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CONSERVADORISMO CONTÁBIL NA LEGITIMAÇÃO DAS EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO DO SETOR DE MINÉRIO NO BRASIL

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Academic year: 2021

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Viviane da Silva Lemos 1

Yuri Schleich Klug 2

Ana Paula Capuano da Cruz 3

Marco Aurélio Gomes Barbosa 4 ▪ Artigo recebido em: 28/05/2018 ▪▪ Artigo aceito em: 22/11/2019 ▪▪▪ Segunda versão aceita em: 25/11/2019

RESUMO

O rompimento da Barragem da Samarco, em 2015 na cidade de Mariana (MG) ocasionou danos materiais, sociais e ambientais incomensuráveis. Este estudo buscou analisar como a tragédia influenciou as demonstrações contábeis e socioambientais das empresas do setor de minério de capital aberto do Brasil, tendo o conservadorismo como pressuposto presente nas publicações e como instrumento de manutenção da legitimidade destas companhias. Através da técnica de análise de conteúdo, por meio de leitura direta, categorizaram-se termos vinculados ao desastre, nas quatro empresas listadas na B3, nos anos de 2014, 2015 e 2016. Achados indicam, a partir do rompimento da barragem, a presença do conservadorismo contábil nos relatórios da Bradespar e, especialmente da Vale. Nos documentos da MMX e Litel não há um comportamento compatível com manutenção de legitimidade. Percebe-se preocupação com as provisões com ênfase nos riscos do negócio, ambientais e de mercado, processos judiciais relacionados ao rompimento, bem como testes de impairment e alterações nos passivos contingenciais, confirmando a celeridade da divulgação das más notícias e um esforço para manter a legitimidade, mas não demonstram o efetivo cumprimento de obrigações perante a sociedade. Ainda assim, no ano de 2019 as famílias das vítimas não tiveram as indenizações completamente quitadas, fato que confirma que apesar das provisões e da organização que as empresas começaram a ter a partir do desastre, ainda é necessário que outras práticas sejam adotadas para que, caso ocorram outros rompimentos de barragem, o auxílio às vítimas e aos demais envolvidos no fato ocorram de maneira mais eficiente.

1 Mestre em Contabilidade pela FURG, Discente do PPGCont/FURG, Rua Dois Lot. Residencial Amarilis nº 738 - Laranjal, Pelotas/RS, (53) 991214389, viviane.slemos@gmail.com.

2Mestre em Contabilidade pela FURG, Discente do PPGCont/FURG, Rua Gonçalves Chaves 659 sala 212 - Centro, Pelotas/RS, (53) 991212541, yuriklug@gmail.com.

3 Dr.ª em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, Docente do PPGCont/FURG, Av. Itália, km 8 s/n - Campus Carreiros, Rio Grande/RS, (53) 3293-5081, anapaulacapuanocruz@hotmail.com.

4Dr. em Ciências Contábeis pela UNISINOS, Docente do PPGCont/FURG, Av. Itália, km 8 s/n - Campus Carreiros, Rio Grande/RS, (53) 3293-5081,marcobarbosa@furg.br.

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Palavras-chave: Conservadorismo Contábil. Teoria da Legitimidade. Mineradoras. Barragem de Rejeitos. SAMARCO.

