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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC SP

Programa de Estudos Pós – Graduados em Psicologia Social

ANDREIA MARIA DA SILVA

O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES ENVOLVIDOS COM O USO DE DROGAS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC SP

Programa de Estudos Pós – Graduados em Psicologia Social

ANDREIA MARIA DA SILVA

O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES ENVOLVIDOS COM O USO DE DROGAS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria da Graça Marchina Gonçalves, para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Social.

SÃO PAULO

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SILVA, ANDREIA MARIA.

O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES ENVOLVIDOS COM O USO DE DROGAS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS). São Paulo, 2018. 143f

Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria da Graça M. Gonçalves

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Nome: SILVA, Andreia Maria da

Título: O Atendimento de adolescentes envolvidos com o uso de drogas nos Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS)

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dra. Maria da Graça Marchina Gonçalves, para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Social.

Aprovada em: ___ / ___ /________

BANCA EXAMINADORA

Dra Elisa Zaneratto Rosa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Dra Lumena Almeida Castro Furtado Psicóloga Sanitarista

Suplentes

Dra Maria Cristina Gonçalves Vicentin Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Dra Maria Fernanda de Silvio Nicácio Universidade Estadual de Campinas

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Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa que contribuiu para esta

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AGRADECIMENTOS

Chega ao fim uma importante etapa da minha vida: Minha Dissertação de Mestrado!

Nos momentos difíceis onde o peso e o cansaço desta jornada pareciam tomar conta de mim, imaginava a elaboração dos “Agradecimentos” para conseguir seguir na luta... sonhar foi e é preciso! Pois é... Agora estou aqui e com as lágrimas correndo...

Inicio os agradecimentos ao Povo Brasileiro que, por intermédio da bolsa de estudo que recebi da CAPES, viabilizou a efetivação do meu sonho.

À PUC SP, sua história e posicionamento na sociedade me fazem ter orgulho de ter sua marca no meu currículo.

À instituição Hospital Israelita Albert Einstein e os profissionais: agradeço pelo apoio e por acreditar que temos sempre o que aperfeiçoar no trabalho realizado.

Aos amigos que conheci durante esta jornada... obrigada pelo desejo de sempre querer ajudar... Flávia Busarelo, Guilherme, Daniel e toda a turma...

Também agradeço ao NUTAS, núcleo de estudos que faço parte, obrigada aos amigos pelo acolhimento, trocas, discussões que me proporcionaram. Professor Odair com seu jeitinho que cativa muita gente.

As professoras Elisa Zaneratto e Lumena Furtado, pela disponibilidade em contribuir na minha formação e ampliação dos horizontes desta pesquisa.

Ao CAPS Infanto Juvenil II Campo Limpo, aos usuários e toda a equipe: obrigada pela confiança de poder construir este conhecimento, pelas trocas viabilizadas e também por acreditar que nosso trabalho deve ser sim um diferencial para o nosso público.

Ao CAPS Álcool e Drogas III Campo Limpo, obrigada pela confiança em abrir as portas do serviço, uma acolhida importante!

À Professora Graça, uma pessoa com que tive o privilégio de conviver: você é uma daquelas pessoas que admiro enquanto pessoa, psicóloga e professora que é. Quando crescer, quero ser igual a você! (risos)

Aos amigos e familiares que me acolheram nas minhas angustias e ausências. Ao meu irmão e sua companheira, Anderson e Érica: Continuem felizes! Tenho muito orgulho em dizer que sou filha de Metalúrgicos, Grevistas e Católicos, Antonio e Rosario: pessoas impares que no cotidiano ensina que a vida só faz sentido vivendo em comunidade. Que estudar é necessário. Vocês são meu ponto forte e

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meu ponto fraco!!! Obrigada pelo apoio e orações realizadas intercedendo por mim! Amo vocês!

Jean... Ser Humano que me proporciona experimentar as diferentes expressões do Amor, companheiro zeloso e meu Porto Seguro: Muito Obrigada!

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SILVA, ANDREIA MARIA DA. O atendimento de Adolescentes envolvidos com o uso

de drogas nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Dissertação (Mestrado em

Psicologia Social). Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP, São Paulo, 2018. 143f

RESUMO

A trajetória da saúde mental na sociedade brasileira é marcada por importantes transformações decorrentes do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica. Entretanto, o reconhecimento da demanda do público adolescente com questões relacionadas ao uso e abuso de drogas, ainda se faz necessário no sentido da construção de ações pautadas em uma lógica de cuidado na perspectiva da Redução de Danos e da Proteção Integral. Tal demanda é complexa e sofre diretamente o impacto da Política Nacional de Drogas, onde observamos um fortalecimento do comércio clandestino destas substâncias e o não controle do consumo da população em geral. Inserida neste cenário, esta pesquisa teve como objetivo caracterizar o percurso de atendimento de adolescentes com histórico de uso abusivo de álcool e outras drogas que são acompanhados em um CAPS IJ II e um CAPS AD III no município de São Paulo. O método foi constituído de uma análise quantitativa e qualitativa dos prontuários dos adolescentes que recorreram ao serviço pela primeira vez no ano de 2016, um estudo de caso e informações trazidas pela pesquisadora, que é trabalhadora em um dos CAPS. As discussões foram construídas a partir da referência teórico-metodológica da Psicologia Sócio-Histórica, possibilitando uma avaliação crítica sobre a realidade social na qual estão imersas estas questões. Diante deste cenário, evidenciamos que o olhar para a complexidade das ações, permeada pela singularidade de vida do adolescente, da sua rede afetiva de cuidado, das características do território e do serviço, deve contribuir para superar a lógica centrada nos serviços de saúde. Emerge da análise realizada a necessidade de continuar investindo em construções criativas de cuidado, por intermédio da Redução de Danos e outras ferramentas coerentes com os princípios do SUS, da Reforma Psiquiátrica e da Proteção Integral ao Adolescente, como possibilidade de intervenção psicossocial. Tal perspectiva visa ampliar o cuidado para além das práticas centradas no CAPS, ao mesmo tempo em que aposta nas possibilidades desse serviço.

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SILVA, ANDREIA MARIA DA. The care of adolescents involved with the use of

drugs in Psychosocial Care Centers (CAPS). Dissertation (Masters in Social

Psychology). Program of Postgraduate Studies in Social Psychology – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC SP, São Paulo, 2018. 143f

ABSTRACT

The trajectory of mental health in the Brazilian society is marked by important transformations resulting from the strengthening of the Unified Health System, the anti-asylum Struggle and the Psychiatric Reform. However, the recognition of the demand of the adolescent public with questions related to the use and abuse of drugs is still necessary in order to construct actions based on a logic of care in the perspective of Harm Reduction and Integral Protection. Such demand is complex and suffers directly the impact of the National Drug Policy, where we observe a strengthening of the illegal commerce of these substances and the non-control of the consumption of the population in general. The objective of this research was to characterize the course of care of adolescents with a history of abusive use of alcohol and other drugs that are followed in a CAPS IJ II and a CAPS AD III in the city of São Paulo. The method consisted of a quantitative and qualitative analysis of the medical records of adolescents who used the service for the first time in 2016, a case study and information brought by the researcher, who is a worker in one of the CAPS. The discussions were built based on the theoretical-methodological reference of Socio-Historical Psychology, making possible a critical evaluation of the social reality in which these questions are immersed. Given this scenario, we show that the look at the complexity of actions, permeated by adolescents' uniqueness of life, their emotional care network, the characteristics of the territory and the service, should contribute to overcoming the logic centred on health services. The need to continue investing in creative care constructs, through Harm Reduction and other tools consistent with SUS principles, Psychiatric Reform and Integral Protection to Adolescents, emerges from the analysis as a possibility of psychosocial intervention. Such a perspective aims to extend the care beyond the practices centered in the CAPS, at the same time that bets on the possibilities of this service.

