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II PARTICIPAÇÃO POPULAR NA IMPLANTAÇAO DE REDES DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO TIPO CONDOMINIAL: UM OLHAR DA COMUNIDADE

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II-150 - PARTICIPAÇÃO POPULAR NA IMPLANTAÇAO DE REDES DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO TIPO CONDOMINIAL: UM OLHAR DA COMUNIDADE

Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira (1)

Engenheira Civil (EP/UFBA) e mestranda em Engenharia Ambiental Urbana (EP/UFBA). Pertence ao quadro técnico da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A-EMBASA, trabalhando atualmente na Diretoria de Projetos de Infra-Estrutura Pública da Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, dentro da Unidade Executora Estadual do Programa PRODETUR-BA.

Luiz Roberto Santos Moraes

Engenheiro Civil (EP/UFBA) e Sanitarista (FSP/USP), M.Sc. em Engenharia Sanitária (IHE/Delft University of Technology), Ph.D. em Saúde Ambiental (LSHTM/University of London), Professor Titular em Saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica e do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana da Universidade Federal da Bahia.

Endereço(1): Av. Tancredo Neves,776, Pituba Salvador-Ba- CEP: 41.823-900 – Brasil – Tel: (71) 340-5759- e-mail: tchenaud@ufba.br

RESUMO

O presente trabalho apresenta um estudo que tem como foco de análise a experiência de participação da população na implantação de redes de esgotamento sanitário do tipo condominial numa área periurbana situada na região norte da cidade do Salvador. Essa área, inserida na bacia do Alto do Camurugipe, é um elemento integrador do Sistema de Esgotamento Sanitário dessa capital, ora em execução através do Programa BAHIA AZUL, que se constitui no maior programa governamental em saneamento ambiental no estado da Bahia. O objetivo do estudo foi conhecer, compreender e mostrar - sob o olhar da

comunidade – como se deu o processo de participação da mesma na implantação de redes condominiais de esgotos sanitários planejadas para a área. Para cumprir com esse objetivo foi estabelecida uma metodologia baseada em três frentes de trabalho: uma pesquisa

bibliográfica, uma pesquisa de campo e diversas entrevistas com técnicos da concessionária e empreiteira responsáveis pelas intervenções. As conclusões apontam para uma necessária mudança de percepção e atitude por parte de todos os agentes envolvidos na implantação de

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redes de esgotamento sanitário do tipo condominial para que se possa, de fato, alcançar os objetivos pretendidos no planejamento das ações.

PALAVRAS-CHAVE: Participação popular, esgotamento sanitário, rede condominial de esgoto, Programa BAHIA AZUL.

INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido sobre a importância e necessidade de uma maior participação da população quando da implantação de projetos de redes de esgotamento sanitário do tipo condominial ou simplesmente rede condominial de esgoto – RCE. Apesar de existir um certo "consenso" em torno da questão, a discussão sobre a sua viabilização, invariavelmente volta-se para determinados aspectos, significados, alcance e pressupostos

teórico-metodológicos da participação popular, buscando-se afirmar a importância ou desmistificar os discursos e práticas nesse sentido. Com efeito, alguns estudos e análises de casos

empíricos, evidenciaram uma série de limitações dessa prática, dentre as quais pode-se citar: a descontinuidade da participação pós-implantação dos projetos; o caráter formal e pouco substantivo da participação e a tendência a que se reduza a simples informação ou participação por meio da força de trabalho durante a execução das obras de projetos

previamente definidos; limitação de natureza histórico-estrutural expressa na cultura social e política dominante, com baixa motivação a participação; fragmentação e fragilidade das associações comunitárias; e nas resistências oferecidas pelas instituições políticas e administrativas.

O desenvolvimento e a adoção das RCE em grande escala no Brasil, a partir da década de 80, trouxe sem dúvida, grandes contribuições para a minimização do déficit em

esgotamento sanitário. A razão está especialmente, no seu menor custo de implantação/manutenção quando comparado à rede coletora convencional e pela

possibilidade de atendimento a um grande número de pessoas, principalmente aquelas de menor poder aquisitivo, desprovidas desse tipo de serviço, residentes nas áreas periurbanas das médias e grandes cidades brasileiras.

Por outro lado, a despeito da significativa redução nos custos de implantação e manutenção, a implantação de projetos de RCE, é um tema bastante discutido desde o seu surgimento. Essa discussão, de forma geral, diz respeito à própria filosofia do modelo que exige grandes transformações nas práticas institucionais, profissionais e sociais vigentes, conforme

mencionado anteriormente. De fato, devido ao processo tradicional de implantação de projetos de esgotamento sanitário, hierárquico, muitas vezes imposto de cima para baixo e a expectativa das pessoas em receber soluções prontas, pode haver, em alguns casos,

dificuldades em iniciar um trabalho participativo, como também alguma resistência dos participantes. Romper com isso é um processo que demanda tempo. Por outro lado, por ser um assunto e uma proposta de trabalho novo, os participantes, com o tempo e a depender de como as ações sejam encaminhadas, tendem a adquirir confiança no projeto, passando de uma atitude passiva para uma atitude mais ativa.

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Dessa forma, apesar dos obstáculos e das dificuldades para a participação popular quando da implantação das RCE, existem exemplos de sucesso, vivenciados por muitas

coletividades, que têm incentivado, em alguma medida, a continuidade de adoção dessa solução. Esses exemplos acessam ainda para um contexto de emergência de novos valores, novas relações entre usuários e poder público, que em última instância poderia contribuir para o surgimento de um movimento portador de um novo projeto de sociabilidade. Acredita-se, portanto, que a participação popular preconizada na teoria é possível e positiva. Não é na sua negação que os problemas vão se resolver. Pelo contrário, os

exemplos vivenciados por diferentes autores evidenciam que a postura do usuário como um espectador, sem participar das distintas fases de um projeto de RCE, contribuirá

invariavelmente para o fracasso das intervenções.

No caso particular de Salvador, encontra-se em andamento o Programa BAHIA AZUL-PBA que ocupa uma posição estratégica na política governamental para a área de

saneamento e que, a exemplo de outros estados brasileiros, vem adotando com intensidade a alternativa da RCE, desde o ano de 1997, em razão das particularidades de áreas

contempladas pelo PBA serem constituídas de ocupações desordenadas com pouca disponibilidade de espaços para implantação de infra-estrutura pública. Dessa forma, a solução para o esgotamento sanitário destes locais somente seria possível por meio de soluções não convencionais. Dentre essas soluções, optou-se pela RCE como a mais

adequada, "pois além de ser uma solução tecnicamente recomendável, apresenta o benefício de custos reduzidos de implantação e, integrada aos coletores principais já construídos, viabiliza a solução global para o sistema da cidade" (BAHIA, 1995). Assim, em Salvador, do modelo de sistema condominial adotaram-se apenas as RCE.

Diante das reflexões aqui apresentadas, surgiu a motivação para este estudo, que buscou conhecer, compreender e mostrar – sob o olhar da comunidade - como se deu na prática, o processo de participação da comunidade em um projeto de implantação de rede de

esgotamento sanitário do tipo condominial, no período compreendido entre novembro de 1999 e abril de 2000, notadamente na sub-bacia denominada Alto de São Caetano 4 - ASC-4, micro-sistema V, localizada na bacia do Alto do Camurugipe e integrante do Sistema de Esgotamento Sanitário de Salvador, ora em implantação através do Programa BAHIA AZUL. Além disso, procurou investigar o conhecimento da população sobre as RCE, e o nível de adesão e satisfação das pessoas atendidas por este tipo de rede.

