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TEXTOS PARA DISCUSSÃO NERIA Número 1 Santos, janeiro de 2011

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Número 1

Santos, janeiro de 2011

ASPECTOS LEGAIS E ECONÔMICOS DO ACORDO

DE FACILITAÇÃO COMERCIAL DA OMC

Leonardo Correia Lima Macedo * Paulo Costacurta de Sá Porto **

Este artigo foi aceito para publicação na revista Política Externa. Uma versão anterior deste artigo foi apresentada no XIX Congresso Nacional do CONPEDI (Congresso Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) realizado em Florianópolis entre 13 e 16 de outubro de 2010.

* Receita Federal e Organização Mundial das Aduanas (OMA). Email: macedoleo@uol.com.br

** Professor do Programa de Mestrado em Direito e Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Economia Regional, Internacional e Ambiental (NERIA) da Universidade Catolica de Santos (UniSantos). Email: saporto@unisantos.br

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Chanceler: Dom Jacyr Francisco Braido, CS Reitor: Prof. Me. Marcos Medina Leite

Pró-Reitora Acadêmica: Profª. Me. Roseane Marques da Graça Lopes Pró-Reitora Administrativo: Profª. Me. Mariângela Mendes Lomba Pinho Pró-Reitor Comunitário: Prof. Cláudio José dos Santos

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RESUMO

O objetivo deste artigo é o de discutir os principais aspectos relacionados ao Acordo de Facilitação Comercial da OMC, em particular aqueles relacionados aos Artigos V, VIII e X do GATT. Os temas desenvolvidos nestes artigos (trânsito aduaneiro, taxas e formalidades, e transparência normativa) são cruciais para a simplificação, harmonização, padronização e modernização dos procedimentos do comércio internacional. Destaca-se também a importância do tema facilitação do comércio, elencando as principais vantagens bem como algumas das dificuldades na implementação do Acordo de Facilitação Comercial até o presente momento. Além disso, mostra-se que, apesar das dificuldades, houve progressos significativos na implementação do acordo. Na seção final são elencadas as principais conclusões deste ensaio, bem como sugestões para a sua continuação e aprofundamento. PALAVRAS-CHAVE

Direito Internacional; Comércio Internacional; Integração Econômica; Organização Mundial do Comércio.

ABSTRACT

The objective of this article is to discuss the main aspects related to the Trade Facilitation Agreement at the WTO, in particular, those aspects related to Articles V, VIII and X of the GATT. The subject contained in these articles (freedom of transit, fees and formalities connected with importation and exportation, and publication and administration of trade regulations) are crucial to trade simplification, harmonization, padronization and the modernization of international trade procedures. We highlight the importance of Trade Facilitation by showing its main advantages, as well as some of the difficulties in the implementation of the Trade Facilitation Agreement so far. Moreover, we show that, in spite of difficulties in its implementation, there has been significant progress until now. In the final section we conclude, highlighting some suggestions to the continuation of this study.

KEYWORDS

International law; international trade; economic integration, World Trade Organization.

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1. Introdução

O direito econômico internacional é um ramo novo do direito que tem como uma de suas vertentes o comércio internacional. A conclusão da Rodada Uruguai do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC) são os marcos temporais para um movimento de forte regulamentação do comércio internacional. A aplicação dos princípios, acordos e jurisprudência provenientes da OMC vem recebendo crescente atenção por parte de diversos ramos do direito: ambiental, direitos humanos, tributário, comercial, trabalhista e muitos outros. Como o próprio nome ressalta, o direito econômico internacional, em razão da problemática, tem um relacionamento próximo com a economia.

A facilitação comercial (ou “Trade Facilitation”) é um dos principais temas da Rodada de Doha de negociações multilaterais da Organização Mundial do Comércio (OMC). Visa a simplificação, harmonização, padronização e modernização dos procedimentos do comércio internacional. Em tese, os procedimentos de comércio internacional compreendem as atividades práticas e formalidades envolvidas na coleta, apresentação, comunicação e processamento de dados exigidos para o efetivo trânsito de mercadorias. Por conseguinte, compreendem, basicamente, os trâmites aduaneiros, a logística, os procedimentos de licenciamento e documentação, seguros e outras exigências financeiras que são impostas na entrada (importação) ou na saída (exportação) de mercadorias dos países.

