RESENIiAS
MIGLIORI, Maurizio(org.).II dibattitoeticoepoliticoinGrecia trai ilVe il IV secolo. Istituto Italiano pergli StudiFilosofici.Nápoles: La CittàDelSole, 2000, 580 p.
o
volume em questão recolhe asatas de duas sessões de um simpósio, realiza-das de 2 de fevereiro a 10 de março de 1996 ede 26 a 28de fevereiro de 1997, organizado pelo Departamento de Filo-sofia e Ciências Humanas da Universida-de de Macerata, em colaboração com o Instituto Italiano para os Estudos Filosó-ficos deNápoles. A organização eedição do material foram feitas pelo Grupo de Trabalho doSeminário deFilosofia Anti-gada Universidade de Macerata, soba co-ordenação deMaurizio Migliori. Além dos textos das 21 comunicações apresentadas no congresso, a edição apresenta no final dois preciosos índices:um dosnomes an-tigos,ooutro dos autores modernos, ini-ciativatanto maislouvávelquanto menos usual nesse tipo depublicação coletiva.A unidade do volume é dada pelo tema geral do simpósio, que reuniu especialis-tasmundialmente reconhecidos em dife-rentes áreasda filosofiagrega clássica, al-guns deles conhecidos entrenós pelassuas obras traduzidas, como Giovanni Reale e Enrico Berti. Das 21 comunicações, 11 referem-se diretamente à obra de PIatão e 5 à obra deAristóteles. Das restantes, uma é sobre Sócrates, uma sobre os so-fistas, uma sobre Isócrates, uma sobre os cínicos e uma de caráter geral sobre o contraste entre nómos e pfdsis no período em questão.
No espaço de uma resenha, é impos-sívelanalisar o conteúdo de todas as co-municações eseria extremamente
proble-mático privilegiar algumas em detrimen-to de outras nesta análise. Por isso, pare-ce-me mais conveniente chamar a aten-çãodoleitor para algumas linhas comuns aosdoisgrandesgrupos decomunicações: oque secentra sobre Platão e oque ana-lisa a obra deAristóteles. Das 11 comuni-cações sobre a obra de PIarão, duas anali-sam aspectos específicos do Criton, duas consideram questões específicas da Repú-blica, uma centra-se sobre o Teetetoeuma sobre oPolítico. As outras cinco comuni-caçõestratam detemastransversais atoda a obra de PIatão, como a reflexão de Stefania Nonvel Pieri sobre ''A responsa-bilidade ética e políticada arte em Platâo", a de Lídia Palumbo, sobre "Platão e o medo", na qual analisa o registro lingüísticoutilizadopelo filósofopara dis-tinguir as coisas que eleconsidera temí-veis das que não osão e que, amiúde, só sãoexpressas demaneira camuflada. Ain-da sobre aspectos transversais da obra de PIarão, quero destacar aerudita comuni-cação de Arianna Fermani sobre "PIatão e a retórica: Isócrates e Lísias", concen-trada naanáliseda parte finaldo Fedro, na qual PIarãopõe Isócrates e Lísias em es-treita correlação, confrontando-os entre sie,a partir desse confronto, emitindo o seu juízo pessoal sobre aretórica.
Das 5comunicações sobre Aristóteles, queanalisam aspectos particulares doseu pensamento ético-político, como a rela-ção entre "responsabilidade e deterrninis-monaética aristotélica", desenvolvida por
HYPNOS
90 Carlo Natali, ou "a noção de sociedade política em Aristóteles", feita por Enrico Berti, ou ainda a questão da rotação do poder, analisada por Guiseppe Cambiano, destaco a instigante comunicação de Luciana Repici intitulada .Aristôteles, Teofrasto e oproblema de uma justiça diante das plantas. Como explicaaautora, ao
pergun-tar sobre a existência de comportamen-tos diante das plantas, que podem ser de-finidos como justos ou injustos, elanão estava buscando rastros de uma
consci-ência ecológica ante litteram nem provas
da inexistência de uma sensibilidade ambiental, mas buscava apenas "motiva-ções ftlosóficas que, em Aristóteles como
em Teofrasto, justificassem as atitudes
diante das plantas enquanto seres de na-tureza ehabitantes domesmo mundo do homem e dos animais" (p. 545).