Considerando que não pode existir participação popular sem a união das vozes locais, a metodologia da pesquisa realizada foi baseada, sobretudo, na análise dos dados de

depoimentos obtidos através questionários aplicados aos condôminos e entrevistas abertas com técnicos envolvidos com a implantação, além das observações feitas nas áreas onde foram realizadas as obras.

Para a análise dessa pesquisa do tipo quantitativo - descritiva, foram utilizadas as técnicas de coleta de dados de observação indireta que consistiram no levantamento de informações prévias de fontes variadas, através de pesquisa bibliográfica que abrangeu um subconjunto do que já foi publicado sobre o assunto em questão — livros, publicações avulsas,

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observação direta e direta intensiva, com pesquisa de campo, através de entrevistas e de observação não participante. Os questionários constaram de questões abertas e fechadas de respostas simples e respostas múltiplas, aplicados junto a 245 usuários residentes nas 29 quadras estudadas, além de entrevistas individuais semi-estruturadas com técnicos da firma empreiteira responsável pelas obras e da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A-EMBASA, concessionária responsável pelos serviços de água e esgoto local. A sub-bacia ASC-4 foi escolhida para o estudo a partir de informações levantadas junto à equipe

responsável pela formação dos condomínios na área, por ter apresentado bons resultados no que se refere à participação e, conseqüentemente, a uma boa adesão dos usuários à rede condominial proposta. O micro-sistema V, por sua vez, foi selecionado em razão de nesse espaço residirem lideranças comunitárias atuantes, segundo opiniões de técnicos da concessionária e da empreiteira responsável pelas obras no local, o que no caso específico de implantação das RCE já se constituía um fator positivo. O período da investigação empírica foi durante o mês de março de 2001.

Os dados coletados através dos questionários foram selecionados, categorizados e tabulados de modo a permitir uma análise quantitativa e qualitativa. Os resultados obtidos foram agrupados por temas, destacando as principais diferenças e similaridades observadas entre as variáveis investigadas. As informações extraídas dessa análise foram organizadas em tabelas e gráficos, elaborados com o auxílio do programa de computador denominado SPHINX.

A fim de estudar essa experiência, inicialmente será abordado o conceito de participação, que irá nortear a análise do estudo, uma vez que essa tem sido colocada como estratégia chave para a viabilização de projetos de rede de esgotamento sanitário do tipo condominial. Em seguida, será feita uma breve apresentação sobre a RCE e de como ocorre a

participação, durante sua implantação na visão de alguns dos principais autores estudados. A análise da experiência na área selecionada será feita na seqüência, mostrando as suas principais características, o processo de construção da participação, seus aspectos metodológicos, bem como os resultados obtidos na pesquisa de campo realizada. Os principais destaques do estudo estarão na conclusão que encerra este trabalho. 1- Compreendendo o que é participação

Participação, do latim participatio, participationis, implica a idéia de associação, ligação, união. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa traz as seguintes definições para

participação: tomar parte, fazer parte, fazer saber, informação, associação pelo pensamento ou pelo sentimento.

Na visão de Toro,

[....] a participação é uma aprendizagem. Se conseguimos hoje nos entender, decidir e agir para alcançar alguma coisa, [...] depois seremos capazes de construir e viabilizar soluções para outros problemas. Podemos ainda nos articular com outros grupos para desafios maiores. Quando aprendemos a conversar, a decidir e agir coletivamente ganhamos confiança na nossa capacidade de gerar e viabilizar soluções para nossos problemas,

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fundamentos para a construção de uma sociedade com identidade e autonomia (TORO, 1997, p. 41).

Benevides (1994, p. 94) refere-se à participação social e à cidadania como a apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino. Sua concretização passa pela organização coletiva dos participantes, possibilitando desde a abertura de espaços de discussão dentro e fora dos limites da comunidade até a definição de prioridades, elaboração de estratégias de ação e estabelecimento de canais de diálogo com o poder público.

Moser (1989, p.81), por sua vez, sustenta, no que se refere às muitas definições de participação, que pode ser feita uma dupla distinção entre aquelas que incluem um elemento de fortalecimento de poder, empowerment, e aquelas que não incluem tal elemento.

Para esse autor, programas que incluem a participação comunitária em suas ações sem um elemento de empowerment, tendem a considerá-la principalmente como um instrumento para se obter melhor resultado em termos de aumento da eficiência e efetividade e /ou redução de custos. Nesses casos, a participação é geralmente considerada um meio para atingir um outro objetivo. Já os programas que se destinam a possibilitar o empowerment, por exemplo, aumentando o poder de barganha de uma comunidade pobre ou fortalecendo seu processo de reflexão e autoconscientização, consideram a participação comunitária como objetivo ou meta principal e definem as suas atividades de outra maneira. Nesse caso, começa preparando/capacitando/informando essa comunidade para poder participar

plenamente.

Independentemente do conceito ou dos objetivos utilizados numa participação a verdade é que a participação faz parte da vida de todas as pessoas. Em várias ocasiões somos levados, por vontade própria ou não, a participar de grupos e atividades. O ato de participar, tomar parte, revela a necessidade que todos têm em se associar na busca de alcançar objetivos que lhes seriam de difícil concretização ou, até mesmo, inatingíveis caso fossem perseguidos individualmente, de maneira isolada.

Observa-se, porém, que a interrogação que surge sobre as práticas que envolvem a participação está relacionada com o grau de domínio e de compreensão dos participantes sobre o processo em que estão inseridos. A participação que se espera depende, portanto, da reunião de algumas características que foram observadas durante a leitura de alguns autores que tratam sobre o tema, dentre eles (Demo; Moser; Toro; Benevides; Moura, 1984, 1989, 1993, 1994, 2000) e que serão a seguir examinadas.

Em primeiro lugar, participação requer consciência sobre o que se faz. Assim, participação consciente é aquela em que os envolvidos possuem a compreensão sobre o processo que estão vivenciando.

Quando uma pessoa ou um grupo de pessoas age sem o entendimento das razões e conseqüências de seus atos, a participação é restrita, estabelecida em função de alguma

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espécie de relação de dominação onde, a partir de algum tipo de poder persuasivo, determinado grupo impõe aos demais as decisões e os passos que devem ser seguidos. E dentre as formas de dominação, a mais sutil é a que mantêm as pessoas longe do acesso à informação e à educação, instrumentos fundamentais para a igualdade de oportunidades e eliminação de injustiças (TORO, 1993, p.24).

Assim, somente a participação consciente possibilita o reconhecimento das relações de interesse e poder que tentam se desenvolver juntas ao processo participativo. A

compreensão das razões que inspiram o comportamento de pessoas ou grupos é de grande importância para evitar a sua transformação em mobilização popular manobrada e desviada na direção de interesses particulares.

Uma segunda característica da participação está na forma de garanti-la. Não se pode pensar que o simples fato de poder convocar e reunir pessoas estão automaticamente assegurando sua participação. Como bem expressou Demo:

"[....] não há participação imposta, concedida ou doada. Logo a participação não pode ser forçada nem aceita como donativo. Sua legitimidade encontra-se na conscientização da sua importância, da negociação de espaços para o seu exercício e do estabelecimento das regras que irão democraticamente delimitar a sua prática" (DEMO, 1984, p. 12).

Um outro aspecto reforça o valor da participação conquistada. As experiências demonstram que, quando a participação é concedida, dificilmente verifica-se um processo de

internalização e de absorção deste direito por parte das pessoas. A tendência, a menos que uma ação educativa e de auxílio ao fortalecimento da autoconscientização existam, é o seu esvaziamento ou, o que é pior, a sua apropriação por parte de alguns poucos que passam a fazer política pessoal e a manipular o poder em nome da maioria. Nessas condições, observa-se que da mesma forma como foi concedida, a participação pode ser retirada. Por outro lado, quando a participação é resultante de organização e mobilização social sua prática tende a ser menos suscetível a ações que levem ao seu enfraquecimento e fim. É fácil perceber que estimular a organização e mobilizar pessoas demanda tempo, e que parece ser difícil definir sua necessária duração, já que envolve pessoas de diferentes percepções onde cada qual tem o seu "próprio tempo" para absorver e incorporar novos valores.

