ed. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 24

4 BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística. Tradução de Maria da Glória Norak e Luiza Néri. São Paulo:

(6)

Aí está a definição de Semiótica, bem como os seus objetivos e os seus níveis e estruturas narrativas, discursivas e fundamentais que formam o percurso gerativo da significação - caminho que percorre do conteúdo até a expressão.

1.1.2. A distinção da semiótica

A semiótica distingue texto e sentido. O discurso é a última etapa da construção dos sentidos no percurso gerativo da significação. É nessa etapa que a significação se apresenta de forma mais completa e complexa. O discurso pertence, portanto, ao ponto de conteúdo dos textos. O texto, por sua vez, distingue-se do discurso por ter conteúdo (o do discurso) e expressão. A expressão, também, se organiza por um percurso que vai do mais simples ao mais complexo.

Os procedimentos que constituem os sentidos de um texto são de dois tipos: os procedimentos lingüístico-discursivos e as relações com a sociedade e a história.

É de se notar que a significação é por demais complexa. Os níveis de estrutura que formam o percurso gerativo estão entrelaçadamente em dependência entre si. A narrativa leva à discursivização e também, a narrativa é direcionada pela estrutura fundamental. Só quando há análise, é que é possível separá-los.

1.1.3. História da semântica

A Semântica é considerada uma ciência ao mesmo tempo recente e antiga. Esse aparente paradoxo pode ser justificado porque foi a partir de Reising (1825) e Breal (1883) que o interesse dos linguistas se voltou para o problema da significação. Reising mostra a evolução dos significados das palavras. Breal diz que o estudo proposto ao leitor é de natureza nova, chamado, por ele, de Semântica. Mas, só em 1903, foi que apareceram as primeiras noções de Semântica.

Observa-se que, mesmo depois do Renascimento, os estudos dos signos continuaram através das Gramáticas racionalistas, embora tendo parado por um pouco com os comparativistas, ressurgiu com Breal e, atualmente, os seus horizontes são alargados pela obra de Saussure. É de se ver que o homem sempre esteve preocupado com o problema da significação. E preocupar-se com problema da significação é estudar ou fazer “Semântica”. Grande parte dos semanticistas acha que a Semântica seja a ciência das significações.

(7)

A Semântica está presente no sistema linguístico e nos sistemas semiológicos. Assim, pode-se pensar numa Semântica Linguística e numa Semiótica. A Linguística voltada para as Línguas Naturais e a Semiótica estaria preocupada com o plano de conteúdo de sistemas sígnicos. A semântica é o estudo do significado (conteúdo) e a semiótica da significação (relação entre conteúdo e expressão).

Talvez seja muito comum a dúvida entre certos termos utilizados em Semântica. Até parece temeroso assumir uma posição, principalmente, quando se lida com conceitos, como “significado, significação e sentido”.

Mounin (1968, p. 129 - 130), em seu livro “Introdução à Lingüística” ensina que a “significação de uma unidade lingüística é constituída pelo seu significado [...] “

Guiraud (1975, p. 22) reinterpreta Saussure e mostra a significação “como uma associação psíquica bipolar que compreende dois termos: a forma significante e o conceito significado: a evocação do nome pela coisa e a da coisa pelo nome; o processo é recíproco”.

1.1.3.1. A contribuição da semântica na semiótica

Não se pode explicar a semiótica sem a existência da semântica. Uma completa a outra, pois a semiótica surgiu da semântica.

A semântica está no domínio completo da lógica, como salienta Guiraud:

A Semântica faz parte, portanto, aqui, da Lógica, que é o estudo das formas e das leis do pensamento, sendo, ao mesmo tempo, uma arte da Linguagem instrumento do pensamento, um logos a um só tempo palavra e razão. 5

Foram os lógicos os grandes impulsionadores da semântica, embora ela esteja muito ligada ao sentido inferencial da linguagem. A lógica procura construir um sistema de símbolos independentes do sistema linguístico da comunicação. A preocupação com uma semântica linguística é com a linguagem em todos os seus usos e manifestações

(8)

como parte do processo de vida quotidiana e interação social entre os membros de um grupo.

1.1.4. Os níveis de estudos semióticos.

A teoria semiótica procura explicar os sentidos do texto, examinando em primeiro lugar os mecanismos e procedimentos de seu plano de conteúdo. Tal plano é concebido metodologicamente, sob a forma de um percurso gerativo.

Não se pode trabalhar um nível gerativo de sentido sem se conhecer os outros que a ele estão interligados. Já que a análise de o “Auto da Compadecida” será realizada pela discursivização semiótica, seguindo a linha de Greimas, os outros níveis de estrutura, como fundamental e narrativo servirão de suporte para o trabalho a ser realizado.

A semiótica tem por objetivo a exploração do sentido. Isso significa, sobretudo, que ela não se reduz somente à descrição da comunicação (definida como a transmissão de uma mensagem de um emissor para um receptor): englobando-a, ela deve igualmente dar conta de um processo muito mais geral, o da significação. 6

O percurso gerativo parte do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, havendo enriquecimento e concretização do sentido da etapa mais simples e abstrata à mais complexa e concreta. Existem três etapas no percurso dos níveis semióticos, podendo cada uma delas ser discutida e explicada, embora o sentido do texto dependa da relação entre os sentidos dos níveis. A primeira etapa do percurso deve ser a do nível narrativo, que é organizada do ponto de vista do sujeito. Já a segunda etapa, considerada a mais complexa e concreta, é a discursiva, cuja organização narrativa vai se tornar discurso, graças aos procedimentos de temporalização, tematização, figurativização, espacialização e actorialização que completam o enriquecimento e a concretização semântica. A língua é sempre usada para discurso e se realiza em discurso. O discurso é a fala, a materialização da fala. A terceira e última etapa do percurso, considerada a mais simples e abstrata, é a do nível fundamental, em que a significação se apresenta como uma oposição semântica nos sentidos do texto.

O percurso gerativo da significação, caminho que percorre do conteúdo até a expressão, apresenta três tipos de estrutura: narrativa, discursiva e fundamental.

(9)

Para melhor compreensão deste trabalho, define-se um pouco de cada uma destas etapas, já que as mesmas estão interligadas, embora a ênfase seja a discursiva, fonte primordial para a análise semiótica de o “Auto da Compadecida”.

1.1.4.1. Estrutura narrativa

A estrutura narrativa, também, chamada de narrativização, busca o sujeito de valor, o qual é o sujeito semiótico. Nela, existem uma sintaxe e uma semântica que é a actância. Tal sintaxe que é a referida actância são as relações entre um sujeito que busca o seu objeto de valor, ajudado por um adjuvante e prejudicado por um oponente. O esquema narrativo é formado por sintagma elementar da sintaxe narrativa. O percurso narrativo é o caminho pelo qual o sujeito percorre para buscar o seu valor, de acordo com Batista (2001).

Na narrativização, além de se descobrirem os sujeitos semióticos, também existem os objetos de valor: quem ajuda, quem se opõe, a que se destina, no caso, destinador e destinatário (Dor e Dário) e o antissujeito que quer o mesmo valor para se tornar igual ou o valor contrário, ou seja, oponente do sujeito.

Na semântica narrativa, encontram-se as modalidades semióticas que representam a instauração de um sujeito semiótico por um ser, por um querer fazer ou por um querer fazer-fazer. E é a partir da modalidade semiótica que se têm as condições de classificar o discurso. No caso, querer, dever, saber são o discurso da persuasão; fazer-crer é o discurso da sedução; fazer-fazer é o discurso da manipulação.