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SUMÁRIO

LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS 13

LISTA DE TABELAS 16

LISTA DE MAPAS 16

LISTA DE GRÁFICOS 16

INTRODUÇÃO 17

CAPÍTULO 1: ADOLESCÊNCIA E O CONSUMO DE DROGAS 23

1.1. Adolescência na perspectiva da Psicologia Sócio-histórica 23

1.2. O consumo de drogas e a política nacional 26

1.3. Consumo de drogas por adolescentes 30

CAPÍTULO 2: POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL 34

2.1. As conquistas dos movimentos sociais na construção do cuidado 35

2.2. A Política de Saúde Mental e o cuidado com usuários de álcool e outras drogas - a contraposição entre Abstinência e Redução de Danos 39

2.3. O cuidado do indivíduo em uso ou abuso de drogas 45

2.4. Contexto da Pesquisa 51

CAPÍTULO 3: MÉTODO 59

3.1. Fundamentos Teóricos 59

3.2. Caracterização do Campo de Pesquisa e Procedimentos de Coleta de Informações e Análise de Dados 63

CAPÍTULO 4: O COTIDIANO DOS ATENDIMENTOS 70

4.1. Sobre os atendimentos realizados 70

4.1.1. Características do usuário 71

4.1.2. Características gerais dos casos atendidos 80

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4.1.4. Quanto à articulação com a rede 91

4.1.5. Síntese dos atendimentos realizados CAPS IJ e CAPS AD 97

4.2. O cuidado a um adolescente compartilhado entre CAPS IJ e CAPS AD 101

4.2.1. Descrição de um acompanhamento compartilhado entre CAPS IJ e CAPS AD 101

4.2.2. Análise do Acompanhamento 110

4.3. Impactos no cotidiano do trabalho / Devolutivas institucionais 117

CAPÍTULO 5: O PERCURSO DO ATENDIMENTO – DESAFIOS E POSSIBILIDADES 119

CONSIDERAÇÕES FINAIS 129

REFERÊNCIAS 131

Anexo A: Manifesto de Bauru (1987) 140

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

AMA Assistência Média Ambulatorial

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPS IJ Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil

CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

CAPS IJ AD Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil Álcool e Drogas

CCA Centro de Convivência da Criança e do Adolescente

CECO Centro de Convivência

CER Centro Especializado em Reabilitação

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CRATOD Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CIEJA Centro de Integração de Educação de Jovens Adultos

CEBRID Centro Brasileiro de informações sobre Drogas Psicotrópicas

CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

CFP Conselho Federal de Psicologia

CRP Conselho Regional de Psicologia

DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

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HIV Human Immunodeficiency Virus

HMCL Hospital Municipal do Campo Limpo

MSE Medida Sócioeducativa

MS Ministério da Saúde

NAPS Núcleo de Atenção Psicossocial

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NPJ Núcleo de Proteção Jurídica

OMS Organização Mundial da Saúde

PEC Programa Einstein na Comunidade

PTS Projeto Terapêutico Singular

PUCSP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

RD Redução de Danos

SAICA Serviço de Acolhimento Institucional Criança e Adolescente

SENAD Secretária Nacional de Políticas Sobre Drogas

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SPVV Serviço de Proteção Vítima de Violência

SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

UD Usuários de Drogas

UDI Usuários de Drogas Injetáveis

UNAD Unidade de Acompanhamento ao Dependente

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LISTA DE TABELAS

01. Prevalência de uso de drogas entre os entrevistados das 108 cidades com mais de 200

mil habitantes do Brasil. 29

02. Rede de Atenção Psicossocial - RAPS. 38

03. Quadro comparativo Modelo Proibicionista x Redução de Danos. 44

04. Usuários que após o acolhimento no CAPS AD foram encaminhados ao CAPS IJ. 85

LISTA DE MAPAS 01. MAPA: Regiões, Prefeituras Regionais e Distritos Município de São Paulo 52

02. MAPA: Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS 2010 55

LISTA DE GRÁFICOS 01. CAPS AD e CAPS IJ: sexo dos adolescentes envolvidos com o uso de drogas, atendidos no ano de 2016. 71

02. CAPS AD e CAPS IJ: Raça/cor da pele dos adolescentes envolvidos com o uso drogas, atendidos no ano de 2016. 72

03. CAPS AD e CAPS IJ: idade dos adolescentes com queixas relacionadas ao uso de drogas no primeiro atendimento, ano 2016. 72

04. CAPS AD: Queixas apresentadas no primeiro atendimento aos adolescentes, ano de 2016. 73

05. CAPS IJ: Queixas apresentadas no primeiro atendimento aos adolescentes, ano de 2016. 74

06. CAPS IJ: Perfil geral dos adolescentes que foram atendidos no ano de 2016. 75

07. CAPS IJ: Hipótese diagnóstica dos adolescentes acolhidos no ano de 2016. 76

08. CAPS IJ: Inserção escolar dos adolescentes acolhidos no ano de 2016. 77

09. CAPS IJ e CAPS AD: Drogas consumidas por adolescentes, registrada no primeiro atendimento do ano de 2016. 79

10. CAPS IJ e CAPS AD: Desfecho do primeiro atendimento realizado com os adolescentes no ano de 2016. 84

11. CAPS IJ e CAPS AD: Origem dos encaminhamentos dos adolescentes acolhidos em 2016. 92

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INTRODUÇÃO

A discussão sobre o campo das políticas públicas, a garantia de direitos da população infanto-juvenil e o cenário das políticas de drogas no Brasil é uma das minhas inquietações desde quando trabalhava na região central do município de São Paulo, como Redutora de Danos, no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil Álcool e Drogas - Projeto Quixote, atendendo crianças e adolescentes em situação de rua, em 2013 e 2014.

Em seguida, surgiu a oportunidade de trabalhar como psicóloga, na equipe que implantou e inaugurou o Centro de Atenção Psicossocial II Infanto-Juvenil Campo Limpo, também no município de São Paulo. Esta experiência me convocou novamente para o atendimento do adolescente em situação de uso e abuso de álcool e outras drogas, produzindo uma reflexão e construção de uma prática em conjunto com uma equipe empenhada em ofertar um trabalho qualificado, porém, receosa se o manejo ofertado atenderia as demandas trazidas pelo usuário e seus familiares.

Neste contexto, se faziam constantes os questionamentos sobre quais as concepções estavam presentes na compreensão de um adolescente em uso abusivo de drogas e, ao mesmo tempo, se as tecnologias adotadas pelo serviço poderiam ser efetivas no cuidado ofertado a esta população. Assim como eram também constantes as demandas da rede de garantia de direitos para o apoio no manejo de situações complexas e angustiantes. Muitas vezes havia um pedido de respostas rápidas perante situações complexas.

Isso me despertou a necessidade de voltar para a academia e produzir uma interlocução entre minha atuação profissional e os referenciais teóricos que respaldam tanto minha visão de sociedade e de homem, como também o processo histórico e legislativo em que esta discussão está pautada.

Neste sentido, o objeto deste trabalho também foi delimitado e configurado a partir dos aspectos que constituem e constituíram historicamente as diversas dimensões envolvidas no cuidado com o adolescente que faz uso de álcool e outras drogas. Isso remete à explicitação da compreensão que se tem sobre o adolescente, sobre a questão específica do consumo de álcool e outras drogas no contexto brasileiro, bem como sua relação com uma concepção de saúde mental. Remete, ainda, às concepções de cuidado, política pública e suas implicações.