Essencialmente, a discussão do tema facilitação de comércio visa harmonizar determinadas regras entre os países

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para promover maior eficiência, transparência e previsibilidade, baseando-se em normas, padrões e práticas internacionalmente aceitos. Assim, a facilitação do comércio se consagra em potencial instrumento de redução de barreiras e custos de transação e contribui, via de conseqüência, para a competitividade de um país. De acordo com o mandato para as negociações do tema na OMC (Anexo D do Programa de Trabalho de Doha – 2004), os membros devem esclarecer e aperfeiçoar aspectos referentes ao Artigo V (liberdade de trânsito), Artigo VIII (taxas e formalidades relacionadas a importação/exportação) e Artigo X (publicação e administração dos regulamentos de comércio) do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1994). Tais artigos visam melhorar a circulação, liberação e desembaraço de mercadorias, incluídas aquelas em trânsito aduaneiro.

O objetivo geral das negociações que tratam do Acordo de Facilitação Comercial é a redução das formalidades burocráticas baseadas em papéis e a integração de sistemas informatizados (Aduana eletrônica). Sobre o assunto, já se sabe que cada país, em razão das suas circunstâncias específicas e prioridades, deve definir o ritmo e forma apropriada de implementação dos princípios de facilitação. Ou seja, não existe solução padrão para todos os casos. Para negociar o Acordo os países membros fazem propostas e discutem a redação do texto final que deverá ser aprovado ao final da Rodada juntamente com os demais Acordos, em consonância com o princípio do Single Undertaking.1

1 Princípio do Single Undertaking, ou “compromisso único”: obriga todos os

membros a concordarem com todos os temas negociados e impede que os países escolham apenas os pontos dos acordos de seus interesses. Veja, por exemplo, OMC (2001).

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O presente artigo visa discutir os aspectos relacionados ao Acordo de Facilitação Comercial, em particular os Artigos V, VIII e X do GATT. Observe-se que cada futuro novo Acordo traz uma série de novos questionamentos e desafios por resolver, em especial, relacionados à soberania e a governança dos estados-nação. A minuta do texto consolidado do Acordo de Facilitação Comercial enumera os aspectos negociados em relação aos Artigos V, VIII e X do GATT (OMC 2009).

O tema é de relevância, tanto para o Brasil, quanto para os demais países membros da OMC. No caso do Brasil, país continental com sua federação de 26 Estados e o Distrito Federal semelhante a um bloco regional, os controles fronteiriços interestaduais, o congestionamento portuário, a utilização intensiva do modal terrestre e o alto custo da armazenagem são elementos que reforçam a necessidade de aperfeiçoamento da liberdade de trânsito também na esfera interna. O estado de São Paulo, em especial seus dois aeroportos internacionais (Guarulhos e Viracopos) e o porto de Santos, movimenta o maior volume de cargas em trânsito aduaneiro no País. Estima-se que em 2009 o valor das mercadorias em trânsito tenha sido de 60 bilhões de reais e que por conta do regime foram aproximadamente 250 mil containers circulando nas rodovias.2 Em resumo, o

aperfeiçoamento do regime é essencial para o fortalecimento da federação e a concretização do mercado comum brasileiro.

2 Estas dados foram obtidos a partir de estimativas do Sistema Gerencial

de Trânsito Aduaneiro. Note, entretanto, que tais estimativas são conservadoras, já que não foram incluídos os trânsitos aduaneiros de cargas para exportação que são realizados em outros sistemas (outros modais de transporte).

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Evidencia-se, ademais, que além da OMC, diversas organizações intergovernamentais e não governamentais têm trabalhado sobre a temática, destacando-se a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (CNUCED-UNCTAD), o Centro das Nações Unidas para Facilitação de Comércio e Comércio Eletrônico (CEFACT), a Organização Mundial das Aduanas (OMA-WCO)3 e o Banco Mundial, através da Parceria

Global para a Facilitação do Transporte e do Comércio (Global Facilitation Partnership for Transportation and Trade – GFPTT).