ACCOUNTING CONSERVADORISM IN THE LEGITIMATION OF

BRAZIL´S MINING PUBLIC COMPANIES

ABSTRACT

The disruption of the Samarco Dam in 2015 in the city of Mariana (MG) caused immeasurable material, social and environmental damages. This study sought to analyze how the tragedy influenced the accounting and socioenvironmental statements of companies in the publicly traded ore sector in Brazil, with conservatism as a presumption in the publications and as an instrument to maintain the legitimacy of these companies. Through the content analysis technique, by means of direct reading, we categorized terms linked to the disaster in the four companies listed on the B3, in the years 2014, 2015 and 2016. Findings indicate, from the dam's rupture, the presence of accounting conservatism in the reports of Bradespar and especially Vale. In the documents of MMX and Litel there is no behavior compatible with maintaining legitimacy. There is concern about provisions with emphasis on business, environmental and market risks, judicial proceedings related to the disruption, as well as tests of impairment and changes in contingent liabilities, confirming the speed of disclosure of the bad news and an effort to maintain the legitimacy, but do not demonstrate the effective fulfillment of obligations before society. Even so, in 2019 the families of the victims did not have the indemnities completely removed, a fact that confirms that despite the provisions and the organization that the companies began to have since the disaster, it’s still necessary that other practices be adopted so that, if other dam ruptures occur, assistance to victims and others involved in the occurrence occurs more efficiently.

Keywords: Accounting Conservatism. Theory of Legitimacy. Mining. Tailings Dam. SAMARCO.

CONSERVADURISMO CONTABLE EN LEGITIMACIÓN DE EMPRESAS DE

CAPITAL ABIERTA DEL SECTOR ORE EN BRASIL

RESUMEN

La ruptura de la presa de Samarco en 2015 en la ciudad de Mariana (MG) causó daños materiales, sociales y ambientales inconmensurables. Este estudio tuvo como objetivo analizar cómo la tragedia influyó en las declaraciones contables y socioambientales de las empresas del sector del mineral que cotizan en bolsa en Brasil, con el conservadurismo como una presuposición presente en las publicaciones y como un instrumento para mantener la legitimidad de estas empresas. A través de la técnica de análisis de contenido, a través de la lectura directa, los términos relacionados con el desastre se clasificaron en las cuatro compañías enumeradas en B3, en 2014, 2015 y 2016. Los resultados indican, a partir de la ruptura de la presa, la presencia conservadurismo contable en los informes de Bradespar y, especialmente, de Vale. En los documentos MMX y Litel no hay comportamiento compatible con el mantenimiento de la legitimidad. Se observa preocupación acerca de las disposiciones con énfasis en los riesgos

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comerciales, ambientales y de mercado, demandas relacionadas con interrupciones, pruebas de deterioro y cambios en pasivos contingentes, confirmando la divulgación oportuna de malas noticias y un esfuerzo por mantener legitimidad, pero no demuestran el cumplimiento efectivo de las obligaciones con la sociedad. Aún así, en 2019 las familias de las víctimas no fueron compensadas por completo, un hecho que confirma que a pesar de las disposiciones y la organización que las empresas comenzaron a tener desde el desastre, aún deben adoptarse otras prácticas para que, Si se producen otras interrupciones de la presa, la asistencia a las víctimas y otras personas involucradas en el evento se realiza de manera más eficiente.

Palabras clave: Conservadurismo contable. Teoría de la legitimidad. Compañías mineras. Presa de relaves. SAMARCO.

1 INTRODUÇÃO

Em novembro de 2015, aconteceu o rompimento da Barragem de Fundão da Samarco Mineração S.A. (Samarco), situada na cidade de Mariana, MG. Isto liberou cerca de 39 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos, ocasionando impacto no ecossistema daquela região, bem como a morte de pessoas, animais, vegetação e alta poluição do Rio Doce até o mar, sendo considerado o maior desastre ambiental do país (Ibama, 2015). O rompimento da barragem, ainda, resultou na total destruição de residências e infraestrutura, afetando milhares de pessoas, e tende a causar uma série de impactos socioambientais de curto, médio e longo prazos (Zonta & Trocate, 2016). Quinze anos antes do desastre, Matsumura (1999) alertava que os níveis de sódio encontrados na água da região da barragem de rejeitos em Mariana, oriundos da soda cáustica utilizada na Barragem de Fundão, já eram preocupantes. Menciona-se que, à época deste estudo, não havia ocorrido o rompimento de outra barragem, a de Brumadinho em 2019, pertencente a Vale S.A., que também ocasionou elevado número de mortes, em nível superior à de Mariana.