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Imerso neste cenário, identificamos que as políticas públicas são a consequência da luta pelos direitos sociais, incorporada pelo movimento operário como uma estratégia de oposição aos interesses capitalistas e de difusão do campo de ação dos trabalhadores, o que é favorecido, contraditoriamente, pela expansão do modo de produção capitalista (GONÇALVES, 2010). No Brasil, em sua história mais recente, o Estado democrático de direito foi conquistado a partir das lutas sociais e movimentos populares, no período da Ditadura Militar (1964-1985), que reivindicavam a garantia de direitos fundamentais da pessoa humana e a democracia. A abertura democrática e a Constituição Federal do Brasil de 1988 consolidaram importantes inovações no campo da organização do Estado brasileiro, em especial em relação aos direitos sociais.

Frente a isso, é importante ressaltar, na direção de fortalecer o espaço público da garantia de direitos, que as políticas públicas levam em conta um conjunto de variáveis e o segmento da população que considera importante atingir, público alvo, sendo espaço social para o desenvolvimento humano em um determinado contexto social.

Nesse sentido, as políticas públicas são um possível caminho de construção de uma sociedade democrática, passando pela participação nos espaços públicos, em suas diferentes especificidades, tais como saúde, educação, trabalho, infância e juventude, segurança, habitação, mobilidade urbana e comunicação (GONÇALVES, 2010).

Para Gonçalves (2010), em seu livro Psicologia, subjetividade e políticas públicas, as características principais que devemos encontrar em qualquer política pública, independente de qual for, implicam que:

“... deve ser um espaço democrático, que garanta o acesso aos direitos sociais básicos, promova a cidadania, conta com a participação dos sujeitos a que se destinam, devem criar condições para experiências de contatos, relações e vivências diversas, mas que suponham um sujeito capaz de atuar na direção de construir novas alternativas de vida, sempre emancipadoras de sua condição individual e social” (GONÇALVES, 2010, p.23).

Neste contexto de defesa de direitos, observamos movimentos sociais que vão reivindicar a proteção integral para crianças e adolescentes, mobilização esta que no cenário internacional apresenta como marco a Convenção dos Direitos da Criança (1989), que sela entre diversos países um compromisso de cumprir os direitos da infância e da adolescência previstos na Declaração dos Direitos da Criança (1959). No Brasil, após uma intensa mobilização de diversos segmentos da sociedade civil, do Ministério Público, do

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Judiciário e de órgãos não governamentais de todo o País, foi promulgado, em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Essa legislação regulamentou no Brasil a concepção jurídica da proteção à infância e à adolescência, assegurando um novo tratamento a crianças e adolescentes. Esta população passa a ser compreendida como sujeitos de direitos, exigindo, em função de sua condição peculiar de desenvolvimento, atenção especial do Estado, da família e da sociedade. A mesma legislação afirma no seu artigo 7° que “A criança e o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. (BRASIL, 1990)

Outra conquista no campo dos direitos sociais ocorreu na saúde pública brasileira, a partir da década de 1970, com o processo da Reforma Sanitária, que influenciou fortemente a elaboração do Sistema Único de Saúde (SUS), criado com base na afirmação do direito universal à saúde, sob-responsabilidade do Estado, garantido na Constituição Federal de 1988 (CFP, 2013).

Diferentes eventos determinaram sobremaneira a criação e implantação do SUS, dentre eles, merece ser destacada a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) que contou com intensa participação social, com representantes do governo e da sociedade civil (usuários e militantes), consagrando uma concepção ampliada de saúde, bem como o princípio da saúde como direito universal e dever do Estado. Como consequência desta mobilização, hoje o SUS possui um caráter de política inclusiva, solidária e universal, que acolhe todos os cidadãos, independentemente de sua condição social, situação de trabalho ou moradia, nacionalidade, em seus diferentes níveis de complexidade.

Entretanto, com o advento do neoliberalismo, há tentativas de estender, ao máximo possível, a esfera do mercado, tudo é mercadoria, inclusive os direitos sociais e neste contexto o Estado é um espaço de disputa entre a esfera pública e a esfera mercantil. Há interesses de enfraquecer e desqualificar o Estado na efetividade das políticas sociais para, de alguma forma, favorecer no mercado empresas destes mesmos setores (SADER, 2011).

O mesmo autor aponta que há um movimento, da parte de setores ligados aos interesses do mercado, de desarticular, enfraquecer e privatizar as políticas sociais e depois dizem: “Se quiserem, vocês defendam este Estado desarticulado; se não quiserem defender, estão do nosso lado” (SADER, 2011, p 14). E, nesta realidade, observamos que

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os direitos sociais não estão consolidados, que esse é um campo complexo de disputas de interesses.

Um marco importante para o fortalecimento do modelo neoliberal no Brasil foi observado com o impeachment da Presidenta Dilma, em 2016, com o enfraquecimento das políticas sociais, a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional 95 de 15/12/2016, que limita por 20 anos os gastos públicos com saúde e educação, por exemplo, além de outras perdas no campo da garantia dos direitos sociais, com impactos ainda imensuráveis no aumento da desigualdade social brasileira.

Esse cenário geral é importante de ser considerado porque pretendemos apontar que o cuidado com adolescentes em uso de álcool e outras drogas se dá em uma intersecção de diferentes direitos sociais e políticas públicas correspondentes e, dessa forma, carrega desafios inerentes a cada uma delas. Nesse sentido, embora nosso foco seja o cuidado em saúde, entendemos que essas intersecções devem ser apontadas. E consideramos que isso acrescenta elementos nem sempre tidos em conta no desenvolvimento do cuidado em saúde pública e brasileira.

Neste sentido, o fortalecimento da saúde pública na esfera nacional apresenta importantes desafios no Sistema Único de Saúde, pela perspectiva crítica da garantia de seus princípios: universalidade, integralidade e equidade.

Além disso, deve-se também acrescentar as contribuições fundamentais da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica brasileira para o atendimento do público adolescente, considerando que trazem princípios e concepções de saúde e cuidado que aprofundam, em relação a essa questão, as diretrizes do SUS. Da mesma forma, em tal cenário, a realização desses princípios e concepções representam desafios a serem enfrentados no campo das políticas correspondentes.

O mesmo se passa com os aspectos preconizados pela Doutrina de Proteção Integral, apontada no ECA. São referências que têm em conta a garantia plena de direitos sociais, para sujeitos de direitos, como apontamos acima. E que requerem também, para sua concretização, a implementação de políticas amplas, intersetoriais, com perspectiva de atingir a integralidade no atendimento de direitos.

Em suma, a intersecção de políticas públicas representa, em um cenário marcado pela disputa entre a perspectiva de direitos e a perspectiva do mercado, um encontro de desafios.

Isto posto, indagamos: como é o cotidiano dos principais dispositivos de atendimento para a situação de uso abusivo de álcool e outras drogas por adolescentes –

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os Centros de Atenção Psicossocial, modalidade Infanto-juvenil e modalidade Álcool e Drogas (CAPS-IJ e CAPS-AD)? As práticas existentes conseguem, em sua totalidade, serem pautadas na lógica dos princípios do SUS, da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica? Quais os desafios existentes? São questões desse tipo que norteiam este trabalho.

Diante deste contexto, esta pesquisa apresenta o seguinte objetivo geral: caracterizar o percurso de atendimento de adolescentes com histórico de uso abusivo de álcool e outras drogas, que são acompanhados em um CAPS IJ II e um CAPS AD III no município de São Paulo.

