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Pré-impressionistas e Impressionistas na França do XIX um panorama da mudança na pintura

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da mudança na pintura

SANDRA MARET SCOVENNA*

Esse texto é a apresentação de uma pesquisa incipiente sobre história da arte. Pretendo mostrar um estudo que desenvolvo desde o final de 2019 e abrange a história da arte européia do século XIX, mais especificamente a grande transformação que artistas pré-impressionistas (Eugène Delacroix, Gustave Coubert e Édouard Manet), e, alguns anos depois, os impressionistas, fizeram no panorama das artes plásticas do período – e tratarei especialmente da pintura sobre tela ou papel. Quanto à região, esta pesquisa pretende ficar circunscrita a França, considerada o país de origem da arte moderna.

Pretendo também refletir sobre as influências das grandes mudanças econômicas, sociais, e políticas dos séculos XVIII e XIX na produção artística francesa a partir de meados do século retrasado.

Devo lembrar que os conceitos de arte moderna e arte contemporânea são estritamente ligados à história da França e do restante da Europa em um primeiro momento (até os anos de 1950, aproximadamente) e, posterior a essa data e até os dias de hoje, ao mundo ocidental, com destaque como protagonista, nesse segundo momento, os Estados Unidos. Todavia, a principal característica da arte a partir dos anos de 1990 é o seu aspecto globalizado.

Nessa apresentação, Delacroix, Coubert e Manet serão chamados de pré-impressionistas, tendo em vista que se distanciaram da tradicional Academia de Belas Artes da França e mostram tendências claramente inovadoras nas suas produções artísticas. Todavia, jamais se enxergaram

* Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo em fevereiro de 2010, sob a orientação do Prof. Marcos

Silva com a dissertação Nas Linhas e Entrelinhas do Riso: as crônicas humorísticas de Belmonte (1932-1935). Foi contemplada com uma bolsa do CNPq.

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ou se intitularam como impressionistas; a estética dos seus trabalhos é outra, eles são um pouco anteriores ao movimento impressionista e Delacroix, inclusive, se ligou ao romantismo.

Antes de prosseguir, precisamos esclarecer o uso de conceitos fundamentais para o nosso estudo: modernização, modernidade e modernismo. As duas primeiras palavras referem se a uma série de processos tecnológicos, econômicos e políticos ligados à Revolução Industrial, assim como à Revolução Francesa e suas conseqüências. E, também, ao mesmo tempo,

“Compreendemos a modernidade como o desdobramento do ideário iluminista e ilustrado, que, sustentando se na razão, propugnava a defesa do indivíduo frente a quaisquer decisões unilaterais, repudiando com veemência as relações autoritárias, estivessem elas no âmbito da religião, da política ou da organização social...”

(SCOVENNA, 2009: 164)

Sobre o significado de modernismo, o terceiro conceito, a concordância é menos simples de ser obtida. Podemos sugerir sua compreensão como uma palavra relativa a atitudes modernas ou de modernidade na produção artística. Portanto, é correto conceituar os artistas europeus de vanguarda – a partir de meados do século XIX até a metade do XX - como modernos ou modernistas.

Segundo Harrison (2001), aplicar o conceito de modernismo à história da arte é referir se a uma tendência que atribui prioridade à imaginação, que ratifica o valor da experiência direta, e vê com olhos críticos as ideias que resistem à mudança. O mesmo autor, na página 18 de seu livro, Modernismo, coloca que a sensibilidade modernista começou a se formar como consequência do Iluminismo europeu, das Revoluções Francesa e industrial/tecnológica, e do surgimento do romantismo. E ele identifica, também, quatro tendências principais que se manteriam coesas para a busca do modernismo em todas as artes.

A primeira tendência, segundo Harrison, foi a confiança na possibilidade de progresso e melhora da humanidade por meio do desenvolvimento científico e tecnológico. No entanto, é

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necessário fazer um adendo nessa primeira tendência, tendo em vista que alguns artistas e movimentos do modernismo - ou da arte moderna -, em diferentes épocas, sustentaram olhares profundamente críticos e conflituosos com relação ao desenvolvimento tecnológico, ainda que o desconforto de muitos artistas tivesse sido expressado de modo bastante eurocêntrico, influenciado, evidentemente, pelo neocolonialismo dos séculos retrasado e passado. Vimos Gaugin em busca da “pureza” dos povos do Pacífico, os expressionistas alemães do início do século passado buscando simplicidade e contato com a natureza, Picasso e outros artistas contemporâneos a ele em busca da cultura africana, e o dadá durante a Primeira Guerra Mundial, zombando da sociedade europeia, cartesiana e baseada no iluminismo, mas que, ao mesmo tempo, foi palco de uma imensa tragédia humana causada por conflitos imperialistas que buscavam a acumulação de capital.