Com o desastre em Mariana, as atividades da Samarco foram suspensas e em nota publicada pela empresa em 09 de janeiro de 2018 ainda não havia previsão para retomada das atividades, que permanece até o junho de 2019. Para voltar a operar, a empresa precisa obter a carta de conformidade de todos os municípios mineiros envolvidos em sua cadeia de produção e depois protocolar na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) o pedido de licença operacional corretiva, ato que ainda não ocorreu. Além do prejuízo direto sofrido pela empresa, decorrente da falta de receitas operacionais, e do impacto nas comunidades e no meio ambiente, são anunciados diversos decorrentes do fato, tais como prejuízos nas empresas controladoras, aos governos dos estados de Minas Gerais e Espirito Santo, ao governo federal, à balança comercial do país, bem como ao setor de mineração.

Como existem outras empresas que também realizam a atividade de mineração no país, diante da gravidade do fato e das suas consequências, é relevante verificar se, além da empresa afetada, as outras empresas do setor realizaram alterações nas suas evidenciações contábeis. O cerne da ideia de

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evidenciação da contabilidade é fornecer informação para a sociedade de forma completa e ordenada, servindo como um instrumento para a tomada de decisão ou para a prestação de contas. De acordo com Iudícibus (2009, p. 115), a evidenciação é um “compromisso inalienável da contabilidade com seus usuários e com os próprios objetivos (...) apresentar informação quantitativa e qualitativa de maneira ordenada (...) a fim de propiciar uma base adequada de informação para o usuário”. Além disto, a evidenciação contábil envolve o contexto das empresas divulgarem não somente os relatórios obrigatórios pela legislação, mas também quadros e informações voluntárias, ilustrando assim, a preocupação em ser o mais transparente possível para com a sociedade, ou seja, legitimar-se (Deegan & Rankin, 1996).

Segundo Deegan, Rankin e Voght (2000) a Teoria da Legitimidade é uma das bases para explicar a divulgação de informações voluntárias pelas organizações, baseada na ideia de que a sociedade gera expectativas perante as entidades, e da forma como devem operar. Ocorre, com isso, um esforço por parte das empresas de que sejam vistas como socialmente responsáveis, e essa estratégia também é válida no tocante a manter ou recuperar a legitimidade já adquirida e continuar a extrair do ambiente os recursos necessários à manutenção de suas atividades (Dias Filho, 2007).

A contabilidade está inserida no contexto da legitimidade, uma vez que pode ser por intermédio de relatórios contábeis que as empresas se legitimam (Deegan & Rankin, 1996; Sancovschi & Silva, 2016) Remete-se a isto que a tragédia de Mariana, além de afetar a legitimidade da Samarco, afeta também as empresas do setor de mineração e estas deveriam preocupar-se em minimizar os impactos de suas atividades. Wink, Vasconcelos, Lagioia, Kato e Nossa (2015), em estudo empírico, verificaram que após acidente ambiental, determinada empresa aumentou a divulgação de cunho socioambiental, que também reforçou aspectos da sua legitimidade.

Conectado a isto, como pressuposto básico da evidenciação contábil, tem-se o Conservadorismo (Santos & Costa, 2008)) e o modelo proposto por Basu (1997), que comprovou empiricamente que as boas notícias têm um grau maior de verificação para contabilização, ao contrário das más notícias, que são contabilizadas, refletindo no resultado, mais rapidamente. Com este conceito, busca-se verificar qual o impacto da notícia do rompimento da barragem de Fundão, que se considera como uma má notícia, nas demonstrações contábeis das empresas do setor de mineração de ferrosos, além da busca de alterações significativas no que tange ao reconhecimento de provisões e divulgação de ações de precauções e minimização dos riscos para que acidentes como o da Samarco não voltem a ocorrer, bem como contabilizar as perdas que ocorrem até hoje, pela paralisação das atividades.

Desta forma, em virtude do exposto, questiona-se: Como o rompimento da Barragem de Fundão da Samarco S.A. influenciou nas demonstrações contábeis e socioambientais das empresas do setor de minério no Brasil?

