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Montagem fílmica e exposição : vozes negras no cubo branco da arte brasileira

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Academic year: 2021

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NEGRAS

VOZES

MONTAGEM FÍLMICA

E EXPOSIÇÃO:

NO CUBO BRANCO DA

ARTE BRASILEIRA

UFRGS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MONTAGEM FÍLMICA E EXPOSIÇÃO:

VOZES NEGRAS NO CUBO BRANCO DA ARTE BRASILEIRA

Ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte

Tese de doutorado

Igor Moraes Simões

Orientadora: Profª Drª Blanca Luz Brites

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CIP - Catalogação na Publicação

Simões, Igor Moraes

Montagem Fílmica e Exposição: Vozes Negras no Cubo Branco da Arte Brasileira / Igor Moraes Simões. --2019.

298 f.

Orientadora: Blanca Luz Brites.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, BR-RS, 2019.

1. História da Arte. 2. Raça. 3. Montagem Fílmica. 4. Exposição de arte. 5. Negros e Artes Visuais. I. Brites, Blanca Luz, orient. II. Título.

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFRGS com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte

Tese de doutorado

Igor Moraes Simões

Orientadora: Profª Drª Blanca Luz Brites

Porto Alegre, março de 2019

Tese apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS,

sob orientação da Profª Drª Blanca Brites,

como requisito parcial à obtenção do título

de Doutor em Artes Visuais, com ênfase

em História, Teoria e Crítica de Arte.

MONTAGEM FÍLMICA E EXPOSIÇÃO:

VOZES NEGRAS NO CUBO BRANCO DA ARTE BRASILEIRA

MONTAGEM FÍLMICA E EXPOSIÇÃO:

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Agradecer, ter o que agradecer. Essa frase está aqui comigo enquanto escrevo essas linhas. Está comigo também o mar. O mar e tudo que lava para os ritos de espanto e de começo. Um oceano inteiro aconteceu para que, hoje, um homem negro e gay possa sentar diante de uma tela e agradecer pela conclusão de um doutorado. Foi preciso que outros homens e mulheres negras resistissem às travessias. Foi preciso que muitos fossem jogados ao mar. Foi preciso que aqui se plantassem culturas, se assentassem orixás, foi preciso estratégia, resistência e ativismo, em muitos tempos. Por isso, começo por agradecer aos meus ancestrais, suas existências, seus feitos, suas sobrevivências. Agradeço a Oxum, senhora dourada que me conduz pelos rios da vida. A Ogum, meu guerreiro que me guarda e a Xangô, homem do machado, da justiça e do livro. Agradeço por estarem comigo, mesmo quando me sinto sozinho. Duas mulheres estiveram grande parte de suas vidas agachadas sobre seus joelhos, ao lado de um balde, mirando o chão à sua frente e pavimentando o futuro para que eu pudesse ter cadernos e livros. Duas mulheres negras. Minha mãe e minha tia foram as mães de mais um menino negro sem pai no país da mãe solteira. A elas devo tudo, cada coisa, cada gesto, cada movimento. Uma é Nara, útero do meu mundo, minha Oxum de amor e cuidado. Outra é Marina, é mar, é vento e decisão. Mãe, Mães, somente vocês e com vocês e para vocês, tudo... Sempre! Vó, olha o que eu fiz! Minha menor negra, Aline, a irmã que todo irmão deveria ter. Aos irmãos que a vida me deu, Alex Ramirez e Elaine Costa, vocês estão em mim, sempre,

até o sem fim do sem fim do mundo. Aos meus amigos, todas e todos, à família que eu soube escolher e que mantém a coragem de gostar de mim, apesar de mim. Meu especial agradecimento aos artistas, professores, pesquisadores, curadores, negros e negras que me disponibilizaram tempo e generosidade em entrevistas que, mais do que atos de pesquisa, se tornaram encontros afetuosos e peças de uma rede que, espero, dure. Suas vozes são as vozes negras que se espalham pelo meu texto. Obrigado por me fazerem desconfiar do silêncio. Não chegaria até aqui, nessa escrita com tantos negros, sem a Blanca. Blanca Luz Brites, minha orientadora, que soube o tempo da espera, o tempo do silêncio, o tempo da escuta para que eu pudesse fazer o trabalho que respondia aos meus anseios. Minhas idas e vindas foram ondas de confiança, debate e estímulo. Ana Albani de Carvalho, a exposição, a invenção, as edições da Anpap, os eventos, um grupo para pensar arte e política. Eis o que fiz do que me deram. Blanca, brancas. São muitas mulheres. Negras e brancas, com quem aprendo diariamente sobre existir. Uma descendente de alemães de tanto me ajudar a me pensar, acabou por escrever uma dissertação sobre ser homem, negro, gay e professor. Ela me conduzia pelas minhas marcas, hoje ela estuda as suas. Minha Eliana Peter Braz, Lana, minha Nuchqueta, obrigado por estar por mim, comigo e em mim. Escutas. Mulheres. Não posso citar todas. Mas posso nomear algumas para

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tocar as suas existências em mim. Franciane Cardoso, Neide, Neidoca, olhos de ler e chamadas de vídeo na noite. Olhos de compreender minha pesquisa, corpo para sentar comigo no meio da exposição, anotar, fotografar, pensar junto, obrigado, Neidoca. Paula Luersen, revisora de tese e de existência. Paulinha e eu: caos e ordem. Paulinha, que me lê e me questiona e me corrige, e a tese também. Mais mulheres: Eliane Nunes, a pesquisadora, professora e mais brilhante estudiosa de história da arte que conheci e amei e fui amado. Eliane encantou-se cedo demais. Em dado momento eu pesquisava sobre gênero e história da arte, ela sobre negros e as histórias que a arte conta. Ela me disse: estamos trocados. Eliane, aqui vai o acerto. Onde quer que estejas, tudo começou contigo. A arte, a história, o existir negro nas artes visuais brasileiras. Mas há homens, varões aliados, como ouvi de uma mulher. Eduardo Veras, Ivair Reinaldim. Dois homens brancos que me disseram: vá! Faça! O primeiro me disse a frase que me trouxe aqui: “sua tese não é o trabalho de sua vida, mas sua tese estará sempre em sua vida! Faça!”. O segundo me perguntou como eu me sentia sobre ser, quase sempre, o único corpo negro nos eventos de história da arte. Me levou para falar com meninas e meninos negros estudantes de história da arte e, naquele dia, tudo mudou. Eu queria falar para eles. Meninas, meninos, Ivair, aqui está o que pude desde aquele meio dia. Ao professor José Rivair Macedo por me mostrar linhas e pensamentos negros como clássicos. À Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, a UERGS, minha universidade, meu lugar de luta, lugar de montar histórias da arte para poder contá-las. A minha sala de edição, foi antes, sala de aula. Aos meus alunos e

alunas, obrigado por terem vivido comigo esse tempo de tentativas. Às minhas colegas Mariana Silva, Mariane Rotter e, muito especialmente, à minha companheira de ideias e invenções Carmen Capra, meu agradecimento eterno ao nosso enorme e minúsculo colegiado. Minha turma de doutorado em História, Teoria e Crítica da Arte. Quase todos estrangeiros no Instituto. Todos em construção da comunidade que nos tornamos, todos em busca do que pode vir a ser para além do que é. Francisco, Paula, Felipe, Daiana, Luiza, pelo café, e escuta e apoio. Pelo dia em que combinamos perguntas para que eu provasse que esse projeto existia, para tudo o que fizemos e faremos, obrigado! Aqui está o que pude. Aqui está o que Kehinde, a mulher negra em deslocamentos, em um Defeito de Cor, me entregou. Aqui está Rosana Paulino e sua escuta, aqui está Renata Bittencourt e sua mulherice negra e historiadora da arte.

