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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.212.121 - RJ (2010/0162086-1)

RELATOR

: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

: MARILENE APARECIDA DOS SANTOS

ADVOGADO

: ANA ALVES DE MARIA

RECORRIDO

: LÉRCIA CARNEIRO DE ANDRADE E OUTROS

ADVOGADO

: SÍLVIA REGINA MACEDO A HENRIQUES E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO

ABERTA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE

2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO NÃO RECONHECIDO NO CASO CONCRETO.

1. Em matéria de direito sucessório, a lei de regência é aquela

referente a data do óbito. Assim, é de se aplicar ao caso a Lei n.

9278/1996, uma vez que o Código Civil ainda não havia entrado em

vigor quando do falecimento do companheiro da autora, ocorrido em

19/10/2002.

2. Não há direito real de habitação se o imóvel no qual os

companheiros residiam era propriedade conjunta do falecido e de mais

doze irmãos.

3. O direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém,

quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não

quem já era proprietário do imóvel antes do óbito e havia permitido sua

utilização a título de comodato.

4. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas

taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria

Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA

Número Registro: 2010/0162086-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.212.121 / RJ

Números Origem: 16562009 20050010560371 200913512916

PAUTA: 26/11/2013 JULGADO: 26/11/2013

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARILENE APARECIDA DOS SANTOS ADVOGADO : ANA ALVES DE MARIA

RECORRIDO : LÉRCIA CARNEIRO DE ANDRADE E OUTROS

ADVOGADO : SÍLVIA REGINA MACEDO A HENRIQUES E OUTRO(S) ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.212.121 - RJ (2010/0162086-1)

RECORRENTE

: MARILENE APARECIDA DOS SANTOS

ADVOGADO

: ANA ALVES DE MARIA

RECORRIDO

: LÉRCIA CARNEIRO DE ANDRADE E OUTROS

ADVOGADO

: SÍLVIA REGINA MACEDO A HENRIQUES E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Marilene Aparecida dos Santos ajuizou ação possessória em face de

Lércia Carneiro de Andrade, Marcos Carneiro de Andrade e Andrea Carneiro de Andrade,

irmãos de seu companheiro falecido, Ferdinando Sérgio Carneiro. Narra a autora ter

vivido maritalmente - por mais de cinco anos - com Ferdinando em apartamento

pertencente a José Sebastião Carneiro, irmão pré-morto de seu falecido companheiro,

não tendo nenhum dos dois deixado filhos ou pais vivos. Sustenta que, após a morte de

seu companheiro, os parentes passaram a atuar de maneira agressiva, arrombando um

dos armários e consumindo todo o estoque de alimentos do apartamento, compelindo-a a

abandonar o imóvel, do qual se dizem os únicos proprietários. Pugnou pela manutenção

da posse do apartamento (fls. 4-6).

Sobreveio decisão entendendo não caber discussão acerca da posse e sim

sobre a existência ou não de união estável, bem como de direito real de habitação da

autora, motivo pelo qual o Juízo da 40ª Vara Cível da Comarca da Capital declinou de

sua competência para uma das varas de família do foro central (fl. 93).

O Juízo da 14ª Vara de Família do Rio de Janeiro, então, após emenda à

inicial e correção do polo passivo para incluir todos os irmãos e os filhos dos irmãos

pré-mortos, totalizando 13 pessoas (fls. 111 e 116), além de realizada a instrução, julgou

procedente o pedido para declarar a união estável entre Marilene Aparecida dos Santos e

Ferdinando Sérgio Carneiro de 1999 a 19/10/2002, e para reconhecer o direito real de

habitação à autora sobre o imóvel localizado à Rua Emílio Berla, 118, casa 1, ap. 203,

Copacabana, Rio de Janeiro-RJ (fls. 881-888).

Em grau de apelação, a sentença foi reformada para afastar o direito real de

habitação sobre o imóvel objeto do litígio (fls. 942-954):

CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. Possibilidade, desde que o imóvel não esteja em condomínio com terceiros, não beneficiários da herança do finado convivente. APELO

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PROVIDO.

Irresignada, Marilene Aparecida dos Santos interpõe recurso especial com

fulcro na alínea "a" do art. 105, III, da Constituição Federal, sob a alegação de afronta ao

art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/1996.

Aduz em suas razões que, pelo reconhecido droit de saisine, constante do

art. 1.784 do Código Civil, a transmissão da herança opera-se imediatamente.

Sustenta que, reconhecida a união estável, faz jus ao exercício de direito

real de habitação sobre o bem no qual residia com o falecido com affectio societatis

familiae. Assevera que o direito real de habitação independe de a companheira ter ou não

direito sucessório sobre ele.