O objetivo desta pesquisa é analisar como o rompimento da Barragem de Fundão da Samarco influenciou as demonstrações contábeis e socioambientais das empresas de minério de capital aberto do Brasil. Para tanto, foi investigada a existência de mudanças vinculadas ao rompimento da Barragem de Fundão nas empresas deste ramo presentes nas demonstrações contábeis publicadas em 2014, 2015 e 2016, pois, para que pudessem ser estabelecidas variações no

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conteúdo das divulgações, foram exploradas demonstrações veiculadas antes e depois do acidente, e a rapidez proposta no conservadorismo de Basu (1997). Adicionalmente, esta proposta contempla também a descrição das práticas e instrumentos para legitimação introduzidos pelas empresas de minério após o acidente, comparando com as práticas dos anos anteriores, caso elas já fossem desenvolvidas.

Este estudo se justifica pela relevância e repercussão do desastre em âmbito nacional e internacional. O setor de mineração no Brasil produziu em 2014 o montante de US$40 bilhões, valor que caiu para US$26 bilhões em 2015; uma queda de 35% na produção. Em 2016 não houve recuperação, chegando à casa dos US$24 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (2017). Efetivamente, houve em 2017 uma recuperação na produção, com a geração de US$32 bilhões, e estimou-se US$34 bilhões para 2018, não sendo apurado até o momento. Portanto, percebe-se um decréscimo e uma recuperação lenta na produção de minério a partir do ano de rompimento da barragem, podendo denotar este fato como causa para este segmento da indústria.

Ainda, de acordo com o Banco Mundial, ao final do primeiro semestre de 2016, a paralisação da Samarco no Brasil afetou o mercado global do minério de ferro, causando aumento de 16% no preço, devido a estoques baixos e forte demanda de aço da China. Isto ocasiona uma estagnação no crescimento do mercado como um todo, que afeta os investimentos estrangeiros no país. Também, na escala microrregional, no trecho compreendido entre a barragem e a foz do rio do Carmo (77 km), a lama extravasou o leito do rio causando a destruição de edificações, pontes, vias e demais equipamentos urbanos e com relação aos prejuízos econômicos públicos, relacionados a ações emergenciais de garantia ao funcionamento dos serviços públicos municipais, bem como estimativas para a sua retomada plena, os valores totais, assumidos pelos municípios da microrregião analisada representam R$5 milhões (Freitas, Silva & Menezes, 2016).

Lopes (2016) trata este rompimento como um desastre do setor de minério de proporções jamais vistas no Brasil e no mundo, de modo a fomentar as pesquisas em todo campo científico, já que este fenômeno se configura por sua característica multidisciplinar. Há necessidade de discussão acerca do tema para que seja possível, no limite de cada âmbito da ciência, buscar as causas, identificar responsáveis, tratar desde as questões psicológicas dos sobreviventes até identificar e evidenciar as formas de reparação propostas pelas empresas, de modo que estas questões não mais habitem o campo do desconhecido, visto que, situações como essa podem voltar a acontecer.

Como contribuição acadêmica do estudo, se tem a análise do rompimento da Barragem de Fundão sob um viés da contabilidade e da evidenciação contábil, em especial a de caráter socioambiental, tem como função o gerenciamento e formulação de informação para a população, para que estes possam cobrar, controlar e verificar quais medidas vêm sendo adotadas para a legitimação social de um setor como o de minério. Menciona-se, também, que não se vislumbrou na literatura estudo com a aplicação combinada da Teoria da Legitimidade e do Conservadorismo Contábil.

Ainda, há uma relação dicotômica entre os benefícios e malefícios desta atividade que gera muitos empregos, é relevante para o equilíbrio da balança comercial do país, mas por outro lado implica em danos severos ao meio

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ambiente. Cabe salientar que, os momentos em que o rompimento é referenciado como “acidente” derivam das demonstrações das empresas, visto que para os autores, bem como para Lacaz, Porto e Pinheiro (2017), este termo naturaliza a relevância do episódio de modo a expressar uma visão de evento fortuito, sem causas ou responsabilidades, o que não caracteriza o objeto deste estudo.