Aqui está o que devo para quem veio antes de mim! “Vou aprender a ler para ensinar meus camaradas!”. Ora Yê Yê Ô, Ogum Yê, Kaokabecile.

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RESUMO

A tese que apresento parte da noção de montagem fílmica, conceito que tomo emprestado do campo do cinema, para pensar os objetos em estado de exposição como fragmentos, que articulam sentidos a partir de encontros afetivos e bélicos em constante negociação no espaço expositivo. Para construir esse lugar de onde vejo a história da arte, reúno o pensamento-filme de Marcelo Masagão e Sergei Eisenstein com os aportes de Achile Mbembe, Georges Didi-Huberman, e Giorgio Agamben, entre outros autores que me acompanham nessa empreitada. Dentro dessa perspectiva, penso as exposições como ilhas de edição que constroem histórias não previstas na História da Arte, disciplina de matriz europeia que junto com a herança colonial constituiu também os cânones daquilo que se denomina como arte brasileira. O foco da minha análise está em dois estudos de caso: as mostras Territórios: Artistas afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015/2016) e Histórias Afro-Atlânticas (2018), nas quais identifico a constituição de narrativas válidas para histórias da arte, parcamente abordadas na historiografia da arte brasileira. A partir dessas exposições, aponto cruzamentos com matrizes e recorrências na história da arte brasileira, analisando objetos produzidos por sujeitos racializados e compreendendo que suas produções tendem a sofrer os mesmos efeitos que seus corpos em uma sociedade marcada pela herança colonial e pelo racismo estrutural. Escrevo a partir do reconhecimento de minha posição marcada como homem negro e historiador da arte, em uma disciplina e um campo tão alvo quanto o cubo que

foi depositário dos seus modernismos. Estão aqui as vozes negras que me acompanharam nesse trabalho como artistas, professores e curadores. A tese foi construída de forma a dar conta das permanências da História da Arte como disciplina; da constante manutenção de saberes que passam por questões de raça; da montagem fílmica como ferramenta para escritas da história da arte que se não se pretendem definitivas. As exposições reposicionam a produção de homens e mulheres negras, bem como as suas histórias, em uma perspectiva que inscreve como humanos aqueles que, durante muito tempo, foram alvo não apenas de silenciamentos, mas também de uma escuta seletiva; não apenas de invisibilidade, mas de uma cegueira orquestrada. Em um tempo contemporâneo, marcado pelas disputas, assinalam-se as vozes e fazeres de mulheres e homens negros e negras de forma a redefinir os saberes constituídos.

Palavras-Chave: Montagem fílmica, Exposição, História

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ABSTRACT

This dissertation arises from the conception of filmic montage, which I borrow from the field of Film Studies in order to reflect upon objects in state of exhibition as fragments that articulate meaning from affective and bellicose encounters constantly in negotiation in exhibition spaces. In order to build this place from where I see art history, I gather Marcelo Masagão's, and Sergei Eisenstein's filmic thoughts along with Achile Mbembe's, Georges Didi-Huberman's, and Giorgio Agamben's support, among others who have accompanied me in this venture. Under this perspective, I consider art shows as editing islands who may inaugurate unlikely stories in art history, which is a discipline of European foundations that, along with a colonial background, has constituted the canon for what is called Brazilian art. The focus of my analyses lies on two study cases, the exhibitions Territories: Artists of African Descent in the Collection of the Pinacoteca (2015/2016), and Afro-Atlantic Histories (2018), in which I identify the constitution of valid narratives for barely-approached art histories in the historiography of Brazilian art. As I have these two exhibitions as a starting point, I indicate the crossroads they reveal alongside foundations and recurrences of Brazilian art history when it analyzes objects produced by racialized objects, understanding that their productions tend to suffer from the same effects their bodies do in a society stained by a colonial background and structural racism. I write from my standpoint as a black man and an art historian in a discipline and a field which is as much a target as the cube that was the depository for their modernisms once was. The black

voices that have accompanied in this work as artists, teachers, and curators are present here. This dissertation was written as a way to account for the permanence of art history as a discipline, for the constant maintenance of knowledge that goes through race matters, and for filmic montage as a tool for writing art history that does not come out as definitive. The art shows reposition the production of black men and women as well as their stories in a perspective that inscribes as humans those who were for a long time target not only of silencing, but also of selective listening. Not only of invisibility, but of an orchestrated blindness in contemporary times characterized by their struggles, but also times when they point out to their voices and deeds, as they redefine constituted knowledge.

Keywords: Filmic montage. Art exhibition. Art history.

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surpreenderá a todos não

por ser exótico, mas pelo

fato de poder ter sempre

estado oculto, quando

terá sido o óbvio.”

Caetano Veloso

Um índio, 1977

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Num muro de uma rua no centro do Rio de Janeiro, alguém escreveu: “Todo Cubo Branco tem um quê de Casa Grande”. Cubo Branco. Vocabulário inventado para nomear a pureza e a higiene onde a arte deveria existir autônoma de qualquer interferência para além de si mesma. Para inventar um mundo só seu, foi escolhido um cubo branco. Branco evoca silêncio. Silêncio é lugar que se respeita, onde não se fala. Só fala a arte. Na Casa Grande da sala de exposição moram muitos silêncios. Dirão: mas quantos negros artistas são importantes e estiveram no Cubo? Quantas mulheres estiveram no Cubo? Na Casa Grande fala o senhor. Ele permite, ele concede, ele interdita. Negros falam porque o senhor concede. Falam, mas devem usar a língua do senhor. Mulheres falam, mas para existirem na Casa Grande do Cubo Branco tinham de ser permitidas, dobrarem-se às regras. Os senhores do Cubo Branco, ao contar sobre o que acontece em sua Casa Grande, preferem falar de si mesmos. Cubo, sala. Sala de exposição. Lugar de expor coisas e ideias sobre as coisas. De montar histórias com as coisas. Sala de expor histórias. Quantos negros nas salas dos encontros, simpósios e eventos onde se conta sobre essas histórias? Silêncio! Todo encontro que narra as coisas que acontecem no Cubo Branco tem um quê de Casa Grande.

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SUMÁRIO

UMA APRESENTAÇÃO: Qual o lugar de fala? As histórias da arte como lugar de fala . . . .24

CAPÍTULO 1

HISTÓRIA DA ARTE, EXPOSIÇÃO E MONTAGEM . . . .34

1.1 Algumas persistências ou por uma história descolonizada da arte brasileira . . . .56

1.2 Um tempo que nominamos como contemporâneo . . . .58

1.3 Sem neutralidade . . . .63

1.4 Entre a luta e a demanda: exposições, sistemas e visibilidades . . . .76

1.5 Objetos em estado de exposição e Autorias múltiplas e complexas . . . .83

CAPÍTULO 2

MATRIZES AFETUOSAS E BÉLICAS EM TERRITÓRIOS: Ato(s), Atalho(s) e Vento(s) de uma Exposição . . . .96

