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A QUESTÃO EMPREGO NO DISCURSO POLÍTICO DO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA NO DECORRER DE SUA VIDA PÚBLICA 1

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Academic year: 2021

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Resumo: A pesquisa examina o discurso político do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a Teoria da Argumentação, elaborada pelo belga Chaïm Perelman, e a Análise do Discurso francesa. Buscou-se descrever as mudanças do discurso do Presidente sobre a questão do emprego no Brasil analisando o corpus que ilustra as fases distintas na vida política de Lula desde o período de sindicalismo até a reeleição à Presidência, em 2006. Ficaram evidentes traços discursivos pertinentes ao longo de 30 anos de vida pública e uma mudança significativa de argumentos no decorrer desse período.

Palavras-chave: discurso político, argumentação, Lula, emprego.

Abstract: This paper discusses the discursive path of the nation’s President, Luiz Inácio Lula da Silva, based on the theory of argumentation, proposed by the Belgian author Chaïm Perelman, and on the French discourse analysis. In this work, we attempted to exemplify the change and the continuity of the President’s discourse features in relation to his arguments on the issue of employment in Brazil. The corpus for analysis was the result of the historical research about Lula, which indicated the existence of distinct phases in his political life. The continuity of discourse features during 30 years of public life and a significant ideological change along the period mentioned above are evident.

Key words: political discourse, argumentation, Lula, employment.

O primeiro representante do Partido dos Trabalhadores a ocupar o cargo de Presidente da República, destacou a questão “emprego” em suas falas devido ao campo discursivo recorrente ao próprio PT. Historicamente aliado às questões da classe trabalhadora, o Partido ora reivindicou melhorias salariais, ora por pleiteou novos empregos. No decorrer dos mais de 30 anos de vida pública, Luiz Inácio Lula da Silva contemplou a temática em seus discursos, entretanto com enfoques diferenciados de acordo com o cargo que ocupava e o contexto social brasileiro.

A abordagem teórica selecionada para a obtenção dos resultados da investigação é fruto de reflexões sobre a Análise do Discurso e a Teoria da Argumentação, elaborada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). A aplicação das teorias nos pronunciamentos precedentes e atuais objetivou verificar a ocorrência de mudanças no período delimitado no corpus. Conforme Panke (2005) os discursos de Lula classificam-se em três momentos distintos: a fase de extrema-esquerda, a de transição e a de centro-esquerda. A primeira fase

1 O artigo apresenta uma síntese dos resultados alcançados na tese de doutoramento pela Escola de

Comunicações e Artes (USP/2005) e também da pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa Mídia, Educação e Linguagem, na UFPR, com a colaboração dos orientandos de Iniciação Cientifica, Daniel Gutierrez e Thiago Miguel da Silva.

2 Luciana Panke é doutora em Ciências da Comunicação (ECA/USP). No âmbito acadêmico há 10 anos,

pesquisa linguagem, publicidade e propaganda, comunicação e política, é professora adjunta e vice-coordenadora do curso de Comunicação Social, na Universidade Federal do Paraná, Brasil. Contato: panke@ufpr.br

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corresponde ao sindicalismo, fundação do Partido dos Trabalhadores, mandato como Deputado Federal e candidato à Presidência da República em 1989. Foi o período de contestação, no qual o discurso, influenciado por um contexto de mudanças radicais na política e na economia, apoderava-se de críticas ao sistema. A organização de classes apresentava-se como uma alternativa ao restabelecimento da democracia. O discurso de Lula era basicamente informal, consagrando-se pela identificação com o público, como uma liderança emergente.

O mercado e suas leis eram tidos como injustos e passíveis de modificações estruturais com a proposta de dissolução do sistema vigente para implantação de um modelo socialista. “(...) sentimos na própria carne, e queremos, com todas as forças, uma sociedade que, como diz o nosso programa, terá que ser uma sociedade sem explorados e sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista?” (LULA,1981). A força da expressão retórica manifesta-se na ênfase em “sentimos na própria carne” (argumento de superação e requisito fundamental para a construção da figura do herói), “com todas as forças” e a pergunta final – típica do modelo retórico para introduzir as respostas articuladas. O discurso socialista interpela esse sujeito ao afirmar o desejo de uma sociedade sem explorados e sem exploradores.