A segunda tendência que Harrison cita foi o rompimento com o legado do classicismo em suas formas aristocráticas. A terceira tendência seria “...o compromisso do artista com o ceticismo em face das crenças e ideias feitas, por mais abalizadas que pareçam, combinado a uma propensão a considerar a experiência direta a verdadeira fonte do conhecimento...” (HARRISON, 2001: 18); e a quarta tendência, que teve a influência do romantismo, consolidou o papel da imaginação na realização artística, e a valorização da liberdade e do potencial do indivíduo.

Antes de prosseguir, é necessário esclarecer que o impressionismo já é arte moderna, e Delacroix, Coubert e Manet, ainda que não fossem impressionistas, influenciaram de modo inegável a revolução na arte que surgiu após meados do século XIX, e, temática e esteticamente rebeldes, eles foram a antessala do impressionismo. Esses três artistas apresentaram inovações frente à tradição da academia francesa de meados do século retrasado.

Sobre a indubitável mudança na arte causada pelo impressionismo e seus antecessores, assim escreveu o historiador da arte E. H. Gombrich,

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“...Manet e seus seguidores provocaram uma revolução na reprodução de cores que é quase comparável à revolução na representação de formas causadas pelos gregos [na Antiguidade]. Eles descobriram que, se olharmos a natureza ao ar livre, não vemos objetos individuais, cada um com sua cor própria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossas mentes. Essas descobertas todas não foram efetuadas de uma vez ou todas por um só homem. Mas até as primeiras pinturas de Manet em que ele abandonou o método tradicional de sombras suaves, em favor de contrastes fortes e duros, causaram um clamor de protestos entre os artistas conservadores.” (GOMBRICH, 1972: 406)

Arte moderna é a classificação - ou o balizamento - dada à produção dos artistas de vanguarda (ou avant garde, na frente de seu tempo) entre os anos de 1850/60 e 1950/60. Mas a duração histórica da arte moderna é algo um tanto controverso. Sobre os anos iniciais desse balizamento (pré-impressionistas como precursores da arte moderna a partir de meados do XIX e impressionistas a partir de 1865/70) há, evidentemente, mais consenso; foi defendido pelo reconhecido crítico e teórico da arte norte-americano Clement Greenberg, em meados do século passado, e está presente também no trabalho do historiador da arte E. Gombrich, História da

Arte (edição de 1972), de Francis Frascina (org.) em Modernidade e Modernismo – A Pintura Francesa no Século XIX (edição de 1998), do especialista Giulio Carlo Argan, Arte Moderna

(edição de 2004), e de Charles Harrison, Modernismo (edição de 2001). Já o especialista Will Gompertz, em seu livro Isso é Arte?150 anos de Arte Moderna; do Impressionismo até Hoje (edição de 2013), defende que o início da arte moderna ou modernista também foi na segunda metade do século retrasado, com os impressionistas, e Delacroix, Coubert e Manet foram os precursores da arte moderna, mais especificamente do impressionismo. Todavia, para Gompertz, não existe rompimento ou divisão entre a arte moderna e contemporânea e, portanto, a produção da arte após 1950/60 e até os dias atuais continua sendo arte moderna.

Eu defendo a divisão entre arte moderna e arte contemporânea e considero que os artistas pré-impressionistas (Delacroix, Coubert e Manet) foram os ilustres precursores da arte moderna

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ou modernista, que se consolidou com o impressionismo e perdurou até os anos de 1950/60, quando os paradigmas dos artistas inovadores mudaram consideravelmente e, dessa forma, abriram as portas para a arte contemporânea.