O poder em semiótica é obter o objeto de valor. Cada narrativa desdobrada tem uma organização canônica em que três percursos se relacionam por pressuposição: o percurso da manipulação, o da ação e o da sanção.

Nessa linha de pensamento, Barros afirma:

O percurso da manipulação deve ser entendido, assim, em primeiro lugar, como uma ou mais transformações de estado, mas de tipo particular. Para diferenciá-los das demais transformações, o sujeito operador será denominado de destinador e o sujeito dos estados sobre os quais ele age, destinatário.

O destinador propõe ao destinatário um contrato, um acordo, com o objetivo de transformar a competência do destinatário e levá-lo, com isso, a tornar-se sujeito operador da transformação “final” de estados daquela que realmente interessa ao destinador. Em outras palavras, o destinador quer levar o destinatário a fazer alguma coisa. Para tanto,

(10)

tem que persuadi-lo disso, tem que levá-lo a querer ou a dever fazer, a poder e saber fazer.7

No percurso da ação, organizam-se dois programas narrativos, observados do ponto de vista do sujeito da ação. O primeiro trata de um programa narrativo de performance que é concebido como uma transformação de um estado de disjunção em um estado de conjunção, operada por um sujeito transformador, o qual é realizado pelo mesmo ator do sujeito que tem seu estado transformado. O segundo é o programa de competência, também definido como uma transformação de um estado de disjunção em um estado de conjunção, embora o sujeito transformador seja realizado por um ator diferente do sujeito de estado e o valor do objeto é um valor modal, um valor necessário para que o sujeito obtenha, na performance, o valor descritivo último desejado. Todo programa de performance pressupõe um programa de competência.

O percurso de sanção é aquele cujo destinador vai dar ao destinatário o reconhecimento pelo cumprimento ou não do acordo e a retribuição ou punição daí decorrentes.

A estrutura narrativa, também conhecida por narrativização, apresenta uma sintaxe e uma semântica, sendo construída pelo fazer transformador de um sujeito que busca o seu objeto de valor. Para que isso ocorra, ele é instigado por um destinador, que idealiza a narrativa, e ajudado por um adjuvante ou prejudicado por um oponente. “Quanto mais diferenciados e em maior quantidade forem os actantes, mais o texto será carregado em ideologia, aqui considerada como o sistema de valores do indivíduo”. (BATISTA, 2001, p.150).

O percurso pode ter um ou vários programas narrativos (P), partes do percurso, chamados sintagmas elementares da sintaxe narrativa e que podem ser principais (PP) ou auxiliares (PA), subordinados a um principal.

Dario

7 BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1992. p. 197. Dor

OV S

(Adjuvante)

(11)

O programa auxiliar está ligado a outro que lhe é hierarquicamente superior. Aqui se omitem os demais actantes e ficam apenas o sujeito e o objeto.

Ao encontrar dificuldades e tenha que tomar outro caminho para chegar ao objeto, o sujeito divide o percurso:

1.1.4.2. Estrutura discursiva

A segunda etapa do percurso gerativo da significação é a da estrutura discursiva, em que a narrativa vai ser colocada no tempo e no espaço; os sujeitos, os objetos, os destinadores e os destinatários da narrativa, ou seja, os actantes, vão tornar-se atores do discurso, graças a investimentos semânticos e de pessoa, os valores dos objetos vão ser

S1 OV1 S1 S1 OV2 OV3 OV4 S1 OV S S1 S1 S1 S1 S1 OV2 OV3 OV4 OV5 OV6 S7 S8 OV OV

(12)

disseminados como temas e transformados, sensorialmente, em figuras. Na estrutura discursiva, a ideia de sujeito é diferente da do sujeito semiótico.

Na discursivização:

A narrativa chega até a voz, sendo organizada e assumida por um sujeito enunciador que, tendo em vista o universo de discurso abordado e o Sujeito enunciatário em questão, escolhe o(s) tema(s), as figuras, os atores, o tempo e o espaço nela envolvidos, ou com ela relacionados e os apresenta a um Sujeito enunciatário que a escuta e interpreta. 8

Em relação ao tempo, ao espaço e às pessoas do discurso, são aqui feitas duas rápidas observações. A primeira é a de que o tempo, o espaço e as pessoas instaladas no discurso dependem dos dispositivos de desembreagem, por meio dos quais o enunciador do texto, ao temporalizar, espacializar e actorizar o discurso produz também efeitos de sentido de aproximação e distanciamento. Por isso, a desembreagem poder ser enunciativa, quando o efeito é de proximidade da enunciação, (também chamado de embreagem), graças ao uso da primeira pessoa eu, do tempo presente do agora e do espaço do aqui; ou enunciva, quando se produz o efeito de distanciamento da enunciação (também chamado de debreagem), com o emprego da terceira pessoa ele, do tempo do então e do espaço do lá.

A segunda observação é a de que muito raramente os discursos apresentam apenas um tipo de desembreagem e de efeito de sentido, mesmo sendo o mais comum misturar e confundir os dispositivos, produzindo, dessa forma, uma grande variedade de efeitos de sentido.

Em outras palavras, pode-se dizer:

* em relação a espaço, existe o lugar do enunciador (aqui) e o lugar do enunciatário (lá). Existe o espaço real, o do enunciador, o do enunciatário, o do enunciado (que podem ser vários, dependendo dos atores). E o que é muito importante para a semiótica, é a concepção que os diversos sujeitos têm de espaço. O espaço pode ter vários significados, dependendo do meu objeto de valor. O espaço real é o que não está ligado à história propriamente dita;

* em relação a tempo, existe o tempo crônico que é o tempo objetivo (janeiro, natal). O que muda é a visão que o sujeito tem do tempo. Há o tempo estático, como o

8 BATISTA Maria de Fátima B. de M. “O discurso semiótico”: Universidade de São Paulo, 1999. Pág. 152

(13)

dia do nascimento de alguém, o dia da independência do Brasil. Os sujeitos modificaram esse tempo. Ainda, o tempo diretivo que nos mostra a direção do antes e do depois do eixo de diferença (Antes e Depois de Cristo). E ainda, o tempo mensurativo que é o intervalo entre um tempo e outro. Como exemplo, tem-se o espaço do mês e ano em que se inicia o mestrado e o mês e ano em que se conclui o mestrado. A experiência de um tempo a outro para o sujeito é que é mensurativo. A hipótese que se levanta do tempo é que é importante.

As manifestações da língua são dinâmicas. É pela língua que se manifesta a experiência humana do tempo. Está ligado ao exercício do discurso (o uso da língua). O presente tempo é o tempo linguístico. A linguagem não dispõe senão de uma única expressão temporal que é o presente, o qual sempre está implícito.

Quando se toma um texto figurativo, precisa-se descobrir o tema subjacente às figuras, pois para que estes tenham sentido, precisam ser a concretização de um tema, que, por sua vez, é o revestimento de um esquema narrativo.

Para se encontrar o tema subjacente às figuras, é importante que se observem os lexemas e as palavras que se acham no léxico de uma língua.

Para que um conjunto de figuras ganhe um sentido, precisa ser a concretização de um tema, que, por sua vez, é o revestimento de enunciados narrativos. Por isso, ler um percurso figurativo é descobrir o tema que subjaz a ele.