2.1 Territórios Negros na Pinacoteca de São Paulo: quando a exposição escreve o que os livros silenciam . . . 102

2.2 Autoria e Racialização em Territórios . . . 119

2.3 Modernidade, Modernismos e Exposições . . . 132

2.4 A Mão Afro-Brasileira . . . 141

2.5 Anotações sobre arte afro-brasileira . . . 143

2.6 Nina Rodrigues e as Belas Artes nos Colonos Pretos do Brasil . . . 147

2.7 Manuel Querino e a humanização do Negro no Brasil . . . 151

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CAPÍTULO 3

MONTAGENS AFRO-ATLÂNTICAS: UMA PERSPECTIVA DIASPÓRICA NAS HISTÓRIAS DA ARTE . . . .164

3.1 Portos de Partida: o MASP no caminho Afro-Atlântico . . . 165

3.2 Travessias: Tempos justapostos para histórias afro-diaspóricas . . . 177

3.3 Rotas no subsolo: Modernismos e Transes Afro-Atlânticos . . . 207

3.4 Uma seção para pensar curadorias de sujeitos negros e recorrências de discursos . . . 211

3.5 Instituto Tomie Ohtake: navios, liberdades e ativismos . . . 219

3.6 Zonas de Silêncios ou sobre a permanência das máscaras brancas sobre peles negras . . . 228

3.7 Os incômodos de Sidney Amaral: Territórios e Atlânticos . . . 237

3.8 Ativismos ou porque a vida é feita diariamente de resistências . . . 242

3.9 Incomodar a arte, a narrativa, a História da Arte . . . 260

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LISTA DE IMAGENS

Fig . 1

Giorgio Vasari. Le vite de’ più eccellenti pittori scultori e architettor (1550) James Philip. Descrição de um Tumbeiro . Planos e

seções de um navio negreiro (1745-1799)

44

Fig . 2 Aby Warburg. Atlas Mnemosyne, prancha 79 (1925) 65

Fig . 3

Antônio Caro. Colombia (1967-2010) Jasper Johns. Targets (1966)

(Vista da exposição A Tale of Two Worlds: Experimentelle Kunst Lateinamerikas der 1940er- bis 80er- Jahre im Dialog mit der Sammlung des MMK)

74

Fig . 4 Mestre Valentim. Caçador Narciso (1785) e Ninfa Eco (1785) (Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca) 103 Fig . 5 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Africanas. 104

Fig . 6 Edival Ramosa. Emblema (1974) 105

Fig . 7 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Africanas. 106

Fig . 8 Michelangelo Pistoletto. Vênus dos trapos (1967) 106

Fig . 9 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Africanas. 107 Fig . 10 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Africanas. 108 Fig . 11 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Africanas. 109 Fig . 12 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Europeias. 110

Número de página

(20)

Fig . 13 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Europeias. 110 Fig . 14 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Europeias. 111 Fig . 15 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Europeias. 111 Fig . 16 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Europeias (Detalhe Eco e Narciso) 112

Fig . 17 Flávio Cerqueira, Antes que eu me Esqueça (2013). 114

Fig . 18 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Contemporâneas (Detalhe das

proposições de Rommulo Conceição, Paulo Nazareth e Jaime Lauriano) 115 Fig . 19 Vista da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca (2015). Seção Matrizes Contemporâneas. 116 Fig . 20 e 21 Registros do seminário Pina-Encontros: olhares sobre a arte afro-brasileira (2016) 131

Fig . 22 Arthur Timóteo da Costa. A Dama de Branco (1906) 139

Fig . 23 e 24 Rosana Paulino. ¿História Natural? (2016) 140

Fig . 25 Reprodução da edição da Revista Kosmos (1904) 148

Fig . 26

Hank Willis Tomas. Um lugar para chamar de lar (2009) Emanuel Araújo. Navio (2007)

(Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas. Seção Mapas e Margens)

165

Fig . 27 Vista geral da exposição A Mâo do Povo Brasileiro (2016) 170

Fig . 28 e 29 Vista da exposição A Mão do Povo Brasileiro (2016) (Sobreposição de imagens do imaginário católico em relação aos orixás de matriz afro brasileira) 171

Fig . 30 Pedro Peres. Fascinação (1909) 173

Fig . 31 Vista da exposição Histórias da Infância (2016) (Detalhe de display) 173

(21)

Fig . 33 Jaime Lauriano. Pedras Portuguesas #1 (2017) 180

Fig . 34 Jaime Lauriano. Pedras Portuguesas #2 (2017) 181

Fig . 35 Jaime Lauriano. Pedras Portuguesas #3 (2017) (Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas. Seção Mapas e Margens) 182

Fig . 36

Ibraim Mahama Ghana. Hamida (2017)

Autor desconhecido. Os dois touros (1723-1730)

(Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas. Seção Mapas e Margens)

182

Fig . 37 Maxwell Alexandre. Éramos cinza e agora somos fogo (2018) (Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas. Seção Mapas e Margens) 183

Fig . 38

Hank Willis Thomas. Um lugar para chamar de lar (2009) Emanuel Araújo. Navio (2007)

Radcliffe Bailey. Ocidental (2015)

(Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas. Seção Mapas e Margens)

184

Fig . 39 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Mapas e Margens. 185

Fig . 40 Faith Ringgold. Subway Graffiti nº 2 (1987) 188

Fig . 41 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Cotidianos. 188

Fig . 42 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Cotidianos. 190

Fig . 43 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Cotidianos. 191

Fig . 44 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Detalhe de display) 193 Fig . 45 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Detalhe de display) 193 Fig . 46 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos. 194 Fig . 47 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Detalhe de display) 195 Fig . 48 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Detalhe de display) 195

(22)

Fig . 49 Carybé. Alexandrina e sua cidade (1944) 196 Fig . 50 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Detalhe do display com longo intervalo

entre o trabalho de Carybé e os demais trabalhos) 197 Fig . 51 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ritos e Ritmos (Visão completa do display principal da seção) 198

Fig . 52 Flávio Cerqueira. Amnésia (2015) 199

Fig . 53 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Retratos. 200

Fig . 54 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Retratos. (Detalhe do display com trabalhos de Dalton Paula) 201 Fig . 55 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Retratos. (Detalhe de display) 202 Fig . 56 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Retratos. (Detalhe do display com trabalhos de Theodore Gericault) 203

Fig . 57 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Retratos. 205

Fig . 58 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Modernismos Afro-Atlânticos. 210 Fig . 59 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Modernismos Afro-Atlânticos. 210 Fig . 60 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 211 Fig . 61 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 213 Fig . 62 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 215 Fig . 63 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 216 Fig . 64 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 217 Fig . 65 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. 218

(23)

Fig . 66 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 221

Fig . 67 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 223

Fig . 68 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 223

Fig . 69 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 225

Fig . 70 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 226

Fig . 71 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 227

Fig . 72 Jacques Arago. Castigo de Escravos (1839) 229

Fig . 73 Rosana Paulino. Sem título, da série Bastidores (1997) 229

Fig . 74 Jean Baptiste Debret. Máscara que se usa nos negros que tem o hábito de comer terra (1820-1830) 230

Fig . 75 Paulo Nazareth. Sem título, da série Para Venda (2011) 230

Fig . 76 Kara Walker. Restraint (Contenção) (2009) 231

Fig . 77 Sidney Amaral. Gargalheira [quem falará por nós] (2014) 231

Fig . 78 Jaime Lauriano. Liberdade, Liberdade (2018) 232

Fig . 79 Richard Bridgens. West Indian Scenery with illustrations of negro character, the process of making sugar (1836) 232

Fig . 80 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 235

Fig . 81 Sidney Amaral. Incômodo (2014) 239

Fig . 82 Pedro Américo. Libertação dos Escravos (1889) 239

Fig . 83 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Emancipações. 240

Fig . 84 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências (Detalhe da entrada da Seção, com painel reunindo reproduções

do símbolo do movimento Black Panters, feito por Sidney do Amaral) 242 Fig . 85 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências (Detalhe da entrada da Seção, com televisor

(24)

Fig . 86 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 245

Fig . 87 Jaime Lauriano. Queime depois de Ler (2012) 246

Fig . 88 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 247 Fig . 89 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 248 Fig . 90 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 249 Fig . 91 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 250

Fig . 92 Sidney Amaral. Mãe Preta ou A Fúria de Iansã (2018) 250

Fig . 93 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 252 Fig . 94 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 253 Fig . 95 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 255 Fig . 96 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 255 Fig . 97 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 256 Fig . 98 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 257 Fig . 99 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências. 257

Fig . 100 Mídia Ninja. Outros Carnavais (na greve dos lixeiros cariocas) (2015) 258

Fig . 101 Vista da exposição Histórias Afro-Atlânticas (2018). Seção Ativismos e Resistências (Detalhe da saída da Seção) 259

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Qual o lugar de fala? As histórias da arte como lugar de onde se fala .

