Apelação Cível nº 1541801-4, da Comarca de Sengés – Juízo Único. Apelante: Renata Adacheski.
Rec. Adesivo: Hamilton Jorge Joly. Apelados: os mesmos.
Relator: Desembargador Francisco Luiz Macedo Júnior.
AGRAVO RETIDO. INOBSERVÂNCIA DO
DISPOSTO NO ARTIGO 523, DO CPC. NÃO CONHECI MENTO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E
MORAIS. CASAMENTO COM PESSOA
SEPARADA, E NÃO DIVORCIADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA DIRIGIDA AO OFICIAL DE REGISTRO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANOS MATERIAIS OU MORAIS. PRESUNÇÃO DE QUE TODOS CONHECEM A LEI. AUTORA E SEU EX-CÔNJUGE QUE DERAM CAUSA À NULIDADE DO CASAMENTO. EQUÍVOCOS DO
REGISTRADOR PUNÍVEIS
ADMINISTRATIVAMENTE. RECURSO DE
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO
DESPROVIDOS.
Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada por Renata Adacheski Pires, em face de Hamilton Jorge Joly, sob a alegação de que o réu permitiu que casasse com pessoa não divorciada (separada), e de que, posteriormente, anulou o seu casamento de ofício.
Contra a decisão saneadora (fls. 133/136), o réu interpôs agravo retido (fls. 171/174 – mov. 52.1), pleiteando o reconhecimento da ocorrência de prescrição e de litisconsórcio passivo necessário.
Instruído o feito, foi proferida sentença (fls. 241/247) julgando improcedentes os pedidos, por se entender, em síntese, que a autora não comprovou a culpa do réu e a ocorrência de danos, bem como que o pedido de alimentos deveria ser dirigido ao (ex-) marido.
Em virtude da sucumbência, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação (fls. 258/272), em que busca a reforma da sentença para que sejam concedidas as verbas indenizatórias pleiteadas na petição inicial.
O requerido, por sua vez, apresentou recurso adesivo (fls. 291/294), em que pede apenas a aplicação de multa à autora, de 1% sobre o valor da causa, por litigância de má-fé.
Contrarrazões pelo réu às fls. 279/289, e pela autora às fls. 301/305.
É o Relatório, VOTO:
Do Agravo Retido
Verifica-se que o réu, Hamilton Jorge Joly, interpôs agravo retido (fls. 171/174 – mov. 52.1) contra a decisão saneadora (fls. 133/136), sustentando haver litisconsórcio passivo necessário e pleiteando o reconhecimento da prescrição. Porém, o recurso não merece ser conhecido, por ausência de reiteração nas razões de apelação ou em contrarrazões recursais (art. 523, §1º, CPC/73).
Recurso de Apelação e Recurso Adesivo
Quanto aos demais recursos, presentes os requisitos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos.
Verifica-se que o requerido, em seu recurso adesivo, pede apenas a condenação da autora por litigância de má-fé. Já a autora, em suas razões de apelação, requer a concessão de todos os pedidos iniciais.
Para tanto, alega ter sofrido danos materiais e morais em virtude da conduta do requerido, de celebrar o seu casamento com uma pessoa já casada, embora separada, bem como a posterior “anulação de ofício” do casamento.
Sustenta que os atos praticados pelo requerido a teriam impedido de pleitear alimentos e de buscar a partilha de bens, bem como teriam afetado o seu direito ao uso do nome.
Ainda, pede que seja expedido ofício à Corregedoria Geral de Justiça do Paraná, responsável pela fiscalização das serventias extrajudiciais, para que tome as medidas que entender cabíveis.
Entendo que não assiste razão à autora quanto ao pleito indenizatório, inclusive quanto ao pedido de alimentos, devendo a sentença ser mantida.
Isso porque a conduta do registrador não chegou a gerar danos materiais ou morais, devendo ser avaliada no plano da responsabilidade administrativa.