Na próxima seção destacamos a importância do tema facilitação do comércio, elencando as principais vantagens bem como algumas das dificuldades na implementação do Acordo de Facilitação Comercial até o presente momento. Mostramos também que, apesar das dificuldades na sua implementação, já houve progressos significativos na implementação de tal acordo. Já na seção seguinte discutimos em detalhe os Artigos V, VIII e X do GATT mostrando seus principais pontos referentes às negociações em curso no âmbito do Acordo de Facilitação Comercial. Na última seção são elencadas as principais conclusões deste ensaio, bem como sugestões para sua continuação e aprofundamento.

3 A Organização Mundial das Alfândegas foi criiada em 1952 como Conselho

de Cooperação Alfandegária. Este Conselho adotou o nome de trabalho Organização Mundial de Alfândegas (OMA) em 1994, para refletir sua transição para uma instituição intergovernamental de caráter mundial. A OMA é um órgão intergovernamental independente cuja missão importa em melhorar a eficácia e a eficiência das administrações aduaneiras. É integrada por 59 países membros e se consagra como a única organização intergovernamental mundial com competência em assuntos aduaneiros. O site oficial da OMA encontra-se disponível em http://www.wcoomd.org

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2. Importância do tema de Facilitação Comercial

Vamos inicialmente discutir as vantagens de se implementar de maneira ampla e profunda o Acordo de Facilitação Comercial. Uma das principais vantagens já foi mencionada anteriormente e está relacionada ao aumento da eficiência na economia. Com a melhora na circulação, liberação e desembaraço de mercadorias e a redução geral das barreiras e entraves ao comércio, os custos de transação em uma economia diminuem sensivelmente, contribuindo para o aumento da eficiência e a melhora da competitividade de um país.

No caso do Brasil, que, como já mencionamos, tem dimensões continentais, os controles fronteiriços interestaduais e internacionais, o congestionamento portuário, a utilização intensiva do modal terrestre e o alto custo da armazenagem podem criam custos de transação significativos. Neste sentido, a facilitação do comércio é vista como supressora dos obstáculos ao intercâmbio de produtos (obstáculos que atuariam incrementando os custos de transação) por meio da simplificação e harmonização dos trâmites aduaneiros, da documentação e das correntes de informações.4 Reforça-se assim a urgência e a necessidade de um

aprofundamento da facilitação do comércio no Brasil.

Além disso, há também os benefícios da facilitação do comércio para o desenvolvimento econômico de um país. Os custos de transação de operações aduaneiras ineficientes, os longos atrasos nas fronteiras, a necessidade de documentação complicada ou desnecessária, e um excesso de controles, por

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exemplo, podem ser maior do que as tarifas aplicadas em vários países. A facilitação do comércio nestes casos pode aumentar a eficiência das cadeias produtivas e assim beneficiar as empresas e consumidores; ajudar na atração de investimento direto externo para um país; melhorar a arrecadação de impostos e ajudar no combate à fraude e à corrupção, que podem, por sua vez, ter um impacto positivo nas perspectivas de desenvolvimento de um país.5

Ainda de acordo com o mandato para as negociações do tema na OMC (Anexo D do Programa de Trabalho de Doha – 2004), que, conforme já vimos, busca esclarecer e aperfeiçoar aspectos referentes aos Artigos V, VIII e X, reconhece também que a provisão de assistência técnica e suporte para a construção de capacidade é vital para permitir que tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento possam se beneficiar das negociações comerciais. Assim, os membros da OMC, especialmente os países desenvolvidos, devem se comprometer a fornecer suporte e assistência durante as negociações. Tais suporte e assistência devem ser fornecidos de modo que possa permitir que países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos possam implementar os compromissos que resultaram das negociações (OMC, 2004).