Demo (1984, p. 12) chama a atenção para esse aspecto quando diz que a ampliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos e dos espaços participativos demandam tempo e uma ação continuada. Num estudo posterior, "Pobreza Política", Demo (1998, p. 4) ampliou sua abordagem, enfocando com mais precisão que os processos participativos são demorados principalmente por se tratarem de processo, um fenômeno que costuma ser marcado pela profundidade e não pela pressa [grifo nosso]. Assim, de modo geral, não vale a pena apressar o fenômeno através de lideranças fortes que, em última análise, levam o grupo a reboque e num curto período a articulação se desfaz.

Na linha de interpretação de Moura (2000), uma questão que dá estabilidade a um processo de mobilização social é a coletivização [grifo nosso]. A coletivização é o sentimento e a

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certeza de que aquilo que faço, no meu campo de atuação, está sendo feito por outros, da mesma categoria, com os mesmos propósitos e sentidos. Um importante instrumento utilizado aí é o da comunicação. De acordo com essa autora, uma das formas de se alcançar à coletivização é através da circulação de informações, da divulgação do que está

acontecendo nas diversas frentes. Embora, na maior parte das vezes, os veículos e os tipos de material utilizados na coletivização sejam os mesmos dos de uma campanha de

divulgação ou de publicidade, seu conteúdo e forma deverão ser diferentes, porque estarão orientados a outro tipo de compromisso. O que distingue ainda a coletivização da simples divulgação é o seu compromisso com os resultados. A divulgação tem um objetivo muitas vezes promocional ou meramente informativo. O resultado esperado é que as pessoas saibam, tenham conhecimento dessa informação. No caso da coletivização, o foco é no compartilhamento da informação (não simplesmente na sua circulação) e o resultado desejado é que as pessoas formem opiniões próprias, se disponham a agir e ajam. E mais, que se sintam donas dessa informação, repassem-na, utilizem-na e se tornem elas próprias fontes de novas informações.

Isso sugere que uma boa comunicação é fundamental para o sucesso de um processo de mobilização. E, ainda, é preciso que todos que dela participam tenham um comportamento comunicativo e tenham interesse e disposição para absorver e fornecer informações. Retomando as características da participação, estudiosos do tema mostram também que a voluntariedade é outro aspecto que contribui para a sua legitimidade.

Assim, participar ou não de um processo de mobilização social é um ato de escolha. Talvez por isso mesmo se diz convocar, ou seja: convidar, chamar, solicitar. As pessoas são

chamadas, mas participar ou não, passa a ser uma decisão de cada um.

A verdadeira participação é, portanto, um movimento livre em que cada um possui total autonomia, respeitados os seus propósitos. Logo, tem-se que aceitar que participa quem quer, enquanto quer. A busca de soluções não pode se dar por imposição ou qualquer tipo de coação. De fato "[....] seria contraditório reivindicar a obrigatoriedade para um processo que seja consciente e gerador de um indivíduo mais comprometido com mudanças"

(TORO, 1997, p.81).

Por outro lado, o que se observa na prática é uma baixa motivação nas pessoas em participarem de projetos que visam o bem comum, conseqüentemente, ficando pouco engajadas na defesa de seus direitos.

Nunes (1999, p.115) considera que a falta de uma cultura de participação, aliada a uma realidade marcada pela luta diária pela sobrevivência, atua, muitas vezes, como agentes inibidores do engajamento popular na vida comunitária. Por outro lado, Jacobi (1995, p. 34) não considera a questão cultural como impeditiva, pensa este autor que a mobilização e a participação popular dependem principalmente da comunidade organizada acreditar [grifo nosso] que soluções possam de fato acontecer a partir do seu envolvimento. A criatividade, o companheirismo e, sobretudo, o inconformismo, no seu entender, pode contribuir para transformar a realidade. Se assim é, a participação pode também ser vista como um grande instrumento de acesso à cidadania, uma vez que, em sua plenitude, a cidadania só se

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consolida "[...] na presença de uma participação entendida enquanto ação coletiva e exercício consciente, voluntário e conquistado (TORO, 1993, p.9)".

Benevides (1994, p.48) considera que o efetivo exercício da cidadania somente é possível se houver também um processo de educação política, considerando-se que o Brasil é um país de desequilíbrios e desigualdades. É também um processo que se dá na prática, por exemplo, "aprende-se a participar, participando" e deve envolver a pluralidade dos agentes políticos e a democratização dos meios de comunicação de massa. Esta autora acredita que muito tem a ser feito no campo da informação/conscientização do povo brasileiro, tendo em vista a sua educação para participação.

O estudo que será aqui apresentado mostra uma experiência que, de alguma forma, tenta fomentar, na prática, processos participativos embora ainda muito incipientes para que concorram de fato para a formação da cidadania.

2- Redes condominiais: uma nova idéia de uma velha prática

Apesar das experiências com RCE, terem se difundido no Brasil a partir dos anos 80, a idéia remonta ao ano de 1852, com práticas realizadas em Croydon, Inglaterra (MARA, 2000, p111.). Posteriormente, em 1903, o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito iniciava o desenvolvimento de estudos, na busca de soluções para os esgotos da cidade de Santos, que mais tarde integraria o plano de saneamento, melhoramentos e ampliação daquela cidade. Brito, nesse seu plano, apresenta inovações em relação às edificações ao propor os "quarteirões salubres atravessados por vielas sanitárias e ruas particulares" (ANDRADE, 1991, p 62.), idéia essa utilizada no desenho das RCE. Registra-se ainda que nas pequenas cidades de Currais Novos e Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, por volta de 1950, através de iniciativas de saneamento municipal, "[....] foi desenvolvido um sistema de coleta

comum de pouca profundidade e pequena declividade que passava entre os lotes dos moradores antes de alcançar a rua – a base essencial do sistema tipo condominial" (WATSON, 1994, p. 14).

Embora se conheçam esses exemplos, a verdade é que só a partir de 1983, através do engenheiro José Carlos Rodrigues de Melo e sua equipe, inicia-se no Brasil a disseminação de experiências com sistemas de esgotamento sanitário do tipo condominial. Com Melo, a nova idéia, principalmente, se dá na sua forma de implantação e gestão dos serviços, com a introdução da participação da comunidade envolvida no projeto. A participação do usuário dos serviços, segundo Melo (1994), proporcionaria "o ingresso de novas energias no solucionamento dos problemas ou da mobilização de idéias, [...] implicando em mudanças de convenções sociais, sócio-institucionais, de concepções técnicas, de divisão de

responsabilidades etc" (MELO, 1994).