Justifica-se tal objetivo diante da ausência de pesquisas que promovam a reflexão sobre o papel do CAPS IJ II e CAPS AD III no atendimento de adolescentes e, especificamente com o histórico de uso de álcool e outras drogas. É necessário aprofundar reflexões sobre as possibilidades de cada modalidade de equipamento para prestar esse atendimento, levando em consideração a Rede de Atenção Psicossocial Especializada e suas especificidades de atuação.

Desta forma, o caminho teórico percorrido está apresentado na primeira parte, como descrito a seguir.

No primeiro capítulo caracterizamos, em linhas gerais, o consumo de drogas na população brasileira, levando em consideração a legislação vigente, a Política de Guerra às Drogas e os impactos na sociedade. Em seguida discutiremos, dentro do referencial teórico da Psicologia Sócio-histórica, a concepção de adolescente para problematizarmos o consumo de drogas neste público e os impactos psicossociais no abuso destas substâncias.

O segundo capítulo apresentará o percurso da Luta Antimanicomial, enquanto um movimento social que produziu uma importante mobilização nacional para a ruptura de um modelo centrado nos manicômios. Juntamente, a Reforma Psiquiátrica, como uma proposta crítica e prática de um modelo de cuidado à pessoa em sofrimento psíquico e o marco legislativo que operacionaliza as discussões provocadas tanto pela Luta Antimanicomial, como pela Reforma Psiquiátrica.

Em seguida, traremos uma discussão sobre o cuidado de pessoas em uso abusivo de drogas, pautado nos modelos da Abstinência e na Redução de Danos, seus objetivos e contradições e a repercussão no cotidiano do cuidado. Por último, neste capítulo, apresentaremos como é operacionalizado o cuidado da pessoa em situação de uso abusivo de drogas no SUS, levando em consideração a Atenção Psicossocial Estratégica e as ferramentas do Matriciamento, seja na saúde, como também na rede intersetorial e do

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Projeto Terapêutico Singular. Toda esta discussão será pautada a partir dos documentos fornecidos pelo Ministério da Saúde, acrescidos das produções dos Conselhos de Classe, Movimentos Sociais e pesquisadores sobre o tema.

Também apresentaremos algumas informações acerca do território em que a pesquisa foi realizada, Distrito do Campo Limpo, zona Sul do município de São Paulo, com dados relacionados aos índices de violência, desigualdade social e à rede de saúde implantada neste território.

O método será apresentado no terceiro capítulo, acrescido da caracterização do campo de pesquisa e procedimentos de coleta de informações. O quarto capítulo será constituído pelos dados coletados, articulando com as discussões que eles possibilitam. No quinto capítulo, avançaremos, dialogando com referências teóricas que problematizam o assunto de modo que se possa contribuir com o objetivo desta pesquisa. Por último, no sexto capítulo, apresentaremos as considerações finais acerca da pesquisa realizada.

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CAPÍTULO 1: ADOLESCÊNCIA E O CONSUMO DE DROGAS

Esta pesquisa, como já apresentada na introdução, tem como base teórico-metodológica a Psicologia Sócio-Histórica; diante deste referencial será realizada a discussão sobre o adolescente e o consumo de drogas.

Entendemos que conhecer a história, e os processos nela engendrados, contribui para compreender o contexto social como resultante do processo histórico, que possibilitou a construção de uma subjetividade, implicada em certos aspectos e valores sociais, os quais, a partir de sua compreensão mais profunda, podem ser transformados (GONÇALVES, 2010).

Para tanto, será apresentada a compreensão adotada aqui sobre o fenômeno adolescência, levando em consideração as particularidades desse processo neste momento da sociedade brasileira. Em seguida, abordar-se-á a conjuntura sobre o consumo de drogas na sociedade, e, especificamente, a política de drogas vigente no contexto nacional. Por fim, serão apresentadas informações sobre o uso de drogas na adolescência.

Entendemos que esta discussão contribuirá para compreender o fenômeno do uso de drogas na população adolescente.

1.1. Adolescência na perspectiva da Psicologia Sócio-histórica

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990), é considerada criança o cidadão que tem até 12 anos incompletos e aqueles com idade entre 12 e 18 anos são considerados adolescentes. Tal dado se faz importante para configurar as políticas públicas de proteção e garantia de direitos a esta população como, por exemplo, o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).

Para Fonseca (2013), o conceito de adolescência mais aceito na área da saúde é aquele definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que, referindo-se aos aspectos maturacionais biológicos, psicológicos e econômicos, considera adolescência como um período compreendido entre 10 e 20 anos. Porém, além destas classificações ofertadas, temos também as discussões no campo da psicologia para compreensão do que é a adolescência.

Quando pesquisamos sobre a adolescência, observamos em diversas áreas da ciência e da psicologia a busca de uma compreensão deste fenômeno com o objetivo de

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qualificar os trabalhos e as políticas públicas ofertadas a esta população (BOCK, 2007). É necessário, entretanto, fazer uma leitura crítica das concepções de adolescência existentes. Na psicologia, de forma predominante, tal conceito está fundamentado em um único tipo de adolescente, como apontou Santos (1996), “homem-branco-burguês-racional-ocidental”, oriundo em geral da Europa ou dos Estados Unidos. Também temos visões naturalizantes e patologizantes, como a apresentada por Aberastury e Knobel (1981), ao descreverem a síndrome normal da adolescência. Segundo os mesmos autores, a adolescência é uma fase natural do desenvolvimento, caracterizada naturalmente por rebeldia, desequilíbrios e instabilidades de afetos, lutos e crises de identidade, busca de si mesmo, tendência grupal, necessidade de fantasiar, crises religiosas, flutuações de humor e contradições sucessivas.

Estas concepções de adolescência ficam permeadas por uma noção desenvolvimentista que as naturaliza, bem como as questões psicológicas, como se estas pudessem existir em separado da totalidade humana.

Clímaco (1991), em sua tese de doutorado intitulada Repensando as concepções de adolescência, aponta que a concepção de adolescência surge a partir da necessidade da sociedade capitalista em lidar com o problema do desemprego crônico estrutural, retardando o ingresso dos jovens no mercado de trabalho, aumentando os requisitos para esta inserção e aumentando também o tempo de tutela dos pais e estendendo o período escolar. Este cenário aproxima um grupo de iguais criando um novo grupo social com um padrão coletivo de comportamento – a adolescência. Dessa forma, apontam-se elementos que levaram, historicamente, ao aparecimento do fenômeno da adolescência, de maneira a enfrentar as concepções naturalizantes que predominam.

Há também uma discussão destacando que a adolescência não é algo acabado, que tenha uma exatidão do início e fim e que esta delimitação ultrapassa aspectos temporais e biológicos, pois esbarra em características sociais, culturais e psicológicas específicas de cada indivíduo. Ressalta-se também, como a adolescência é experimentada por cada individuo, exige uma compreensão de que há contextos e características diferentes que emergem neste período (SMENTANA et al., 2006).

Segundo a perspectiva sócio-histórica (BOCK, 1997), a compreensão de qualquer fato só é possível a partir da sua inserção na totalidade na qual este fato foi produzido. Por totalidade entende-se o contexto social, as condições, em que existe ou não, por exemplo, a adolescência, ou seja, as condições sociais e históricas que constroem uma determinada adolescência.

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A Psicologia Sócio-Histórica concebe:

“o homem como ativo, social e histórico. A sociedade, como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua vida material. As ideias, como representações da realidade material. A realidade material, como fundada em contradições que se expressam nas ideias. E a história, como o movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base material, deve ser compreendida toda a produção de ideias, incluindo a ciência e a psicologia” (BOCK, 2001:17-18).