Passemos agora à análise das dificuldades na implementação do Acordo de Facilitação Comercial. O principal obstáculo para se implementar a facilitação do comércio são as deficiências institucionais presentes em um país, que se traduz em uma falta de capacidade de verificação e controle dos trâmites aduaneiros, uma logística inadequada, os procedimentos de

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licenciamento e documentação excessivos e inadequados, etc. “Grande parte das dificuldades encontradas por países em desenvolvimento para se integrar de forma efetiva às grandes cadeias de suprimentos que compõem a economia globalizada pode ser atribuída a deficiências institucionais”.6

Enquanto a implementação da liberalização do comércio prevista na Rodada Uruguai exigia reformas em itens tais como padrões técnicos e sanitários, proteção à propriedade intelectual, etc., tais mudanças impactavam de maneira significativa a estrutura institucional da economia de um país. Além disso, os acordos de facilitação comercial obrigavam os países signatários a harmonizar suas regulações a um padrão comum, mais rígido que o padrão que vários países apresentavam anteriormente, o que mostrou-se bastante dificil de se implementar no caso de grande parte dos países em desenvolvimento.7

Assim, a implementação das obrigações previstas pelos acordos requer que os países (principalmente os países em desenvolvimento) invistam na capacitação das instituições do relacionadas ao comércio internacional. Tal processo requer investimentos significativos em infraestrutura física, equipmentos, e treinamento de pessoal, por exemplo, que para vários países pode se tornar muito difícil ou até mesmo inviável de serem feitos sem ajuda externa.

Além disso, a fim de poder competir com sucesso e se integrar aos mercados internacionais, os países devem desenvolver instituições que permitam a redução dos custos de transação, criando incentivos que propiciem relações econômicas

6 SCORZA (2008), p. 46. 7 FINGER e WILSON (2006), p. 6.

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mais eficientes e produtivas. Nesse contexto, “a facilitação do comércio surge como um esforço para promover reformas nas condições estruturais dos países, em especial nas suas instituições, de modo a reduzir os custos de transação incidentes em seus comércios exteriores e, assim, permitir que eles se beneficiem do comércio internacional. Em sentido amplo, a facilitação do comércio pode ser entendida como um esforço para minimizar os custos de transação presentes nas relações de comércio exterior. Seu foco central é, portanto, introduzir reformas que permitam o estabelecimento de estruturas institucionais mais eficientes no que diz respeito à regulação das relações comerciais transfronteiriças”.8

Deste modo, para a implementação efetiva da facilitação comercial (novamente, principalmente no caso dos países em desenvolvimento) são necessárias a ajuda externa financeira e a capacitação institucional, bem como o reconhecimento de que a implementação dos compromissos firmados deve ser executada de maneira gradativa .

Finalmente, ressaltemos os progressos obtidos até o momento na implantação da facilitação do comércio. Em primeiro lugar, houve um substancial aumento na assistência relacionada ao comércio para os países em desenvolvimento nos últimos anos. De acordo com a OCDE9, de 2001 a 2004 o suporte financeiro

disponível para a facilitação do comércio, procedimentos alfandegários e reforma tarifária aumentou mais do que três vezes, tendo aumentado a uma taxa anual de 52 por cento. Há atualmente suporte financeiro disponível para que os países

8 SCORZA (2008), p. 47.

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desenvolvam as áreas de regulações da política comercial (reforma do aparato institucional interno relacionado ao comércio), de desenvolvimento do comércio (promoção do ambiente de negócios) e de infraestrutura do comércio (construção da infraestrutura física interna).10

Em segundo lugar, note que a facilitação comercial emvolve uma ampla gama de atividades, incluindo transporte, carga e descarga, financiamento, seguros, padrões de qualidade, saúde e segurança, taxas portuárias, classificação e inspeção de carga, tempo de trânsito, etc. Há, de acordo com a OMC/OCDE mais de 50 agências envolvidas11 nas operações de facilitação do

comércio, evidenciando a complexidade desta tarefa. Para tal, o papel da OMA (Organização Mundial das Aduanas) é crucial, à medida que este órgão fornece ajuda na identificação dos problemas e na implementação de reformas no processo de facilitação do comércio. Além disso, cumpre ressaltar o papel dos bancos de desenvolvimento regionais (como o banco Interamericano de Desenvolvimento – BID) e do Banco Mundial. No Banco Mundial, por exemplo, a facilitação do comércio é um componente importante dos projetos de desenvolvimento financiados pelo banco, e tem crescido de maneira significativa.12

Finalmente, parte do progresso na área da facilitação comercial tem sido alcançado pela estratégia cautelosa de avanços na promoção da implementação deste tema por parte da OMC. Uma abordagem gradualista na implementação das reformas ao aparato institucional de facilitação do comércio de um país, na qual