O processo de democratização pelo qual o Brasil atravessava nos anos 80 parecia propício para a introdução de experiências participativas. A partir da concepção técnica proposta, a participação também seria fundamental em razão da necessidade de instalação das RCE em áreas privadas por meio da autorização dos diferentes proprietários, além da manutenção da rede coletora que dependeria da total integração dos usuários dos condomínios para o seu adequado funcionamento. Assim, foi na cidade de Natal que Melo, sistematizador e

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disseminador do sistema condominial, realizou a sua primeira experiência, em grande escala, que passou a servir de base para os modelos de quase todos os projetos de RCE subseqüentes. A concepção técnica que compõe a estrutura do modelo, de acordo com Melo (1994), se realiza através de três técnicas de sucessivos níveis de abrangência: Os condomínios: que constituem a nova unidade de coleta formada pelo ramal condominial, composto de uma rede de tubulações interna às quadras que pode ser localizada nos passeios, nos fundos dos lotes ou nos jardins. Esse ramal coleta os esgotos das unidades domiciliares que integram o condomínio, conduzindo os esgotos para a rede básica, passando por uma caixa de passagem, onde serão feitas a manutenção e

desobstrução da rede de responsabilidade do condomínio. A redução de custo começa nesse ramal, pois tem menor extensão que os ramais individuais do sistema convencional, em razão dele atravessar os lotes pelas suas menores dimensões obedecendo a topografia (aprofundamento mínimo), demandando uma menor rede externa de coleta e reunião dos esgotos. A formação do condomínio é feita por meio de "pacto" firmado entre vizinhos e entre estes e as instituições ou organismos envolvidos com os serviços. A participação conjunta, desses diferentes atores, é que possibilita o assentamento dos ramais

condominiais em lotes particulares.

Os micro-sistemas: são as pequenas bacias de drenagem compostas de uma ou da combinação de mais de uma unidade de tratamento de baixo custo e operação simples, podendo ser tanques sépticos multifamiliares, lagoas de estabilização, etc. Nesse caso há uma desconcentração do processamento final, eliminando as estruturas de transporte na transposição de bacias, com utilização de elevatórias, emissários etc, que têm custos elevados. Essas unidades de tratamento, em cada caso, dependerão da realidade e disponibilidade de áreas locais.

O sistema cidade: refere-se a instância de decisões e resoluções do modelo. Integra o conjunto interdependente de vários micro-sistemas e do ponto de vista institucional os elementos que compõem as relações e regulamentações do sistema.

Pelo exposto, a concepção técnica, pelas suas características de composição, de

descentralização, de redistribuição de responsabilidade e de menor custo, requer uma maior integração entre as instituições envolvidas e os usuários do sistema. Nesse sentido, a

participação passa a ser um componente fundamental para viabilização das ações. 3- A participação na implantação das RCE

A participação comunitária, como premissa básica da RCE, constitui parte fundamental da metodologia de implantação. Está associada a um processo de mobilização que tem por objetivo informar e divulgar os propósitos da intervenção e de como dela participar de forma a envolver os usuários em todo o processo de planejamento e execução da solução. É importante a ação de uma equipe multidisciplinar, com profissionais da área social e

técnica.

O trabalho inicia-se através da formação dos condomínios. Condomínio significa domínio comum, ou seja, que pertence a todos e não a uma pessoa individualmente, o que indica,

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principalmente no caso das RCE, a necessidade de parceria de todos os envolvidos no processo de sua implantação. É necessário que todos tenham um comportamento

comunicativo, interesse e propensão para dar e receber informações, principalmente quando se estiver lidando com camadas populares que se encontram desmobilizadas. Nesses casos, a participação desses segmentos exige um processo mais demorado e paciente para que resulte no que Nunes (1999, p. 121) tão bem denomina de "o despertar pelo coletivo" (grifo nosso) pois, em muitos casos, o interesse espontâneo da maioria das pessoas está vinculado a problemas de sobrevivência ou questões pessoais e familiares. Um maior interesse pelo coletivo, grupal ou social, embora nos últimos anos venha despertando maior atenção das pessoas, entre outras razões, por conta da grande violência que tomou conta do país, ainda é pouco absorvido pela maioria dos brasileiros. Autores como Moser (1989, p.82) e Touro (1997, p.99) indicam, inclusive, a necessidade de uma capacitação prévia dos envolvidos, comunidades e organizadores, à participação. Em outras palavras, todos devem aprender a aprender a participar.

Andrade Neto (1999, p.57) argumenta, que a adesão participativa da comunidade, ao processo de resolução dos problemas dos esgotos, depende de como essa comunidade foi sensibilizada na fase de planejamento e do nível de conhecimento que lhe foi dado sobre o projeto, do qual resulta, ou não, o seu envolvimento na implementação do sistema proposto, como conseqüência natural de um processo de negociações.

O relato de Nazareth (1997, p.4) acerca desse assunto é de que,

"[....] quando há uma ativa participação coletiva nas decisões e na execução de um projeto, a ponto de a população local familiarizar-se e envolver-se emocionalmente com o mesmo, a comunidade passa a considerar a realização como própria, assume responsabilidades ao seu alcance e fará tudo para mantê-la".

De fato, as experiências demonstram que, quando a população participa com o seu

conhecimento e experiência das decisões referentes a um projeto, este estará mais adaptado tanto às suas necessidades quanto à realidade local.

Watson (1994, p.12) salienta que "[....] a interação intensiva e negociações com os usuários leva tempo, porém os benefícios a longo prazo (desenho mais apropriado dos ramais condominiais e crescente credibilidade na empresa) pesam no investimento’’.

Andrade Neto (1999) destaca ainda que a participação da comunidade na implantação das RCE é importante nas duas etapas do processo: na primeira, a participação da comunidade pode ir desde a assimilação e compreensão do que se constitui um sistema de coleta de esgoto passando pela orientação das ações referentes ao traçado dos ramais condominiais, até as contribuições concretas na execução da obra; na segunda que é a de manutenção, a participação vai do pagamento pelos serviços como usuários do sistema até o uso correto e a conservação das partes do sistema sob sua responsabilidade. Essas responsabilidades, segundo esse autor, geralmente se limitam aos ramais condominiais e, no máximo, à rede pública, dependendo das características da comunidade, de sua capacidade de articulação, da escolha da tecnologia e da forma de gestão.

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A literatura menciona casos de sucesso de projetos implantados e já avaliados no Brasil, que utilizaram as RCE, onde os bons resultados dependeram principalmente dessa

articulação e mobilização dos atores envolvidos localmente e da capacidade de pensarem de forma conjunta, tendo como conseqüência um bom funcionamento daquelas redes e de uma melhor utilização dos recursos, vez que foram transformados em benefícios reais para as comunidades.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, onde sistemas condominiais foram implantados em diversos municípios, o estímulo à participação da população foi feito através das prefeituras municipais, a partir de um sistema de distribuição de responsabilidades. Coube também às prefeituras, a responsabilidade de coordenarem os denominados "pactos comunitários", estabelecidos em função da participação dos usuários para a implantação dos diversos sistemas (SALES, 1985, p. 10).

O principal instrumento que vem sendo utilizado para a mobilização da comunidade quando da implantação de RCE é o da realização da reunião condominial. A reunião condominial é o momento de participação, negociação, informação, decisão e promoção da organização comunitária que ocorre no âmbito de cada quadra, com a finalidade de iniciar a organização do condomínio.

Nessa reunião, é apresentado o modelo condominial, são discutidas as formas e os padrões de atendimento, as regras de acesso, os custos diretos e os deveres na construção e

manutenção dos ramais condominiais, além das alternativas de solução para o esgotamento sanitário do local. Nessa oportunidade, também é realizado um trabalho de educação sanitária, cujo conteúdo deve estar adaptado às características sócio–culturais da população local, contendo informações sobre a importância de um sistema de esgotamento sanitário bem como do uso adequado e da conservação das instalações das RCE sob

responsabilidade dos usuários. Cada condomínio elege também um representante, espécie de síndico, que passa a representar os usuários daquela quadra ante a concessionária. "[....] O processo de adesão da quadra ao Sistema Condominial é consumado através do documento intitulado "Termo de Adesão", onde em forma de "abaixo assinado" os

moradores constituem o condomínio informal, decidem o tipo de ramal condominial de sua preferência e escolhem a modalidade de pagamento" (NAZARETH, 1997, p. 8).