Pondera que se aos demais herdeiros de José Sebastião Carneiro é dada a

defesa de sua propriedade, igualmente à autora tal direito de defesa da cota-parte de seu

convivente falecido deve ser assegurada.

O recurso recebeu crivo de admissibilidade negativo na origem (fls.

978-979), ascendendo a esta Corte pelo provimento do recurso de agravo (fls. 989).

Contrarrazões às fls. 967-968.

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo provimento do recurso

especial, nos termos da seguinte ementa (1.000-1.004):

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA VOLTADA PARA A MANUTENÇÃO DA RECORRENTE NO IMÓVEL EM QUE RESIDIA COM SEU FALECIDO COMPANHEIRO. APELO QUE DEIXA DE ESPECIFICAR OS DISPOSITIVOS SUPOSTAMENTE AVILTADOS E DE DEMONSTRAR DE QUE FORMA TERIA OCORRIDO A COGITADA VIOLAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. DESCONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA POR SENTENÇA. ÚNICO IMÓVEL EM QUE RESIDIAM OS CONVIVENTES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO QUE SE TEM COMO DEVIDO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL PELA COMPANHEIRA SOBREVIVENTE, AINDA QUE ESTE PERTENÇA A VÁRIOS PROPRIETÁRIOS. INSTITUTO QUE TEM POR OBJETIVO GARANTIR O DIREITO À MORADIA. PROTEÇÃO DE CUNHO CONSTITUCIONAL. EFETIVAÇÃO DO DIREITO REAL QUE DESAUTORIZA A INTERPRETAÇÃO DE NATUREZA RESTRITIVA. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE TEM COMO NECESSÁRIA. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO, CASO A INSURGÊNCIA VENHA A SER CONHECIDA.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.212.121 - RJ (2010/0162086-1)

RELATOR

: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

: MARILENE APARECIDA DOS SANTOS

ADVOGADO

: ANA ALVES DE MARIA

RECORRIDO

: LÉRCIA CARNEIRO DE ANDRADE E OUTROS

ADVOGADO

: SÍLVIA REGINA MACEDO A HENRIQUES E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO

ABERTA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE

2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE

HABITAÇÃO NÃO RECONHECIDO NO CASO CONCRETO.

1. Em matéria de direito sucessório, a lei de regência é aquela

referente a data do óbito. Assim, é de se aplicar ao caso a Lei n.

9278/1996, uma vez que o Código Civil ainda não havia entrado em

vigor quando do falecimento do companheiro da autora, ocorrido em

19/10/2002.

2. Não há direito real de habitação se o imóvel no qual os

companheiros residiam era propriedade conjunta do falecido e de mais

doze irmãos.

3. O direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém,

quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não

quem já era proprietário do imóvel antes do óbito e havia permitido sua

utilização a título de comodato.

4. Recurso especial não provido.

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O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A controvérsia instalada nos autos e devolvida a esta Corte resume-se a

saber se é possível o exercício do direito real de habitação em imóvel em copropriedade,

pois que o falecido habitava a residência com sua companheira, ora recorrente, a título

de comodato, sendo que o apartamento pertencia integralmente a seu irmão, falecido

sem deixar ascendentes ou descendentes.

É incontroversa a existência da união estável, reconhecida pela sentença e

mantida pelo acórdão.

Ao examinar a questão, o Juízo de piso assim se manifestou no ponto que

interessa (fls. 881-888):

[...]

No entanto, quanto ao reconhecimento de direito real de habitação da autora sobre o bem em que morava o casal, é necessário verificar que o ex-companheiro faleceu antes do Código Civil entrar em vigor, em 2002. 0 Código Civil entrou em vigor em 11.01.2003. Aplica-se ao caso a lei 9278 de 10.05.1996, art. 7°, parágrafo único.

Nos termos da Lei 9278 de 10.05.1996, art. 7°, parágrafo único, o convivente sobrevivente tem o direito real de habitação relativo ao único imóvel onde residia o casal, sito rua Emílio Berla, 118, casa 1, ap. 203, Copacabana.

Na espécie a questão traz uma peculiaridade: o bem sobre o qual pretende a autora exercer o direito real de habitação pertence a treze proprietários, de modo que ao companheiro falecido apenas cabia 1/13 avos sobre o bem, herança de um irmão falecido.