10 FINGER e WILSON (2006), p. 18.

11 WTO/OECD Report of Trade-related Assistance.

12 Veja, por exemplo, “Trade Facilitation in the World Bank” no site do

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as negociações sobre a facilitação comercial têm se concentrado em alguns aspectos previstos pelo GATT (justamente nos artigos V, VII e X que veremos na próxima seção), tem se mostrado eficaz até o momento. Neste sentido, “A OMC funciona como um catalizador para as reformas; está posicionada de maneira única para relacionar a agenda de reforma da facilitação do comércio com a agenda de liberalização do comércio ampla”.13

No caso do Brasil, enquanto o tema facilitação do comércio tem progredido de maneira ainda lenta, um exemplo de reforma institucional promovendo a facilitação comercial surge na análise do papel da Camex. A Camex é um órgão integrante do Conselho de Governo, da Presidência da República, com o objetivo de formular, adotar, implementar e coordenar as políticas e atividades relativas ao comércio exterior do país. Para aumentar a eficácia de suas operações a Camex emitiu a Resolução nº 70/2007, por meio da qual passou a exercer de fato o controle sobre todos os atos de órgãos governamentais que influenciam as operações de comércio exterior. Além disso, tal resolução estabeleceu uma série de medidas a serem adotadas pelos órgãos do governo destinadas à racionalização, simplificação, harmonização e facilitação do comércio exterior. Ao se tornar de fato o órgão que coordena as iniciativas do comércio exterior, é possível também a análise adequada das conseqüências econômicas das medidas tomadas para simplificar os procedimentos de comércio exterior. A edição da Resolução Camex nº 70/2007 constituiu assim uma iniciativa importante na direção evolução da facilitação do comércio no país.14

13 FINGER e WILSON (2006), p 4. 14 SCORZA (2008), p. 50.

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3. Artigos V, VII e X do Acordo de Facilitação Cmercial

Nesta seção avaliamos em detalhe os aspectos relacionados ao Acordo de Facilitação Comercial, em particular os Artigos V, VIII e X do GATT, que são respectivamente relacionados aos temas liberdade de trânsito, taxas e formalidades de importação/exportação e transparência na publicação e administração dos regulamentos de comércio.

3.1 Aspectos do Artigo V – Liberdade de trânsito

No âmbito do Acordo sobre Facilitação Comercial merece destaque o Artigo V referente a liberdade de trânsito que na linguagem técnica do comércio exterior trata em sentido amplo do trânsito aduaneiro. O objetivo básico é permitir a liberdade de trânsito por territórios de países membros. Para alcançar sua finalidade o artigo V prescreve duas obrigações fundamentais: (i) não dificultar o transporte em trânsito impondo atrasos ou restrições desnecessárias ou impondo cobranças que não sejam razoáveis; e (ii) adotar a cláusula de Tratamento Geral de Nação mais Favorecida para o trânsito de mercadorias de todos os membros.

A facilitação comercial no trânsito aduaneiro é um dos pilares dos processos de integração econômica. A título de exemplo, o Porto de Santos e o Aeroporto de São Paulo/Guarulhos, em virtude da sua estrutura operacional e localização geográfica, concentram diversas rotas marítimas e aéreas, e, portanto, o recebimento de cargas que são destinadas em trânsito aduaneiro

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para outros Estados da Federação. Logo, o custo das mercadorias importadas nestes Estados está diretamente relacionado ao regime de trânsito aduaneiro. O mesmo ocorre na exportação, quando o trânsito é iniciado na origem e concluído no Porto de Santos e Aeroporto de São Paulo/Guarulhos para embarque com destino ao exterior. Em países de dimensões continentais, e em blocos regionais, o regime de trânsito aduaneiro assume maior importância. Os portos e aeroportos concentradores de carga são os pontos focais de início e conclusão do regime.

O Mercosul depende diretamente da eficácia de tal regime para a integração das cadeias produtivas dos países no bloco. O funcionamento adequado do regime de trânsito ganha ainda mais importância para a sobrevivência e desenvolvimento das economias de países sem acesso ao mar. O Paraguai, sem acesso marítimo, ou seja, “land locked”, é o exemplo clássico de país profundamente dependente deste regime. O Brasil possui portos e aeroportos concentradores de carga e, logo, o trânsito aduaneiro afeta o custo do comércio exterior nos países vizinhos.

