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Título: a IMANÊNCIA nas POÉTICAS ATORAIS um olhar filosófico

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Academic year: 2021

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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS

Título: a IMANÊNCIA nas POÉTICAS ATORAIS – um olhar filosófico Autora: Raquel Valente de Gouvêa Revisão: Evandro Zampieri Borges e Domingos José Pereira Ano de publicação no Portal: 2017

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a IMANÊNCIA nas POÉTICAS ATORAIS – um olhar filosófico1

Gostaria de propor este recorte para o tema desta mesa, a fim de pensar as “poéticas atorais” como algo que ocorre na imanência do fazer cênico dos

atores, ou seja, a poética deste fazer e pensar que pulsa na imanência do acontecimento artístico e que depende de sua potência para acontecer (depende, portanto, das forças que brotam do próprio acontecimento artístico) e, assim, fazer circular os afetos poéticos que nascem dos encontros entre

artistas (e todos os envolvidos com a cena) e espectadores (ou todos que, não estando em ação no “palco” – seja o espaço que este ocupar, assistem, fruem, contemplam o que nele acontece, durante o seu acontecer).

Duas definições se fazem necessárias para que delimitemos o nosso foco: a palavra “poética”, que em sua origem grega está ligada à poiesis

(produção, invenção, criação), ação que dá forma a algo. Poética é a palavra que designava a “arte trágica” e o fazer dos poetas rapsodos como Homero e Hesíodo, palavra que deu título a uma das obras de Aristóteles mais lidas e conhecidas, definindo por séculos uma ideia muito específica sobre o texto e o fazer teatral. Aqui não a usaremos nestes sentidos, optando por pensar “poética” como “produção de forças”, de afetos, de imagens, de invisibilidades carregadas de sentidos – POTÊNCIAS POÉTICAS QUE NASCEM DO QUE O

ATOR FAZ DAQUILO QUE O ATRAVESSA NO MOMENTO EM QUE CRIA A SUA ARTE – COMPOSÍÇÃO DE FORÇAS POÉTICAS.

A outra palavra é “imanência”, aqui pensada bem próxima a Deleuze: imanência como “aquilo” que atravessa, que é duração (no sentido de Bérgson), ela é a própria vida acontecendo; o embate perpétuo dos contrários de Heráclito. “Imanência é uma vida”, escreveu um dia Deleuze. Ela torna possível nossas experiências, todas elas, ou talvez possamos dizer que nela nossas experiências “acontecem”. Ela é o plano profundo, intensificado por afetos, que, uma vez recortado por nossas ações e pensamentos, cria planos outros de composição (planos artísticos, poéticos e planos de criação de conceitos – filosóficos).

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A imanência traz também a virtualidade como codeterminante da realidade, daquilo que nos acontece. Imanente é o acontecer do acontecimento que cria um plano próprio, neste caso, artístico, poético, atoral.

Talvez não esteja claro para vocês, mas assim é: não se trata de ideias claras e distintas, como em Descartes, trata-se, ao contrário, daquilo que se dá a “ver/sentir” para além do visível da ação (entendida em amplo sentido), aquilo que transborda os significados das palavras, das entonações, dos gestos, imagens, objetos – uma POÉTICA DO ATOR que se realiza apenas e somente em seu fazer, o qual é por natureza efêmero, deixando poucos rastros após acontecer, fragmentos poéticos que se misturam às memórias e sensibilidades...

A imanência está aqui relacionada ao plano de composição/criação do

ator, àquilo que ele cria/faz com, por, através de seu corpo – entendido não como organismo biologicamente constituído, organizado, mas como corpo-campo-de-forças, corpo-em-ação; corpo-criador-de-sentidos.

Penso a poética atoral não apenas como produção (aqui: atualizações de um plano virtual de composição), mas também como plano de intensidades poéticas, virtuais, que emanam daquilo que o ator faz (ou do que não faz) em uma criação artística. Algo que se atualiza no corpo matéria, mas que não é material; algo que existe como virtualidade e que pode ou não se tornar fato.

Para que esta ideia ganhe mais sentido, é preciso então conceber outro “corpo”, ou melhor, a coexistência de um corpo não-extenso ou a possibilidade de um duplo corporal (expressão inadequada porque nos remete à uma separação, um dualismo inexistente, posto que este outro é na verdade o que há de mais sutil do corpo físico) composto de forças, de intensidades afetivas.

Um corpo sutil captura forças deixando-se sensibilizar pelas intensidades poéticas que surgem das experimentações criativas do ator e que se tornarão uma composição artística, que um dia se abrirá aos muitos outros corpos-poéticos potenciais dos espectadores.

Para pensarmos este corpo, recorro a Artaud e sua ideia de “corpo-semórgãos”, vívida no diálogo com Deleuze: “Para além do organismo, mas também como limite do corpo vivido, existe aquilo que Artaud descobriu e

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nomeou: corpo sem órgãos” (DELEUZE, 2007: 24). Um corpo sem extensão, composto de forças, que se atualiza no corpo extenso/físico do ator, este tomado como “matéria de expressão” (Deleuze) que torna visível o invisível poético que atravessa o ator, ou ainda: um corpo por onde a poética do ator e da cena se torna acontecimento artístico.

O corpo-semórgãos de Artaud parece penetrado por forças criativas dionisíacas, forças que antecedem a forma. No ator, elas são pré-ato, impulso a ser atualizado e lapidado no corpo matéria. Em Artaud, um corpo de resistência, político, despojado dos determinismos morais - um corpo a ser descoberto pelo ator.

Se quiserem, podem meter-me numa camisa de força, mas não existe coisa mais inútil que um órgão. Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos, então o terão libertado dos seus automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade. Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas como no delírio dos bailes populares e esse avesso será seu verdadeiro lugar. (ARTAUD, 1993: 161).