A arte moderna engloba, seguindo a linha do tempo, o impressionismo, o pós-impressionismo, o art nouveau, o fauvismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo, o cubismo, o futurismo, o suprematismo russo, o concretismo, a metafísica e o abstracionismo. E a arte moderna, desde o seu surgimento, apresentou experimentações artísticas absolutamente inovadoras para o seu tempo e se contrapôs à Academia de Belas Artes de Paris, que, desde o século XVII, impunha um modelo artístico herdeiro do Renascimento (cujo paradigma era a arte mediterrânica da antiguidade) e valorizava a máxima aproximação daquilo que era considerado a representação do real.

“Na maioria das culturas europeias durante os séculos XVII e XVIII, a arte clássica dos gregos e dos romanos constituiu os fundamentos de uma tradição contínua e forneceu os padrões constantes pelos quais toda e qualquer realização relevante deveria ser medida. Grande parcela dessa arte era compreendida com base em monumentos e fragmentos que resistiram ao tempo, e, embora nenhuma pintura grega tenha sobrevivido, suas supostas realizações foram extraídas da evidência da escultura e de sugestões de textos clássicos. Esses artistas (...) entregavam se à ideia de que o caminho para o sucesso em arte se definia pela autoridade dos modelos clássicos e pela autoridade dos princípios clássicos.” (HARRISON, 2001: 18)

É necessário reforçar que uma das palavras de ordem da arte moderna foi a possibilidade de expressão da personalidade do artista. Nesse sentido, as tradicionais e rígidas regras da Académie de Beaux Arts em Paris e da Royal Academy em Londres pareciam aristocráticas demais para os artistas que ansiavam por mudanças no seu fazer.

Outra transformação que se processou com a ascensão da arte moderna é que o Estado foi, aos poucos, deixando de ser o principal incentivador da arte e quem passa a ocupar esse

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espaço é o marchand e o mercado da arte.

É muito importante considerar que a arte moderna foi também a predominância da cor sobre a linha do desenho e a valorização do indivíduo criador, o artista, colocado como um gênio

outsider e que via muito além dos seus contemporâneos; não é a toa que os “ismos” escreveram

tantos manifestos. Os artistas de vanguarda acreditavam com seriedade que a sua arte (e a de seus pares) poderia mudar o mundo. Existia, portanto, na arte moderna a idéia de “sacralização” do artista e do seu trabalho. Ele era visto como um gênio – por vezes incompreendido - que possuía o dom de produzir obras absolutamente incríveis e inovadoras.

A arte moderna estava centralizada em Paris, na França. Após a Segunda Guerra Mundial e os primeiros quinze anos da Guerra Fria esse pólo muda para Nova Iorque e, ao mesmo tempo, transforma se o paradigma da feitura da arte. Seguindo um caminho aberto na segunda década do século XX por Marcel Duchamp e os dadaístas, os artistas contemporâneos ou pós-modernos vão questionar a “sacralização” do artista, da arte e das instituições culturais privadas e governamentais. Portanto, a mudança geográfica e de paradigma vão marcar o fim da arte moderna entre as décadas de 1950/60, quando a arte pop começa a mostrar suas produções de maior destaque.

Como já escrevi nesse texto, a arte moderna confrontava principalmente a produção estética e temática propugnada pela Academia de Belas Artes, em Paris. E esta defendia como representações dignas apenas os temas da mitologia greco-romana, o bíblico e o histórico. O retrato pictórico, por sua vez, era uma elaboração aceitável. Portanto, no início do século retrasado, a academia francesa,

“ Reinstituiu a pintura histórica grandiosa – o style historique – representando as cenas da história clássica, bíblica e contemporânea. O propósito era a edificação do público, e a Academia garantia a adequação do currículo da École a este fim. Os artistas acadêmicos eram restringidos em suas escolhas de temas pelo legado das

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noções aristocráticas quanto ao que era digno de representação e de que modo. Esse ´decoro` era codificado em uma hierarquia de gêneros. A pintura histórica era considerada mais ´elevada` que o retrato, que por sua vez tinha mais valor que a ´pintura de gênero` (retratando a vida de pessoas comuns). A paisagem estava ainda mais abaixo, com a natureza morta no escalão inferior da hierarquia. Esta escala de importância corria paralelamente a uma escala da capacidade e da perícia necessárias (...). Por fim, certos temas ou assuntos – violência, a plebe, o crime comum, os vícios menos respeitáveis e assim por diante – não deveriam ser mostrados; ou, se o fossem, como o eram a violência aberta e a atividade sexual, apenas na segurança de contextos convencionais, tipicamente mitológicos.” (FRASCINA, 1998: 59-60)

1. Jacques Louis David, Marte Desarmado por Vênus e os Três Graças, 1824, óleo sobre tela, 308 X 262 cm. Musées Royaux de Beaux Arts, Bruxelas, Bélgica.