As negociações em torno da liberdade de trânsito buscam alcançar inclusive as mercadorias transportadas por infra-estruturas fixas, tais como oleodutos e redes eléctricas. As mercadorias, incluindo bagagem, e também os navios e outros meios de transporte seriam considerados em trânsito através do território de um Estado quando a passagem através de tal território constitui apenas uma parte uma viagem completa, começando e terminando fora das fronteiras do Estado.

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A aplicação da cláusula de nação mais favorecida15 serve

de base para a obrigatoriedade de que cada Estado conceda a qualquer empresa os mesmos privilégios exclusivos ou especiais, concedidos a outra empresa de transporte de mercadorias em seu território. Já no tratamento de tráfego, nenhuma distinção deve ser feita com base na bandeira do navio, local de origem, os pontos de partida de entrada, saída ou destino, ou as circunstâncias relativas à propriedade dos bens.

O objetivo geral das negociações é evitar as limitações impostas pelos Estados ao trânsito de mercadorias através de seus territórios. Sobre o tema cabe mencionar que em Maio de 2010, Brasil e Índia (DS408 e DS409) deram início ao procedimento de consulta contra a União Européia e a Holanda em razão das repetidas apreensões de medicamentos em trânsito supostamente motivadas por violação de patentes de medicamentos genéricos. O caso deve ser acompanhado, pois aborda dentre outros a questão dos obstáculos as mercadorias em trânsito e da soberania.

3.2 Aspectos do Artigo VIII – Direitos e encargos relacionados à importação/exportação

O Acordo de Facilitação Comercial tenta disciplinar a forma como os direitos e encargos relacionados com a importação e a exportação são fixados. Tais direitos e taxas que não sejam os direitos alfandegários impostos pelas autoridades governamentais à importação ou à exportação ou relativos à importação ou

15 Princípio da Nação Mais Favorecida (ou MFN): obriga todos os membros

que oferecerem vantagens comerciais – como redução de tarifas – a um país membro que ofereçam tais vantagens a todos os países membros. Veja, por exemplo, OMC (2001).

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exportação, deveriam limitar-se ao custo aproximado dos serviços prestados e não constituir uma proteção indireta aos produtos nacionais ou taxas de caráter fiscal sôbre a importação ou a exportação. Isto significa que apenas as aduanas poderiam cobrar alíquotas ad valorem, ou seja, percentuais sobre o valor da mercadoria. Os demais intervenientes no comércio internacional deveriam realizar a cobrança dos seus direitos e taxas de forma específica conforme o custo do serviço. A excessiva cobrança de direito e encargos onera sobre maneira as operações de comércio exterior.

A realidade atual nos portos, aeroportos e pontos de fronteira brasileiros é oposta a tal regra e são inúmeros os casos de taxas e formalidades estabelecidas por outros entes públicos (agricultura, vigilância sanitária, transportes etc.) cuja cobrança ocorre de forma variável, quase sempre ad valorem, sem qualquer relação com o custo direto do serviço.

Também as sanções por violações de leis, regulamentos e formalidades aduaneiras seriam limitadas. O assunto é polêmico uma vez que em muitos países uma parte do valor aplicado a título de sanção reverte-se em salário dos funcionários. Assim, o Acordo também busca proibir tal tipo de incentivo a autuação.

O despacho antecipado de mercadorias seria outro ponto de obrigatoriedade do Acordo. Apesar de existente na legislação aduaneira de vários países, inclusive Brasil, o dispositivo é limitado e utilizado apenas para casos excepcionais. Caso ampliado, as declarações de importação (DI) seriam registradas antes mesmo da chegada da carga no País e, caso selecionadas para o canal verde, o importador estaria autorizado a retirar a carga de imediato. O procedimento visa dar maior agilidade a logística das

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cargas, evitar a armazenagem e diminuir atrasos na descarga de navios.

3.3 Aspectos do Artigo X - Publicação e administração dos regulamentos de comércio (Transparência Normativa)

No tocante a transparência normativa o primeiro aspecto do Acordo de Facilitação Comercial refere-se a obrigatoriedade da publicação e disponibilização de informações relacionadas ao comércio exterior seja por meio da internet, seja por meio do estabelecimento de serviços de informação ou seja por meio de notificação ao público interessado.