Nesse sentido, surge a tese de doutorado que aqui se encontra. Ela é resultado de um contínuo acordo entre a História da Arte, que acessei ao longo de minha vida acadêmica como estudante, docente e pesquisador, e a contumaz operação de negociar com os textos da disciplina. Negociar para incluir o que não estava nos livros ou para tensionar aquilo que lá estava. Foi nesse modo de trabalho que me vi constantemente recortando e remontando palavras e imagens da História da Arte para construir narrativas que incluíssem questões que sempre me pareceram pertinentes. Esse foi o nascedouro da dúvida que mobilizou a primeira etapa do projeto de tese. A ela se justapôs, se sobrepôs, a leitura de autores que desde a década de 80 vêm problematizando os estatutos da disciplina. Primeiramente, Hans Belting e, tempos depois, Georges Didi-Huberman.

Esse olhar sobre o que se apresentava como História da Arte e sobre suas reapresentações me fez compreender melhor as operações que eu realizava como agente dessa disciplina: as histórias pareciam continuamente necessitar de montagens. Naquele momento, o segundo passo para esse projeto começava a se esboçar. Pensar que, assim como percebia em relação ao campo fílmico, a História da Arte como disciplina podia ser compreendida pela operação de montagem: a reorganização de elementos previamente produzidos para constituir narrativas válidas. Foi desse lugar que

passei a pensar o projeto que agora se ergue como tese: a História da Arte pode ser pensada como a recorrente operação de selecionar, escolher e montar a partir de discursos que são sempre demarcados por aqueles que operam a disciplina. Assim, desde a escolha específica de seu surgimento como disciplina, com florentinos renascidos, até as narrativas de vanguarda como protagonistas de um modernismo baseado em discursos de rompimento com o passado e movimentos artísticos, até a pretensa onipresença dos elementos multiformes que constituem aquilo que ainda nomeamos como arte contemporânea, o que se apresenta de maneira subjacente são escolhas complexas feitas por agentes em posições específicas a determinar o que seria elevado à categoria de arte, arte válida e História da Arte. Cabe aqui uma colocação: a pesquisa acadêmica

constitui-se como uma das mais fascinantes

empreitadas para quem a isso se propõe. Muito antes de chegar a esses termos, o projeto de qualificação de minha tese de doutorado abria-se com o título: “A história da arte como lugar de onde se fala”. Naquele momento, um pesquisador, em meio ao processo de tentar encontrar os seus objetos, queria demarcar que seu território era a História da Arte. Hoje, ao olhar para aquele conjunto de escritos, percebo espantado que o título anunciava o caminho desde sempre sabido: meu interesse é e sempre foi a história da arte. Mas hoje soma-se a esse interesse, compreender que a história contemporânea da arte é lugar de fala. Ou seja, lugar de onde se pode fazer

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emergir falas que a própria noção unidimensional de história subsumiu em laborioso trabalho de silenciamento. Se o lugar de onde falo é a história da arte, é desde esse lugar que posso fazer minhas alterações possíveis no sensível, como diz Jacques Rancière. Alterar aquilo que aí está e contribuir com investigações como essa, que possam em seu conjunto produzir narrativas diversas para a arte produzida no Brasil e, em especial, a partir de seus cidadãos negros e suas cidadãs negras. Tal compreensão só chegou quando as ideias soltas encontraram as páginas de uma escrita que, sei, não estará jamais concluída. No princípio dessa pesquisa, a História da Arte pensada em analogia com a montagem fílmica era um procedimento para escritas da história da arte desde as exposições. Essa continua a ser a tese. O que mudou? Esse procedimento agora encontrou ancoragem, sentido e motivação na vontade de ensejar pensamentos possíveis para outras presenças de negros na arte brasileira. Não à toa devo citar aqui a experiência na Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos primeiros meses de 2018. Poder, pela primeira vez, discutir as constituições da História da Arte junto a um grupo de alunos formados em imensa maioria por meninas e meninos negras e negros; estar com aqueles estudantes e se ver diante da tarefa de discutir ausências e presenças na história da arte, desde a sua existência como disciplina até a representatividade de mulheres e homens negras e negros como pesquisadores e docentes; perceber, junto a eles, o que alguns dos textos que trago aqui entregam de informação sobre a relação entre racialização e artes visuais. Esses foram alguns dos principais motores para empreender uma tese que andasse junto com as minhas crenças e com a minha necessidade particular de me pensar como homem negro em uma

disciplina que se apresenta com faces tão diferentes

das minhas e das daquelas meninas e meninos. A História da Arte como disciplina é uma invenção europeia. Seu surgimento como conjunto de discursos sobre a arte e os artistas coincide com o projeto de países que passaram a dominar progressivamente a cena ocidental e a produção sistematizada de conhecimento. Ainda antes, essa área de saber se delineava como narrativa que dava a ver a vida de artistas circunscritos a uma cidade – Florença – e a um pequeno grupo – o círculo de Cosimo de Medici. Logo, essa disciplina tem sua fundação associada a um marco caro ao século XVI, mais especificamente aos anos de 1550, tempos do inventário de Vasari. No entanto, como bem afirma Georges Didi-Huberman (2013), a História da Arte está sempre a renascer e como tal, pode, ainda no continente europeu, referir-se a outros momentos basilares: a filologia alemã e a produção de Winckelman; a ascensão da disciplina à categoria de cátedra na Viena do fin-de-siècle; o círculo que tem origem em Aby Warburg mas se projeta pela teoria de Erwin Panofsky. A consolidação da História da Arte como campo de conhecimento coincide, assim, com situações que nos interessam particularmente: o progressivo avanço dos países do norte europeu sobre aquilo que foi cunhado como Novo Mundo; o acelerado processo de colonização e a ascensão do capitalismo. Dessa forma, a disciplina não surge fora do contexto que constituiu também o advento e a implantação do projeto que se pensou redimensionando o globo: a modernidade. Tal redimensionamento se dá tomando como base a invenção de um modelo de sujeito e civilização, de objetos e narrativas produzidos