Com relação à temática, é perceptível que os artistas modernos da segunda metade do século XIX inverteram toda a lógica conservadora da Academia de Belas Artes de Paris ao preferirem pintar paisagens, o cotidiano e as pessoas comuns, e muitas vezes retratando ângulos nada convencionais, influenciados evidentemente pela fotografia.

Além da modificação na temática das obras artísticas, vimos mudanças no fazer e na estética. As telas da Academia de Belas Artes de Paris seguiam a feitura que era realizada desde o Renascimento; as obras eram de grandes dimensões e feitas dentro de uma oficina ou estúdio. Faziam o desenho, o esboço, e prosseguiam realizando etapa por etapa, camada por camada; o

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trabalho podia demorar semanas ou meses. E a luz era artificial. Já os impressionistas pintavam, em sua maioria, ao ar livre, em contato direto com a natureza, e a feitura do quadro tinha que ser bem rápida, tendo em vista que eles perseguiam a cor e ela se modificava segundo a posição da luz refletida pelo sol:

“Se eles queriam captar a sensação de um momento fugaz com algum senso de verdade, a

rapidez pertencia agora à essência. Não havia tempo para se alongar em laboriosas gradações de luz, porque a próxima vez que o artista levantasse os olhos elas teriam mudado. Em vez disso, pinceladas urgentes, toscas, aplicadas com imprecisão, substituíam o refinamento estudado, combinado, do ´grande estilo’, pinceladas que os impressionistas não faziam nenhuma tentativa de esconder; ao contrário, eles acentuavam seu manejo do pincel, pintando em toques grossos, coloridos, parecidos com vírgulas, que acrescentavam uma impressão de energia jovem a suas pinturas, refletindo o espírito de seu tempo” (GOMPERTZ, 2013: 34)

Os artistas da Academia de Belas Artes de Paris e, antes disso, do Renascimento, usavam o jogo de luz e sombra para dar a ilusão de volume. Utilizavam bastante o preto que, na verdade, é a mistura de um azul muito escuro com um marrom bem forte. Os artistas impressionistas, por sua vez, lançaram mão do uso das cores complementares e evitavam o preto. Preferiam usar a mistura das cores complementares para o “escurecimento”, que formava tons de cinzas ou marrons e, com isso, privilegiavam a opacidade, que esteticamente estava mais de acordo com a proposta do impressionismo. Afinal, temos de lembrar que este estava voltado para o estudo da luz natural.

As telas dos artistas impressionistas também diminuíram consideravelmente de tamanho, uma vez que eles não pintavam mais dentro de um estúdio e tinham que carregá-las nas costas em suas caminhadas. Uma novidade da indústria - e essencial para os impressionistas pintarem ao ar livre - foi a recente invenção e fabricação de tubos portáteis de tinta a óleo. Os artistas não precisavam mais gastar um longo tempo em fazer suas próprias tintas, e os tubos portáteis facilitavam o transporte e o manuseio desses materiais. Evidentemente, o desenvolvimento

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industrial e tecnológico consolidou mudanças na arte sob várias frentes: possibilitou o uso de novos materiais, permitiu um profícuo diálogo entre a fotografia e a pintura e transformou a mentalidade das pessoas, especialmente as citadinas, que passaram a encarar a mudança como algo mais aceitável. Esse aspecto foi fundamental para o impressionismo e toda a arte moderna, pois sua essência é o experimentalismo e a incessante inovação.

Também é importante considerar que a Academia de Belas Artes, perseguindo uma visão de mundo ainda presa em padrões aristocráticos, privilegiava a finalização do trabalho artístico na qual o labor permanecia imperceptível. O desenho baseado nos estudos de escorço, proporção e perspectiva era o grande direcionador da arte acadêmica, e a pincelada não podia aparecer, pois sugeriria erro, falha, falta de perícia.