Chamo a atenção do leitor para a co-municação dogrande especialista nas as-sim chamadas escolas socráticas menores,
Gabriele Giannantoni sobre Os cinicos di-antedapólis, na qual analisacuidadosamente a questão da polêmica dos cínicos contra a cultura, bem como as diferentes inter-pretações antigas e contemporâneas dessa polêmica, e conclui afirmando a inexistência de um verdadeiro pensamento político e de uma reflexão consciente e sistemática sobre temas políticos, "a pon-to de configurar uma ftlosofia política do cinismo enquanto escola ftlosófica" (p. 152).
Aamplidão da temática traduzida pelo títulodaobra eaacuidade dos autores no tratamento dos diferentes aspectos dessa problemática fazem da obra organizada por Maurizio Migliori uma sementeira de ins-pirações paraosestudiosos do
pensamen-toético-político gregonosséculosV-IVa.c.
Marcelo Perine
PUCSP/CNPq
m. perine@superig.com.br
HYPNOS
91
BRAVO,Francisco.Estudios defilosofiagriega. Caracas:Cornisión de Estudios de Posrgrado, FacultaddeHumanidades y Educación, UniversidadCentralde Venezuela,2001.363 p.(ColecciónMonografías) [ fbravovi@yahoo.com.ve]
Em uma de suasmais recentes obras, Estudios defilosofia griega,Francisco Bravo, especialista em filosofia grega antiga, dou-tor pelaUniversidade de Sorbonne e pro-fessor titular da Universidad Central da Venezuela, traz uma coletânea devários de seus artigos ou ensaios já apresenta-dos em momentos anteriores - apenas dois artigos desse livro são inéditos: A natureza da ação segundo.Aristôteles" e "Mo-delos de constituição política segundo.Aristâteles - mas quecontinuam adespertar o in-teresse eapromover uma reflexão sobre a filosofiagrega eseusmaiores expoen-tes:Platão e Aristóteles.
O livro sedivide em quatropartes:I -Problemas lingüísticos, lógicos e metodológicos; II Problemas ontológicos; Il l - Problemas éticos e políticos; e finalmente, IV - Problemas relativos à filosofia da ação.O principal elode ligação entre essasdistintas partes é, segundo opróprio autor, "osproblemas de caráterontológico,algunsdosquais são analisados na segunda parte desta coletânea" (prólogo, p. 12). Além disso, vale ressaltar que o autor, para tratar dessas diversas questões, mesmo sem estabelecer um objetivo específico a ser alcançado - afora o conhecimento propriamente dito- acabapor realizar um "delicioso" passeio filosófico pelas grandes obras dos mestres da Grécia antiga. As diversas citações e inúmeras referências bibliográficas que aparecem
nas notas de rodapé ao longo do texto servem para mostrar não somente quão extenso é o universo de discussão da filosofia grega, inclusive na época atual, mas também como visões distintas e às vezes até mesmo contraditórias podem contribuir significativamentepara ampliar eestimular as investigações sobre esse que
talvez tenha sido o mais original e
desafiante pensamento do mundo ocidental.
O textodesenvolve-se de forma clara e fluida, sem"malabarismos verbais"que costumam desorientar o leitor pouco familiarizado com esse tipo de filosofia, e
ao mesmo tempo, não cai em um
"reducionismo simplista". A exceção encontra-seno artigointituladoA ontologia da definição no Político dePlatão, em que excessivascitações emgrego- utilizando-se doalfabeto grego, inclusive- tornam a leitura para aquelescom pouco domínio do idiomabastantedifícil.Aprimeiraparte da coletânea,quetrataprincipalmente das questões da linguagem, inicia com um brilhante artigo sobre arelação antitética entre p!:!Jsis e nómos, realizando uma pesquisa realmente abrangente sobre a origem e a evolução - ou para ele involução,no casode nómos- dos termos ao longo da história. Na continuação, Bravo apresenta dois artigos que tratam das teorias da linguagem e do status de ónoma no Crátilo de Platão. Nesses dois artigos, o autor aborda as relações e
HYPNOS
92 diferenças entre convencionalismo e naturalismo;apresenta uma teoria ideal da
linguagem para Pia tão, que teria seu
fundamentonãoem umaontologia dofluxo, mas em uma ontologiadapermanência (sua condição depossibilidade); descreve,ainda.,
a curiosa figura do "onomartugo", uma espéciededemiurgodaspalavras,aquele que
é responsável pela construção do seu
instrumento - o nome ou palavra
-somente apóscontemplaroeidos,o nome em si; discute,afinal,afunçãoda palavra(como signo,instrumento ou enunciadoelementar)
e com ela traz a discussão sobre a
possibilidade ounãodo erro edaverdade. Aprimeira parte termina com um en-saiosobre a Teoriada difinição no Mênon que, segundo oautor, "representa, na evolução
do pensamento platônico, uma mudança
de configuração mental". Éaqui que, após amplas discussões sobre anatureza da de-finição e seustatus epistemológico, apare
-cem as Formas como único objeto do co -nhecimento verdadeiro.