Por fim, ainda diz Batista (2001, p.152) que o discursivo é o nível mais superficial do percurso gerativo, que coloca em discurso as estruturas narrativas. Estas chegam até a voz, assumidas por um sujeito enunciador que escolhe temas, figuras, atores, tempo, espaço e os apresenta a um sujeito que as escuta e interpreta.

1.1.4.3. Estrutura fundamental

A terceira e última etapa do percurso gerativo da significação que gera o sentido de discurso é a da estrutura fundamental, considerada do nível mais abstrato e simples, em que os sentidos do texto são entendidos como uma categoria ou oposição semântica, cujos termos são determinados pelas relações sensoriais do ser vivo com esses conteúdos e considerados atraentes ou eufóricos e repulsivos e disfóricos, e ainda negados ou afirmados por operações de sintaxe elementar, e por fim representados e visualizados por meio de um modelo lógico de relações denominado quadrado semiótico.

(14)

A estrutura fundamental é a que se encontra no nível profundo, também, chamada de semântica profunda, é o ponto de partida na formação do discurso. Ao se falar que um determinado texto trata de religião, então, a referência está ligada a esse nível semiótico profundo. Nessa estrutura, a significação é tomada, como explica Batista (1999 - 150):

A significação é tomada como uma estrutura semântica elementar a que se reduz todo o discurso e os valores nele investidos em relação de oposição mínima. De um modo geral, é costume apreendê-la pelas situações de conflito mais gerais, extraídas da narrativa, que são representadas, espacialmente, em forma de octógono, daí ser chamada também de octógono semiótico. 9

Na estrutura fundamental, todo discurso se constrói numa oposição básica, tendo que se ver o que pode abranger o todo. Esta estrutura pode ser representada pelos seguintes gráficos:

9 BATISTA Maria de Fátima B. de M., O discurso semiótico. 1999. 150. f. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado) –

Pós-Graduação em Letras-Universidade de São Paulo.

pobre

não-rico rico

(15)

As relações estabelecidas pelos quatro termos fizeram surgir, nos trabalhos de Pais, mais quatro termos, numa posição hierarquicamente superior, daí serem chamados metatermos. O exemplo seguinte é esclarecedor.

1.2. Nível Discursivo 1.2.1. Sintaxe discursiva

A sintaxe discursiva compreende processos de estruturação do discurso. Dessa forma, a ela, pertence a maneira inicialmente da primeira pessoa no discurso, como na frase: Eu acho que Bárbara foi ao teatro e Bárbara foi ao teatro. Vê-se, assim, que o emprego da primeira pessoa cria um efeito de sentido de “subjetividade” e se não for utilizado produz um efeito de sentido de “objetividade”. Se um estudioso diz: “Setenta por cento do universo é composto de água”, é como se o próprio fato se narrasse a si mesmo. Assim sendo, tem-se a impressão de que uma verdade subjetiva estabeleceu-se. Todavia, se alguém diz: “Eu afirmo que setenta por cento do universo é coberto de água”, isso poderia ser compreendido como um ponto de vista pessoal.

Marginalidade não-pobreza não-riqueza riqueza pobreza Sociedade Povo Elite

(16)

Assim, os esquemas narrativos são assumidos pelo sujeito da enunciação que os converte em discurso. Pode-se encarar a enunciação como o ato de produção do discurso, sendo uma instância pressuposta pelo enunciado. Quando se realiza, a enunciação deixa marcas no discurso que constrói. Portanto, ainda que os elementos da enunciação não apareçam no enunciado, a enunciação existe, já que nenhuma frase se enuncia sozinha. No caso do exemplo dado no parágrafo anterior, haverá sempre alguém (um eu) que dirá que “setenta por cento do universo é composto de água”.

A enunciação, portanto, vai se definir como a instância de um eu-aqui-agora. O sujeito da enunciação será sempre um eu que há de operar na realização de produção do discurso, no espaço do aqui e no tempo do agora. Dessa forma, a sintaxe discursiva quando estuda as marcas da enunciação no enunciado, faz a análise de três procedimentos de discursivização, ou melhor, a constituição das pessoas, do espaço e do tempo do discurso. Afora isso, ao se produzir um enunciado a fim de comunicá-lo a alguém, aquele que é produtor do discurso desdobra-se num enunciador e num enunciatário. O enunciador produz um fazer persuasivo, ou seja, procura fazer que o enunciatário aceite o que ele diz, enquanto que o referido enunciatário realiza um fazer interpretativo. Tendo a finalidade de convencer, o enunciador toma para si como arma, um conjunto de procedimentos argumentativos, que são parte constitutiva das relações entre o enunciador e o enunciatário.

Então, observa-se que a sintaxe do discurso abrange dois aspectos que são: 1º) as projeções da instância da enunciação no enunciado;

2º) as relações entre enunciador e enunciatário.

Na verdade, essas duas faces da discursivização, às vezes, se confundem, já que as diferentes projeções da enunciação no enunciado visam, em último caso, a conduzir o enunciatário a ter consigo e aceitar o que lhe tem sido anunciado.

A sintaxe discursiva é o campo da manipulação consciente, pois há no discurso esse referido campo e também o da determinação inconsciente. No campo da manipulação consciente,

[...] o falante lança mão de estratégias argumentativas e de outros procedimentos da sintaxe discursiva para criar efeitos de sentido de verdade ou de realidade com vistas a convencer seu interlocutor. O falante organiza sua estratégia discursiva em função de um jogo de imagens: a imagem que ele faz do interlocutor, a que ele pensa que o interlocutor tem dele, a que ele deseja transmitir ao interlocutor e daí por diante. É em razão desse complexo jogo de imagens que o falante

(17)

usa certos procedimentos argumentativos e não outros. Embora consideremos que a sintaxe seja o campo da manipulação consciente, pode-se, em virtude de hábitos adquiridos ao longo da aprendizagem lingüística, utilizar seus procedimentos de maneira inconsciente. 10

Assim sendo, observa-se que na sintaxe discursiva a enunciação é o ato de produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo enunciado, como resultado da enunciação. Ao realizar-se, a enunciação deixa marcas no discurso que constrói. O enunciador e o enunciatário são o autor e o leitor implícitos, ou melhor, uma imagem do autor e do leitor construída pelo texto.

Dessa forma, ao estudar as marcas da enunciação no enunciado, a sintaxe discursiva analisa três procedimentos de discursivização: a actorização, a espacialização e a temporalização, isto é, a constituição das pessoas, do espaço e do tempo do discurso.

A fim de exercer a persuasão, o enunciador utiliza-se de um conjunto de procedimentos argumentativos, que são parte constitutiva das relações entre enunciador e enunciatário. O enunciador se relaciona através de argumentação. A argumentação consiste num conjunto de procedimentos linguísticos e lógicos usados pelo enunciador para persuadir o enunciatário.

1.2.1.1. Relações intersubjetivas e espaço-temporais

Em relação ao tempo, ao espaço e às pessoas do discurso, são aqui feitas duas rápidas observações. A primeira é a de que o tempo, o espaço e as pessoas instaladas no discurso dependem dos dispositivos de desembreagem, por meio dos quais, o enunciador do texto, ao temporalizar, especializar e actorizar o discurso produz também efeitos de sentido de aproximação e distanciamento. Por isso, a desembreagem pode ser enunciativa, quando o efeito é de proximidade da enunciação, (também chamado de embreagem), graças ao uso da primeira pessoa eu, do tempo presente do agora e do espaço do aqui; ou enunciva, quando se produz o efeito de distanciamento da enunciação (também chamado de debreagem), com o emprego da terceira pessoa ele, do tempo do então e do espaço do lá.