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por esses sujeitos. Baseado no primado da razão e do conhecimento, esse projeto encontrará em Kant – com suas formulações filosóficas a partir do século XVIII – e ainda em Hegel – que tem particular interesse para a noção de arte e História da Arte – um acento que se projetará como base universal e essencial para olhar tudo o que passa a ser o outro. Conhecimento, História e Arte serão, a partir daí, avaliados com categorias muito específicas, com réguas que parecem deixar escapar uma infinidade de existências e epistemes, produzindo o duplo movimento de excluí-las daquilo que é legítimo e, ao mesmo tempo, incluí-las a partir da sua subjugação. Nesse sentido, homens e mulheres, territórios, experiências culturais, formas de narração e de pensamento atravessam os séculos sendo dobrados continuamente a um modelo que mais confirma aquele que lhe inventou do que compreende aquele que é analisado. O mesmo movimento acontecerá por dentro da disciplina que vem sendo forjada nesse tempo. A História da Arte, nessa aparição europeia é, assim, também uma invenção moderna com projeção universal. Como as disciplinas e noções de conhecimento

produzidos entre os séculos XVIII e XIX, ela inventa simultaneamente uma noção de arte universal e a multidão de narrações que exclui: “Em sua ávida necessidade de mitos destinados a fundamentar seu poder, o hemisfério ocidental considera-se o centro do globo, a terra natal da razão, da vida universal e da verdade da humanidade” (MBEMBE, 2018, p.29). Em territórios colonizados pelo continente europeu, num longo e contínuo processo de trânsito de indivíduos coisificados, efetivam-se formas de ver, interrogar

e classificar a arte, seus produtores, seus objetos e seus indivíduos a partir de marcas específicas que inventam o Novo Mundo e, mais tarde, o mundo subdesenvolvido, indexando seus pensamentos como experiências “etnográficas”, e não como conhecimentos legítimos. Essa epistemologia forja também, nesses territórios, formas de ver e de produzir conhecimentos. Por um lado, podemos pensar que essa é apenas uma das dimensões da História da Arte como disciplina, porém temos de entender suas escritas como produções que partem de contextos específicos, com marcas específicas, até os dias que nos chegam. Em nosso caso, falamos e escrevemos desde uma das periferias do conhecimento lançando mão, continuamente, dessa forma metropolitana de escrever e pensar nossas histórias, nossas artes, nossas histórias da arte. Tal estado de coisas que sobrevive e renasce até os dias mais recentes, como afirmam inclusive autores europeus (Didi-Huberman; Hans Belting) e alguns outros que serão mencionados ao longo desta tese, forja nossas histórias da arte e suas formas de construção. Devedores de uma recente revisão pós-colonial (ou decolonial, segundo acepções mais recentes), conseguimos identificar que se nossos conteúdos e nossas produções poéticas ganham existências específicas, por outro lado, nossa historiografia muitas vezes trata da particularidade a partir de modelos epistemológicos gerais e, em grande parte das vezes, europeus. Quando digo isso, me refiro a escritas da história da arte que ainda têm como lacunares questões que não são estranhas aos diversos brasis. Assimetrias sociais, herança colonial, hierarquização de gêneros entrecortadas por raça e classe são, muitas

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vezes, vistas a partir de óticas que se não lhes fazem desaparecer, diminuem a gradação da sua urgência. A partir dessa perspectiva, as proposições artísticas em estado de exposição passaram a soar como um chamado para pensá-las em analogia com os fragmentos fílmicos e suas montagens, podendo ser reorganizadas de diferentes formas, de maneira a produzir visibilidade e legibilidades para histórias da arte. Aprofundando essa compreensão, a exposição aparece no contexto contemporâneo como o lugar de maior incidência dessa operação. Nela, podem entrar em negociação noções recorrentes da disciplina como autoria, cronologia, agrupamentos estilísticos, mas também formas outras de montagem baseadas em discursos dissonantes daqueles mais recorrentes. Ali, na sala de exposição, cada obra pode ser pensada como fragmento articulado a outros, produzindo histórias. Desde aí, comecei a tentar compreender essas histórias como histórias não só das exposições, especificamente, mas como um lugar de constituição de escritas possíveis para histórias da arte. As exposições, ao mesmo tempo que trazem consigo compreensões historiográficas da arte, também podem erguer histórias outras. As montagens que se dão nas mostras com os objetos selecionados podem ser pensadas como uma ilha de edição. Um lugar de narrar, a partir das escolhas, seleções e de outros recortes, histórias possíveis da arte. Desde a invenção do museu, da escola de Viena,

até a arte conceitual e aquilo que nomeamos como arte contemporânea, História da Arte e exposição sempre estiveram próximas. Assim como Alois Riegl têm nas exposições e no museu parte

indissociável da sua atuação na cátedra que funda a História da Arte como disciplina, também, no Brasil, Walter Zanini e sua atuação frente a museus e mostras, constitui um exemplo de como a escrita da exposição reúne crítica, historiografia, história e, além disso, relações sistêmicas da arte.

A partir desses pressupostos, era necessário fazer escolhas de pesquisa e, assim, mesmo lançando mão de exemplos europeus e norte-americanos, fui empreendendo um trabalho de investigação que teve como base a arte brasileira. Essa investigação passou primeiramente por um olhar sobre instituições e acervos, para voltar, mais uma vez, às exposições. Ainda na empreitada de compreender como questões que não são recorrentes na historiografia da arte surgem nas exposições, escolhi tratar de mostras coletivas que valorizam as questões do negro e sua presença visível ou invisível na arte brasileira. Essa opção reúne a urgência de debates sobre o tema com a dimensão política que pode ser pensada a partir das exposições e, antes de tudo, um processo de compreender-me como um agente marcado pela cor da pele em espaços majoritariamente tomados por indivíduos também marcados como não-negros. Se esse impulso se tornou cada vez mais pungente em minha escrita e na seleção de objetos, isso também acontece por perceber que algumas exposições vêm tomando como protagonistas sujeitos que não estiveram inscritos na História da Arte local ou global, ou então que foram fabulados por ela como força primitiva e mágica, assim como os minérios que eram extraídos da terra para fazer prosperar a metrópole.

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Mostras como as que procurei analisar nesses escritos vêm forjando nas últimas décadas, com forte presença no Brasil, um conjunto de novas epistemes. Epistemologias que alargam nossas noções sobre a história e que remontam o passado e o presente lançando base para escritas futuras. O texto que se segue nessa tese dará a ver em muitos momentos essas proposições. As exposições que aqui apresento têm, com suas particularidades, empreendido o mesmo trabalho. Através delas, acervos tradicionais

de instituições canônicas são montados partindo de argumentos outros, de modo a entrever novas histórias, agora possíveis. Com essas exposições que consideram sujeitos, territórios e fazeres em suas particularidades e assimetrias, proponho a montagem de uma história da arte que, como em um filme, lança mão de fragmentos já existentes para contar de outra forma aquilo que já acreditávamos saber. Um breve olhar (breve também pelo seu alcance) sobre a historiografia da arte afro-brasileira nos mostra que aquilo que geralmente se perdeu nas páginas da história foi possível em displays de exposições recentes. Nessas exposições, há como perceber o que o trabalho do tempo e da história muitas vezes silenciou.

Nas páginas de minha escrita, o texto está estruturado em capítulos que, através de forma e conteúdo, dão a ver a tese aqui proposta. Para tanto, no primeiro capítulo, abordam-se algumas das recorrências daquilo que propositalmente grafamos ao longo do texto como História da Arte, entendida como a disciplina de matriz europeia. Apresentam-se recorrências da História da Arte tomando alguns dos seus marcos clássicos, em nosso julgamento ainda presentes na disciplina. A partir de então, empreende-se uma leitura paralela desses

marcos em relação às particularidades da escrita da história da arte quando pensada a partir de regiões tidas como periféricas, não-hegemônicas. Essas são apresentadas a partir de leituras contemporâneas da história, da arte e da história da arte como disciplina, considerando as visibilidades e invisibilidades da produção que escapa à centralidade geopolítica. Lançam-se, ainda, as bases para uma discussão sobre a disciplina em contextos pós-coloniais, afirmando a montagem como uma entre várias saídas possíveis para articular outras escritas desde o lado sul do mundo, articuladas a sujeitos racializados como negros. Nesse capítulo também se esboçam chaves para pensar a necessidade de produção de novas epistemes para a escrita de outras histórias da arte. A noção de montagem atravessa o capítulo e se aprofunda na segunda seção, em que são trabalhadas suas principais referências justapostas à centralidade da exposição como lugar de montagens e de escritas possíveis para a arte em um tempo que nomeamos como contemporâneo – definido como a contínua disputa entre narrativas. O capítulo examina, por fim, as relações entre exposição e escrita da história da arte em suas articulações com noções sistêmicas. São apresentados os conceitos de objetos em estado de exposição e de autorias múltiplas e complexas na escrita da história da arte como montagem fílmica. O segundo capítulo toma como eixo principal a mostra Territórios: artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca. Ocorrida entre 2015 e 2016 na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a mostra foi um espaço privilegiado para aprofundar os conceitos em jogo na pesquisa e, ainda, expor e aprofundar noções que tomam a exposição como disparadora para escritas de histórias da arte. A partir de materiais coletados ao longo da