Nazareth complementa ainda que, dependendo das regras estabelecidas pelas

concessionárias de cada Estado, existem casos no Brasil em que os usuários puderam ainda optar pela participação direta na construção do ramal condominial em substituição ao pagamento da taxa de ligação domiciliar.

Por fim, lança-se mão das recomendações de Cícero Onofre de Andrade Neto (1999, p. 58-59), sanitarista e especialista em sistemas condominiais, sobre as condições que melhor possibilitam a participação comunitária, criando mecanismos e canais para o envolvimento das associações existentes, concessionária e comunidade como um todo, em torno dos problemas locais de esgotamento sanitário:

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O agente indutor não pode e não deve interferir nos conflitos internos, de compreensão exclusiva da própria comunidade, deixando clara a sua disposição de trabalhar "com" e não "para" a comunidade.

Na abordagem à comunidade, é necessário identificar o nível sócio–econômico da

população, envolver seus líderes e representantes já constituídos, instituições e associações com atuação local em suas respectivas áreas de influência. O processo de mobilização deve permitir e incentivar o surgimento, a legitimação e a atuação de lideranças naturais

espontâneas e promover a articulação entre as instituições parceiras objetivando a conjunção de esforços.

É necessário identificar as necessidades sentidas, as pretensões e as prioridades da comunidade e a importância do problema dos esgotos, com o cuidado de dimensionar a capacidade de resolução, no tempo e no espaço, para não criar expectativas atemporais ou improváveis, que podem levar ao descrédito da população.

O discurso de motivação, a sensibilização e informação devem ser comprometidos com a verdade, em linguagem clara e acessível, compatível com a realidade sócio-cultural da comunidade, uniforme porém evolutivo (dinâmico) e sobretudo coerente.

A informação e o esclarecimento devem ser abundantes, a partir da divulgação dos

propósitos, objetivos, idéias e propostas, em qualquer oportunidade, audiência e instância. A informação deve ser a mais fundamental: as origens, causas e conseqüências dos

problemas e as várias alternativas de solução com seus efeitos e implicações. A dificuldade de entender um processo decorre da falta de informação. Não é necessário raciocinar pela comunidade, mas lhe propiciar informações básicas suficientes.

Em razão das audiências notadamente diferentes, na dimensão e na qualificação e no interesse das pessoas pelo serviço, é necessário identificar e distinguir com cautela e competência os "fóruns" e os meios mais adequados em cada caso, para melhor reunir os interessados e veicular a informação.

Em função das oportunidades de divulgação e da audiência, devem ser escolhidos os instrumentos de comunicação que podem ser mais ou menos convenientes, adequados ou impróprios em cada caso, entre uma variada gama de opções, a saber: cartazes, faixas, folhetos explicativos, encenação teatral, recursos audiovisuais, carro de som, rádio, televisão, jornais, maquetes, reuniões, etc.

É muito proveitoso, se não imprescindível, demonstrar e avaliar o(s) modelo(s) de

solução(ões) em verdadeira grandeza e universo restrito, mediante uma experiência piloto, executada e operada de forma controlada e assinalada, que deve ser realizada em uma área representativa.

A definição e distribuição de funções, responsabilidades, direitos, deveres, ônus e

benefícios devem resultar de livre negociação entre as partes interessadas, porém seguindo algumas regras básicas que preservem os objetivos sem prejudicar a viabilidade do serviço, a exeqüibilidade da solução e a institucionalização do processo. A negociação é sobretudo a

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mediação de interesses e deve identificar e contemplar as diferentes formas de participação do indivíduo, dos grupos, de pessoas e da comunidade como um todo.

A concorrência saudável entre grupos de pessoas deve ser estimulada e premiada com a prioridade de execução das obras para setores mais mobilizados e organizados. Contudo, no que pese a desejável condução do processo pela comunidade, devem ser utilizados métodos de ação social encadeada, sem perder a lógica e a racionalidade do processo.

Como é importante a evolução cultural da comunidade, toda oportunidade deve ser aproveitada para promoção da educação sanitária e ambiental, no mínimo no tocante ao bom uso e à conservação dos ramais condominiais de esgotos. A fase de execução das obras é muito propícia para isso.

Durante a operação, as visitas periódicas (vistorias) devem ser aproveitadas para levar maior informação aos usuários do sistema condominial, abordando sobre seu

funcionamento geral, uso correto e preservação.

A literatura recomenda ainda que a concessionária responsável pelo serviço continue o trabalho de indução da participação da comunidade, após as obras, devendo para isso ela mesma se adequar a essa forma de relacionamento.

3- A área do estudo e suas principais características

O estudo foi desenvolvido na cidade de Salvador que conta com uma população de 2,5 milhões de habitantes, capital do Estado da Bahia que situa-se na região Nordeste do Brasil. Para efeito de esgotamento, a cidade foi dividida em 42 bacias. Uma delas, denominada de bacia do Alto Camarugipe, foi sub-dividida em 11 sub-bacias, tendo sido escolhido para o estudo, como mencionado, a sub-bacia ASC-4, micro-sistema V, composto por 29 quadras e com uma população estimada de 8.638 habitantes. Esse micro-sistema abrange parte dos bairros da Fazenda Grande do Retiro e São Caetano, situados na região norte de Salvador. Essas localidades são formadas, na sua maioria, por assentamentos informais, de acessos locais precários, compostos basicamente de escadarias ou rampas muito íngremes, além de pouco equipadas de infra-estrutura urbana. Muitos problemas, relativos ao saneamento básico e à construção de moradias em locais de risco, com elevada probabilidade de

acidentes, são observados. O perfil traçado da população que habita o local, apesar de ser o mais diversificado possível, é na maior parte constituída de baixa renda (predominam até 3 salários mínimos mensais), que sobrevive com o mínimo possível, tendo no comércio informal a sua principal fonte de recursos. São os denominados "ambulantes" e prestadores de serviços avulsos. A densidade bruta, isto é, a relação entre população moradora e área ocupada de habitação, encontrada para a área de São Caetano é uma das maiores de Salvador, ou seja, 282,65 hab/ha (SOUZA-GORDILHO, 2000, p. 268).

Existem quatro associações comunitárias no bairro, porém em todas elas a participação se dá de forma muito incipiente.

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A partir de informações coletadas junto à técnicos da EMBASA e da empresa empreiteira das obras, o processo de formação dos condomínios na sub-bacia ASC-4, bem como nas outras sub-bacias de responsabilidade dessa empreiteira, vem se realizando da forma que passamos a relatar a seguir.

A área é previamente dividida em quadras pela equipe técnica, com base na topografia local e na forma de ocupação. A assistente social da empreiteira, de posse de mapa contendo todas as quadras da área, informa-se sobre a existência de alguma organização local. Identifica lideranças e associações comunitárias, (caso existam) de modo a iniciar o planejamento das quadras para a mobilização. Na sub-bacia em questão, segundo informações da equipe responsável pela mobilização, as associações existentes não se mostraram interessadas em colaborar, "muito pelo contrário, por vezes até dificultou o processo de mobilização pretendido em algumas quadras", comenta uma assistente social entrevistada.