Com a retomada da democracia no Brasil, vieram as eleições diretas à presidência da república, todas apresentando a candidatura de Lula. As estratégias petistas nas campanhas eleitorais apresentaram modificações com o passar dos pleitos. Na primeira eleição direta para a Presidência, depois do Regime Militar, Lula disputou o segundo turno contra Fernando Collor, representando o pensamento da esquerda brasileira. Ele ainda mantinha características do perfil operário, tanto por sua postura ideológica, como pelo visual. Os aspectos remanescentes do período sindical correspondiam a um discurso coloquial e crítico, eliminando o diálogo com as classes dominantes e os acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional.

A crítica ao sistema era claramente divulgado, como se pode observar no trecho a seguir, extraído do programa veiculado no Horário Eleitoral Gratuito: “Todo trabalhador sonha em poder comprar um presente de natal para o seu filho. Sonha em poder comprar um presente no dia do aniversário. Esse é um sonho, esse é um sonho pequeno, esse é um sonho que não é nada pá (sic) quem trabalha a vida inteira. Pra quem trabalha 240 horas por mês. Esse é um sonho que não deveria ser nada pra quem trabalha de sol a sol. E por que não pode fazer isso? Por que não podem? Exatamente porque o sistema que predomina nesse país é um sistema capitalista arcaico, onde meia dúzia pode tudo e a maioria não pode nada”. (LULA,

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08/10/1989) Esse período durou pouco mais de 20 anos, o que explica a imagem predominante de Lula no imaginário coletivo. Nesse momento, Lula, contestador, consagrou-se como uma liderança popular, abrindo a possibilidade de organização das massas. A questão do emprego era tratada, na maioria, em relação à manutenção das vagas e à qualidade de vida no trabalho, seja pelas condições gerais, seja por aumento salarial.

A fase seguinte, (década de 90) denominada pela autora como de “transição” é um reflexo da abertura econômica no Brasil, o fracasso nas urnas durante a campanha precedente e ao amadurecimento do Partido dos Trabalhadores, que passou a buscar acordos com outros partidos de esquerda. Apesar do PT considerar quase certa a eleição em 1994, o lançamento do Plano Real, em julho daquele ano, afastou a chegada de Lula ao Planalto, elegendo o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, já no primeiro turno. O mesmo ocorreu nas eleições de 1998, quando a população preferiu manter a suposta estabilidade na economia.

Mesmo com as derrotas, nesse momento houve o inicio da reformulação da imagem do candidato, que passou a se mostrar plural e se apossou da figura do “herói” argumentando com sua história pessoal as propostas eleitorais. O discurso passa a ser comedido, evitando o uso de expressões imperativas, conforme o exemplo abaixo, exibido no Horário Eleitoral Gratuito. “Antes de começar essa campanha, eu resolvi viajar pelo Brasil. Percorri 40 mil quilômetros, de trem, de ônibus e de barco. Conversei com pequenos, médios e grandes empresários. Conversei com sindicalistas. Conversei com índios. Conversei com pescadores. (...) Eu conversei com toda a sociedade brasileira para ganhar subsídios para construir um programa de governo. Um programa de governo não como uma peça de laboratório, mas um programa de governo olhando nos olhos das pessoas, no coração das pessoas. (...) Nessa viagem eu aprendi que o povo brasileiro está precisando apenas de uma oportunidade. Uma oportunidade de trabalhar. Uma oportunidade de produzir. Uma oportunidade de conquistar a cidadania”. (LULA, 1994)

O discurso mais amplo é constatado pela variedade de públicos citados e por expressões como “conversei” e “aprendi”, indicando ponderação. Há uma tentativa de sensibilização com a explanação da viagem pelo país buscando provar o conhecimento do então candidato pelas causas populares brasileiras. A questão do emprego é apresentada como uma ferramenta de conquista do que Lula chamava de cidadania e passou a abranger aspectos econômicos do País, argumentando a necessidade de geração de empregos.

A campanha vitoriosa, em 2002, mostrou um candidato ponderado e estadista. O slogan “a esperança venceu o medo” reforçou o caráter simbólico de Lula, que se colocava como a esperança para o Brasil. A adesão de um novo público à sua candidatura explica-se,

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entre outros fatores, por sua postura de rompimento com os velhos dogmas do PT, sua mudança em relação às propostas econômicas e à vice-presidência preenchida por um partido de direita, o Partido Liberal (PL).