Mas o companheiro sobrevivente terá o direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento. "O direito real de habitação consiste

na utilização gratuita de imóvel alheio. 0 titular desse direito deverá residir, com sua família, nesse imóvel, não podendo alugá-lo, emprestá-lo. É o que se depreende do art.746 do Código Civil" (Estatuto da Família de Fato - Álvaro Villaça Azevedo, Ed. Atlas, pág. 359)

Portanto, reconhecida a união estável, faz jus a autora ao exercício de direito real de habitação sobre o bem no qual residia com o falecido com affectio societatis familiae. O direito de habitação nasce independentemente do direito do convivente sobrevivente na sucessão sobre o bem e cabível quando não lhe cabe por totalidade da herança. 0 direito real de habitação decorre de lei e se destina a proteger o companheiro sobrevivente, mantendo-o no imóvel destinado à residência da família.

E na presente hipótese o direito real de habitação será exercido pela autora e não pelos demais herdeiros de frações do mesmo imóvel, sob pena de ser desnaturado o instituto.

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Direito das Coisas Lúmen Júris Editora, pág.353: “o direito real de habitação consiste na possibilidade de o habitador utilizar gratuita e temporariamente bem imóvel alheio para fim exclusivo de sua moradia e de sua família..." e o mesmo autor cita a jurisprudência:

"REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AÇÃO PROPOSTA POR ESPÓLIO. IMÓVEL OCUPADO POR COMPANHEIRO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. Ação de reintegração de posse proposta pelo espólio de proprietário de duas unidades residenciais de um mesmo prédio (apartamento 101 e 201) interligadas por escada de acesso. Alegado esbulho do apartamento 201, onde residia o “de cujus". Companheira. Ex- locatária da unidade 101, que deixou o antigo apartamento e passou a residir com o proprietário — o que deu-se por mais de dezessete anos-, nascendo uma filha do relacionamento havido entre ambos. União estável caracterizada. imóvel dito esbulhado que serviu de residência da família até o óbito do “de cujus". Direito real de habitação. Esbulho não configurado. Desprovímento do recurso. APELAÇAO CIVEL 47946/2006 CAPITAL — SÉTIMA CAMARA CÍVEL — UNANIME DES. MARIA HENRIQUETA LOBO JULG.l2/12/2006" (idem pág.353)

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE 0 PEDIDO para declarar a união estável entre Marilene Aparecida dos Santos e Ferdinando Sérgio Cameiro de 1999 até 19/10/2002, e reconhecer o direito real de habitação à autora, sobre o imóvel localizado a Rua Emílio Berla, 118, casa 1, apto 203, Copacabana. Condeno os réus ao pagamento das custas e honorários

advocatícios no valor de 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidades, nos termos do artigo 12, da Lei 1.060/50. E JULGO EXTINTO 0 PROCESSO COM JULGAMENTO DE MÉRITO, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se.

P. R. I.

O Tribunal a quo, por sua vez, acolhendo as razões de apelação dos irmãos

do falecido, destacou (fls. 942-954):

[...]

Para correta solução da lide, necessário se faz perquirir acerca da possibilidade, ou não, do exercício do direito real de habitação em imóvel de propriedade de parente do "de cujos" que habitava a residência, com sua companheira, ora apelada, a título de comodato.

Sabe-se que pelo princípio consagrado como Droit de Saissine (artigo 1784 do Código Civil), opera-se a transmissão imediata do patrimônio do "de cujus" para os demais herdeiros. Assim, no momento do falecimento do irmão do companheiro da apelante, o imóvel objeto da controvérsia passou a pertencer a uma pluralidade de pessoas, em condomínio, composto pelo companheiro da apelada e os apelantes.

Ou seja, na espécie, como bem observou a douta Magistrada a quo, a questão traz uma peculiaridade: "o bem sobre o qual pretende a autora exercer o direito real de habitação pertence a treze proprietários, de modo que ao companheiro falecido apenas cabia 1/13 avos sobre o bem, herança de um irmão falecido.", embora d douta Magistrada tenha bem definido a situação jurídica, com todas as vênias, concluiu paradoxalmente pela possibilidade de a apelada exercer o direito real de habitação.

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instituto em questão em nosso ordenamento jurídico para que seja elucidado o entendimento desta relatoria, já que diverge do entendimento dado pela douta Magistrada a quo e pelos ilustres Membros do Parquet.