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pesquisa como catálogos, entrevistas e publicações que situam a mostra criticamente, quer se demonstrar como uma instituição central no circuito brasileiro opera com peças do seu acervo e se propõe a pensar sua coleção a partir de uma marca específica: a presença de artistas negros na arte brasileira. Embora seja construída a partir de uma linha cronológica e, pode-se dizer, tradicional da História da Arte, a mostra apresenta, em sua

construção espacial e simbólica, elementos que ensejam escritas de histórias ausentes ou problemáticas na arte brasileira. Nela, objetos já pertencentes ao acervo são reorganizados, justapostos, selecionados e montados para dar a ver uma narrativa baseada em um tipo específico de montagem que ganha lugar na exposição. Também nessa seção são apresentados alguns elementos que permitem uma visada sobre a História da Arte brasileira, sua relação com o cânone europeu e a dimensão de sujeitos racializados como negras e negros em seus atravessamentos com as artes visuais. Uma abordagem sobre as figuras de Augusto Nina Rodrigues e Manoel Querino, a constituição de discursos sobre a presença do sujeito negro nas artes visuais, bem como a sua indissociabilidade do lugar desses mesmos sujeitos na sociedade brasileira, com ênfase na modernidade e no modernismo, são partes constitutivas das reflexões apresentadas. Em termos metodológicos, o capítulo apresenta a reconstrução da exposição e suas narrativas a partir dos materiais direta ou indiretamente produzidos pela mostra. A experiência de reconstruir elementos e discursos de uma mostra sem tê-la frequentado, traz para o texto questões como a acessibilidade aos documentos, a apresentação do catálogo e o uso de arquivos disponibilizados virtualmente.

No terceiro capítulo chegamos às águas da recente mostra Histórias Afro-Atlânticas, ocorrida entre os meses de junho e outubro de 2018, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e no Instituto Tomie Ohtake (ITO), também sediado na cidade de São Paulo. Essa escolha foi talvez um dos maiores riscos e um dos principais motores do texto da tese que por ora apresento. Foi com essa exposição que a pesquisa pôde se dar, no embate direto entre os espaços, os fragmentos e suas montagens. A mostra que no final de 2018 foi escolhida por vários especialistas, incluindo o jornal estadunidense New York Times, como a exposição do ano, não parte do caráter de autoria de sujeitos racializados como critério exclusivo, mas lança mãos de diferentes acervos e coleções para, na perspectiva que trago, através da montagem, articular coisas de procedências várias e fazer surgir compreensões sobre a dimensão Afro-Atlântica desde o período da colonização até os dias atuais. A partir da articulação entre diferentes fragmentos, seus tempos e contextos, a exposição traz noções pungentes acerca dos artifícios de silenciamento e resistência que constituem as relações entre as Europas, os Brasis, as Américas e a experiência afro-diaspórica. Dadas as dimensões da mostra foram selecionadas por mim, em cada um dos oito espaços expositivos, sequências que permitem explorar a noção de montagem fílmica da tese, ao mesmo tempo que estabelecem conexões com temas que são caros a um historiador negro, brasileiro, atuando no Sul do mundo. Um historiador com enorme vontade de tratar das histórias da arte, das exposições, mas especialmente dos lugares e não lugares dos sujeitos negros, como eu, nas artes visuais do país.

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Essa urgência constante me fez escolher mostras do sudeste sem considerar essa como a única geografia das artes visuais no Brasil, mas primeiramente por constatar a sua centralidade nas discussões sobre o tema e tristemente perceber a quase ausência de vozes negras no cubo branco da arte local. O título Vozes negras do Cubo Branco da Arte Brasileira também é resultado de uma das ações realizadas durante a pesquisa que agora se apresenta como tese, em que foi possível reunir no espaço do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, três importantes falas que me acompanham: da artista Rosana Paulino, da historiadora da arte Renata Bittencourt e do historiador José Rivair Macedo. Duas mulheres negras e um homem negro que, no centro de uma sala expositiva, foram vozes a chamar a comunidade de pesquisadores, artistas e público local para a premência dessas vozes no pensamento sobre artes visuais que engendramos neste Brasil ao Sul. Ainda sobre o Vozes Negras, há nessa tese cortes, montagens e sentidos que nascem da justaposição de falas de artistas, historiadores, críticos, professores e curadores negras e negros de diferentes partes do Brasil. Elas foram os sons que me levaram a compreender a necessidade de minha pesquisa e, acima de tudo, meu lugar político em um debate que ainda não demonstra possibilidades de solução. Para finalizar: penso que a exposição é uma ilha de montagem, e que a História da Arte pode ser pensada em analogia com a montagem fílmica, por crer que, antes de tudo, a disputa dessas narrativas silenciadas, porém insubmissas, são a marca do tempo em que coexistimos. Assim como a arte que hoje, não sem dificuldades, tentamos abarcar como contemporânea,

a história contemporânea da arte exige, acima de tudo, um posicionamento político que escape à neutralidade. Histórias da arte são, então, montagens para reescrever o passado, olhar para o presente e constituir horizontes mais equânimes para o futuro.

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Imagina que nas duas últimas décadas, nos anos 2000, a gente tem uma mudança de como o Brasil se autorreconhece. Pela primeira vez o senso tem a maioria de pardos e negros como população, ou seja, a maior parte do Brasil reconhece o passado ligado à escravidão, essa diáspora forçada negra africana. Isso traz pra gente, pra sociedade e pras instituições, o desafio de rever essas narrativas. As narrativas simbólicas, as narrativas que são construídas culturalmente sobre o que é o Brasil, o que é essa representação do Brasil. As instituições culturais têm uma dívida muito grande nessa representação em relação a todos os povos minorizados - negros, mulheres, indígenas, trans, transgênero, todos esses grupos.

[As exposições] desenvolvem papel importantíssimo: o da inscrição dos artistas afro-brasileiros na história da arte (canônica, machista, elitista, branca, arrogante...), ao mesmo tempo em que fundam a concepção de quão igualmente capazes de pensar, de fabular, de confabular são os negros. Até pouco tempo atrás, no campo da história da arte, dificilmente o olhar alcançava as reflexões feitas por artistas negros, mulheres e homens e isso por falta de desejo, por desprezo, por incompetência estratégica. Portanto, há uma história não contada, uma história mal contada, sem a presença necessária, sem a prática de uma imagem e de uma fala sempre desvirtuada, menor, torta, relegada a não lugares. Encoberta. Essa história precisa ser escrita, há muito ainda por ser narrado, sobretudo por seus protagonistas.