Na sequência, a seção 2 que compreende a revisão de literatura, desenvolvendo o conhecimento sobre a teoria da legitimidade, o conservadorismo, além de uma apresentação da Samarco e das empresas de capital aberto do setor de minério no Brasil. A seção 3 aborda os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa. A seção 4 apresenta os resultados obtidos e a seção 5 traz as conclusões da investigação e recomendações para estudos futuros.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 TEORIA DA LEGITIMIDADE

A legitimidade consiste na percepção ou suposição de que as atitudes de uma entidade são desejáveis, adequadas e apropriadas dentro de um sistema com base em normas, valores, crenças e definições. Assim, a legitimidade reflete a congruência entre o comportamento da respectiva entidade e as crenças compartilhadas de um grupo social (Suchman, 1995). Com isso, ser legítimo muito se vincula com a exposição para o ambiente social do que pode tornar uma corporação legítima, já que uma organização com comportamento exemplar, caso não transmita esta percepção para a sociedade observadora, por diversos motivos, como a não evidenciação das suas práticas, será considerada ilegítima. Isso é passível de verificação com informações publicadas, como, por exemplo, as demonstrações contábeis, alvo deste estudo, ou não publicadas, que podem ter forma nos atos realizados pela entidade. Uma organização pode ser considerada legítima quando seus elementos são suportados por princípios estruturais aceitos no sistema social (Rossoni, 2016). Tal definição incorpora os elementos fundamentais expostos no novo institucionalismo, sem deixar de considerar os aspectos mais amplos que justificam a conduta social dentro de sistemas sociais específicos, que, no caso, são os princípios estruturais. A noção de que a contabilidade é utilizada para imprimir traços de racionalidade às organizações e de que ela afeta o mundo dos negócios, as estruturas sociais, as relações entre o Estado e os cidadãos, as relações entre empregado e empregador vem estimulando o uso de teorias derivadas da sociologia em pesquisas contábeis, como é o caso da Teoria da Legitimidade (Dias Filho, 2009). Este reconhecimento será medido de diversas formas, e pode depender do tipo de atuação da entidade. No caso da entidade empresária, da mineradora, que busca o lucro, a mensuração da legitimidade pode se dar pelo consumo da sociedade pelo seu produto e, no caso das sociedades abertas, no valor das ações da entidade, ou da permissão pública da entidade operar.

No aspecto histórico, a origem da Teoria da Legitimidade é predominantemente creditada a Max Weber, a partir de sua obra Economia e Sociedade, onde foram comparados diferentes tipos de regras políticas e suas

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origens, dando relevância a este conceito (Rossoni, 2016). Weber (1991, p. 19) defendia que “as formas de ação são guiadas pela crença na existência de uma ordem legítima (...) um conjunto de máximas identificáveis (...) provendo modelos vistos pelos atores como de alguma forma, obrigatórios ou exemplares para eles mesmos”. Ele ainda discute a importância de as organizações agirem em conformidade às regras e sugere que a legitimidade pode ser obtida com a conformidade às normas sociais e leis formais (Deephouse & Suchman, 2008).

Shocker e Sethi (1973) destacam que a existência das organizações sociais depende do cumprimento de um contrato social (implícito) firmado entre as partes, organização e sociedade. Segundo Patten (1992), a premissa que baseia a teoria da legitimidade assume que há um contrato social firmado entre a sociedade e a organização. Scott, Ruef, Caronna e Mendel (2000) ainda afirmam que aceitação e credibilidade são mais necessárias para uma empresa, enquanto parte de um sistema social, do que simplesmente recursos técnicos para a sua atividade. Estas expectativas se traduzem de modo que a organização deve trazer benefícios à sociedade em que ela opera, e, em contrapartida, a sociedade garante a sobrevivência da organização em seu ambiente social com a sua “utilização” (Shocker & Sethi, 1973; Patten, 1992). A sociedade deve desejar que a organização exista e, para isso, a organização precisa, em muitos casos, convencer seus stakeholders da sua importância. Ou seja, a aceitação social da entidade que confere a legitimação desta, de forma que possa operar. Uma entidade que não possui legitimação acaba por se tornar invasiva ao meio social de maneira desconfortável.