“A Academia também estava comprometida com o valor de um acabamento fino, ´le fini’, uma qualidade de pintura que revela poucas marcas de pinceladas, ao mesmo tempo em que muitas vezes exibe diminutos detalhes pictóricos. Essa técnica escondia todo traço de trabalho manual, que cheirava a ofício proletário.” (FRASCINA, 1998: 61)

Já os artistas impressionistas, de forma totalmente diferente, vão submeter o desenho a cores vibrantes, e a detecção do trabalho ou da pincelada na obra de arte será incentivada.

Ao analisar o contexto francês, precisamos considerar que além de revolução industrial e tecnológica, a França do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX, passou, também, por radicais transformações políticas. A Revolução Francesa de 1789 entregou o poder do país a parlamentares e decapitou o rei e a rainha; em 1830 o país assistiu a mais um abalo institucional e 1848 marcou uma forte sublevação. E a segunda metade do XIX mostraria ao mundo o impacto da Comuna de Paris. Essas sublevações, algumas mais e outras menos impactantes, colocaram o burguês e o trabalhador comum na ordem do dia.

Ademais, não podemos esquecer que a capital francesa passou por uma impressionante reforma urbana na qual a cidade ainda medieval se transformou na urbe moderna, com largas

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avenidas. Um país com mudanças políticas e tecnológicas tão impactantes – e em tão pouco tempo – impulsionou as transformações de mentalidade e refletiu em uma revolução na produção artística. É nesse contexto que podemos compreender o nascimento da arte moderna na França.

O público comprador de arte também foi mudando paulatinamente na França. Após 1830, o Estado de Luís Felipe promoveu a industrialização, a inovação tecnológica, o comércio e os negócios em uma nova escala, o que formou classes burguesas e médias cada vez mais bem posicionadas. Esses emergentes de 1830 forneceram o principal público para uma arte que rejeitava o clássico e o erudito, de cunho aristocrático, e dava preferência a uma arte - chamada de o caminho do meio, juste milieu – que satisfazia as expectativas do desenho, mas valoriza intensamente a emoção, tão próxima dos românticos.

E os burgueses e a classe média admiradores da arte do just milieu e das telas românticas (entre 1830-60) foram os pais dos compradores ou os próprios compradores da arte pré-impressionista e pré-impressionista. Seguindo a percepção de Durand-Ruel, o principal marchand dos modernistas:

“O inteligente e alerta Durand-Ruel podia ver também que o mercado para a arte

moderna estava mudando. A Revolução e a mecanização haviam criado uma nova classe social conhecida como burguesia. Ele intuía que essa nova classe média nouveau riche iria querer um tipo diferente de arte.” (GOMPERTZ, 2013: 59)

Os artistas impressionistas provocaram, evidentemente, uma transformação incrível nas artes plásticas da França e da Europa do século XIX. Ao contrário de obras acadêmicas que buscavam a imitação daquilo que o olho humano vê (segundo os padrões acadêmicos, claro), o impressionismo tinha outras propostas, como observaremos visualmente a seguir com um trabalho de Monet.

Na imagem 2 vemos a tela Os Banhos em La Grenouillère, realizado em 1869 por Claude Monet, ícone do impressionismo. Esse quadro de tamanho modesto – se comparado aos

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trabalhos da Academia de Belas Artes de Paris – mostra pinceladas rápidas e fortes, alguns elementos um pouco imprecisos, como a vegetação ao fundo, atrás do rio, e os banhistas de branco, perto do galpão cinza, se assemelham a pinceladas curtas, e não exatamente a seres humanos. A liberdade desse trabalho, se comparado a obras clássicas como a de Jacques Louis David (imagem número 1), é evidente. Monet deixa transparecer também, tão ao gosto do impressionismo, que a cor e a pintura são muito mais determinantes para o seu quadro do que a linha do desenho.

Monet (1840-1926) é considerado um dos principais artistas do movimento impressionista. Na primeira metade da década de 1870 um crítico de arte de nome Louis Leroy, ao analisar zombeteiramente a pintura de Monet, Impressão, Sol Nascente (1872-73), afirmou que ela parecia apenas uma impressão sobre o tema, e não uma pintura devidamente concluída e que merecesse ser chamada de arte. Sem saber, ele deu um nome ao estilo desse artista e de seus pares. Nome este que passou à história da arte como impressionismo.

2. Claude Monet, Les Bains de La Grenouillère (Os Banhos em La Grenouillère), 1869, óleo sobre tela, 73 X 92 cm. National Gallery, Londres.