A campanha nessas eleições teve como principal objetivo reconstruir a imagem pública do candidato. Era preciso, naquele momento, desfazer a imagem de esquerdista radical e despreparado para governar o país, até em função da falta de extração social e de diploma universitário do candidato. O discurso adotou o tom que ficou conhecido como “Lulinha paz e amor” e acabou apresentando a nova imagem de hábil negociador.

A escolha do público alvo da campanha pareceu também modificada. Ao contrário dos velhos jargões da esquerda, conclamando a população para mudanças radicais, amparadas por aliados esquerdistas, o candidato agora se voltava mais para o auditório geral e auditórios particulares bem definidos como trabalhadores, empresários e desempregados e o auditório particular focou questões relacionadas à economia. O emprego é citado nessa campanha como um fator essencial para a obtenção de dignidade, a partir do desenvolvimento econômico que seria alcançado pelas propostas eleitorais.

A partir da vinheta com o texto “Atenção Brasil, começa agora o programa Lula Presidente” já se observou a generalidade. Primeiro, a utilização do país na abertura indica o discurso voltado para todos, sem distinção. Depois, representa a estratégia principal de apresentar o candidato como estadista, valorizando, de imediato, o país, como um reforço ideológico de construção de identidade nacional. Essas duas hipóteses são reforçadas pelo texto em off apresentado em um dos programas analisados: “(...) Eram milhões de pessoas nas ruas em todos os cantos do Brasil. Era um sonho de um Brasil livre, justo e soberano, mais alegre e mais feliz que contagiava a todos”. Primeiro demonstra a extensão do auditório, depois, faz uso dos valores essenciais, “liberdade e justiça” para despertar a emoção dos eleitores.

A ênfase em temas econômicos pode ser observada no trecho a seguir no qual se apresenta a crítica ao modelo de governo anterior, procurando mostrar que toda a população está envolvida. “A crise que o nosso país atravessa não deixa dúvida, o atual modelo econômico está esgotado, somos um país cada vez mais endividado e cada vez menos produtivo. Ou seremos capazes de produzir mais, de fazer crescer a renda do povo, fortalecendo nossa economia, ou continuaremos andando para trás.” (LULA, 2002). Importante assinalar também, que havia a tentativa de identificação entre orador e auditório com as conjugações em primeira pessoa do plural e o uso de pronomes possessivos na mesma

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pessoa: “nosso país” e “somos um país”. O orador, dessa forma, situava-se no mesmo plano de atuação daqueles a quem pretende atingir com seu discurso.

O candidato partiu de pressupostos como o sonho de um emprego e de geração de renda para dirigir-se aos desempregados do país. O emprego, portanto, é encarado como um valor que gera laços sociais. “(...) são homens e mulheres que sonham com um emprego, que sonham com uma oportunidade para mudar suas vidas e não encontram. Pessoas que não conseguirem arranjar dinheiro para começar ou ampliar um pequeno negócio vão poder contar com uma nova linha de crédito muito simples e rápida do Banco do Brasil (...)” (LULA, 2002). Esse trecho demonstra, também, a noção de justiça por oferecer a camadas excluídas a mesma oportunidade que a outros setores da sociedade. A adesão é praticamente certa quando se recorre a elementos que invocam o espírito de justiça no auditório.

Lula Presidente – O primeiro mandato

Atualmente, o discurso do Presidente é de centro-esquerda. Isso significa a admissão de capital privado e estrangeiro na economia nacional e a minimização do papel do Estado enquanto provedor. Tal característica, jamais admitida no momento de extrema-esquerda, passa a se formar na década de 90, juntamente com o discurso de “transição”. A Carta ao Povo Brasileiro, divulgada em junho de 2002, apresentou as diretrizes que seriam adotadas no caso da vitória petista, especialmente em relação às medidas econômicas, oficializando as mudanças ideológicas presentes no PT e na postura do então candidato. Por exemplo, enquanto nas campanhas de 1989 e 1994, o Partido não cogitava o cumprimento dos acordos com os credores internacionais, em 1998 se propunha a analisá-los, na Carta, comprometeu-se a cumpri-los.