Por essas razões, o pedido da autora de expedição de ofício à CGJ-PR deve ser acolhido.
Como frisou o sentenciante, é fato incontroverso que a conduta do oficial de registro foi equivocada, tanto quando permitiu o casamento de uma pessoa separada – e não divorciada –, quanto na “anulação de ofício” do casamento, sem pedido ou mesmo participação dos interessados, e sem a instauração de um processo judicial.
A autora sustenta que teve prejudicado o seu direito ao uso do nome, bem como o seu direito à partilha dos bens adquiridos na constância do casamento.
Os documentos colacionados aos autos, contudo, contrariam as alegações da requerente.
Embora a autora tenha proposto a presente ação utilizando o seu nome de casada (Renata Adacheski Pires), nota-se que na ação de divórcio (fl. 87 – mov. 13.6) ela utilizou o nome de solteira (Renata Adacheski). Em seu depoimento pessoal, igualmente se apresentou pelo nome de solteira.
Também na ação de divórcio, a autora declarou que voltaria a usar o nome de solteira, bem como que “o casal não possui bens a serem partilhados” (fl. 88). Ainda, em seu depoimento pessoal, a autora afirmou que o casamento durou apenas três (3) meses.
Sabe-se que a indenização por danos materiais só é devida quando houver prova clara da ocorrência do dano e de seu montante. Entendo que não há, nos autos, prova deste teor.
O pedido de alimentos, formulado contra o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais de Sengés, também não merece acolhimento.
A autora afirma ter direito a alimentos em virtude do previsto no art. 1.694, do Código Civil de 2002, alegando que teve tal direito cerceado em virtude da “anulação” do casamento. Assim, pede que o registrador civil preste alimentos.
Contudo, cabe destacar que este artigo também permite a concessão de alimentos em caso de união estável. Assim, correto o
sentenciante ao afirmar que a conduta do réu não retirou da autora o eventual direito a alimentos.
Em seu depoimento pessoal, a requerente afirmou que a sua união com o ex-cônjuge durou em torno de sete (7) anos, da qual resultou um filho. Após o casamento, ficaram apenas três (3) meses juntos (4 minutos até 4 minutos e 40 segundos). Portanto, a união durou muito mais do que o período de casamento.
Ainda, cabe destacar que o casamento era nulo independentemente da conduta do registrador civil, porque o ex-cônjuge da autora não havia se divorciado.
Para que fossem devidos alimentos, a título de danos materiais, pelo requerido, a autora teria de comprovar que tinha direito aos alimentos do ex-marido, e que a conduta do réu lhe retirou esta faculdade, mas a autora não se desincumbiu deste ônus.
Acrescente-se, também, que o art. 1.561 do Código Civil estabelece que, embora o casamento seja nulo, se contraído de boa-fé, produz efeitos entre os cônjuges e perante os filhos, até o dia da sentença que reconhece a aludida nulidade.
Em suas razões de apelação, a autora sustenta que não trabalhava, dependendo do ex-cônjuge para o seu sustento. Contudo, em seu depoimento pessoal, questionada sobre o seu trabalho, primeiramente,
silenciou; na sequência, afirmou apenas que não possuía vínculo trabalhista formal (aos 10 minutos e 40 segundos).
Aos sete (7) minutos de seu depoimento pessoal, a autora afirmou que o ex-cônjuge paga pensão alimentícia ao filho desde que saiu de casa.
Não há provas de que a autora efetivamente dependia do marido para o seu sustento, nem de que não seja apta para o trabalho. Ainda, não há indicativos de que a conduta do registrador tenha retirado da autora a possibilidade de pleitear alimentos do ex-marido.
Por todo o exposto, entendo que a autora não comprovou a ocorrência de danos materiais ou morais, nem apresentou provas dos fatos constitutivos do alegado direito a alimentos em face do réu.
Cabe frisar, também, que a ninguém é dado alegar o desconhecimento do Direito (conforme art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657 de 1942).