Em seguida, são preparados os convites para as reuniões condominiais, cuja pauta principal é o Programa BAHIA AZUL e a solução condominial definida para a área. Os convites são distribuídos pelas mobilizadoras de casa em casa, convocando os moradores de cada quadra da área a comparecerem em local combinado para discutirem sobre o projeto que se

pretende implantar. Esse convite é entregue nas residências com 24 horas de antecedência da reunião. No dia, local e hora marcados, caso não haja quorum (mais de 50% dos moradores presentes de cada quadra), a reunião é suspensa, sendo agendada uma segunda reunião num espaço de dois a três dias após a primeira. Durante esse período, uma equipe formada por mobilizadoras sociais, visita todas as casas da quadra, convocando as pessoas para participarem da próxima reunião. A segunda reunião acontece com qualquer número de pessoas presente, que pode ser inferior a 50% dos moradores das quadras. Nela, participam normalmente uma assistente social e uma mobilizadora da empreiteira e mais uma assistente social da concessionária que, meia hora antes do início da reunião, voltam a contactar os moradores da quadra, de porta em porta, lembrando da reunião. A reunião é iniciada com a apresentação do Programa BAHIA AZUL. Em seguida é mostrada a solução condominial proposta, feita por uma das palestrantes, com intervenção sempre que possível das assistentes sociais presentes, numa exposição que dura em média 90 minutos. O

principal recurso utilizado para compreensão dos presentes sobre o que é um sistema de esgotamento sanitário e as RCE é o "Álbum Seriado", contendo desenhos ilustrativos de um sistema de esgotamento sanitário, tipos convencional e condominial, este último com a representação de uma quadra urbana e os respectivos ramais de pequeno diâmetro, passando de casa em casa, das caixas de inspeção (com destaque para os cuidados que devem ser tomados para o seu correto funcionamento) e a ilustração do encaminhamento da rede básica até o interceptor, estação de condicionamento prévio e, finalmente, o emissário submarino representado por uma praia. Os demais recursos utilizados são folders

ilustrativos que são distribuídos, contendo informações sobre os sistemas condominiais de esgoto, sobre o uso e importância da água na vida de todos, sobre os problemas e doenças causadas pelo esgoto sanitário e ainda sobre a disposição do lixo. Esses folders fazem parte do material destinado ao curso de educação ambiental que é dado posteriormente para todos os síndicos e sub-síndicos das quadras condominiais formadas.

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Nessa reunião também são informados aos presentes as atribuições de cada um dos envolvidos no processo de implantação e manutenção de uma RCE. São mostrados os valores diferenciados das tarifas a serem cobradas pelos serviços, em função da manutenção ser de responsabilidade da EMBASA ou da comunidade.

Estando presente em algumas reuniões realizadas para formação de condomínios, em outros micros sistemas que integram a Bacia do Alto Camurugipe, observou-se que a linguagem utilizada pelas palestrantes nem sempre é a mais adequada, por vezes fugindo da

compreensão dos presentes quando lançam mão de termos técnicos inerentes aos projetos de engenharia ou mesmo de palavras de uso não comum na linguagem popular. Por sua vez os participantes, mesmo com dificuldades de expressão e da inibição natural que essas ocasiões provocam em muitas pessoas, solicitam algumas informações complementares, parecendo se interessar pela solução ali proposta. A manifestação das pessoas, entretanto, é mais geral e intensa quando é tratada a questão da tarifa a ser cobrada após a implantação do sistema e da execução das ligações das casas ao mesmo. Muitos consideram alto o valor da tarifa.

Nessa reunião para formação do condomínio também acontece a eleição do síndico da quadra e é onde se dá a assinatura do "Termo de Adesão", onde os participantes formalizam a sua adesão ao sistema. O tempo disponibilizado à comunidade para compreender a

solução proposta e a sua adesão a mesma, parece não ser suficiente. Ocorre ainda que, muitas vezes, o representante do domicílio nessa reunião não é o responsável pelo domicílio, dificultando a tomada de decisão. Ademais, são tantas as informações a serem absorvidas que esse espaço de tempo, uma hora e meia em média, mostra-se exíguo se considerarmos a natureza e complexidade da intervenção ali proposta. Percebe-se,

entretanto, que as pessoas terminam concordando com a solução, aprovando e assinando o termo de adesão que irá formalizar a sua participação em um serviço importante, que finalmente chegou ao seu bairro.

As assinaturas ao "Termo de Adesão" no caso em estudo, segundo as mobilizadoras,

puderam também ser coletadas de porta em porta através de uma das mobilizadoras que, em contato com o proprietário do imóvel (que não participou da reunião) informa sobre as intervenções a serem realizadas na respectiva quadra, podendo o proprietário aceitar ou não a solução. A partir daí a quadra é liberada pela equipe social para o início das obras.

Essa forma de obter a adesão, por escrito do condômino, contribui para que esse participe formalmente do processo e não de fato como é o desejável.

Por outro lado, as mobilizadoras sofrem pressão por parte da empresa empreiteira que precisa dar início às obras, pois tem prazos a cumprir, definidos em contrato. Percebe-se que, nos prazos contratuais, não há uma previsão adequada para o desenvolvimento de um trabalho social que atenda a todas as etapas indispensáveis a uma real participação dos usuários na implantação da RCE.

Isso sugere a necessidade de uma maior preocupação com o cronograma de implantação do projeto. Uma alternativa seria a de licitar os serviços de projeto básico e acompanhamento técnico e social no início do empreendimento, para viabilizar o planejamento participativo e

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a adequada elaboração do projeto básico, para só então licitar a execução propriamente dita das obras.

Os síndicos e sub-síndicos eleitos, como mencionado, são posteriormente convidados para participarem de um curso de educação ambiental, promovido pela EMBASA, com duração de dois meses. São oito encontros, realizado um a cada semana, das 19 às 21h, onde os presentes têm oportunidade de obter informações mais detalhadas sobre o que é um sistema de esgoto sanitário tipo condominial, bem como os procedimentos necessários para a manutenção da RCE. Durante o curso, são dadas ainda informações mais gerais sobre saneamento, saúde e meio ambiente. É disponibilizado para todos os presentes material informativo sobre diversos componentes do saneamento: abastecimento de água, drenagem urbana e resíduos sólidos.

Segundo alguns participantes entrevistados, o curso é considerado "muito bom" e deveria ser extensivo para todos os condôminos, e não somente para os síndicos e sub-síndicos. Nessa área do estudo, entretanto, conforme depoimento de técnico da empreiteira,

"[....] existiram casos de outras pessoas da comunidade, além dos síndicos e sub-síndicos, que puderam participar do curso de educação ambiental, já que este não abrange a todos da comunidade em função dos recursos reduzidos para essa atividade no âmbito do Programa BAHIA AZUL".

Esse foi basicamente o processo de construção da participação na sub-bacia em estudo. Como esse processo foi percebido pela população da área é o que se vai procurar mostrar a seguir.

6- O resultado da pesquisa: um olhar da comunidade O perfil do entrevistado

Quase 70% dos entrevistados possuem renda familiar mensal de até 3 salários mínimos, sendo que 46,5% estavam, naquele momento, sem nenhum trabalho. A maior parte dos entrevistados (56,8%) possui até o curso fundamental incompleto. Mais de 50% residem na área por mais de 20 anos. A taxa de ocupação média por domicílio é de 4,36 pessoas. Entre os entrevistados, principais responsáveis pelo domicílio, 60,8% são mulheres na faixa etária média de 48 anos.

Participação comunitária e adesão a RCE

A convocação feita para a reunião condominial atingiu 71,8% dos domicílios da área. Apenas moradores de 28,2% dos domicílios não tiveram conhecimento dessa reunião. Isso sugere que a mobilização atingiu grande parte dos moradores das quadras onde o projeto foi implantado. A empresa consultora, no entanto, pode ter deixado de aproveitar, a partir da mobilização conseguida, um maior envolvimento das pessoas no processo de planejamento e implantação do projeto, evitando assim problemas que viessem a comprometer a

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mais da metade (42,1%) esteve presente à reunião, onde a concepção da RCE foi apresentada aos moradores, significando que moradores de 30% dos domicílios investigados compareceram a essa reunião condominial.