A questão do emprego mereceu destaque com a promessa da criação de 10 milhões de vagas em quatro anos. De acordo com a pesquisa realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o presidente eleito herdou 7,9 milhões de desempregados. Durante o primeiro ano de governo, ele proferiu 261 pronunciamentos que se fundamentaram em valores comuns à humanidade, como justiça social e liberdade, o que revela uma permanência em relação aos períodos anteriores. Entretanto, outras questões antes inimagináveis, foram inseridas nos discursos. O emprego, por exemplo, foi elemento legitimador para sustentar os discursos onde defendia as parcerias com o capital privado, nacional e estrangeiro ou para justificar a implantação de reformas nem sempre bem-vindas, como a reforma da previdência. Os discursos incitavam a participação social na discussão das propostas, como por exemplo, a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e também dividiam responsabilidades, especialmente, com a iniciativa privada, nas

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Parcerias Público-Privada. A vinculação social do tema deu-se pelo Programa Primeiro Emprego, destinado a favorecer a entrada dos jovens no mercado de trabalho, mas que acabou fracassando.

No ano seguinte, a principal técnica argumentativa utilizada foi a “direção” para apontar futuras mudanças e planejamentos para os últimos dois anos de seu primeiro mandato Destacam-se as técnicas de superação, fins e meios e incompatibilidade, pois das 34 técnicas argumentativas apresentadas no ano, essas categorias correspondem a 50% do total. Paralelamente, Lula faz questão de recordar seu passado de metalúrgico e ex-sindicalista, numa forma de aproximar-se da classe trabalhadora brasileira. Faz isso lembrando sempre que seu passado foi um tempo difícil e que teve que superar todas as adversidades até ocupar o maior cargo de uma nação. Ressalta-se a presença da temática emprego nos pronunciamentos de 2004, com a principal associação feita relacionando o trabalho como propulsor do desenvolvimento sócio-econômico.

Enquanto cenário político, o ano pré-eleitoral de 2005 foi marcado pela crise, uma vez que o PT foi obrigado a confrontar seu histórico discurso ético e combativo a uma sucessão de denúncias corrupção, que em sua maioria tiveram origens na própria base do governo. As denúncias revelaram o funcionamento de esquemas que favoreciam diretamente o Partido e os demais partidos aliados. Este dinheiro era utilizado para financiar as futuras campanhas eleitorais e também aplicado na compra de apoio político no Congresso Nacional, a fim de facilitar a aprovação dos projetos do governo. Em razão da periodicidade com que os pagamentos foram realizados, a crise acabou rotulada de “mensalão”. Estes fatos fizeram com que o núcleo do governo “lulista” terminasse o ano fragilizado, ocorrendo diversas renúncias e afastamentos. Nos períodos mais agudos da crise, entre setembro e novembro, o prestígio e a popularidade de Lula estiveram também ameaçados.

A temática emprego intensificou-se na argumentação do Presidente à medida que a crise política também se acentuou. A média mensal de pronunciamentos sobre o tema, em 2004, foi de 34,6 % , já em 2005 esse número se elevou para 46,5 %. No entanto, o crescimento da ocorrência do tema “emprego” se deu de maneira desigual. Até junho de 2005, a palavra “emprego” esteve presente nos discursos 152 vezes, já no segundo semestre sua ocorrência foi superior a 400. O dado reforça o esforço estratégico apontado nos discursos a partir do segundo semestre daquele ano, como forma de recuperar o prestígio do Presidente ao apontar suas realizações, entre elas a melhora nos níveis de emprego. A temática esteve, portanto, condicionada à tendência de explicitar as transformações ocorridas no país desde que ele fora eleito em 2002. “Em 34 meses, nós estamos criando 105 mil empregos por mês,

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12 vezes mais. Emprego de carteira profissional assinada. E vamos criar mais até dezembro, e vamos criar mais o ano que vem porque eu digo sempre que o emprego, nada mais do que o emprego dá cidadania a um ser humano. Nada é mais honroso para um chefe de família do que chegar no final do mês e levar para casa o resultado do seu salário com o resultado do seu trabalho, e colocar comida na mesa para si e para a sua família”. (LULA, 07/11/2005). O trecho demonstra, em números, as conquistas do governo e, como apelo emocional, o Presidente ilustra com valores sociais tradicionais “chefe de família” a importância do trabalho como inerente à conquista de cidadania.

Para Lula, a fundamental condicionante da variação da taxa de emprego no Brasil foi o desempenho da economia, através das exportações em crescimento, do bom andamento do setor industrial e da agricultura, das obras de infra-estrutura e do fortalecimento de grandes empresas estatais. “Em dois anos visitei mais de 35 países, abrindo novos mercados para os produtos brasileiros. Ao mesmo tempo, aqui dentro, nossa indústria começou a produzir mais; nosso comércio começou a vender mais e, com isso, depois de muitos anos, o Brasil, ao invés de desemprego, começou finalmente a dar início a um novo ciclo de contratações, criando, somente em 2004, quase 2 milhões de novos empregos com carteira assinada, o que não acontecia há mais de dez anos. (...)”. (LULA, 02/01/2005).