Deegan, Rankin e Tobin (2002) destacam que ao contrário da Teoria da Agência, a Teoria da Legitimidade oferece uma perspectiva mais integradora do compromisso de responsabilidade social. Já Sancovschi e Silva (2006) afirmam que, quando ocorre uma ameaça à legitimidade decorrente de algum evento negativo, ainda que potencial, os administradores podem imprimir esforço para tentar mudar a percepção da sociedade no intuito de elevar a congruência entre as atividades da organização e as expectativas dos que estão do lado de fora da entidade. Sendo assim, a sociedade é quem garante a sobrevivência da organização, de forma que aquela receba, de bom grado, aquilo que é oferecido por esta e, no caso empresarial, resulte em lucros que são essenciais para a sua manutenção.

Neste aspecto, Suchman (1995) propõe três desafios gerais da legitimação: (a) ganhar legitimidade, (b) manter a legitimidade e (c) recuperar a legitimidade. Sancovschi e Silva (2006), em pesquisa empírica, demonstram que quando a legitimidade é ameaçada por questões internas ou externas, as empresas intensificam medidas de recuperação para legitimar suas atividades. Deste modo, entende-se que o rompimento da barragem, devido ao descuido da empresa nas suas atividades de mineração, aliado à sua divulgação na mídia e social, afetou a legitimidade da Samarco. Isto se comprova com o fato, já mencionado, de que a organização está com suas atividades suspensas desde a tragédia. Assim, as ações da companhia Samarco, além de ter como alvo a reparação de todos os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, também devem visar à reparação dos danos causados à própria companhia, dentre os quais se destaca a sua legitimidade. Deste modo, a Samarco tem a tarefa de recuperar a legitimidade que, para Suchman (1995), se assemelha à tarefa de ganhá-la, no entanto, a reparação da legitimidade geralmente

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representa uma resposta reativa a uma crise imprevista. O autor considera que as estratégias utilizadas para o ganho de legitimidade podem ser também utilizadas para a sua reparação Suchman (1995).

Para Deegan et al. (2000), empresas que tiveram sua legitimidade abalada podem responder a esta ameaça utilizando-se de seus relatórios anuais, tanto obrigatórios como voluntários. Os autores ainda defendem que mesmo empresas não envolvidas nos acidentes, mas pertencentes ao mesmo setor, podem responder à ameaça do rompimento do “contrato social”, de forma a manter a legitimidade já conquistada. Deste modo, as empresas pertencentes ao setor de mineração tendem a ter preocupação maior em oferecer mais informações em seus relatórios contábeis acerca das atividades socioambientais que vem sendo executadas, como um meio de legitimar a sua existência, sendo o alvo principal deste estudo, aliando esta análise a presença do Conservadorismo.

2.2 Conservadorismo

O Conservadorismo Contábil está presente há anos no conjunto de regras e práticas contábeis brasileiras e internacionais (Santos & Costa, 2008). No Brasil, por vários anos, houve a regulamentação do chamado Princípio da Prudência, estabelecendo que esta pressuponha um certo grau de precaução no exercício da contabilidade e dos julgamentos necessários para executá-la, atribuindo que os ativos não deveriam ser superestimados e que os passivos não fossem subestimados. Atualmente, esta norma se encontra revogada pela Estrutura Conceitual para a Elaboração e Divulgação de Informação Contábil de Propósito Geral pelas Entidades do Setor Público (Conselho Federal de Contabilidade [CFC], 2016). Entretanto, a ideia presente na conceituação continua válida, para todas as empresas, através de todas as atitudes de prudência e precaução tomadas e divulgadas.