Percebe-se que apenas uma reunião não é suficiente para a devida compreensão e

envolvimento das pessoas em todas as etapas de implantação do projeto. Há necessidade de outras reuniões para de fato ocorrer uma maior participação de todos os envolvidos. É preciso também um período maior de atuação e entrosamento das equipes social e técnica. Como o tempo da comunidade não parece ser o mesmo daquele dos seus implementadores, o resultado da adesão a RCE nessa área foi de 38,4% dos domicílios investigados.

A realidade mostra que muito tem a ser feito para que as pessoas (organizadores e

população) compreendam a participação como um exercício de direito, de ser parte de um coletivo, de forma a envolverem-se com intensidade e responsabilidade nesse processo. Fazendo um cruzamento entre as respostas obtidas com relação à participação e à adesão, tem-se os seguintes resultados: 67,7% não aderiram a RCE e não participaram de qualquer reunião; 48,7% participaram da reunião condominial e não aderiram a RCE. Por outro lado, 32,3% dos que aderiram, não haviam participado da reunião. Participaram da reunião e aderiram a RCE 51,3% dos entrevistados. A reunião condominial, a despeito das limitações de tempo, ainda mostra-se bastante eficaz uma vez que é maior a adesão entre os que participaram da mesma. Na realidade, as pessoas querem ser informadas sobre as ações públicas e como estas vão interferir em suas vidas. A experiência demonstra que existe, a princípio, uma pré-disposição das pessoas em colaborar com as instituições, desde que se saiba porque e para que estão colaborando.

Isso pode ser confirmado num outro cruzamento relativo aos que souberam da reunião e aqueles que não souberam. É maior a adesão entre os que souberam da reunião (51,3%), do que entre os que nem souberam da mesma (28,2%). O principal motivo apresentado para a não adesão à RCE foi o fato de muitos já terem algum tipo de solução para o esgoto sanitário, a maior parte lança mão da rede de drenagem pluvial – RDP para lançamento de seus esgotos.

Entre os aderentes e os não aderentes, devido à existência de solução anterior, é maior a proporção de aderentes entre aqueles que não utilizavam a RDP. Isso é em parte justificado pelo fato das RDP, em muitas cidades brasileiras, serem uma alternativa para populações que não possuem redes públicas de coleta de esgoto sanitário. Por essa razão é quase certo que obras de RDP, da forma como estão sendo implementadas, dissociadas de ações integradas com resíduos sólidos e esgotamento sanitário, acabam, em geral, por gerar impactos ambientais negativos. A ausência de responsabilidade dos governos locais com esse tipo de obras, a falta de manutenção, a falta de fiscalização municipal e dos órgãos ambientais, a falta de programas de educação ambiental para os usuários alvo das

intervenções, associado a hábitos culturais arraigados em baixos níveis de informação e de participação da comunidade no processo, tendem a incentivar ligações diretas dos esgotos sanitários das residências nas RDP, elegendo essa alternativa como a melhor, face à inexistência do serviço público de esgotamento sanitário.

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O valor da tarifa a ser cobrada pelas RCE, foi motivo da não adesão para moradores de apenas 10,6% de domicílios desse grupo, o que contraria algumas opiniões manifestadas por técnicos entrevistados de que a população pobre não quer pagar pelos serviços. O que muitas vezes ocorre é a implantação de projetos que não levam em conta a capacidade de renda das famílias para as quais eles foram desenvolvidos. Essa é mais uma questão que poderá ser resolvida por meio de projetos participativos e o estabelecimento de tarifas socialmente adequadas. A falta de informação, no entanto, é responsável pela não adesão de 13,9% dos entrevistados, demonstrando a necessidade de uma maior divulgação das ações do PBA nas áreas das intervenções.

Questões de ordem técnica, unidas ao valor da tarifa a ser cobrada a partir do funcionamento do sistema, representaram 30% daqueles que não aderiram à RCE implantada.

A participação comunitária quando da adoção de RCE tende a induzir uma melhoria da qualidade dos serviços, com os usuários presentes durante todo o processo de construção das obras, no entanto, existe uma tendência, por parte de construtores de obras públicas, de associar materiais de baixo custo, de pouca qualidade, para populações de baixa renda, resultando em obras de qualidade bastante discutível. Acredita-se que o que deveria ocorrer seria o inverso, ou seja, aplicar para esses segmentos, materiais e serviços de qualidade, uma vez que existe uma maior probabilidade de ocorrer problemas relativos ao mau uso das instalações hidro-sanitárias, contribuindo para um maior custo de manutenção.

A avaliação da RCE na área do estudo

Dos entrevistados que aderiram à RCE, 77,7% já havia realizado a sua ligação

intradomiciliar à rede pública. Para 52,1% desses entrevistados, a RCE implantada satisfaz a sua expectativa.

Os motivos dos insatisfeitos dizem respeito aos problemas decorrentes da má execução das obras; da execução parcial da interligação das peças componentes das RCE; da falta de execução de serviços complementares, como a proteção adequada para as redes públicas e a recuperação da pavimentação danificada durante as obras; dos quebramentos constantes das tampas das caixas de passagem; do diâmetro da rede ou ainda daqueles relativos à

manutenção das RCE propriamente dita e do tempo decorrido para o atendimento das solicitações dos moradores à empreiteira. "Quando entope e não podemos resolver temos que chamar a EMBASA para limpar, pois é mais rápido que esperar o pessoal da obra", comenta um dos moradores entrevistados.

Não houve comentários espontâneos a respeito da manutenção feita pelos síndicos. Observou-se que os problemas de manutenção, na maior parte das vezes, têm sido

resolvidos pela equipe de operação da EMBASA, sempre que solicitada. É importante dizer que quando foi feita a pesquisa de campo a bacia do Alto Camarajipe encontrava-se em obras, com 48,99% dos serviços ainda por serem concluídos, não estando, portanto, oficialmente em operação pela EMBASA. A equipe de operação da concessionária vinha atendendo, entretanto, aos chamados da população da área, sempre que a empreiteira não

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atendia, embora naquele momento fosse responsabilidade da empreiteira e dos síndicos a resolução dos problemas.

Entre os que aderiram à RCE, 92,6% expressaram que sabem como manter corretamente essa rede, ou seja, conhecem os cuidados que devem ser tomados para o seu correto funcionamento.

O nível de satisfação é proporcionalmente maior entre aqueles que se consideram

informados (77,4%), do que entre aqueles que se consideram desinformados (22,6%) sobre como operar corretamente a RCE.

O nível de satisfação é também proporcionalmente maior entre aqueles indivíduos que sabem da existência de um síndico, do que entre aqueles que não o conhecem. Aliás, os síndicos se mostraram pouco conhecidos entre os membros da coletividade estudada. Entre os que aderiram a RCE, 72,3% não tinham qualquer conhecimento do síndico responsável pela sua quadra.

Entre os que estão satisfeitos com a RCE e aqueles que sabem da existência do síndico tem-se 86,4%. Por sua vez, os síndicos contatados mostraram-tem-se preocupados com a falta de apoio e a pouca participação da comunidade local.

A insatisfação mostra-se maior nos domicílios em que a caixa de passagem foi instalada no fundo ou ao lado do lote do que naqueles onde essa caixa se localiza na frente do lote. De fato, quando a localização é no fundo do lote existe uma maior probabilidade de gerar interferências com construções intra-muros e problemas com os vizinhos, além de uma maior possibilidade da má utilização do ramal condominial, em função da presença de águas pluviais acumuladas no fundo do lote, que podem entrar na caixa de passagem prejudicando o adequado funcionamento das RCE.