A técnica do vínculo causal se estabelece principalmente no início do trecho selecionado, já que a conseqüência final e desejada, “um novo ciclo de contratações” foi fruto de causas sucessivas e complementares: a visita do presidente a mais de “35 países”, a expansão de mercado para os “produtos brasileiros”, o fomento da “indústria” e do “comércio”. Ocorre nesse tipo de argumentação o esforço de apresentar a questão de uma forma didática, sugerindo as causas e fatores que implicam sua variação, ensinando a maneira como os acontecimentos sociais se imbricam. A prova da tese apresentada é feita através dos números, ou seja, de “argumentos quase-lógicos” (raciocínios formais ou matemáticos), de reconhecida validade e força persuasiva em razão principalmente das comparações possíveis.

Se o desenvolvimento econômico é a causa principal que condiciona o emprego, os projetos sociais desenvolvidos pelo governo sintetizaram para Lula o segundo pilar de importância para a geração dos empregos. São casos como o do PROUNI (Programa Universidade para Todos), ProJovem (Programa Nacional de Inclusão dos Jovens) e o Soldado Cidadão, cuja meta “..é trazer parcela de moços e moças de volta à escolaridade (...) para que possam concluir seu ensino fundamental e seguir estudando ou incorporar-se ao mercado de trabalho” (LULA, 01/02/2005).

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O Bolsa Família e o Fome Zero, programas de distribuição de renda e combate à miséria no país, foram apresentados pelo presidente Lula como importantes instrumentos para o incremento nos índices de emprego, “..o Bolsa Família, o programa Fome Zero, é uma espécie de guarda-chuva (...) No mês de setembro nós criamos 189 mil novos empregos (...) porque essa é a consolidação do fim, senão da pobreza, mas da miséria“ (LULA, 20/10/2005). Frente a esses dois programas sociais, o emprego é colocado como o terceiro estágio de um processo de “inclusão” do indivíduo, sendo o primeiro estágio o combate à fome e o segundo, a assistência mínima, fundamental para a preservação da instituição familiar, o Bolsa Família. Em suma, a defesa dos programas sociais como fomentadores de empregos no país, e, principalmente, como uma ferramenta para obtenção de uma vaga, representam a “inclusão” da parte menos favorecida da sociedade. A essa técnica argumentativa, da “inclusão da parte no todo”, fundiram-se ideais mais abstratos como dignidade, cidadania, honra e a própria função do estado democrático.

Durante o ano eleitoral de 2006, os discursos reforçaram os feitos do Governo Federal em várias esferas. Entre as que se relacionaram diretamente com emprego, destacam-se desenvolvimento tecnológico, agricultura e educação. Emprego e qualificação profissional, temas complementares nas argumentações de 2004 e 2005, também estiveram presentes nos pronunciamentos de 2006 principalmente em razão do aumento dos investimentos também no sistema educacional. “Eu sei o que é uma pessoa que não tem profissão procurar emprego. Você chega numa fábrica procurando emprego sem profissão e as pessoas falam:” não tem vaga”. Às vezes a gente espera das seis da manhã às duas das tarde e eles nem pedem a carteira profissional da gente. Agora, quando você tem uma profissão, não. O cidadão olha a carteira e fala: “espera aí, esse aqui tem profissão, aguarde um pouco”. Mesmo não admitindo, vai fazer uma fichazinha e vai dizer: “espera aí, tem um Robinho aí, tem um Cacá aí que está na reserva agora, mas vamos deixar a ficha dele, porque daqui a pouco a gente vai chamar”. E ele tem mais facilidade de emprego. É isso que eu quero para o meu país, é isso que eu quero para os meus filhos e é isso que eu quero para os filhos de 180 milhões de

brasileiros. É dar a eles a igualdade de oportunidades neste país”. (LULA, 21/02/2006).