O impressionismo foi, de fato, uma revolução na pintura e o primeiro movimento da arte moderna, mas é necessário fazer a seguinte indagação: porque Eugène Delacroix, Gustave Coubert e Édouard Manet são considerados pré-impressionistas ou precursores do impressionismo? O que há no trabalho desses artistas que os difere do padrão da Academia e os

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aproxima das obras impressionistas? Para os olhares de hoje, as diferenças entre as obras pré-impressionistas e acadêmicas parecem quase que imperceptíveis, mas elas existem e serão exploradas dentro dos limites desse pequeno texto.

Eugène Delacroix nasceu no ano de 1798, em uma família abastada, e teve seu nome relacionado ao romantismo; neste, transbordava a emoção, a imaginação e a impetuosidade.

O artista realizou sensíveis transformações tanto na temática como na estética de muitos de seus quadros. Em A Liberdade Guiando o Povo (1830), Delacroix abordou a insurreição de Paris em julho de 1830, que pôs fim à monarquia dos Bourbon. Todavia, muitos dos elementos dessa pintura foram trazidos da Revolução Francesa de 1789, traçando uma clara ligação entre o passado recente e o presente da obra: vemos os sans-culottes (trabalhadores urbanos pobres) e a Liberdade ao centro, com a bandeira revolucionária tricolor e o barrete vermelho na cabeça, além da baioneta na mão. A arte mostra uma rebelião da burguesia (homem de cartola à esquerda da Liberdade) e, principalmente, dos pobres contra o absolutista Carlos X e seus privilegiados. Muito interligada à sua época de revoluções políticas, essa obra mostra uma indubitável mudança no tema, pois o povo toma a cena.

A pintura tem a estrutura piramidal que Delacroix herdou de seu amigo e inspirador Géricault, o artista de A Jangada da Medusa (1818-19). Ela possui, também, grandes dimensões e foi exposta no Salão Oficial de 1831, mas, considerada perigosamente rebelde, só foi liberada para receber visitações públicas após a Revolução de 1848. Essa obra é esteticamente inovadora porque mostra cores vívidas e brilhantes. Além do mais, segundo Gompertz, na página 38 de seu livro, alguns dos elementos dessa arte fogem da nitidez da linha do desenho e são apresentados de modo bruxuleante. Para o pesar dos padrões da Academia, as pinceladas de Delacroix são enérgicas e conseguimos percebê-las claramente em algumas partes do quadro; na bolsa e nos joelhos do rapazinho que segura duas armas, do lado direito da Liberdade, por exemplo. Ou no gorro vermelho e na blusa azul do indivíduo que olha fixamente para a mulher e tenta se

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levantar.

3. Eugène Delacroix, La Liberté guidant Le Peuple (A Liberdade guiando o Povo), 1830, óleo sobre tela,

260 X 325 cm. Musée du Louvre, Paris, França.

Gustave Coubert, nascido em Ornans no ano de 1819, foi um artista francês de origem burguesa que inovou na temática de suas obras. Na estética ele não rompeu de forma drástica com a Academia de Belas Artes, tanto que teve trabalhos admitidos no Salão – apesar das inúmeras críticas que recebera de especialistas e críticos conservadores -, mas optou por retratar mais burgueses, camponeses e outros trabalhadores braçais, pessoas anônimas, enfim, aqueles que no século XVIII seriam os integrantes do terceiro estado.

Em sua tela Depois do Jantar em Ornans (1848-49), Coubert pintou pessoas simples do interior para mostrar a um público metropolitano, o parisiense. E ele retratou homens comuns; não vemos deuses da mitologia grega, nem santos e muito menos reis. Eles não estão em um templo ou em um palácio, mas em uma residência ordinária para os padrões do período. Naquela época, não era incomum fazer “pinturas de gênero” – que mostra o cotidiano de pessoas do povo -, mas essa temática era considerada menor, segundo o padrão acadêmico. E o mais provocativo e interessante da obra de Coubert é que, embora não fosse incomum retratar pessoas de costas, era muito pouco convencional colocar um indivíduo com essa pose no centro da cena.

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4.Gustave Coubert, Après dîner à Ornans (Depois do Jantar em Ornans), 1848-1849, óleo sobre tela, 195 X 217 cm. Musée de Beaux-Arts, Lille, França.