Quanto à embreagem, principalmente, à embreagem temporal, há de se ver que são apresentados elementos embreantes da dimensão temporal da enunciação em

(18)

relação a uma referência precisa que se situa no próprio enunciado. Todavia, ao lado de tais embreantes, os advérbios (hoje, amanhã) ou os grupos preposicionais (dentro de algumas horas) funcionam como complementos circunstanciais e assim, aparecem as marcas de tempo inscritas na morfologia verbal, do presente, do passado e do futuro. Dessa forma, o presente informa que há contemporaneidade entre o processo do enunciado e o processo da enunciação; já o passado informa que o processo do enunciado vem antes do processo da enunciação; no caso do futuro, ele informa que o processo do enunciado vem posterior ao processo da enunciação. Maingueneau propõe o seguinte quadro de correspondência entre o momento da enunciação e o momento do enunciado. 11 Embreagem temporal A referência é o momento da enunciação A referência é um elemento do enunciado

Coincidência com a referência Agora

Neste momento

Naquele momento Naquele instante

Anterioridade à referência Ontem

Há oito dias

Na véspera Oito dias antes

Posterioridade à referência Amanhã

Dentro de um mês No dia seguinte Um mês depois Anterioridade, simultaneidade ou posterioridade à referência Hoje Este verão Naquele dia Naquele verão Anterioridade ou posterioridade Daqui a pouco Segunda-feira Naquela segunda-feira

DÊITICOS Não- DÊITICOS

Então o discurso apresenta toda a situação de enunciação (eu - tu ou você – aqui – agora), o que implica uma embreagem.

O tempo básico do discurso é o presente que distribui o passado e o futuro em função do momento de enunciação. De acordo com Maingueneau (1986:35) ao paradigma do presente do indicativo são acrescentados dois tempos do passado, o imperfeito e o passé composé, e dois paradigmas do futuro, o futuro simples (ele

(19)

comerá) e o futuro perifrástico (ele vai comer). Dessa forma, a história, como diz Barros (2006:97), dispõe de um leque temporal mais limitado, porque funciona com apenas dois paradigmas: pretérito perfeito (equivalente do passé simples em francês) e o imperfeito.

A segunda observação é a de que muito raramente os discursos apresentam apenas um tipo de desembreagem e de efeito de sentido, mesmo sendo o mais comum misturar e confundir os dispositivos, produzindo uma grande variedade de efeitos de sentido.

No caso da produção de efeito de distanciamento da enunciação, conhecido como debreagem, que é a expulsão da enunciação com o emprego da terceira pessoa ele, do tempo do então e do espaço do lá, Greimas e Courtès afirmam:

debreagem é a operação em que a instância de enunciação disjunge e projeta para fora de si, no momento da discursivização, certos termos ligados à sua estrutura de base, com vistas à constituição dos elementos fundadores do enunciado, isto é, pessoa, espaço e tempo.12

Segundo Benveniste, à medida que a constituição da categoria de pessoa é essencial para a constituição do discurso e o eu está inserido num tempo e num espaço, a debreagem é um elemento fundamental do ato constitutivo do enunciado e, dado que a enunciação é uma instância linguística pressuposta pelo enunciado, contribui também para articular a própria instância da enunciação. “Assim, a discursivização é o mecanismo criador da pessoa, do espaço e tempo, da representação actancial, espacial e temporal do enunciado”. (Greimas e Courtès, 1979:79)

Então, já que a enunciação é a instância da pessoa, do espaço e do tempo, há uma debreagem actancial, uma debreagem espacial e uma debreagem temporal. Portanto, a debreagem consiste num primeiro momento, disjungir do sujeito, do espaço e do tempo da enunciação e em projetar no enunciado um não-eu, em um não aqui e um não agora. Ou, ainda ,como Greimas e Courtès (1979:79) argumentam:

Como nenhum eu, aqui ou agora inscritos no enunciado são realmente a pessoa, o espaço e o tempo da enunciação, uma vez que estes são sempre pressupostos, a projeção da pessoa, do espaço e do tempo, da enunciação no enunciado e também uma debreagem.13

12 GREIMAS, A. J & COURTÉS, a) J. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage. Paris: Hachette, 1979. p.

79.

(20)

A debreagem enunciva é aquela em que se instauram no enunciado os actantes do enunciado (ele), os espaços do enunciado (lugares) e o tempo do enunciado (então).

A debreagem enunciativa e a enunciva criam, em princípio, dois importantes efeitos de sentido: de subjetividade e de objetividade.

1.2.1.2. O que resulta da embreagem e da debreagem De outra forma, diz-se que:

* quanto a espaço, há o lugar do enunciador (aqui) e o lugar do enunciatário (lá). Há o espaço real, o do enunciador, o do enunciatário, o do enunciado (que podem ser vários, dependendo dos atores). E o que é fundamental para a semiótica é o conceito que os diversos sujeitos têm de espaço. Podem existir vários significados no espaço, dependendo do meu objeto de valor. O espaço real é o que não está ligado à história propriamente dita;

* quanto a tempo, há o tempo crônico que é o tempo objetivo (março, São João). A visão que o sujeito tem do tempo é o que muda. Existe o tempo estático, como o nascimento de Jesus Cristo, o dia de natal. Esse tempo foi modificado pelos sujeitos. Ainda, o tempo diretivo que indica a direção do antes e do depois do eixo de diferença (Antes e Depois de Cristo). E também, o tempo mensurativo que é o intervalo entre um tempo e outro. Como exemplo, temos o espaço de abril de 2008 a abril de 2009. A experiência de um tempo a outro é o mensurativo para o sujeito. A hipótese que se levanta do tempo é que é importante.

São dinâmicas as manifestações da língua. A experiência humana do tempo é manifestada pela língua. O uso da língua está ligado ao exercício do discurso. O tempo linguístico é o tempo presente. Quanto à linguagem, vê-se que a mesma não dispõe senão de uma única expressão temporal que é o presente, que sempre está implícito.

Ao se tomar um texto figurativo, é necessário descobrir o tema subjacente às figuras, porque para que estes tenham sentido, precisam ser a concretização de um tema, que, por sua vez, é o revestimento de um esquema narrativo.

A fim de se encontrar o tema subjacente às figuras, é fundamental que sejam observados os lexemas, ou melhor, as palavras que são encontradas no léxico de uma língua.

(21)

Com o objetivo de que um conjunto de figuras ganhe um sentido, necessita ser a concretização de um tema, que é então o revestimento de enunciados narrativos. Por essa razão, ler um percurso figurativo é descobrir o tema que está por trás dele.

Em relação à sintaxe discursiva, observa-se que ela estabelece as relações entre o Sujeito discursivo com seu enunciado e com o enunciatário. Normalmente, o discurso surge produzido por seu enunciador, sendo um meio de comunicação entre um emissor e um receptor. É a embreagem que considera a distância próxima do Sujeito, tempo e lugar, quanto à enunciação e ao enunciado. “A instância da enunciação corresponde”, como afirma Greimas e Courtès (1989: 141): “a um sincretismo do eu-aqui-agora”. Em relação à debreagem, é definida como o distanciamento do Sujeito, do tempo e do lugar da enunciação. Corresponde ao: não-eu; não-aqui e não-agora.