A fala começa, implicitamente, com a experiência de vida do Presidente no que tange a realidade do cotidiano da classe trabalhadora. (Lula foi o único da família que teve a oportunidade de aprender uma profissão, de torneiro mecânico). Essa experiência de vida é retratada na argumentação pelo “caso particular” do difícil momento da entrevista para o emprego, já experimentada por ele. Além da empatia criada pelo conhecimento dessa

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realidade, a coloquialidade do discurso se acentua quando a comparação da qualificação profissional, com vistas ao emprego é feita com o futebol. Vale ressaltar que Copa do Mundo de Futebol estava sendo disputada, e os jogadores “Cacá” e “Robinho” significavam algumas das principais promessas da seleção brasileira. Segundo a linha de raciocínio, um empregador, assim como um técnico de futebol, não “desperdiçaria” a oportunidade de integrar a sua equipe um profissional com qualidades. O desfecho da passagem lega a Lula a imagem do pai provedor, através da “analogia” entre o amor de pai e o amor aos filhos, dos 180 milhões de brasileiros com vistas à inclusão dos menos favorecidos na disputa pelo emprego e a igualdade de oportunidades. Além da argumentação mais lúdica como a da comparação qualificação profissional e futebol ocorrem circunstância em que as provas numéricas do fato são apontadas, “81% das crianças, dos adolescentes que saem do Senai, arrumam emprego imediatamente e outros 53% voltam a estudar” (LULA, 10/03/2006).

Em termos gerais, pode-se afirmar que o discurso sobre emprego durante o primeiro mandato englobou questões sociais e econômicas. No primeiro aspecto, os programas sociais voltados para educação, combate à fome e à criminalidade argumentavam o mercado de trabalho como forma de inclusão social e de resgate da cidadania. No segundo enfoque, a geração de vagas seria a justificativa para a adoção de medidas que supostamente favoreceriam o desenvolvimento econômico nacional (como entrada de capital estrangeiro e aumento de carga tributária) e para implementação de reformas nacionais, muitas vezes polêmicas.

A análise da campanha eleitoral vencedora de 2006, sob o prisma da temática estudada, revelou um sensível afinamento entre os argumentos selecionados para a campanha, e aqueles utilizados nos discursos oficiais ao longo de todo o primeiro mandato. Durante o primeiro turno, por exemplo, os programas exibidos no Horário Eleitoral Gratuito pareciam um retrospecto da administração petista. No segundo turno, disputado contra o “tucano” Geraldo Alckmin, houve comparações com a gestão do PSDB, partido do adversário, e apresentação de propostas para um segundo mandato. O tema foi explorado sob dois prismas: primeiro, o aspecto emocional de inclusão com vinculação com programas sociais e valores universais (como dignidade, igualdade e cidadania); segundo: aspecto econômico, visando atingir o público de classe média e alta. Nesse sentido, comparações com o governo anterior e índices de crescimento foram amplamente utilizados buscando demonstrar a competência da atual administração.

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Se em um primeiro momento de vida pública, a temática “emprego” esteve relacionada à contestação e à criação de uma imagem identificadora com os trabalhadores, posteriormente, na fase de transição, os discursos de Lula abrangeram um público mais amplo. Com isso, primeiro, o emprego era apresentado como elemento de ligação de classe e, posteriormente, o tema esteve relacionado ao crescimento econômico e à tentativa de caracterizar o candidato como “capaz” de administrar coerentemente o Brasil. O tema era argumento para cobranças governamentais. O trabalhador, em ambas as fases, era valorizado por sua capacidade de mudança em um sistema social e econômico questionado pelo petista.

Enfim, a fase de centro-esquerda consolidou-se em 2002, com a adoção de uma postura afinada com outros países “emergentes”. Isso significa a explanação de uma fala destinada a apresentar o emprego como elemento legitimador de ações que anteriormente causariam estranheza, como o trabalho conjunto entre Governo Federal e iniciativa privada e a conquista de investidores estrangeiros para o País. Como Lula passou a ser governo, não havia a quem cobrar, portanto, no primeiro mandato as responsabilidades são compartilhadas com a iniciativa privada e há comparação com o governo anterior. A força de trabalho do brasileiro foi enaltecida como uma vantagem para esse capital, ao contrário do período precedente quando era visto como uma força pela conquista por direitos iguais.

Até a reeleição, o emprego serviu como suporte argumentativo para referenciar ações de Lula. Estar “empregado” passou, cada vez mais, a um diferenciador social, reforçado pelo discurso petista. Além disso, a exaltação de valores como dignidade, respeito e liberdade proporcionados pelo ato de trabalhar estiveram permeando todas as fases mencionadas. Referências Bibliográficas:

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PERELMAN, Chaim. Tratado da argumentação – nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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Referências

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