A publicação e disponibilidade da informação está prevista no item 1 do artigo X do GATT 1994. A obrigatoriedade é de que cada Estado-Membro publique prontamente de forma não discriminatória e adequada diversos tipos de informações, tais como:

1. a importação, exportação ou de trânsito (incluindo procedimentos de entrada em portos, aeroportos e outros pontos) e os formulários e documentos necessários;

2. os tipos de impostos, taxas ou encargos de qualquer natureza, aplicados à importação ou exportação ou a eles referenciados; 3. as regras de interpretação ou aplicação para a classificação fiscal, a valoração aduaneira e determinação de origem de mercadorias para fins aduaneiros;

4. as leis e regulamentos, bem como as normas administrativas de aplicação geral que tratam das regras de origem;

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5. as restrições ou proibições à importação, exportação ou trânsito;

6. as obrigações aduaneiras ou de outros organismos públicos e privados para o atendimento de formalidades relativas a importação, exportação e trânsito, ou em associação com eles; 7. as disposições relativas às sanções por violação das formalidades de importação, exportação ou trânsito, dentre outros;

A obrigatoriedade é positiva, pois objetiva dar acesso e, logo, previsibilidade no planejamento das operações de comércio exterior.

Outro ponto de destaque é a obrigatoriedade de pré-publicação e discussão prévia de normas que implicam em alteração de procedimentos. Trata-se de medida para aumentar a participação dos operadores na elaboração das normas. A regulamentação do comércio exterior deve ter uma gestão democrática com a participação de diferentes setores da sociedade. O Acordo obrigaria o estabelecimento de prazos razoáveis entre a publicação e a entrada em vigor da nova legislação “vacatio legis”, de forma que os operadores pudessem se familiarizar e se preparar para as alterações. A falta de transparência na elaboração normativa, especialmente com normativas operacionais, bem como a constante alteração de forma inesperada, são as principais reclamações dos operadores.

Ainda no contexto da transparência deve-se mencionar as tratativas para a instituição de um mecanismo de consulta prévia (decisões antecipadas) relativa a interpretação da legislação. Caso aprovado o Brasil deverá ampliar o alcance da consulta tradicional, instituída por meio da Lei No 9.430/96. O objetivo é precisamente

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o mesmo, ou seja, garantir a certeza na interpretação da legislação. No comércio exterior, os principais itens supostamente demandados por parte dos operadores para consulta prévia seriam a classificação fiscal e a interpretação de Acordos da OMC, tais como o Acordo de Valoração Aduaneira.

Também sobre o assunto está a obrigatoriedade de cada país estabelecer uma central de serviços de informação. Assim como ocorre no Brasil, a atividade de comércio exterior é conduzida de maneira descentralizada entre diversos ministérios e serviços. O excesso de intervenientes dificulta o acesso a informação e, portanto, implica em uma barreira não-tarifária. Assim, a criação de uma central de serviços de informação tem por finalidade facilitar o acesso a informação. O serviço teria prazo limitado para resposta e estaria obrigado a fornecer toda a documentação necessária ao operador. Os países membros de uma união aduaneira poderiam criar um ou mais serviços de informação regional.

Outro destaque será a obrigatoriedade do direito de recurso aos operadores com a criação e manutenção de tribunais administrativos ou judiciais imparciais voltados para o julgamento de causas no comércio exterior. O Brasil já trabalha com tal mecanismo por meio do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Outra demanda atendida no Acordo é a obrigatoriedade de utilização da análise de riscos para promover a liberação de mercadorias de baixo risco. O fato é que vários países ainda inspecionam a totalidade das cargas fisicamente. Ou seja, mesmo mercadorias que não apresentam risco ou que não possuem tributos a recolher são fisicamente inspecionadas. Em grande parte

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a inspeção é motivada por questões legais e, por vezes, vinculadas ao salários dos funcionários. A análise de riscos é uma tendência mundial para gestão no comércio exterior. As ferramentas disponíveis da Organização Mundial de Aduanas (OMA), incluindo a Convenção de Quioto revista e as orientações sobre gestão de risco, deveriam ser utilizadas. O conceito de Operador Econômico Autorizado (OEA) enquadra-se na análise subjetiva do risco.