O texto teatral é uma forma cultural diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Será importante se verificar que uma peça teatral não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema, esses últimos indicativos de outra forma cultural, a literatura.

Conforme assinala Barthes em “Elementos de semiologia”, “em qualquer sistema de significação comporta um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C) e que a significação coincide com a relação ( R ) entre os planos: ERC.14 Ele cita isso exatamente para mostrar o que ensina Hjelmslev sobre a análise semiótica.

1.2.2. A semântica discursiva: temas e figuras

Na semântica discursiva encontramos temas e figuras ou tema e discurso.

O tema pode ser definido como o conteúdo geral que pega dos conteúdos menores que são as figuras. A figura é a forma, é a forma como o tema chega à superfície. Tanto temas como figuras têm realidades diferentes. Temas partem do abstrato, enquanto figuras tratam do que é concreto. Observa-se, também, que todo tema é sempre hiperônimo e o hipônimo retrata os traços do hiperônimo.

Tradicionalmente, subdivide-se a Semântica em filosófica, geral e lingüística. Além disso, a Semântica pode ser vista como cognitiva, discursiva, sintática e lexical.

14 BARTHES, Roland, Elementos de semiologia. 4 ed.(tradução de BLIKSTEIN, Izidoro), São Paulo: Cultrix,

(22)

Discute-se aqui a Semântica Discursiva a qual pode se vestir e concretizar mudanças de estado do nível narrativo

A discursivização das estruturas semióticas e narrativas, do ponto de vista sintático, pode ser definida como um conjunto de procedimentos de espacialização, de temperamento e de actorialização; pelo lado da semântica e, paralelamente, novos investimentos que se procurarão dispor em vários patamares, acompanham essa organização sintagmática. Como exemplo, podemos supor que, no nível das estruturas narrativas, exista um programa narrativo cujo actante-objeto esteja investido do valor “liberdade”; estando tal objeto inscrito como objeto disjunto do sujeito, o valor da “liberdade” há de constituir a meta do percurso narrativo do sujeito. Dessa forma, a inscrição do referido percurso no discurso poderá dar lugar, por exemplo, à sua especialização, e o percurso “liberdade” poderá ser tematizado, com isso, como um percurso “evasão”.

Quanto à estrutura discursiva, em que a narrativa vai ser colocada no tempo e no espaço, os sujeitos, os objetos, os destinadores e os destinatários da narrativa, ou seja, os actantes, vão tornar-se atores do discurso, graças a investimentos semânticos e de pessoa; os valores dos objetos vão ser disseminados como temas e transformados, sensorialmente, em figuras, pois conforme Fiorin:

A formação discursiva é um conjunto de temas e figuras que materializam uma dada formação ideológica presente numa determinada formação social. Já a formação social trata de uma visão de mundo, um conjunto de representações que explicam as condições de existência. Como as visões de mundo estão vinculadas às classes sociais, há, em princípio, numa formação social, tantas visões do mundo quantas forem as classes aí existentes. No entanto, a visão de mundo dominante é a da classe dominante.15

No sistema semiótico há de se notar que num quadro de determinada seqüência, as figuras se organizam entre si e isto sob dois pontos de vista:

No paradigmático, as figuras se associam para constituir configurações discursivas susceptíveis de especificar os conjuntos discursivos. Tomando como exemplo, temos a figura do sol que organiza à sua volta um campo figurativo que comporta raios, luz, calor, ar, transparência, opacidade, nuvens e outros. Nesse sentido, Souza se expressa:

(23)

Uma dimensão paradigmática implica um processo mental de escolha, de alternativa para cada elemento e que um paradigma é assim um grupo de palavras in absentia que pode substituir cada elemento de uma cadeia sintagmática. 16

Saussure viu o paradigma também como uma série de campos associativos, uns determinados por afinidade sonora, no caso de ensinamento / casamento ou por afinidade de significação como em ensinamento / educação.

Do ponto de vista sintagmático, Courtès refere:

[. . .] as figuras distribuem-se segundo o encadeamento relativamente constrangedor, no quadro da configuração discursiva: neste sentido, poder-se-á falar de percursos figurativos , quando uma figura, logo que colocada, chame uma outra, e assim por diante. 17

Os sintagmas se caracterizam pela combinação dos signos. Dois elementos numa cadeia falada não podem ser pronunciados ao mesmo tempo. Como diz Barros, “eles estão reunidos in praesentia” (2006:19) e tiram seu valor da oposição ao que precede e ao que segue. Barthes (1964:67) apresenta a contradição que se instaurou na ideia de se considerar a cadeia falada própria da natureza sintagmática, já que para Saussure não poderia haver uma linguística da fala. Assim, Saussure afirma que o sintagma não podia ser considerado simplesmente como um ato da fala, por existirem sintagmas cristalizados que escapam à liberdade combinatória da fala.

Vê-se, então, que no sistema semiótico, dois tipos de relações são preponderantes: as sintagmáticas ou combinatórias e as paradigmáticas conhecidas, também, por relações associativas. Jakobson, posteriormente, denominou essas duas relações de os eixos da linguagem.

1.2.2.1 Percursos figurativos e temáticos

Hjelmslev emprega o termo figura para designar os não-signos, isto é, as unidades que constituem, separadamente, quer o plano de expressão, quer o do conteúdo. Em discursivização, pode-se precisar ainda mais a definição de figura,

16 SOUZA, Licia Soares de Souza. Introdução às terias semânticas. Petrópolis: Vozes, Salvador, 2006. p. 20. 17 COURTÉS, J. a) Op. cit. p. 117.

(24)

reservando-se tal termo às figuras do conteúdo que correspondem às figuras do plano de expressão do mundo ou da semiótica natural.

Para se entender como funcionam as figuras num texto, é necessário analisar como tais figuras estão empregadas para que se observem os lexemas, ou para melhor dizer, as palavras que se acham no léxico de uma determinada língua.

A palavra mão significa “cada uma das duas extremidades de cada membro superior do ser humano que é importante para uma vida fisicamente normal”.

Vamos tomar como exemplo as quatro frases seguintes: 1 – Wollney feriu a mão de Renato numa luta.

2 – Peguei-o com as mãos firmes.

3 – O sucesso da empresa é a mão de ferro do dono. 4 – Sempre dá uma mão para ajudar nas tarefas.

Assim sendo, na frase 1, o lexema “mão” aparece com a significação definida anteriormente ; na 2, significa com firmeza; na 3, o controle do dono da empresa com pulso firme; em 4, ato de “colaboração”. Então, observa-se que por esses exemplos cada lexema possui um núcleo (parte do braço), suscetível de ser analisado em detalhes, e, partindo desse núcleo, várias significações podem se desenvolver. Tais possibilidades significativas são múltiplas, porém não infinitas. Pelo contrário, são elas bem delimitadas, pois todas essas significações virtuais estão, de algum modo, relacionados ao núcleo estável de significação. Por essa razão, um lexema é uma organização virtual de sentido, que, mesmo ao possuir um núcleo permanente, realiza-se de maneira distinta em diferentes contextos nos quais se encontram.