Esta perspectiva teórica entende que a realidade concreta na qual o sujeito está inserido, as condições históricas, políticas e culturais diferentes, produzem transformações não só na representação da criança e do adolescente, mas também na sua interioridade (MACEDO et al, 2015).

Segundo a Psicologia Sócio-histórica, ao estudar a adolescência não se faz a pergunta “o que é a adolescência?”, mas “como se constituiu historicamente este período do desenvolvimento?”. Entende-se que a adolescência é compreendida como uma construção social, com repercussões na subjetividade e no desenvolvimento do homem moderno. É um momento significado, interpretado e construído pelos homens. O que o adolescente está fazendo, como está se comportando, deve ser compreendido como fruto das relações sociais, das condições de vida, dos valores sociais presentes na cultura, portanto, como responsabilidade de todos que fazem parte de um conjunto social (BOCK, 2007).

Para Macedo et al (2015) deve-se compreender o indivíduo e seus múltiplos contextos de modo integrativo, relacional e temporal, buscando a relação entre os aspectos ontogenéticos e o contexto, no qual o adolescente se desenvolve e, a partir do qual, se constitui como sujeito.

Santos (2007) ainda aponta que, em decorrência da desigualdade social, há diferença concreta das condições de vida existentes na sociedade brasileira e, consequentemente há uma pluralidade de adolescências. No caso dos adolescentes que vivem nas classes de baixo poder aquisitivo, percebe-se que convivem cotidianamente com a negação de seus direitos, dentro de uma realidade consideravelmente marcada pela vulnerabilidade social e a violência em suas diferentes modalidades.

Neste sentido, avaliamos que qualquer análise de um fenômeno relacionado com a adolescência exigirá a sua problematização, com uma abordagem do fenômeno de forma ampla, considerando suas múltiplas mediações. Deve ser considerado em sua

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historicidade, de forma a desnaturalizar concepções que impõem uma determinada compreensão de adolescência que termina por desconsiderar a sua produção histórica.

No caso do foco desta pesquisa é importante, então, ter em conta que o adolescente que faz uso de drogas o faz em um contexto social e histórico que reserva a cada sujeito um lugar, pressupõe padrões considerados normais de comportamento e condena padrões diferentes, muitas vezes sem compreendê-los como também produção histórica; e o faz em relação também com concepções relativas às drogas e ao significado de seu uso, bem como com as consequências de políticas formatadas para se lidar com esse fenômeno social. O item a seguir trará uma breve caracterização exatamente desse contexto das drogas, seus usos e as políticas públicas que lhes correspondem.

1.2. O consumo de drogas e a política nacional

Há, no mínimo, 10 mil anos a humanidade usa substâncias que alteram a percepção. Mas, nos últimos 200, as drogas se tornaram também a causa para conflitos brutais e a fortuna de diferentes grupos.

Niel e Silveira (2008) relatam que a procura do ser humano por estados alterados de consciência é histórica e registrada em diversas culturas desde a antiguidade. São exemplos: o uso das drogas psicotrópicas, as que são usadas em rituais de maneira considerável, como um meio privilegiado de transcendência e de busca da totalidade; ou no caso dos rituais de passagem, marcando etapas de transição da vida, no qual a criança torna-se homem em um processo iniciático, marcado por morte e renascimento; ou até mesmo por razões lúdicas, recreativas ou práticas curativas. O mesmo autor aponta que a sociedade atual perdeu a maioria de seus ritos iniciáticos e que esta característica pode ser um dos aspectos para a concepção do que é considerado abuso de drogas na sociedade contemporânea.

No atual cenário brasileiro, temos como norteador das ações do Estado, perante a temática das drogas, a Lei Federal nº 30.343 de 2006, que em linhas gerais proíbe a comercialização de algumas drogas (como por exemplo, a maconha e os derivados da cocaína), ou seja, um posicionamento contrário à regulamentação pelo Estado da produção, fiscalização e consumo dessas drogas.

Esta proibição das drogas é um fenômeno mundial, caracterizado por Carneiro (2002) como uma das invenções imperialistas que mais permitiu a especulação financeira e policiamento repressivo das populações no século XX.

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A referida legislação também foi reconhecida como “Guerra às drogas”, um movimento de origem nos Estados Unidos por volta de 1970 e que tem como característica central a proibição radical do consumo e comércio de um conjunto de drogas dentre elas: maconha, cocaína, crack, ecstasy, LSD, inalantes, heroína, barbitúricos, morfina, skank, chá de cogumelo, anfetaminas, clorofórmio, ópio e outras. Como consequência deste posicionamento temos, por exemplo:

O fortalecimento do mercado clandestino, o enriquecimento direto das máfias, das polícias e dos bancos. Vide as recorrentes denúncias nos meios de comunicação de grupos de policiais envolvidos em grandes esquemas de tráfico de drogas1, bem como o Banco HSBC ter assumido a culpa, em 2013, de ter lavado dinheiro do tráfico de drogas mexicano e colombiano2.

Danos à saúde pública: faz-se necessário frisar que, o fato do Estado assumir um papel proibicionista do consumo de drogas, além do impacto direto na segurança pública, também acarreta impactos à saúde pública, como por exemplo, no tipo de cuidado que será ofertado e na ausência de controle pelo Estado, da qualidade de droga que é consumida pelo consumidor final. Em relação a este último aspecto, existe o risco da droga que chega ao usuário estar adulterada, para aumentar a margem de lucro, acarretando consequências imensuráveis à saúde do consumidor. Por exemplo, o usuário acha que está fumando maconha, mas o cigarro pode estar misturado com outros produtos, como esterco de animais.

Fortalecimento das políticas de encarceramento em massa da população pobre, preta e periférica e a intromissão do aparato de segurança em esferas da vida cotidiana. Atualmente, o Brasil possui a 4ª maior população carcerária, constituída majoritariamente por homens, entre 18 a 24 anos, negros, com ensino fundamental completo3.

Para ter uma ideia do impacto financeiro, Carneiro (2002) aponta que se somarmos as drogas ilícitas e as lícitas (álcool e o tabaco, mas também o café, o chá, além das drogas da indústria farmacêutica) este ramo se torna o principal no comércio internacional.

Nesta mesma linha, observamos que o Estado, no enfrentamento da questão do tráfico e consumo de drogas, tanto lícitas como as ilícitas, afasta-se das discussões sobre o

1 (http://justificando.cartacapital.com.br/2017/07/10/guerra-as-drogas-e-corrupcao-policial-as-duas-faces-da-mesma-moeda/ ) 2 (https://www.cartacapital.com.br/revista/837/quem-nos-governa-9428.html). 3 (http://www.politize.com.br/populacao-carceraria-brasileira-perfil/).

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tema (legalização, controle da publicidade e venda) e fortalece as ações de repressão, o medo e a perspectiva de compreensão do usuário de forma patologizante.

Patologizar é tratar questões que são sociais, políticas e econômicas, como individuais, fortalecendo estratégias medicalizantes como uma suposta resposta à questão (ROSA, 2016). Neste contexto, há uma concepção de que os usuários de drogas, como portadores de transtorno mental, não têm condições de decidir sobre sua vida, que necessariamente precisam ser “cuidados” e adaptados à norma operante, sem levar em consideração suas necessidades, desejos e limitações. Tal perspectiva se mostra repressora e criminalizante das pessoas e sua relação com o uso de drogas.