E para continuar a pensar um corpo intensificado por um devir poético que atravessa o ator, a cena, o palco e a plateia, contaminando tudo e todos, trago a ideia de Corpo Paradoxal, proposta por José Gil:

[...] um corpo metafenômeno, visível e virtual ao mesmo tempo, feixe de forças e transformador de espaço e de tempo, emissor de signos e transsemiótico, comportando um interior ao mesmo tempo orgânico e pronto a dissolver-se ao subir à superfície.

[...]

Um corpo que se abre e que se fecha, que se conecta sem cessar com outros corpos e outros elementos, um corpo que pode ser desertado, esvaziado, roubado da sua alma e pode ser atravessado pelos fluxos mais exuberantes da vida. Um corpo humano porque pode devir animal, devir mineral, vegetal, devir atmosfera, buraco, oceano, devir puro movimento. Em suma, um corpo paradoxal. (GIL, 2004: 56).

Corpo-Sem-Órgãos e Corpo Paradoxal são ideias que se comunicam muito bem, não havendo, em meu entendimento, conflitos entre elas. Mas não sendo ideias desprovidas de aplicação prática, é preciso que o ator tenha recursos para dar realidade poética aquilo que o atravessa como potência criativa. É preciso conhecer os poderes deste corpo, aprender a fazer o melhor uso deles, com rigor, disciplina, profundidade e para isso, as técnicas e

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experimentações são fundamentais, pois serão capazes de dar forma às forças dionisíacas, tratando-as até “apolineamente” se quiserem e, assim, criando um “produto” sem perder a intensidade poética neste processo.

Muitos são os caminhos para dar realidade a isso. Mas me parece que os grandes pensadores do fazer do ator do século passado ainda nos ajudam a encontrar possíveis direções. Gostaria apenas de citar Grotowsky, menos pelo resultado artístico de suas propostas e mais por como suas ideias norteiam uma tendência de investigação ainda presente entre nós, que coloca o ator como responsável pelo seu próprio processo, compilando e também propondo práticas de preparação e de criação. Percebo que em muitos casos essas práticas resultam de diferentes experiências com práticas de outros artistas ou afins, que vão sendo selecionadas e modificadas em função das necessidades do ator, e dos contágios inevitáveis que ocorrem entre elas em seu próprio corpo de expressão.

Grotowski propôs que os atores se desvendassem, objetivando a articulação, a transformação de suas experiências em signos orgânicos. Dessa forma, conduzia seus atores para a construção de uma prática pessoal de trabalho e também para a composição de partituras de ações físicas, resultantes desse processo de autopenetração realizado pelo ator. Assim, ele rompe completamente com a ideia de mimesis grega e de arte como cópia da natureza, propondo uma arte viva, vibrante, intensificada pelas forças dos atores, da criação à cena.

Entendo que este caminho é necessário a qualquer ator: desbravar ele mesmo, desvelando-se de automatismos replicantes, de julgamentos, dando voz ao que há de autêntico em si (sempre permeado por muitos outros); cuidando-se, conhecendo e sabendo usar o sutil e o vigoroso, intensificando suas próprias energias criativas e poéticas em todo este processo; repetindo as diferenças que inevitavelmente saltarão aos olhos durante estes processos; recortando e memorizando o que de fato corresponde ao que pretende. Este me parece um bom começo para a prática, para acessar em si mesmo as forças poéticas de seu fazer e pensar e de se abrir ao inesperado -EXPERIMENTAÇÃO!

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Retomando a nossa reflexão até aqui: pensar a poética atoral em seu plano de imanência, também ele poético. Falamos do que entendemos por poética da imanência no trabalho de ator. Algo que o atravessa como força criativa e que depende dele para se atualizar como experiência. Foi preciso enfocar um pouco o corpo do ator pelo viés de suas potências, forças, intensidades, mas também do desafio deste corpo de se constituir como matéria de expressão conectada a um plano de composição poético.

Por fim, penso que uma poética atoral vista de sua própria imanência requer outro olhar, outra maneira de ver e de sentir o acontecimento. E isso tanto para o ator como para o espectador. Uma poética que, como disse Laurence Louppe, pensando o termo grego em uma perspectiva fenomenológica, é “o que, numa obra de arte, nos pode tocar, estimular a nossa sensibilidade e ressoar no imaginário” (LOUPPE, 2012: 27).

Penso que a poética de que falo exige uma dose de sonho, de imaginação, de devaneio como nos propõe Bachelard, mas também de contemplação, de fruição da sensibilidade sem a mediação racional comumente aplicada às percepções que temos ordinariamente. Como experiência estética, sensível, o poético não está nas palavras, nos sons, nos

gestos, mas naquilo que os transborda, como dito antes, e neste transbordamento afeta o outro. Uma poética que flutua entre significantes e significados, que é sentida, capturada na atmosfera que se cria entre palco e

plateia, no encontro entre diferentes sentidos. Experiência singular, que é da ordem daquilo que nos acontece, que nos toca. Como afirma Jorge Larossa Bondía, esta experiência exige um gesto de interrupção do tempo acelerado da vida ordinária:

[...] requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorarse nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço [...]. (Bondía, 2002: 24).

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Referências bibliográficas:

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

ARTAUD, Antonin. Escritos de Antonin Artaud - Para acabar com o julgamento de Deus, Porto Alegre: LP&M, 1983.

GIL, José. Movimento Total: o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras, 2004. LOUPPE, Laurence. Poética da Dança Contemporânea. Lisboa: Orfeu Negro, 2012.

BONDÍA, Jorge Larossa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação, nº 19, 2002, p. 24.

Referências

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