Hendriksen e Van Breda (1999) esclarecem que o conservadorismo decorre da abordagem normativa da contabilidade, por buscar definir a melhor maneira de se fazer contabilidade e, com isso, estabelece que os contadores devam realizar a divulgação do menor dos vários valores para ativos e receitas e o maior dos vários valores para passivos e despesas, de modo que as receitas sejam reconhecidas mais tarde e as despesas reconhecidas mais cedo. Além disto, o conservadorismo é uma das características mais importantes do corpo de práticas e procedimentos contábeis, “estando presente nas estruturas contábeis do FASB, do IASC, ASB, no modelo brasileiro e em todas as orientações contábeis” (Lopes, 2002).

De outro modo, Kaiser, Nossa, Teixeira, Baptista e Nossa (2009), argumentam que o Conservadorismo é caracterizado como o reconhecimento assimétrico entre despesas e passivos e ativos e receitas, que decorre, justamente, da diferenciação mencionada na contabilização dos ativos/despesas e passivos/receitas e despesas, com base no julgamento efetuado pelo profissional ao fato contábil concreto. Assim, o Conservadorismo vai além do Princípio da Prudência, que se encontra formalmente revogado, mas como um instituto observado na evidenciação empresarial.

Foram realizados estudos anteriores acerca do Conservadorismo, no âmbito internacional. Bliss (1924 como citado em Basu, 1997, p. 39) já tratava que os contadores expressam o conservadorismo pela regra de “não antecipar

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nenhum lucro, mas antecipar todas as perdas”. O efeito prático decorrente disto é que os ativos tenderão a estar subavaliados e os passivos superavaliados por qualquer princípio contábil de mensuração que se aplique (Moreira & Colauto, 2010).

Watts (1993) estudou o Conservadorismo e a influência da regulamentação nas informações contábeis, bem como abordou o Conservadorismo e sua relação com o papel da contabilidade nos contratos firmados pela firma e nos casos de litígios. As evidências empíricas do trabalho de Watts (1993) mostram que realmente há a existência de Conservadorismo nas práticas contábeis e que houve o aumento da sua aplicação nos anos que antecederam o estudo. O autor destaca que isto pode acontecer devido aos seguintes fatores: influência da regulamentação, contratos firmados pela firma e casos de litígios, e que as evidências mostram que há relação entre essas variáveis e Conservadorismo (Watts, 1993). Neste contexto, Basu (1997) menciona que fatores como litígios, processos políticos e regulatórios e impostos, têm influenciado o grau de utilização do Conservadorismo nas normas contábeis. Em outro estudo, Watts (2003) expõe quatro explicações sobre o conservadorismo: os contratos, os litígios, a tributação, e a regulação.

O modelo desenvolvido por Basu (1997) é apontado como o mais utilizado para avaliar o grau de conservadorismo do resultado contábil (Watts, 2003; Santos & Costa, 2008; Santos; Gonçalves & Santos, 2017). Segundo Basu (1997), o Conservadorismo na contabilidade estabelece o reconhecimento mais oportuno das “más notícias” do que das “boas notícias”. Ou seja, de que o resultado contábil apresenta maior associação com retornos negativos do que com os retornos positivos. Além disto, o autor estabelece uma relação de velocidade da afetação da contabilidade decorrente dos acontecimentos, manifestando que os retornos e a contabilidade refletem mais rapidamente os valores decorrentes das notícias ruins (bad news) do que as notícias boas (good news) (Basu, 1997). Esses achados foram comprovados empiricamente pelo autor, com base em amostra obtida das companhias que negociaram títulos entre os anos de 1963 a 1990 (Basu, 1997). Esta ideia apresentada por Basu (1997) foi posteriormente apontada por Ball e Shivakumar (2005) como conservadorismo condicional, em contrapartida ao conservadorismo incondicional, tradicional, que se refere à tendência da contabilidade em reconhecer os valores de maneira a diminuir a avaliação do Patrimônio Líquido (Amaral, Riccio & Sakata, 2012).