A matéria relativa ao direito real de habitação em relação aos cônjuges vem prevista no artigo 1831 do Código Civil e em relação aos companheiros vem disciplinada no parágrafo único, do artigo 7º, da Lei 9278/96, e assim preceituam:

Art 1.831. (Código Civil) Ao cônjuge sobrevivente qualquer que seja o regime de bens será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Art 7º. (lei 9.278/96) Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a titulo de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

A entrada em vigor do Código Civil de 2002, que é lei geral, e só contempla o cônjuge no que concerne ao direito real de habitação, não revogou a previsão do artigo 7º da Lei 9.278/96, que em relação ao Código Civil, no entender desta Relatoria, é lei especial (Lex general; non derrogat lex especialis ). Então o cerne da questão é dar a verdadeira extensão à redação dos dispositivos legais.

Sobre esse aspecto, cabe trazer à colação o entendimento esposado no seguinte julgado do E. Superior Tribunal de iustiça:

RECURSO ESPECIAL CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. CONJUGE SOBREVIVENTE. CODIFICAÇÃO ATUAL. REGIME NUPCIAL IRRELEVANCIA. RESIDENCIA DO CASAL. Segundo o artiqo 1831 do Código de 2002, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido. Recurso não conhecido, com ressalva quanto à terminologia. Este também e o entendimento desta Relatoria. Ou seja, a expressão patrimônio comum ou particular deve ser interpretada como excludente da possibilidade de se estabelecer o direito real de habitação ao companheiro(a) supérstite que habitava imóvel com o de cujus cuja propriedade não era integralmente deste último.

Se este é o entendimento adotado em relação ao artigo 1.831 do Código Civil, outro não poderia ser dado ao artigo 7º, da Lei 9.278/96, pois, não podemos dar à companheira, mais direitos do que é conferido ao cônjuge, sob pena de infringir-se o princípio da isonomia insculpido no inciso II do artigo 5º da Carta da Primavera.

Nesse sentido, a apelada poderia ver reconhecido seu direito de habitação, caso convivesse com seu companheiro em imóvel de propriedade deste ou de ambos, ainda que herdeiros deles existissem. Todavia, na vocação hereditária a apelada como companheira exclui os parentes colaterais, sendo ela a única herdeira e os apelantes condôminos. Deu-se, na sentença, uma interpretação demasiadamente extensiva, impondo-se aos apelantes uma restrição ao direito de propriedade que não lhes é oponível."

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3. O instituto do direito real de habitação conferido às relações de

matrimônio e de união estável não é recente em nosso ordenamento jurídico. O Código

Civil de 1916, desde as alterações introduzidas pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei n.

4.121, de 27 de agosto de 1962), em seu artigo 1.611, § 2º, já o previa com a seguinte

redação:

Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascedentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.

§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus"

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Como se observa, tanto o direito real de habitação quanto o extinto usufruto

vidual eram vinculados ao regime de bens do casamento. A vinculação ao regime de

bens justificava-se em face da legítima recebida pelo cônjuge - que não era herdeiro

necessário na vigência da lei anterior -, a depender do regime e da existência de filhos.

Sobre os parágrafos do art. 1.611 do Código Civil de 1916, pondera Silvio

Rodrigues:

A lei, portanto, concedeu ao cônjuge o usufruto da quarta parte, ou da metade dos bens do de cujus, conforme concorra com seus descendentes ou ascendentes.

O benefício só é outorgado se o regime de bens não é o da comunhão, pois, neste caso, tendo o cônjuge do defunto direito à sua meação, não necessita amparo. Se, contudo, o regime é outro, não fica o cônjuge desprotegido, pois terá usufruto, enquanto durar a viuvez, de uma parte dos bens do falecido. Mas a lei vai longe. Mesmo em caso de casamento sob o regime de comunhão de bens, não deixa de proteger o cônjuge sobrevivente, pois assegura-lhe, enquanto viver e permanecer viúvo, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que se trate do único bem daquela natureza a inventariar (Cód. Civ. art. 1.611, § 2º)

(RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito das sucessões. Saraiva: São Paulo, 1982-1983, p. 85)

Posteriormente, a Lei n. 8.971/1994, embora tenha previsto o instituto do

usufruto vidual aos companheiros, não estabeleceu expressamente o direito real de

habitação, in verbis:

Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

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união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;

II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

Com o advento da Lei n. 9.278/1996, previu-se expressamente o direito real

de habitação também aos companheiros, consagrando a concepção constitucional de

união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF), nos termos do parágrafo único

do art. 7º:

Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

O novo Código Civil, por sua vez, regulamentou o direito sucessório

concernente à união estável no seu artigo 1.790, e o direito real de habitação dos

cônjuges no art. 1.831:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. ---Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

4. No caso em julgamento, o óbito do companheiro da recorrente,

Ferdinando, deu-se em 19/10/2002, após cerca de cinco anos de reconhecida união

estável.