Nesse sentido, a discussão das drogas, desde o tráfico ao uso e abuso, deve levar em consideração as políticas públicas de segurança, assistência social, saúde, trabalho e renda, educação, cultura, esporte e lazer, ou seja, é uma questão complexa que deve ser pautada levando em consideração todos estes fatores, para que o cuidado ofertado não seja reduzido aos cuidados da dependência química (CRPSP, 2011).

Olivenstein (1990 apud NEIL e SILVEIRA, 2008) argumenta que a ausência de rituais iniciáticos, também apontada por Silveira (2008), está relacionada ao uso de drogas. Entretanto, esse fator, acrescido por vários outros, desde a política de Guerra às Drogas, passando por crises econômicas, falta de perspectiva de trabalho, condições de vida precárias, violência e tráfico, tornam a sociedade atual vulnerável à expansão do uso indiscriminado de drogas. Estes autores também afirmam que regiões marcadas por uma alta vulnerabilidade social têm aumentada a possibilidade do indivíduo, que está em uma relação abusiva com a droga, ser excluído de todos os serviços que a administração pública propicia.

Uma pesquisa realizada pela SENAD/CEBRID, intitulada como II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (2005), identificou quais drogas são consumidas no território brasileiro e também sua proporção de uso. Seguem abaixo as informações:

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Tabela 01. Prevalência de uso de drogas entre os entrevistados das 108 cidades com mais de 200 mil habitantes do Brasil4.

Droga

Prevalência de uso (%)

20015 2005

Na vida Na vida No ano No mês

Álcool 68,7 47,6 49,8 38,3 Tabaco 41,1 44 19,2 18,4 Maconha 6,9 8,8 2,6 1,9 Solventes 5,8 6,1 1,2 0,4 Benzodiazepínicos 3,3 5,6 2,1 1,3 Orexígenos 4,3 4,1 3,8 0,1 Cocaína 2,3 2,9 0,7 0,4 Xaropes (codeína) 2 1,9 0,4 0,2 Estimulantes 1,5 3,2 0,7 0,3 Barbitúricos 0,5 0,7 0,2 0,1 Esteróides 0,3 0,9 0,2 1 Opiáceos 1,4 1,3 0,5 0,3 Anticolinérgicos 1,1 0,5 0 0 Alucinógenos 0,6 1,1 0,3 0,2 Crack 0,4 0,7 0,1 0,1 Merla 0,2 0,2 0 0 Heroína 0,1 0,1 0 0

Qualquer droga exceto álcool e tabaco 19,4 22,8 10,3 4,5

Ao analisarmos a Tabela 1, observamos que, com exceção de álcool e tabaco, as drogas com maior uso na vida em 2001 são maconha (6,9%), solventes (5,8%), orexígenos (4,3%), benzodiazepínicos (3,3%) e cocaína (2,3%); em 2005, são: maconha (8,8%), solventes (6,1%), benzodiazepínicos (5,6%), orexígenos (4,1%) e estimulantes (3,2%). De 2001 para 2005, houve aumento nas estimativas de uso na vida de álcool,

4 Fonte: SENAD/CEBRID/ II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, pág. 22, 2005. 5

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tabaco, maconha, solventes, benzodiazepínicos, cocaína, estimulantes, barbitúricos, esteroides, alucinógenos e crack e diminuição nas de orexígenos, xaropes, opiáceos e anticolinérgicos. Essa diferença foi estatisticamente significante somente para os estimulantes. Um dos aspectos dessa última informação é que ela se refere ao consumo indevido de medicamentos para emagrecer, mais frequente entre as mulheres.

Estes dados contribuem para iniciarmos um questionamento de quais são as substâncias a que estamos nós referindo ao problematizarmos o uso de drogas, acrescentando também o fato de que estas substâncias possuem impactos diferentes no funcionamento do organismo humano.

Observamos que a opinião pública é influenciada pelo posicionamento proibicionista e de guerra às drogas do Estado, e, a leitura reducionista dos meios de comunicação, compreende que a pessoa que faz o uso de qualquer droga ilícita está associado com a criminalidade e/ou com a patologização do indivíduo.

E, consequentemente, este cenário está diretamente ligado com o fato dos investimentos do Estado em regiões com alto índice de usuários de drogas serem em maior quantidade em segurança pública, comparados aos investimentos em ações intersetoriais. Recentemente, tivemos um exemplo claro desta situação, observada nas ações do prefeito João Dória no Município de São Paulo, no início de 2017 quando diminuiu consideravelmente os investimentos do Programa de Braços Abertos6 e potencializou as inserções policiais, muitas vezes com violência, na região da Luz.

Estes breves apontamentos pretendem evidenciar a complexidade da discussão sobre as drogas na atual conjuntura, pois deve-se problematizar desde o espaço da droga na sociedade até seu significado para o indivíduo inserido neste contexto. Da mesma forma, é complexo e multifatorial qualquer tipo de possibilidade de enfretamento desta conjuntura.

1.3. Consumo de drogas por adolescentes

Pensando especificamente no adolescente brasileiro, o contexto histórico e as formas com que as relações sociais são estabelecidas, observamos que o fenômeno adolescência e consumo de drogas requer uma discussão que problematize esta relação.

6O Braços Abertos, implantado em 2014 pela gestão do prefeito Hadadd na região da Luz, é um programa que trabalha na

ressocialização de indivíduos em uso abusivo de drogas à partir da Redução de Danos com oferta de cuidado em saúde, moradia e trabalho. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/08/1808800-2-em-3-reduziram-o-uso-de-crack-apos-passar-em-acao-de-haddad-diz-estudo.shtml

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Entendemos que para esta discussão devem ser consideradas as características que produzem possíveis impactos no processo de vida e no desenvolvimento do adolescente envolvido. Entretanto, além disso, deve ser considerado, também que existe socialmente uma percepção de que o público adolescente / jovem é um potencial consumidor de curto, médio e longo prazo destas substâncias. Vide por exemplo as campanhas publicitárias de consumo de bebida alcoólica que, na grande maioria, são destinadas ao público jovem, em que é transmitida uma mensagem de felicidade e ostentação.

O consumo de drogas, seja das lícitas como das ilícitas, é de fácil acesso ao público adolescente. É comum observar nos estabelecimentos comerciais a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, mesmo com uma legislação que proíbe essa venda (BRASIL, 2015). Também observamos que o mercado clandestino, que ganhou papel fundamental com o posicionamento proibicionista do Estado, também realiza a venda para este público, quando não o recruta para o trabalho de comércio em diferentes funções; e tal cenário é identificado em diversas regiões e classes sociais de todo o Brasil.

Muitas pesquisas têm se debruçado para a discussão do adolescente e o uso de drogas, entre elas iremos considerar algumas pontuações como, por exemplo, das justificativas para o consumo de drogas:

 O uso de drogas se dá pela busca do prazer, relaxamento, diversão, sociabilidade entre os pares, descontração e outros fatores socioculturais (UFMG, 2014).

 O uso de drogas pode ser justificado, por exemplo, como uma forma de lidar com situações muito adversas (situações diversas de violência, frustrações pessoais, entre outros motivos) (BRASIL, 2003).

Tomando a questão de maneira mais particular pelo viés da saúde, percebe-se que uma das maneiras de lidar com o uso de drogas é associar a alguma patologia ou mesmo considerar o uso como uma patologia. É importante destacar que nem todo uso de drogas por adolescentes é sinal da existência de patologias. Existem diferentes relações de indivíduos com as drogas. Por isso cada caso deve ser problematizado na sua singularidade. Reduzir a causa de qualquer uso de substância a uma doença responde aos aspectos de controle social, patologização, medicalização e internação social (BITTENCOURT, 2009).