Curador, artista visual e membro do Coletivo Frente 3 de Fevereiro

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Artista visual

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Daniel Lima

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Classificar é saber? Não, classificar não é saber. Por isso eu boto no livro [¿História Natural?] essa provocação. Classificar é classificar, saber é outra construção. Classificar eu classifico uma colher, um garfo, um ser e isso não quer dizer que eu saiba o que é aquilo. Mas durante muito tempo essa classificação, inclusive de hierarquização dos indivíduos, se coloca como se fosse um saber. Eu classifico o outro sem saber quem ele é. Classifico a partir de noções externas, classifico através do tamanho do crânio, da cor da pele. Mas eu não conheço esse outro, não estou aberto ou aberta a entender o que é esse outro, ou seja, eu não sei nada sobre ele. Classificar nunca foi saber! Classificar é classificar e eu parto sempre do meu ponto – só posso falar a partir do meu ponto de vista pessoal, não me agrada falar de outros pontos de vista. Do meu ponto de vista particular, eu acho que a noção do que é Arte Afro-brasileira passa por uma postura política do sujeito. Não é um conteúdo que pode ser acessado com definições do tipo: “Então isso aqui é uma linguagem que vai tratar dos orixás”. Se for assim, qualquer um que faz um trabalho com menção aos orixás, está fazendo Arte Afro-brasileira. E aí só há um trabalho, não há um artista Afro-brasileiro. Por outro lado, acho que é uma armadilha a racialização, a gente colocar a pessoa dentro de uma caixinha, de um compartimento. Aí entramos no “então você é negro e só pode fazer isso”, não. Não é assim.

Artista visual, professora

Conheça mais: http://www.rosanapaulino.com.br/

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1.1 Algumas persistências ou por uma história descolonizada da arte brasileira

Ao começar uma escrita com a função de ser o ponto primeiro de discussão da tese, além de apontar algumas recorrências e formular uma proposição, entre tantas possíveis para pensar sobre a história da arte, é como se nos deparássemos com um amontoado de imagens, palavras e textos. De fato, ao longo desse trabalho, tenho me aproximado não do grande, do enorme, daquilo que se apresenta como monumental na História da Arte. Flerto, mas não exijo a grande narrativa. Escolho partir do pedaço, do fragmento, do indício. Ao invés da OBRA, quero a coisa e seus estados possíveis e inumeráveis. O objeto quando adentra o estado de exposição. Portanto, ao invés da História, escolho falar das histórias. Me coloco, antes, no lugar de quem pensa pela montagem, pela junção de elementos aparentemente heterogêneos.

Esse empreendimento encontra no

cinema e na noção de montagem

fílmica o elemento que permite o

pensamento acontecer. Acontecer

diante do fragmento que se reúne com

outro, das disputas e das consonâncias

que surgem nesses encontros. Minha

tese é resultado da busca de desenhar

na exposição o projeto de uma ilha

de edição, um lugar onde novas

montagens possam ser operadas e,

a partir delas, escritas contínuas e

possíveis para a História da Arte de um

tempo que muda numa velocidade que

supera o pensamento. Não se trataria,

simplesmente, de abandonar a casa,

a História da Arte, essa velha senhora

que me acompanha há tantos anos e

de onde ergo espaço para pensar.

HISTÓRIA DA ARTE,

EXPOSIÇÃO E MONTAGEM

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Não. A velha senhora está aqui. Ela interessa e é com ela que a conversa se estabelece. Por vezes, entrego em suas mãos cenas de filmes, pedaços de texto. Em alguns momentos lhe reapresento coisas ditas por ela em tempos distantes, mas que ainda estão presentes na sua constituição, nos seus valores, na forma como hoje se apresenta. Jacques Rancière, em O destino das imagens (2013), ao tratar da montagem em Godard, nos fala de procedimentos adotados pelo diretor e nos lança na noção de história que se esgueira por entre as palavras do texto da tese. Diz Rancière (2013, p. 70) que Godard, conecta, sem fim: “[...] o plano de um filme com o título ou o diálogo de outro, uma frase de um romance, um detalhe de quadro, o refrão de uma música, uma fotografia jornalística ou uma mensagem publicitária”. O cineasta franco-suíço estaria fazendo duas coisas simultaneamente:

[...] organizar um choque e construir um contínuo. O espaço do choque e do contínuo podem ter o mesmo nome, História. De fato, a história pode ser duas coisas contraditórias: a linha descontínua dos choques reveladores ou o contínuo da copresença. A ligação de heterogêneos constrói e reflete ao mesmo tempo um sentido de história que se desloca entre dois polos. (RANCIÈRE, 2013, p.70)

A citação do autor é porta de entrada para o que apresento. Assim como no campo do cinema, penso que a história da arte pode ser construída a partir de noções que surgem na junção de fragmentos. Esses fragmentos são obras ou proposições artísticas que, reunidas no espaço expositivo, constituem histórias provisórias da arte. Esse caráter provisório abre brechas

para o contínuo estado de escrita da disciplina e, ainda, para o caráter de montagem que defendo aqui. Se escolho algo que pode ser montado, é por sua capacidade de ser reapresentado de diferentes formas. Por que me interessa o vão que se abre na breve seleção de novos fragmentos. Esse vão é, para além de operacional, algo da ordem do político. Político no sentido que Rancière (2012) define, político como aquilo que é capaz de alterar, rasgar e produzir novas esferas do sensível. Porque o que é político pode instaurar outros jeitos, que não necessariamente aqueles já visíveis e legíveis, e talvez esteja aí uma forma de chegar a outras histórias que não esqueçam a velha senhora, mas lhe apresentem outras maneiras de existir. Não quero alvejar a História da Arte, como um futurista italiano que queria ver o desaparecimento da Vitória de Samotrácia. Quero apenas colocar a Vitória de Samotrácia ao lado da máscara africana para que possam, a partir do que são e do que não são, apresentar sentidos diversos.

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Para começar a montar pensamentos

Método deste trabalho: montagem

literária. Não tenho nada a dizer.

Somente a mostrar. Não surrupiarei

coisas valiosas, nem me apropriarei

de formulações espirituosas. Porém,

os farrapos, os resíduos: não quero

inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça

da única maneira possível: utilizando-os.

Walter Benjamin

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Começo com literatura, começo com Walter Benjamin, e também com Clarice Lispector. Por que escrevo uma tese que tenta não separar as coisas, mas pensá-las a partir de sua reunião e da produção de sentidos que podem explodir daí. Antes de pensar em objetos, em seu estado de exposição e em sua montagem, penso com Clarice. Em 1962, um traficante e assassino carioca de alcunha Mineirinho, fugido de um manicômio, é executado por policiais com 13 tiros. Essa morte é ponto de partida para a escrita de Clarice Lispector, que publica uma crônica em sua coluna na revista Senhor (1962). Alguns fragmentos do texto falam de algo muito próximo das operações que são apresentadas aqui e de suas proposições:

Para que minha casa funcione, exijo de mim, como primeiro dever que eu seja sonsa, que não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. [...] E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. (LISPECTOR, 1962, s/ p.)¹

Talvez, ao leitor que começa comigo nesse trajeto, em que uma tese e seus desvãos se entregam, soe insólita a presença de um texto como o de Clarice. Mas, antes de mim, houve Walter Benjamin e lá, com suas Passagens (2006), a possibilidade de que a escrita se abra para além

dos limites entre a literatura e a história. Lá o fragmento também anima o pensamento. Assim, acompanhado por Clarice e amparado em Benjamin, digo de antemão, desde onde falo: a História da Arte, recorrentemente, parece ser a casa descrita por Clarice. A casa bem fechada e de porta trancada diante da tempestade. A casa que muitas vezes faz esquecer que sob ela há um terreno e, nesse terreno, a possibilidade de outras construções. O terreno pode nos ser comum. Talvez resida em tudo a vontade de pensar uma escrita da arte que seja capaz de nos reunir não na casa solidamente erguida, mas antes no chão do terreno. Penso que a exposição possa ser esse terreno. Espaço comum para construir pequenas e talvez efêmeras moradias, em uma arquitetura que preveja aqueles que não habitaram a História da Arte até então, ou onde habitantes se apresentam em cômodos pré-concebidos. Falo da casa de Clarice, falo do terreno, mas falo aqui também desde um tempo onde a tempestade já aconteceu. A casa e sua porta trancada estão em pleno estado de estremecimento. Seus agentes, seus nomes, suas funções, seus objetos, pretensamente ordenados até aqui como uma biblioteca bem catalogada, expostos de maneira quase fixa, foram alvo, pelo menos nos últimos 50 anos, de um enorme vento. Vento que fez com que as ordens se espalhassem, e os conceitos fossem remexidos. Na biblioteca imaginada ou na sala expositiva que se ergue imaginariamente diante de nós, nada desapareceu.