Ao trabalhar com textos e não com enunciados isolados, verifica-se que as figuras estabelecem relações entre si, formam uma rede. Na análise textual, o que interessa é o encadeamento de figuras, é o tecido figurativo. Lendo um texto, não se está apreendendo figuras isoladas, porém percebendo relações entre elas, levando em conta a trama que constituem. A essa rede relacional, a esse encadeamento de figuras, denomina-se de percurso figurativo. Verifica-se, no texto verbal, que um conjunto de figuras lexemáticas relacionadas compõe um percurso figurativo.

(25)

A fim de que um conjunto de figuras ganhe um sentido, é necessário que seja a concretização de um tema, que, por sua vez, é o revestimento de enunciados narrativos. Então, ler o percurso figurativo é descobrir o tema que subjaz a ele.

Em um texto, pode haver mais de um percurso figurativo. A quantidade de percursos depende dos temas que se deseje manifestar. Os percursos tanto podem opor-se como opor-se superpor.

(26)

1.3. Literatura de Cordel

1.3.1. Origem da literatura de cordel

A expressão “literatura de cordel” foi inicialmente empregada pelos estudiosos de nossa cultura para designar os folhetos vendidos em feiras, numa aproximação com o que acontecia em terras lusitanas. Os cordéis portugueses eram escritos e lidos por pessoas que pertenciam às camadas médias da população como advogados, professores, militares, clérigos, médicos, funcionários públicos e outros. Em Portugal eram chamados cordéis os livros impressos em papel barato, vendidos a baixos preços, pendurados em barbante.

Luís da Câmara Cascudo e Manuel Diéges Júnior são dois ilustres folcloristas brasileiros que escreveram sobre a origem do cordelismo; Cascudo escreveu em diversos livros e ensaios, especialmente, no seu “Vaqueiros e Cantadores” e “ Cinco Livros do Povo”, e Júnior escreveu sobretudo num ensaio “Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel”. Eles mostraram a vinculação dos folhetos de feira, a partir do século XVII, com “folhas volantes” ou “folhas soltas”, em Portugal, cuja venda era privilégio de cego, conforme informava Teófilo Braga.

A literatura de cordel teve sucesso, em Portugal, entre os séculos XVI e XVIII. Os textos podiam ser em versos ou prosa, não sendo invulgar tratar-se de peças de teatro, e versavam sobre os mais variáveis temas. Encontram-se farsas, historietas, contos fantásticos, escritos de fundo histórico, moralizantes e outros, não apenas de autores que sempre estiveram no anonimato, todavia, também dos que viram a sua obra vendida a preço baixo e divulgada entre o povo, como: Gil Vicente e Antônio José da Silva, o Judeu. Exemplos bem conhecidos, entre portugueses, de literatura de cordel são Histórias de Carlos Magno e dos Doze Pares de França, A Princesa Magalona, História de João de Calais e A Donzela Teodora. Algumas obras bem apreciadas em Portugal tinham origem espanhola, francesa ou italiana, sendo depois adaptadas ao gosto português.

A literatura de cordel era conhecida nas feiras portuguesas, no século XVII, como: as “folhas volantes” ou “folhas soltas” e, na Espanha, tal literatura era chamada de “pliegos sueltos”, denominação que passou também à América Latina, ao lado de hojas e corridos. Essa denominação é ainda corrente na Argentina, México, Nicarágua e Peru. De acordo com a folclorista argentina Olga Fernandéz Lautor de Botas, citada por

(27)

Diéges Júnior, tais hojas ou pliegos sueltos, divulgados através de corridos, envolvem narrativas tradicionais e fatos circunstanciais – justamente como a literatura de cordel brasileira. Na França, esse fenômeno correspondia à littèratue de colportage-literatura volante, mais dirigida à zona rural, através do ocasionnels, enquanto nas cidades prevalecia o canard. Na Inglaterra, os folhetos eram correntes e denominados cocks ou catch-pennies, em relação aos romances e às estórias imaginárias; e a broadsiddes, em relação às folhas volantes sobre fatos históricos, chamados “folhetos de época” ou “acontecidos”.

Têm-se notícias, também, da existência de folhetos de cordel na Holanda - no século XVII, bem como na Alemanha nos séculos XV e XVI.

Na Alemanha, os folhetos tinham formato tipográfico em quarto e oitavo de quatro e a dezesseis folhas. Eram editados em tipografias avulsas, destinando-se ao grande público, sendo vendidos em feiras, mercados, tabernas, em frente a igrejas e a universidades. Suas capas traziam xilogravuras, fixando aspectos do tema tratado. A maioria dos folhetos germânicos foi escrita em prosa, porém outros apareciam em versos, inclusive com indicação para ser cantado com melodia conhecida na época.

Em referência aos panfletos holandeses – pamflet, do século XVII, os temas tratados eram econômicos, militares, políticos, quando não surgiam temas terrivelmente pessoais. Um relato à Guiana, então, holandesa, trata de um crime em que estão envolvidas pessoas que vieram a Pernambuco. Esses personagens trouxeram folhetos, sendo a maioria de dez a vinte páginas, em tipo gótico, vivenciando-os bem no referido estado. Isso pode mostrar a evidência que embora a literatura cordelista brasileira tenha as suas origens de Portugal e de Espanha, as fontes mais remotas dessa manifestação estão bem mais recuadas no tempo e no espaço. Assim, vê-se que o cordelismo esteve na Alemanha nos séculos XV e XVI, como esteve na Holanda, Espanha, França e Inglaterra, a partir do século XVII. O Cordel ganhou o mundo por meio do estudo, pesquisa e divulgação de mestres, leitores, amantes e pesquisadores da cultura popular.

A poesia de cordel demonstra a sua força e pujança na expressão ibero-lusitana-afro-brasilíndia e galego-castelã, sem esquecer a verve provençal e italiana (latina). Os romanos com suas epopéias fecundaram a semente da poesia ocidental, herdada dos gregos, etruscos, celtas, gauleses, bretões, normandos, nórdicos e dos povos bárbaros da antiga Europa, Ásia e África.

(28)

1.3.2. A literatura de cordel no Brasil

O ano de 1830 é considerado, historicamente, o ponto de partida da poesia popular nordestina. Já o movimento editorial do cordel se iniciou antes de 1900, em 1893 com Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista e Silvino Pirauá. A cantoria que exalta, sobretudo, a literatura de cordel teve origem nos primeiros quartéis do século XIX na serra do Teixeira, estado da Paraíba, tendo como seu primeiro expoente Francisco Romano Caluête (Romano da Mãe d’água), autor do próprio vocábulo cantoria. A viola foi utilizada pela primeira vez no Brasil como instrumento de cantoria pelos idos de 1840, na cidade paraibana de Teixeira.

Ainda se pode destacar que, a partir do início do século XX, a literatura de cordel tornou-se mais conhecida, passando a conquistar cada vez mais leitores e poetas. Entre os inúmeros autores de cordel, alguns nomes se destacam como o poeta paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918) a quem é atribuída a autoria de mais de mil folhetos, sendo considerado por Carlos Drummond de Andrade, o “rei da poesia do sertão”. Outros nomes se destacaram: Apolônio Alves dos Santos, Firmino Teixeira do Amaral, Francisco das Chagas Batista, entre muitos outros e autores mais recentes como: José Alves Sobrinho, Homero do Rego Barros e Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva).