Assim, a autora e seu ex-cônjuge não poderiam ter casado sem a prévia concretização do divórcio: a sua conduta caracteriza, em tese, crime de bigamia.
Portanto, a autora e seu ex-cônjuge deram causa à nulidade do casamento, não podendo agora pretender atribuir ao réu todos os problemas decorrentes desta invalidade.
Este Tribunal já teve a oportunidade de julgar caso semelhante:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - AUTORA QUE SE CASOU COM PESSOA JÁ CASADA - DEMANDA AJUIZADA EM FACE DA OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS, EM RAZÃO DA MESMA TER, EM TESE, EMITIDO INFORMAÇÃO ERRÔNEA - OFÍCIO QUE NÃO ATESTA O ESTADO CELIBATÁRIO DO PRETENDENTE DA AUTORA, MAS APENAS QUE NÃO FOI ENCONTRADO O ASSENTO DE CASAMENTO DO MESMO, COM TERCEIRA PESSOA DETERMINADA (IRACI PEREIRA ALVES DOS SANTOS) - DOCUMENTO, ADEMAIS, QUE NÃO TEVE ORIGEM EM BUSCA SOLICITADA PELA AUTORA, MAS SIM, EM PEDIDO DE SEGUNDA VIA DE CERTIDÃO DE CASAMENTO REALIZADO PELA PRIMEIRA ESPOSA DO SEU PRETENDENTE, A QUAL SÓ NÃO FOI LOCALIZADA PELO CARTÓRIO, PORQUE A SOLICITANTE INFORMOU OS DADOS ERRADOS DA UNIÃO EM EVIDÊNCIA - NEXO CAUSAL INEXISTENTE ENTRE O OFÍCIO ELABORADO PELO CARTÓRIO, E A NULIDADE DO CASAMENTO DA AUTORA - ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. “Assim, se a autora contraiu núpcias com
pessoa já casada, não pode pretender imputar à requerida todo o constrangimento e humilhação que aduz ter suportado, pois, se alguém a induziu a erro, foi o próprio Josival que, mesmo sabedor da sua condição de impedido para o casamento, prevista no artigo 1.521, inciso VI, do Código Civil, contraiu núpcias com aquela”. (TJPR - 10ª
C.Cível - AC - 509230-4 - Ponta Grossa - Rel.: Luiz Lopes - Unânime - - J. 04.09.2008).
regularizar a sua situação conjugal, seja pedindo o reconhecimento judicial da nulidade, seja defendendo a sua validade ou eficácia.
Por todo o exposto, entendo que a conduta do requerido comporta apenas responsabilização no âmbito administrativo, devendo ser expedido ofício à Corregedoria Geral de Justiça do Paraná.
Por fim, cabe analisar o recurso adesivo do requerido, em que se busca apenas o reconhecimento de litigância de má-fé por parte da autora.
Entendo que o recurso não comporta provimento.
Embora a narrativa da autora nesta ação esteja em contradição com o afirmado em outros processos, notadamente no que diz respeito ao interesse no uso do nome de casada e na partilha de bens, não se comprovou que a requerente tenha agido de má-fé.
Como frisou, corretamente, o sentenciante, “o elemento subjetivo exigido para este tipo de condenação não restou plenamente evidenciado” (fl. 247).
Assim, tanto a apelação da autora quanto o recurso adesivo do réu devem ser desprovidos, mantendo-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.
Justiça do Paraná, com cópia integral destes autos, para que tome as
medidas que entender cabíveis.
Diante do exposto, VOTO por CONHECER o recurso de apelação e o recurso adesivo, para NEGAR PROVIMENTO a ambos, mantendo-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.
ACORDAM os Membros Integrantes da 9ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em
CONHECER o recurso de apelação e o recurso adesivo, para NEGAR PROVIMENTO a ambos, nos termos do voto do Relator.
O julgamento foi presidido por este Relator e dele participaram os excelentíssimos Desembargadores Domingos José Perfetto e Coimbra de Moura.