Finalmente, a utilização de auditoria a posteriori por parte das Aduanas é uma prática recomendada do Acordo que visa agilizar a liberação das mercadorias na zona primária.

4. Conclusão

No presente ensaio discutimos os principais aspectos relacionados ao Acordo de Facilitação Comercial da OMC, em particular aqueles relacionados aos Artigos V, VIII e X do GATT. Os temas desenvolvidos nestes artigos (trânsito aduaneiro, taxas e formalidades, e transparência normativa) são cruciais para a simplificação, harmonização, padronização e modernização dos procedimentos do comércio internacional.

Destacamos também a importância do tema facilitação do comércio, elencando as principais vantagens bem como algumas das dificuldades na implementação do Acordo de Facilitação Comercial até o presente momento. Além disso, mostramos que, apesar das dificuldades na sua implementação, já houve progressos significativos na implementação de tal acordo.

Vimos também que, no caso do Brasil, a facilitação comercial tem se dado de forma lenta; evidência disso é a posição

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do país no ranking Doing Business promovido pelo Banco Mundial que tem como objetivo classificar os países quanto à facilidade de se fazer negócios: estava em 93o no informe de 2008, tendo caído

várias posições no ranking em relação ao ranking do ano anterior.16 Assim, é mister que o país acelere o processo de

facilitação do comércio como mola propulsora do desenvolvimento do comércio exterior do Brasil. Portanto, “a Camex desempenha um papel de grande importância, uma vez que é o órgão governamental responsável pela coordenação das políticas de comércio exterior. A edição da Resolução Camex nº 70/2007 foi uma iniciativa de grande relevância para a evolução da facilitação do comércio no país, devendo se firmar como um marco para a introdução de futuras medidas reformadoras”.17

Uma dificuldade presente na literatura é a ausência de estudos empíricos sobre a facilitação comercial no Brasil. Neste sentido, sugere-se que se desenvolvam estudos qualitativos e quantitativos que busquem avaliar a evolução da facilitação comercial no país. Para tal, foi criado, por exemplo, um projeto com o objetivo de realizar um diagnóstico detalhado dos elementos constantes dos Artigos V, VIII e X do GATT, em negociação no Acordo de Facilitação Comercial da Rodada de Doha (OMC).18 No projeto, em andamento, busca-se construir

indicadores que possam avaliar de maneira quantitativa a evolução quanto à facilitação comercial com relação aos três artigos supramencionados utilizando como estudo de caso o porto de Santos e o Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, que

16 SCORZA (2008), p. 49. 17 SCORZA (2008), p. 52. 18 SÁ PORTO et al. (2010).

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concentram uma significativa parte do volume de comércio internacional do país. Com relação ao Artigo V do GATT (trânsito aduaneiro), o objetivo do projeto é desenvolver e analisar indicadores para quantificar e avaliar o funcionamento do regime de trânsito aduaneiro no Porto de Santos e Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos – Governador André Franco Montoro. Já para o Artigo VIII do GATT (formalidades relativas à importação e à exportação), o objetivo é desenvolver indicadores para quantificar tais formalidades relativas a importação e exportação (que não sejam os direitos alfandegários), para poder verificar se no Porto de Santos e no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos a aplicação de direitos e taxas está em conformidade com as disposições negociadas no Acordo de Facilitação Comercial. Finalmente, para o Artigo X do GATT (transparência normativa), o objetivo é verificar o cumprimento da transparência normativa por parte das autoridades governamentais ligadas ao comércio exterior brasileiro, bem como analisar a adequação das propostas negociadas no Acordo de Facilitação Comercial à estrutura normativa brasileira.

Não há registros até o momento de estudos acadêmicos nacionais desenvolvendo e analisando indicadores para quantificar e avaliar o funcionamento do regime de trânsito aduaneiro, das taxas e formalidades relativas à importação e à importação, e da transparência normativa.

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5. Referências Bibliográficas

FINGER, J. M.; WILSON, J.S. Implementing a WTO Agreement on Trade Facilitation: What Makes Sense? World Bank Policy Research Working Paper No. 3971, 2006.

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Referências

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