Hoje, a literatura de cordel é divulgada por todo Brasil, embora o seu berço continue sendo o Nordeste, tendo em vista que algumas faculdades e universidades inseriram-na como disciplina curricular. E na Paraíba, faz parte de programa de vestibulares, tendo como um dos seus incentivadores o professor doutor José Hélder Pinheiro Alves.

Vários escritores nordestinos foram ou estão sendo influenciados pelo cordelismo. Entre eles, destacam-se: João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego, Guimarães Rosa e, em especial, Ariano Suassuna - escritor, poeta e estudioso do assunto. Ele classifica a literatura popular em versos (o cordel) como: o heroico, o maravilhoso, o religioso ou o moral, o satírico e o histórico.

Ariano faz a seguinte classificação temática do cordel: a) Erudito:

1) “Ciclo heroico, trágico e épico; 2) Ciclo do fantástico e do maravilhoso; 3) Ciclo religioso e de moralidades;

(29)

4) Ciclo cômico, satírico e picaresco; 5) Ciclo histórico e circunstancial; 6) Ciclo de amor e de fidelidade; 7) Ciclo erótico e obsceno; 8) Ciclo político e social; 9) Ciclo de pelejas e desafios. b) Popular:

1) Romances de Amor;

2) Romances de Safadeza e Putaria; 3) Romances Cangaceiros e Cavalarianos; 4) Romances de Exemplo;

5) Romances de Espertezas, Estradeirices e Quengadas; 6) Romances Jornaleiros;

7) Romances da Profecia e Assombração.

Os trovadores foram os principais precursores para a futura Literatura de Cordel nos países de língua portuguesa, principalmente no Nordeste do Brasil, a partir de Salvador-Bahia, dos portos marítimos e do Rio São Francisco, até chegar a Campina Grande, Caruaru e Juazeiro do Norte, onde criou raízes e imortalizou-se na verve dos poetas cordelistas e cantadores repentistas.

Além desses dados preliminares da literatura de cordel no Brasil, do poeta cordelista paraibano, cabaceirense, tem-se o seguinte:

A expressão literatura de cordel foi inicialmente empregada pelos estudiosos da nossa cultura para designar os folhetos vendidos em feiras, numa aproximação com o que acontecia em terras portuguesas. Os cordéis portugueses eram escritos e lidos por pessoas que pertenciam às camadas médias da população: advogados, professores, militares, padres, médicos e funcionários públicos, entre outros.

Em Portugal eram chamados cordéis os livros impressos em papel barato, vendidos a baixos preços, pendurados em barbante.

O ano de 1830 é considerado historicamente, o ponto de partida da poesia popular nordestina.

O movimento editorial do cordel inicia-se com Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista e Silvino Pirauá, antes do ano de 1900.

O cantador e poeta popular José Galdino da Silva (DUDA), autor de “História de Bernardo e Dona Genevra” nasceu em Cabaceiras – PB, no ano de 1866.

(30)

A cantoria teve origem nos primeiros quartéis do século XIX, na serra do Teixeira, estado da Paraíba, tendo como seu primeiro expoente Francisco Romano Caluête (Romana da Mãe d’água), autor do próprio vocábulo cantoria.

A viola foi utilizada pela primeira vez no Brasil como instrumento de cantoria pelos idos de 1840, na cidade paraibana de Teixeira.18

Verifica–se, portanto, que a literatura de cordel chegou ao Brasil, na segunda metade do século XIX, através dos portugueses e também pela influência dos espanhóis.

A literatura de cordel é típica da região Nordeste do Brasil. É um gênero da poesia narrativa popular impressa representante da cultura popular. Nas feiras do Nordeste, é muito comum encontrar-se bancas onde são vendidos folhetos (literatura de cordel) – escritos geralmente em versos (sextilhas, septilhas ou décimas) – e que tratam dos assuntos mais variados. Na sua maioria, são romances que contam estórias com a intenção de entreter ou “versos de opinião”, que criticam fatos ou pessoas. É muito comum, também, encontrarem-se alguns romances que reproduzem desafios, cantando as aventuras sobre cangaceiros, líderes religiosos, políticos e heróis nordestinos. Além disso, há uma espécie de jornalismo quando o cordelismo trata de desastres, inundações, secas, tramas de romance e várias outras criatividades, às vezes, chegando a centenas de títulos por ano. O poeta popular é, portanto, o representante do povo, um repórter dos acontecimentos da vida.

Não há regras para a escolha do tema de um cordel, podendo narrar as aventuras de um herói ou até acontecimentos importantes de interesse público.

Os poetas populares costumam classificar a literatura de cordel em cinco temas mais frequentes: romance, valentia (história de um valentão que sempre acaba mal), gracejo, desafio e encantamento. Ariano Suassuna classifica-a, sintaticamente, nos seguintes ciclos temáticos: histórico, heroico, moral/ religioso, satírico e maravilhoso, entre outras citações.

Apesar dos altos níveis de analfabetismo, a popularização da literatura de cordel foi possível porque os poetas cordelistas cantavam suas histórias nas feiras e praças, muitas vezes ao lado de músicos. Os folhetos eram colocados em lugares bem visíveis ao público, às vezes, amontoados no chão, despertando a atenção dos transeuntes. Até pouco tempo as feiras nordestinas eram verdadeiras festas para o povo das cidades do

18 CABACEIRAS, Paulinho de (do IHGCP). Uma viúva no Auto da Compadecida, - Cabaceiras – Paraíba; junho,

(31)

interior; nessas feiras, além de comprar ou vender os seus produtos, as pessoas podiam se divertir e se inteirar dos assuntos políticos e sociais.

A literatura cordelista faz grande sucesso, especialmente, em estados como Pernambuco, Ceará, Alagoas e Bahia. Esse sucesso ocorre em função do preço baixo, do tom humorístico de muitos deles e também por retratarem fatos da vida cotidiana da cidade ou da região. Em algumas situações, esses poemas são acompanhados de violas e recitados em praças com a presença do público. Citamos o fato atual de nossa visita ao Rio de Janeiro – RJ, à feira de São Cristóvão (reduto dos nordestinos), no bairro do mesmo nome, onde assistimos a cantorias de viola em que, além dos repentes cantados, também eram entoadas histórias de cordel. E isso acontece em três dias da semana.

(32)

2. O CORPUS DA PESQUISA

2.1. Ariano Suassuna: Breve Biografia

Nasceu na Paraíba, na capital, em 16 de junho de 1927, quando o seu pai, João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna era presidente da Paraíba, o que hoje corresponde a governador. Em 1930, por ocasião de perseguições políticas, o pai foi assassinado no Rio de Janeiro, deixando nove filhos e a viúva Rita de Cássia Dantas Vilar. Estudou o curso primário em Taperoá – PB, o ginasial e o colegial em Recife – PE, onde fez inicialmente o curso de Direito, formando-se em 1950. Posteriormente, cursou filosofia na Universidade Católica de Pernambuco, concluindo o curso em 1960, e em 1976, defendeu a tese de livre-docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira, na UFPE.

De 1967 a 1973, atuou como membro fundador do Conselho Federal de Cultura. Exerceu cargo de Secretário de Educação e Cultura do Recife, na gestão do prefeito, Antônio Farias, de 1975 a 1978.

Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco de 1956 a 1989 onde lecionou na graduação: Teoria do Teatro, Estética e Literatura Brasileira. Também foi professor de História da Cultura Brasileira, no mestrado da mesma universidade, cargo que ocupou por mais de trinta anos, até 1987.