Assim, considerando que em matéria de direito sucessório se aplica a lei

sob cuja égide ocorreu o óbito e a transmissão da herança, a controvérsia dos autos deve

ser solucionada à luz da Lei n. 9.278/1996.

4.1. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald assim se pronunciaram

sobre o conceito e a natureza do direito real de habitação:

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No campo dos direitos reais de fruição, a menor amplitude quantitativa concerne ao direito real de habitação. É uma espécie do gênero direito de uso. Como se extrai da própria nomenclatura, cuida-se de direito real de uso limitado à habitação, pois, além de incessível, não admite qualquer forma de fruição.

[...]

A finalidade deste legado ex lege de habitação é dúplice: garantir certa qualidade de vida ao cônjuge supérstite e impedir que após o óbito do outro cônjuge seja ele excluído do imóvel em que o casal residia, sendo ele o único bem residencial do casal a ser inventariado.

(CHAVES DE FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 9ª ed. rev. ampl. atual. Editora Juspodivm: Bahia, 2013. p. 856-858)

Ocorre que, como bem observou a Juíza de piso, a questão traz uma

peculiaridade, o bem sobre o qual pretende a autora exercer o direito real de habitação

pertence a treze proprietários - o irmão do companheiro da autora é pré-morto e era

proprietário do apartamento, não deixando ascendentes nem descendentes, mas apenas

irmãos - de modo que ao companheiro falecido apenas cabia 1/13 avos sobre o imóvel.

4.2. No ponto, embora lacônica a Lei n. 9.278/1996 - circunstância a exigir a

integração hermenêutica do juiz - o fato é que o dispositivo contido na Lei n. 9.278/1996

(art. 7º, parágrafo único), ao utilizar os termos "relativamente ao imóvel destinado à

residência da família ", não teve o condão de conceder à companheira direito real de

habitação em bens de terceiros.

De fato, parece razoável interpretar a norma tomando como base o instituto

do direito real de habitação existente à época, de acordo com a redação do Código Civil

de 1916.

Carlos Maximiliano leciona:

Prefere-se o sentido conducente ao resultado mais razoável (2), que melhor corresponda à necessidades da prática (3), e seja mais humano, benigno, suave (4).

É antes de crer que o legislador haja querido exprimir o consequente e adequado à espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem efeito. Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que conduza a melhor consequencia para a coletividade (5).

179- Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconscientes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que tome aquela sem efeito, inócua, ou este juridicamente nulo (1).

(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 135-136.)

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interpretado em conjunto com o conteúdo do direito real de habitação existente quando

de sua criação, leia-se, o previsto no art. 1.611 e parágrafos do Código Civil de 1916.

Assim, não é crível presumir que o silêncio da lei poderia levar o

reconhecimento de direito real de habitação sob imóvel do locador, por exemplo, um

terceiro absolutamente estranho à relação jurídica subjacente.

Desse modo, o direito real à habitação limita os direitos de propriedade,

porém, quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era

proprietário do imóvel antes do óbito, como é o caso dos recorridos, que haviam

permitido a utilização do imóvel pelo casal a título de comodato.

O companheiro falecido da recorrente era proprietário tão somente de 1/13

do apartamento, assim, não pode a companheira sobrevivente limitar o direito de

propriedade dos demais irmãos.

5. Aliás, apenas para ilustração, lembro que, de acordo com a redação atual

do art. 1.831 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o

imóvel que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido. Ou seja, em

relação ao imóvel a inventariar, pode ser concedido direito real de habitação ao consorte

supérstite, desde que seja patrimônio comum ou particular do de cujus.

Nesse sentido foi o precedente da Terceira Turma, que afirmou : "Segundo

o artigo 1.831 do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente tem direito real de

habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa

natureza que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido." (REsp

826.838/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2006,

DJ 16/10/2006, p. 373).

Não poderia a ora recorrente, portanto, obter mais direitos do que

atualmente previstos para o cônjuge, sob pena de infringência ao princípio da isonomia

previsto na Carta Constitucional, tal como lembrado pelo acórdão recorrido como reforço

de argumentação.

6. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA

Número Registro: 2010/0162086-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.212.121 / RJ

Números Origem: 16562009 20050010560371 200913512916

PAUTA: 26/11/2013 JULGADO: 03/12/2013

Relator

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARILENE APARECIDA DOS SANTOS ADVOGADO : ANA ALVES DE MARIA

RECORRIDO : LÉRCIA CARNEIRO DE ANDRADE E OUTROS

ADVOGADO : SÍLVIA REGINA MACEDO A HENRIQUES E OUTRO(S) ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referências

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