Nota de atenção: nada foi jogado fora .

¹ O conto, publicado em 1962, pode ser encontrado no reservatório do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo-USP. Disponível em: <http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&id=4396:conto-qmineirinhoq-clarice-lispector&Itemid=220&lang=pt> Acessado em maio de 2018.

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No entanto, cada vez que nos debruçamos sobre uma dessas folhas, palavras, imagens, reproduções, obras, proposições, olhamos mais atentamente. Olhamos para elas de novo e nosso olhar as encharca do tempo em que vivemos. Nosso olhar e nossos corpos as reorganizam como se já não soubéssemos o lugar exato de onde elas saíram ou, caso soubéssemos, como se esses lugares já não importassem como premissa primeira. O importante é olhar para elas, as coisas. Ver e ser visto por elas. Banhá-las do tempo em que respiramos e de todos os tempos que se sobrepõem em cada coisa. Essa imagem é constantemente presente quando penso que história da arte é essa a que me refiro quando resolvo falar, escrever, pensar, compartilhar indagações. Sou eu e outras e outros que, como eu, na condição de pesquisadores e pesquisadoras jamais recolhem, por total impossibilidade, todas as folhas ou todas as imagens ou todas as palavras reorganizando-as. A história da arte de que trato aqui traz consigo o que foi lido por mim, aquilo que conheci até aqui, como aluno, professor, pesquisador. Desde então, parto da premissa de que essa história da arte não é única, embora perceba nela algumas recorrências. Essas recorrências são os lugares antes do vento. Essas recorrências são hoje ainda. Elas não são um passado abandonado com formas modernistas de abandono. Não! Essas recorrências são, ainda, muito do que chega a mim, a outros alunos, a outros professores e aos diversos públicos sobre o que é a História da Arte. Desde então, quero estabelecer um ponto: não me interessa, ao longo desse texto, esse é enorme e ontológico que paira sobre tudo. Me interessa muito mais aquilo que se dá no quando. Quando uma peça encontra outra, quando se distanciam e se aproximam no espaço expositivo.

Esse assunto, no entanto, será desenvolvido mais tarde. Por ora, cabe pensar que História da Arte é essa que, de tão presente, me faz buscar suas fissuras, olhar de novo para encontrar formas de ver que fujam aos seus enquadramentos mais frequentes, mesmo que seja para voltar a eles com olhos novos. Essa História que um dia foi contada por italianos, que virou disciplina pela vontade de indexação alemã, tem recorrências que ainda me cabem. Me parece, por vezes, que a História da Arte como disciplina sempre fez um enorme esforço para parecer oficial, fechada, sisuda, única. Mas não é mais possível tanto, após o vento que correu por ela. Um vento que trouxe vozes não previstas, procedimentos não programados, obras materialmente não realizadas. A partir do vento, talvez seja preciso “deixar, por um momento tudo que acreditávamos ver por que sabíamos nomeá-lo e voltar a partir daí ao que nosso saber não havia podido classificar”. Essa frase, trazida da voz do historiador francês Georges Didi-Huberman (2013, p. 115) ressoa como um eco após a ventania. Onde colocaremos todas as coisas que não sabíamos existir? Onde organizaremos tudo aquilo que não podíamos classificar. Cabe um aviso: durante a ventania, outras peças entraram naquilo que nomeamos história da arte. Imagens de outros registros, produções dos sujeitos, cujas vozes ouvíamos enquanto recolhíamos os destroços. Será que nos cabe aqui, no tempo em que estamos, incluir todas as coisas nas prateleiras já existentes? Será que não nos seria mais produtivo construir novas formas de organizar ou de melhor olhar o que antes não nos era conhecido, posto que não estava em lugar nenhum? Ainda, ao invés de arrumar

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o que já estava nos antigos lugares, não nos seria possível pensar que todas as coisas podem ir para todos os lugares, desde que saibamos os motivos que nos levam a essa nova organização? Prevendo tempestades subsequentes, não seria o caso de entendermos que esses lugares não são fixos e que esse lugar que nomeamos como história da arte é feito daquilo que não se assenta? Histórias da arte produzidas mais naquilo que passa do que naquilo que fica, e que fixa. De onde vejo a história da arte, no tempo que denominamos como contemporâneo, se propõe instável, fugaz, fluido. Feito de instantes e passagens.

A História da Arte como disciplina pode

se afrouxar para deixar aberto o veio

por onde circulam todos aqueles e todas

aquelas que não se inscreviam como

possibilidade, os quais nem política

nem esteticamente se apresentavam

no horizonte. Afirmar de onde vejo é

demarcar um lugar específico de fala.

Por que toda a fala, todo o conhecimento,

nasce de lugares marcados. Não é

diferente com a história da arte.

Assinalar os lugares de onde viemos é também uma atitude política em relação ao conhecimento que construímos. Afinal, como diria a mulher, negra, artista, performer e teórica Grada Kilomba (2016, s/ p.):

Descolonizar o conhecimento significa criar novas configurações de conhecimento e de poder. Então, se minhas palavras parecem preocupadas demais em narrar posições e subjetividade como parte do discurso, vale a pena relembrar que a teoria não é universal nem neutra, mas sempre localizada em algum lugar e sempre escrita por alguém, e que este alguém tem uma história.

Essa História, essa que tomamos como sendo da Arte, pelo menos de alguma Arte, quando vista em conjunto, a partir da voz de seus mais frequentes narradores, tem algo que se apresenta como um enorme romance. Um romance com heróis, grandes feitos, palácios, templos, salas onde a luz do sol não entra. Mas sabe-se que esse é só um dos vários recortes possíveis.

Ao longo do texto que agora está em suas mãos e olhos, a palavra montagem aparecerá continuamente. A montagem é a possibilidade do movimento. Tal qual a imagem fixa que produz a vertigem do cinema. Antes, nessa parada breve que fazemos no tempo dos ventos, abro, para dividir com quem me lê, a primeira página de um já surrado livro do francês Germain Bazin (1989). Em tempo: essa é uma das muitas primeiras páginas de livros de Histórias da História da Arte que poderíamos adotar. Temos aqui uma conversa com outro fragmento. Diz ele:

A história da arte nasceu do orgulho dos florentinos, da consciência que desde muito cedo teve a cidade de Arno a ser a cidade-piloto de um mundo novo, desse mundo do progresso que um dia haveria de chamar-se Renascimento. Os primeiros florentinos a mencionar os artistas entre homens ilustres tiveram que vencer dois entraves: primeiro o do cristianismo, que do indivíduo

Referências

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