É membro da Academia Brasileira de Letras desde 09 de agosto de 1990. Foi Secretário Estadual de Cultura (PE) de 1995 a 1998, no governo de Miguel Arraes, cargo que voltou a ocupar no governo de Eduardo Campos a partir de janeiro 2007.

Em relação à sua carreira, assim mostra Tavares:

A carreira de Ariano Suassuna teve três grandes momentos de sucesso nacional. O primeiro foi em 1957 com a primeira montagem do Auto da Compadecida no Rio de Janeiro. O segundo foi entre 1970 e 1971, com o lançamento do Movimento Armorial e do romance d’A Pedra do Reino. O terceiro ocorreu entre 1994 e 2000, com as adaptações de quatro de suas peças para a televisão: Uma Mulher Vestida de Sol, por Luiz Fernando Carvalho (1994); Farsa da Boa Preguiça, pelo mesmo diretor (1995), o Auto da Compadecida, por Guel Arraes (1999) e O Santo e a Porca, adaptada por Adriana Falcão e dirigida por Maurício Farias (2000) Essas produções, mais a adaptação da Compadecida para o cinema pelo mesmo Guel Arraes em 2000, levaram a obra de Ariano, no espaço de poucos anos para dezenas e milhões de pessoas. 19

(33)

A figura de utopia no sentido clássico de “lugar ideal”, não existe na obra de Ariano. O Sertão que é evocado por ele com todas as suas maravilhas não é um lócus utópico, é um campo de batalha, um sítio de conflagração. A cidade de Taperoá, onde ele viveu parte de sua vida não é uma utopia.

Os temas que percorrem a obra de Ariano, emergindo onde e quando menos se espera são dualidade, divisão em dois, cabo-de-guerra permanente entre forças que se equivalem, união dos opostos, antagonismo consigo mesmo, tese e antítese em reviravolta perpétua. A dualidade mais evidente que se nota na obra de Ariano é entre Sertão e Cidade.

Em Ariano Suassuna, temperamentos opostos convivem, resultando em “ambiguidades” nas quais ele próprio se apressa a afirmar que se sente como em casa para o seu processo criador.

Ele tem a extraordinária experiência de ter vivido em uma cidade pequena do sertão da Paraíba, de viver parte de sua vida na zona rural e de morar por longos anos em uma cidade grande como Recife. Toda essa sua convivência é sentida em suas obras. Ariano tem sido, ao longo dos anos, homenageado constantemente pelo Brasil inteiro. A ele são prestados contínuos panegíricos pelas obras escritas, pelas peças teatrais, filmes, palestras, pelo seu espírito de voluntariedade ante aqueles que o procuram nas entrevistas e auxílio cultural, pela sua liderança segura e seu jeito carismático de lidar com as pessoas. Ele é o maior escritor nordestino e um dos maiores da Literatura Brasileira.

2.1.1. Erudito versus popular na obra de Ariano Suassuna

Estudar e analisar o “Auto da Compadecida” levanta inevitavelmente o tema relacionado entre o mundo popular e o erudito na obra de Ariano Suassuna já que ao escrever o Auto ele também se inspirou em obras clássicas e não somente se ligou ao popular. É importante lembrar que no procedimento de utilização das obras populares nordestinas, Ariano é o exemplo por completo da opção estética do Movimento Armorial, do qual é um dos fundadores e mentor. Em um texto que ele escreveu para o

(34)

movimento, assim define: “O Movimento Armorial pretende realizar uma Arte brasileira erudita a partir das raízes populares de nossa Cultura.” 20

Maria Ignez Ayala observa que “Ariano Suassuna é um exemplo de autor, o qual partiu de modo consciente para o popular [...]. Selecionando temas e várias modalidades de composição da literatura popular em verso, executa o seu trabalho de recriação.” 21 O dramaturgo Ariano sempre assumiu tal filiação ao popular e, mais ainda, proclamada por ele. Quanto à acusação de plágio, por exemplo, ele reage com a “confissão” de plágio, mas em um nível muito mais complexo que o da mera cópia.22 Se a opção de

estética de Ariano vem do popular, ela não se limita a ele. Vê-se, portanto, toda a riqueza da obra desse grande escritor que faz uma síntese de alta qualidade, com todo o respeito às fontes populares à medida que as identifica e fazendo jus ao status de grande obra devido ao resultado de sua construção e pela amplitude de sua produção, que passeia pelos três gêneros fundamentais com grande sucesso. Sua postura, então, é respeitosa, à medida que não reduz as obras da literatura popular a um estágio inferior da cultura.23

O projeto de criação de uma “Arte brasileira erudita”, a partir das raízes populares, deve ser o ponto que nos parece mais controverso. Não resta dúvida de que seja verdade quanto à tensão criativa entre erudito e popular, a constitutiva da criação artística nas sociedades desenvolvidas. Quer de um lado quer de outro, muitos exemplos ratificam que ambas as tradições se enriquecem reciprocamente, numa relação ora admirativa, ora contestatória. Na afirmativa de Ariano, pode existir efetivamente o risco de uma leitura implicitamente demeritória da cultura popular quando se tem a intenção de que tal cultura precise de “erudição”. Crê-se não haver impedimento quanto a que isso se dê, todavia, sem o prejuízo nem o preconceito das obras populares originais.

20 SUASSUNA, Ariano. O movimento armorial. Recife: Universitária – UFPE, 1974. p. 9.

21 AYALA, Maria Ignez Novais. a) Trilhas e percursos da cultura popular na dramaturgia de Ariano Suassuna. In: MACIEL, Diógenes; ANDRADE, Valéria (orgs). Por uma militância teatral. Campina Grande: Bagagem; João Pessoa: Idéia, 2005. p. 39.

22Veja-se a resposta de Ariano na íntegra, reportada por Maria Ignez Ayala . AYALA. a) Op.Cit. p.48-49.

23

“[Ariano Suassuna] ressente-se diante dos que tratam a literatura popular e a erudita em termos de cultura inferior e superior, quando a questão é de diferença entre manifestações culturais.” AYALA. a) Op.Cit. p..50.

Referências

Documentos relacionados

8:02:55 371 DIEGO LÓPEZ SANTALLA CD TRIATLÓN MANDARACHE SANTA ANA ABM. 8:02:55 372 CRISTOPHER RODRIGUEZ

The APMO did not cause significant damage to the DNA of the rats in the four doses used when compared to the negative control group (saline + Tween ® 80).. The APMO did not present

estrutura social e urbana (são 32.224 empreendimentos voltados para saúde, educa- ção, mobilidade urbana, saneamento, etc., com o objetivo de melhorias da infraestrutura urbana

The plots that present the change of accuracy varying the CMS number showed that, in most of the cases, the optimum value is higher than one – value one means that the original

Sabendo-se que o entorno do reservatório pode vir a influenciar a qualidade da água deste, este trabalho tem por objetivo fazer a avaliação multitemporal do uso do solo

As diferenças encontradas entre as temperaturas medidas in loco e aquelas estimadas pelo sensor MODIS foram pequenas para a maioria absoluta das medidas

Quatro diferentes métodos de extração de características do som de palavras são aplicados aos sinais e o resultado do reconhecimento usando uma rede neural

Contudo, não podemos deixar de salientar a conexão que havia entre a SUO e as demais associações que detinham um maior alcance social; relação esta predominante logo no início de