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Os documentos do Ministério da Saúde apontam também que a relação estabelecida com o adolescente em situação de uso / abuso de drogas deve ser permeada de acolhimento, escuta e vinculação para melhor compreender o fenômeno e construir um cuidado mais adequados às situações de vida (BRASIL, 2014).

Sobre a perspectiva da prevenção, Niel e Silveira (2008) concluem também que:

“...a prevenção entre os jovens é toda ação que tem como objetivo o desenvolvimento integral do adolescente em que estimule sua criatividade e seu potencial para que consiga conviver com as adversidades, sem ter que usar a droga como anestésico, como “alimento” ou como substituto de lacunas na sua esfera emocional. Trata-se de criar perspectivas, alimentar sonhos e projetos A serem realizados, auxiliando-os a encontrar sentido em suas vidas. Por isso é importante desenvolver competências para que estes indivíduos saibam tomar decisões.”(2008, pág. 8) O Ministério da Saúde (BRASIL, 2003) descreve que, como consequência do uso / abuso de drogas, o adolescente fica vulnerável as seguinte situações: abandono escolar, rompimento de laços sociais e afetivos, agravos à saúde, acidentes de trânsito, envolvimento em situação de violência, transtornos mentais, comportamento de risco no âmbito sexual e transmissão do HIV pelo uso de drogas injetáveis e outros problemas de saúde decorrentes dos componentes da substância ingerida e das vias de administração.

Também deparamos com pesquisas que problematizam adolescência e uso de drogas. Uma delas publicada em junho de 2002 vem de uma parceria entre o Ministério da Saúde (MS) e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, junto a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, compreendendo uma amostra de 632 crianças e adolescentes entre 10 e 23 anos. O estudo mostra que as drogas mais utilizadas por este público eram: álcool 66,7%, maconha 65,1%, cola 41,7%, cocaína 19,6%, crack 13,13% e droga injetável 6,5%.

No estudo realizado pelo SENAD/CEBRID/ V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras (SENAD/CEBRID2004) destacamos as seguintes conclusões:

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 O uso de drogas não é exclusividade de determinada classe socioeconômica, distribuindo-se regularmente por todas elas. Portanto, as campanhas preventivas não precisam se preocupar com determinados segmentos populacionais.

Assim como em vários estudos anteriores, o uso na vida de certas drogas foi maior para o gênero masculino, para: maconha, cocaína, energéticos e esteroides anabolizantes. Para o gênero feminino, tradicionalmente o maior uso na vida é de medicamentos: anfetamínicos e ansiolíticos.

A comparação de cinco levantamentos mostrou que o uso na vida de drogas diminuiu tanto para o gênero masculino quanto para o feminino, em cinco capitais.

Na faixa etária de 10 a 12 anos de idade já se observou uso na vida de drogas para 12,7% dos estudantes, sendo a Região Sudeste a que apresentou a maior porcentagem: 15,1%. Mais um aspecto fundamental para os programas de prevenção.

O uso frequente de álcool, para o conjunto das 27 capitais, foi feito por 11,7% dos estudantes, sendo Porto Alegre a capital que apresentou a maior porcentagem: 14,8%. O uso pesado de álcool foi feito por 6,7% dos estudantes, sendo Salvador a capital com maior porcentagem: 8,8% dos estudantes (definido como uso da substância 20 vezes, ou mais, no mês que precedeu à pesquisa).

O uso pesado de drogas (definido como sendo de 20 vezes ou mais no mês que precedeu à pesquisa) atingiu 2,0% dos estudantes das 27 capitais, sendo constatados 3,6% para a faixa etária superior a 18 anos de idade. (SENAD/CEBRID, 2005).

Diante dos apontamos realizados, desde os documentos do Ministério da Saúde e a demais pesquisas que se debruçam sobre o tema, identificamos aspectos que devem ser levados em consideração, em uma perspectiva que caminhe em direção a uma análise cuidadosa, contextualizada e singular do sujeito e das relações que estabelece com a substância utilizada.

Também reforçamos a necessidade de enfrentar o desafio de promover o desenvolvimento saudável da população adolescente com a elaboração e fortalecimento de políticas sociais intersetoriais, capazes de promover a atenção à saúde em todos os níveis de complexidade, promoção, prevenção e cuidado, com a participação de todos os setores de sociedade.

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CAPÍTULO 2: POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL

O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida.

(Carta de Bauru, 1987).

Nossa apresentação das políticas públicas ligadas ao tema abordado se dará, neste capítulo, pelo viés do cuidado que se busca garantir ao adolescente que faz uso de drogas. E, considerando as principais referências adotadas, inclui a relação das políticas de saúde e saúde mental com os movimentos sociais que deram origem a concepções básicas, que representam ruptura com perspectivas patologizantes e naturalizadas que terminam por descontextualizar o sujeito de sua realidade e responsabilizá-lo, de forma reducionista, por sua condição. Nessa perspectiva, faremos uma breve apresentação da política de saúde mental na sua relação com o movimento antimanicomial e, a seguir, apresentaremos alguns dispositivos que se desenvolvem nesse contexto e/ou se coadunam com os princípios da perspectiva antimanicomial e que cumprem papel importante no cuidado específico para com os usuários de drogas, mais especificamente a Redução de Danos e o Matriciamento.

Por fim, será apresentado o contexto da pesquisa, em suas características gerais e na articulação com os temas anteriores, destacando-se uma breve discussão sobre vulnerabilidade social, categoria que contribui para a discussão da realidade estudada.

2.1. As conquistas dos movimentos sociais na construção do cuidado

As discussões acerca da organização e concepção de cuidado na saúde pública iniciaram-se com a Reforma Sanitária brasileira na década de 1970. Este movimento teve como fundamento a reformulação da atenção à saúde pública em dois campos, o macro e o micro. A macro (reforma) sanitária remete-se à responsabilização dos entes federativos e da formulação da política de atenção à saúde nos âmbitos federal, estadual e municipal. A

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micro (reforma) sanitária se propõe a refletir sobre as práticas de cuidado em saúde nos equipamentos e com as equipes interdisciplinares. (CAMPOS, 2007)

Destacamos também que a Reforma Sanitária foi impulsionada por movimentos populares de saúde, constituídos por trabalhadores e usuários dos serviços, e ampliou a discussão sobre o conceito de saúde / doença, apontando a problemática da mercantilização desse processo, imposta pela perversidade do sistema capitalista nos âmbitos político, econômico e social. (PAIVA e TEIXEIRA, 2014)

No que diz respeito à transformação do cuidado em saúde mental ofertado pelo Estado, consideramos, como marcos históricos, quatro etapas importantes: o movimento social conhecido como Luta Antimanicomial, a Reforma Psiquiátrica, o marco regulatório legislativo e a política pública.

Em conjunto com esse processo de transformação da concepção de saúde, e impulsionada pelas discussões da Reforma Sanitária, a Luta Antimanicomial ganha força na década de 1970, inicialmente como Movimento de Trabalhadores da Saúde Mental, apoiados por familiares e pessoas com histórias de longas internações manicomiais, o que mais tarde dá origem ao Movimento da Luta Antimanicomial.

A proposta deste movimento era de denunciar as diferentes modalidades de violação de direitos humanos e o abuso de poder dos manicômios, ao mesmo tempo em que lutavam por uma reforma psiquiátrica brasileira. (ANDRADE et al, 2013)

A Luta Antimanicomial tem como marco o Encontro de Bauru, realizado em dezembro de 1987, que propôs mudanças nos princípios teóricos e éticos da assistência, defendendo a ruptura com a cultura manicomial, produzindo como um dos símbolos deste movimento o documento denominado Manifesto de Bauru (anexo A), com conteúdo ainda atual para o enfrentamento das práticas manicomiais presentes na sociedade brasileira.