Édouard Manet, outro artista pré-impressionista, nasceu em 1832 e vinha de uma família burguesa de Paris. Ele nunca teve como objetivo fazer um trabalho pictórico revolucionário. Seu único propósito explícito era o de ser um artista do seu tempo. Todavia, sua obra pareceu a mais contestadora possível aos críticos e artistas conservadores ligados à Academia de Belas Artes.

Seu quadro Almoço sobre a Relva, de 1863, lhe rendeu muitas críticas e até mesmo deboche. Primeiro, os personagens de sua obra parecem um tanto inadequados, tanto na proporção como na perspectiva; especialmente se compararmos a mulher que se banha com os três personagens no primeiro plano.

Em segundo lugar, a tela não parece terminada; temos a impressão que Manet parou de fazer o trabalho na etapa do ébauche, que, pintado de maneira rápida, servia de base para o trabalho concluído. Seguindo as etapas de feitura de um quadro para a Academia, o ébauche era menos elaborado que o esboço (esquisse) e costumava ser feito com tonalidades terrosas em uma técnica de esfregação, muitas vezes com pano. Para Frascina,

“As pinturas de Manet, inclusive as expostas no Salon des Réfusés, eram vistas como

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superfície acabada. Seus quadros vieram a ser vistos como uma série de ébauches, um sobreposto ao outro. Mas o público e os críticos interpretavam essa técnica inovadora como sinal de um ataque mais geral às noções estabelecidas de competência pelos valores que evoca.” (FRASCINA, 1998: 87)

Vemos na tela uma mulher nua e dois homens vestidos conforme os burgueses do século XIX. O escândalo não foi propriamente a pintura de uma senhora sem roupas, mas sim apresentada fora de um contexto mitológico. A retratada por Monet não faz o “papel” de uma ninfa, mas representa uma mulher francesa comum, talvez uma prostituta. Ainda que o trabalho seja inspirado em uma obra renascentista, Manet o atualizou no seu tempo, dando a impressão de fazer uma paródia com toda a tradição pictórica predominante desde a Baixa Idade Média. Segundo Giulio Carlo Argan, na página 95 de Arte Moderna, o tema da “conversa” de figuras nuas e vestidas numa paisagem se encontra num quadro vêneto do início do século XVI, O

Concerto Campestre. Portanto, se o quadro tivesse mostrado uma cena da mitologia grega, a

nudez seria perfeitamente aceitável para a Academia; todavia, não foi esse o caso da obra de Manet.

“O plano de Manet era tomar essas alegorias e composições clássicas e renová-las, acrescentando uma inesperada nota moderna. Com isso em mente, promoveu uma completa atualização dos três personagens principais de sua composição, - dois belos rapazes e uma moça de idade similar -, fazendo com que a idéia narrativa central fosse um piquenique burguês no parque (...) Manet talvez tivesse conseguido emplacar sua história de dois homens bem-vestidos que saem para comer uma coisinha gostosa com uma jovem despida caso a cena tivesse sido envolta numa narrativa mitologizada, como nas pinturas anteriores do Renascimento. Mas ele não fez isso, pintou seus amigos – mal disfarçados janotas que pertenciam a seu elegante círculo social parisiense. A puritana Academia ficou repugnada.” (GOMPERTZ, 2013:43-44)

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5.Édouard Manet, Le dejeuner sur l´herbe (Almoço sobre a Relva), 1863, óleo sobre tela, 208 X 264 cm, Musée d´Orsay, Paris, França.

Para finalizar, segundo W. Gompertz, na página 44 de seu livro Isso é Arte?, Manet não criou nesse trabalho uma ilusão tridimensional satisfatória, tendo em vista que ele não interpôs gradações entre seus blocos de cor forte (como no caso do tecido azul e do corpo feminino no primeiro plano). Ao colocar a mulher nua com uma tonalidade clara tão improvável e impactante, Manet quebrou qualquer proposta de realismo nesse quadro, fazendo com que ele parecesse inadequado para os padrões da Academia da época.

Seguindo a trilha das análises das obras pré-impressionistas e impressionistas, espero que as inovações políticas, tecnológicas, de mentalidades e artísticas tenham sido bem abordadas nesse texto, dado o seu limite de páginas.

Referências Bibliográficas

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Referências

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