Por ocasião das entrevistas, havia ocorrido obstrução em 11% daqueles domicílios já ligados à rede pública e quase metade dos responsáveis por esses domicílios desconhecia o responsável pela manutenção da rede. Esse fato leva a pensar que existe necessidade de um maior esclarecimento dos moradores relativo às suas funções/obrigações e uma maior atuação e envolvimento dos síndicos com os condôminos.

Considerando o nível de informações e relacionando-o com a ocorrência de obstruções na rede, observa-se que é maior esta ocorrência entre aqueles que não se julgam informados o suficiente sobre como manter corretamente a rede, do que entre aqueles que se julgam possuidores das informações necessárias.

CONCLUSÃO

O estudo procurou mostrar, sob o olhar da comunidade, como se deu o processo de

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micro-sistema V, bacia do Alto Camurugipe, integrante do Sistema de Esgotamento Sanitário de Salvador.

A breve investigação teórica indicou a existência de um consenso a respeito da necessidade de participação da comunidade quando da implementação de RCE. Entretanto, observa-se que a sua concretização passa pela necessidade de uma maior organização dos

participantes, pela efetiva abertura de espaços de discussão dentro e fora dos limites da comunidade, pelo envolvimento dos participantes na definição de prioridades, na

implementação dos projetos e no estabelecimento de canais de diálogo com as instituições envolvidas.

A participação comunitária, como premissa básica da RCE, constitui parte fundamental da metodologia de implantação, apresentando-se como um desafio que exige a ruptura de conceitos e preconceitos ainda muito comuns entre os técnicos que atuam na implantação deste tipo de projeto. Constata-se que é preciso uma mudança de cultura das pessoas que estão trabalhando com as RCE, para uma maior compreensão da dinâmica local e das formas de obter uma melhor troca de conhecimentos e saberes. A preconizada parceria durante todo o processo de implementação das RCE possibilita a riqueza das contribuições que cada parte envolvida, de forma diferenciada, pode trazer para o projeto conjunto. As contribuições advindas de todos é que irá qualificar a implantação do projeto.

A informação obtida no início da pesquisa de que houve uma boa participação dos usuários no micro – sistema em questão, se confirmou parcialmente a partir das entrevistas

realizadas, na medida em que 42,1% compareceram à reunião condominial. Ocorre que há uma confusão conceitual do que seja participação com uma tendência de se confundir participação com representação, onde os interesses dos sujeitos estão muitas vezes ausentes dos processos, como também participação com presença da comunidade na reunião

condominial, o que, como visto na literatura revisada, são coisas completamente distintas. Assim, a participação não pode ser aceita como um ato de voluntarismo unilateral. Ou é parte de um processo essencialmente interativo que exige capacitação de todos os grupos envolvidos, ou passa a ser um mero instrumento para atendimento dos requisitos requeridos durante a implantação de projetos de RCE.

Através do "olhar da comunidade" foram abordadas algumas das principais questões que compõem a complexa construção de processos participativos quando da implantação de RCE. Entre elas, merecem destaque àquelas decorrentes das dificuldades no

estabelecimento de canais que abram a possibilidade para maior integração e diálogo entre as partes.

O trabalho de mobilização atingiu porcentagem significativa (71,8%), não tendo sido, entretanto, aproveitado posteriormente para um maior envolvimento dos usuários no processo de planejamento e implantação do projeto.

A reunião condominial teve como principais objetivos a informação sobre as intervenções a serem realizadas, a necessidade do bom uso da rede coletora, a assinatura do termo de

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adesão e a eleição do síndico responsável por atividades que se imaginava que iriam assumir como coordenadores, mantenedores e/ou supervisores das redes implantadas. Observou-se que a reunião, a despeito das limitações de tempo, ainda mostra-se bastante eficaz uma vez que é maior a adesão ao processo entre aqueles que participaram da mesma. O curso de educação ambiental promovido pela EMBASA foi visto como de grande

importância, além de ser considerado de muito bom a ótimo pela maioria dos participantes. Como esse curso não teve recursos suficientes para atender ao público alvo, faz-se

necessário uma maior atenção relacionada aos orçamentos das intervenções, que devem considerar integralmente os custos dos serviços de projetos, consultorias, fiscalização e acompanhamento social e técnico, bem como os de obras complementares, de modo a incorporar todos os valores de forma mais realista. As restrições financeiras relativas à educação ambiental terminam comprometendo a sustentabilidade do projeto.

Outra questão que merece atenção é a de avaliar a importância da implantação da rede condominial associada a intervenções em drenagem pluvial e resíduos sólidos, o que poderá contribuir para uma melhor utilização das redes coletoras de esgoto, o que trará,

positivamente, maiores impactos sócio - ambientais. Há um consenso no meio técnico, refletido pela Agenda 21, em torno da adoção de uma abordagem ampla e integrada do saneamento ambiental, potencializando o resultado das ações e elevando os níveis de saúde e qualidade ambiental. Por se tratar de serviços estritamente relacionados e com

interferências recíprocas, é essencial planejar e executar de modo integrado as intervenções destinadas a promover o abastecimento de água, esgotamento sanitário (coleta e tratamento e disposição final), a drenagem pluvial e a coleta e disposição de resíduos sólidos.

A falta de envolvimento efetivo dos grupos sociais no processo de elaboração dos projetos, execução das obras e gestão dos serviços leva à desmotivação e à desconfiança de muitos usuários na solução adotada, comprometendo tanto os objetivos sócio-ambientais como os financeiros do projeto. Parece ser importante refletir sobre o que vem sendo construído para viabilizar a participação dos usuários tendo em vista a proposta de manutenção por parte dos mesmos.

A pesquisa indica ainda que uma atenção especial deverá ser dada à população usuária, após o término formal das obras de engenharia, quando haverá ainda necessidade de acompanhamento social e de um maior apoio para a manutenção da rede coletora. Apesar da existência de síndicos nos condomínios constituídos e do compromisso formalizado no "Termo de Adesão", como visto, 72,3% desconhecem o síndico e 47,9% não sabem, de fato, quem é o responsável pela manutenção da rede. Isso leva a crer que a parte mais fácil da implantação de RCE é a construção da obra propriamente dita. Depois de construída, em sua grande parte, é que começam os problemas. Quem vai administrar? Como será a

gestão? Quem paga pela manutenção? Quem é responsável pelas peças de reposição? E assim por diante. Apesar desses problemas sinalizados em diferentes experiências realizadas, muitos políticos, técnicos, lideranças comunitárias etc, acreditam que o

importante "é realizar obras". Já é tempo de compreender que não existe "obra milagrosa". É necessário que se tenha clareza entre o "antes" e o "depois". Não parece ser suficiente enfatizar, durante as reuniões condominiais, que as comunidades devam manter as redes sob sua responsabilidade, como forma de ajudar a si próprias, sem que se discuta e leve em

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consideração as desigualdades sociais e econômicas que deram origem ao fato de que aquelas pessoas necessitam de ajuda.

Uma das lições importante retirada dessa pesquisa é a de que não se pode investir em tantas obras, sem que o município tenha uma maior participação. Como o município é,

constitucionalmente, o responsável pela gestão ambiental urbana - que envolve

principalmente a questão do abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem, resíduos e transportes urbanos - ele não deve ficar alheio a esses processos, desde a elaboração do projeto até a sua implantação e manutenção. Dessa forma, o uso dos potenciais recursos municipais devem ser maximizados.

Com essas considerações, é possível dizer que uma vez que a participação é um

aprendizado contínuo, o seu aperfeiçoamento se dá não só pelo reconhecimento dos acertos mas também dos erros.

Cabe ressaltar finalmente que os resultados desta pesquisa apontam para a necessidade de se aprofundar em estudos posteriores as questões aqui abordadas e discutidas.

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Referências

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