Segundo Rosa (2016), a Luta Antimanicomial brasileira foi fortemente influenciada pela Reforma Psiquiátrica Italiana, que apresentou uma quebra na concepção do louco predominante na sociedade, a qual era marcada pela ênfase na patologia e no isolamento social. A experiência italiana propunha superar a relação com as doenças e o diagnóstico para produzir a relação com as pessoas nos serviços territoriais.

Esta mesma autora, apoiada nas discussões de Franco Basaglia, relata que a compreensão da loucura está intrinsecamente ligada a determinantes sociais, políticos e econômicos e que a população que mais está à mercê do controle do Estado, por

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intermédio dos mecanismos de patologização, é o proletariado, pois os considerados como loucos são os que deixam de se conformar com as convenções sociais (ROSA, 2016).

Amarante (1995) define Reforma Psiquiátrica Brasileira como um processo histórico de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria.

Neste sentido a Reforma Psiquiátrica promoveu questionamentos em relação à assistência em saúde mental, que precedem ao SUS, levaram à reflexão sobre as maneiras de compreender, de abordar e de se relacionar, não somente com a pessoa com sofrimento psíquico, mas também com as pessoas com deficiências intelectuais e os usuários de drogas, distanciando as novas concepções de uma visão moral e revisando os preceitos em torno do assunto, entendendo o paciente como sujeito de direito e usuário de saúde.

Evidenciamos que historicamente a relação da loucura com a sociedade teve marcos importantes de transformação e a Reforma Psiquiátrica Brasileira faz parte desta configuração, como Benilton Bezerra Jr. (2007, p. 248) aponta:

“(...) um deslizamento histórico desta relação, que passou do modelo religioso da salvação do louco (no período colonial) para o modelo médico da cura e do reparo (a partir do fim do século XIX), para chegar às proposições reformistas que buscam uma superação deste modelo, não por uma recusa romântica do sofrimento provocado pela loucura, mas pela insistência na inclusão das formas de atenção fundadas no paradigma do cuidado (e não apenas na busca da cura) e na ancoragem das estratégias assistenciais e culturais de confronto com a loucura no processo mais geral de

ampliação do exercício da cidadania.” (BEZERRA

JÚNIOR, 2007, p. 248)

Ainda como fruto destas mobilizações a primeira estratégia de cuidado seguindo as diretrizes do SUS foi com a inauguração, em 1987, do primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil, o CAPS Luís Cerqueira em São Paulo, conhecido como CAPS Itapeva. No contexto histórico, este equipamento foi fruto das lutas por novas formas de cuidado e financiamento da saúde mental que cresceram no final da década de

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1980 na América Latina (RIBEIRO, 2004). Em 1992, com a Portaria 224 de 29/01/92, do Ministério da Saúde, foi estabelecido que os CAPS e NAPS fossem os serviços responsáveis pela atenção à saúde mental.

No campo legislativo, as pressões e repercussões do Movimento da Luta Antimanicomial tiveram uma grande conquista: após 11 anos de tramitação no Congresso Nacional, com inúmeras discussões e desafios, ocorreu a aprovação da Lei Paulo Delgado, LEI nº 10.216 de abril de 2001. Tal lei aponta para a superação do modelo asilar e para a garantia dos direitos de cidadania da pessoa com sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais e de uso abusivo ou prejudicial de drogas.

Como principais alterações decorrentes desta lei, destacam-se: a salvaguarda dos direitos referentes aos portadores de transtorno mental, a responsabilização do Estado pelo desenvolvimento de políticas pertinentes à área, pelo prenúncio de serviços comunitários de saúde mental, o emprego da internação hospitalar em casos em que todas as alternativas de tratamento foram exauridas e, o esforço da reinserção social, como finalidade terapêutica. A quebra de perspectiva do que efetivamente pode ser tratado como doença mental e o fim do isolamento total dos pacientes para um modelo de tratamento que considerasse o convívio na família e comunidade. Neste contexto a legislação prevê o fechamento progressivo dos leitos nos hospitais psiquiátricos e a criação de serviços alternativos, etc.

Atualmente a Política de Saúde Mental é orientada pelas diretrizes da Reforma Psiquiátrica, da LEI nº 10.216 (abril de 2001) e pela Portaria /GM nº3.088 (dezembro de 2011) que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A RAPS, regulamentada na portaria/GM nº 3.088 (dezembro de 2008), é composta pelos seguintes equipamentos:

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TABELA 02. Rede de Atenção Psicossocial - RAPS.

A consolidação de uma perspectiva de cuidado em saúde mental, com a criação da RAPS, é resultado desse longo processo de luta por uma assistência pautada por princípios que reconhecem direitos sociais e defendem direitos humanos. Apontam a importância da integralidade, universalidade e equidade; apontam a necessidade de uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar das questões de saúde, o que implica em articulação intersetorial de políticas, trabalho em equipe, assistência integral. Em função disso, foi se esclarecendo, cada vez mais, a necessária relação entre a saúde mental e a atenção básica, como forma de efetivar os prinícipios do SUS e da Reforma Psiquiátrica.

Tal processo não se deu sem embates e sem a necessidade constante de retomar os princípios e procurar efetivá-los, muitas vezes na contramão da compreensão

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vigente sobre saúde mental. Ou seja, a implementação dessas políticas representou sempre uma disputa por fazer valer a perspectiva dos direitos sociais e humanos.

Nesse sentido, se faz importante destacar que todo este cenário de construção de uma Reforma Psiquiátrica, que garanta o desenvolvimento humano, está presente na sociedade com sérias disputas ideológicas, políticas e econômicas.

Com os recentes avanços das perspectivas neoliberais, que têm como marco o impeachment da Presidenta Dilma, em agosto de 2016, tem ocorrido o enfraquecimento do Estado como provedor de políticas universais e de garantia de direitos. E passamos a observar que os direitos sociais tidos como garantidos se tornaram ameaçados vide, por exemplo, a atual Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional 95 de 15/12/2016 que congelou os gastos públicos sociais por 20 anos.

Tal cenário evidencia que a Política Pública de Saúde, SUS, e consequentemente a construção de uma Reforma Psiquiátrica pautada nos princípios da Luta Antimanicomial estão ameaçadas devido aos avanços do neoliberalismo.

2.2. A Política de Saúde Mental e o cuidado com usuários de álcool e outras drogas - a contraposição entre Abstinência e Redução de Danos

Inicialmente se faz importante apontar, juntamente com Silva (2015), que a presença de usuários de drogas, especialmente de álcool, não é novidade no território da saúde mental e é observada desde o interior dos hospitais psiquiátricos. Em texto no qual refletem sobre o início da organização dessa política, Alves et al (1994, p. 198) apontam que “em 1992, 35,6% dos pacientes internados em hospitais psiquiátricos tinham diagnóstico associado ao alcoolismo”.

Silva (2015) ainda afirma que a expressiva presença de usuários de drogas foi posta de lado e não se destacou ao ponto de receber da reforma psiquiátrica, naquele momento, uma inscrição própria.

Em 2003, o Ministério da Saúde lançou o documento intitulado “A política integral do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas” e reconheceu a lacuna na inserção retardada dos usuários de álcool e outras drogas na política de saúde mental; tal cenário, segundo Silva (2015), pode ser compreendido como reflexo da falta de prioridade dessa questão pela saúde.

Silva (2015) também aponta pesquisas que revelam uma tendência de inversão nas morbidades mais frequentes nos hospitais psiquiátricos: os transtornos ligados ao

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