Nasegunda parte,em quetratados pro-blemas ontológicos, o destaque fica por conta dos textos que refletem sobreo pra-zer, principalmente aquele intitulado "A
natureza doprazer na filosofiade Platão". Neste texto, oprazer vai ganhando d iver-sasroupagens, deixando seu caráter de es-tado ou atividadepara assumir uma natu-reza de "processo de preenchimento"
(repleção); o prazer é pensado não como sensação,mas como "atenção", atéchegar aser "opinião" e, portanto, poder ser ana -lisado sob um critério de verdade, o que torna possível dizer da existência de pra
-zeres verdadeiros e falsos. Ao final, uma
abordagem sobre o elemento formal do
prazer: sua medida. O artigo não émuito extenso e deixa, pela leveza doseu di
scur-so e pelo caráter instigante de seu tema, um certo "gosto dequeromais".Para en
-cerrar este bloco, Bravo aponta a discus-são atual sobre a crítica de Aristóteles à forma platônica doBem. Esta análiseéo gancho perfeito para o próximo item do livro:''Problemas éticos e políticos". No entanto, essa ponte fica comprometida, uma vez que oprimeiro artigo dessa ter-ceira parte, intitulado "O hedonismo de Sócrates", volta a abordar a questão do
prazer, concentrando sua análise em um
dosprimeiros diálogos de Platão:Protágoras. Desse modo, ocorre uma espécie de salto na linha de raciocínio do leitor que teria maior sentido se o autor deslocasse esse artigo para o bloco anterior, com o qual eleapresentaria mais sinergia. Os demais textos desse item, Quem ée o que ensina o
Trasímaco' da República?, O domínio da ética
em Aristóteles e "Modelo de constituições políticas segundo Aristóteles" são estudos bastante cuidadosos eestãototalmente al i-nhados aotemada éticae dapolítica.
a última parte, o autor trata dos
problemas relativos àfilosofia da ação de Aristóteles e sua análisegira em torno da
problemática da ação: seus aspectos
ontológicos e suapossível definição, por meio de uma análise das convergências e divergências entre movimento (kínesis) e atividade (enérgeia)e, conseqüentemente, entrelimite (péras)e finalidade(télos)e uma investigação sobre asanalogiasentre ação edeliberação e entre desejo e intelecto. O último artigo trata da questão dapráxis
uersus técnica, apresentando as diferentes visões que possuem as duas principais correntes neo-aristotélicas: a corrente inglesa,maisanalítica, queconta com
J
.
L.Ackrill e D.Charles e acorrente de raízes germãnicas, autodenominada "reabilitação
HYPNOS
da filosofiaprática", e que tem entre seus
representantes H.-G. Gadamer,
o
.
Gigone R. Bubner. Apenas uma pequena
observação: este último artigo apresenta
um problema nas suas notas de rodapé.
Como existem duas notas com o número
3, a partir da nota 4 todas as notas de
rodapé apresentam um número de
defasagem, ou seja, quando no texto
aparece uma nota x, esta precisa ser lida
no rodapé como x+ 1.Por exemplo, àp.
357, onde aparece a palavra bánausos, com
a nota 55,esta refere-se, na verdade, ànota
56, onde aparece a tradução para este
termo. O leitor, ciente disso, ultrapassará
esseproblema deedição.
O valor destacoletânea é ode abordar
de forma cuidadosa eapartir das maisdis
-tintas eidôneas perspectivas, alguns dos
principais temas de discussão da filosofia
grega antiga, sem a pretensão de encerrar
oassunto ou encontrar asolução, masabrir
oleque para novas possibilidades de
pen-samento, que é, ou aomenos deveriaser, a
tarefa fundamental da filosofia.Sem dúvida,
dada suaacuidade evariabilidade temática,
uma obra queauxiliarámuito osinvestiga
-dores deFilosofia Antiga.
MariaPaula Ferreira Curto
PesquisadoradaPUC-SP
(mpcurto@yahoo.com.br)
HYPNOS