Até 1997, a referência sobre o Conservadorismo tratava exclusivamente sobre o conservadorismo incondicional, apesar de não ter sido nomeada desta forma até 2005. E este se refere a preferência de os contadores reconhecerem maiores valores para passivos, despesas e perdas, e, menores valores para ativos, receitas, ganhos e patrimônio líquido (Amaral et al., 2012). Contudo, a partir do estudo de Basu (1997), a questão da assimetria no reconhecimento de resultados passa a representar aspecto fundamental da definição, além de ter trazido novos elementos ao conceito do conservadorismo contábil, sendo chamado de conservadorismo condicional (Amaral et al., 2012).

Ball e Shivakumar (2005) asseguram que a redução do lucro contábil reflete em uma perda econômica, quando há adicional exigência do conservadorismo condicional, ao contrário do conservadorismo incondicional, que divulga valores baixos de ativo e receita independente de sinais que

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comprovam às possíveis perdas econômicas da empresa. Por outro ângulo, Lara e Mora (2004) comprovam a relação entre os sistemas legais do code-law (modelo romano) e common-law (modelo anglo-saxônico), com os dois tipos de conservadorismo, sendo o conservadorismo condicional predominante no primeiro e o conservadorismo incondicional predominante no segundo, que inclui o Brasil.

Assim, partindo do pressuposto proposto por Basu (1997), de que as más notícias são verificadas na contabilidade antes das boas notícias, busca-se verificar qual o impacto da notícia do rompimento da barragem de Fundão, que se considera como uma má notícia, nas demonstrações contábeis das empresas do setor de mineração que se insere a Samarco. Para verificar se, obedecendo ao conservadorismo contábil, as demonstrações contábeis das empresas do setor de minério trazem informações, ou não, acerca de atitudes tomadas pelas empresas estudadas, de modo a evidenciar resultados, positivos ou negativos, bem como, para estabelecer maneiras de manter a legitimidade, como tratada anteriormente.

2.3 A Samarco e as empresas do setor de mineração de capital aberto

A Samarco é uma sociedade anônima de capital fechado, estabelecida como uma joint venture entre Vale S.A. (VALE) e a BHPBilliton- BHPB Brasil Ltda. (BHPB), a maior empresa de mineração do mundo, detendo cada uma 50% do controle acionário (Vale, 2016). Criada em 1977, a Samarco está localizada em Minas Gerais, para a extração e o beneficiamento de minério de ferro, e no Espírito Santo, para a produção e exportação de pelotas de ferro (Samarco, 2015).

No final de 2014, a contabilidade da Samarco indicava um ativo total de R$19,583 bilhões, com um patrimônio líquido de R$4,313 bilhões, indicando ainda, um acréscimo de 14,74% do exercício anterior. Em 2014, o faturamento bruto da Samarco totalizou R$7,601 bilhões, exibindo um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Já o lucro líquido apurado no ano foi de R$2,805 bilhões, 2,7% maior que os R$2,731 bilhões de 2013, e a perspectiva para o seguimento, apesar da crise nas exportações, era favorável (Samarco, 2014).

Entretanto, em novembro de 2015, houve a ruptura da barragem de rejeitos da Samarco, denominada de Barragem de Fundão, onde, segundo a Vale (2015), em seu relatório 20F, foram atingidas diversas comunidades, causando danos ambientais à área circunvizinha e a diversas comunidades ao longo dos Rios Gualaxo e Doce. O Complexo Minerador de Alegria, que inclui a Barragem de Fundão, está localizado na cidade de Mariana/MG e tinha como atividade principal a produção de pelotas de ferro. Até junho de 2019, a Samarco ainda é incapaz de realizar atividades comuns de mineração e beneficiamento, por determinação de órgãos governamentais tais como a SEMAD (Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).

Nas demonstrações contábeis de 2015 verifica-se que o desastre supracitado trouxe consequências muito severas à Samarco, implicando em relevantes impactos contábeis, especialmente relacionados a gastos relativos às medidas de prevenção, reparação, contenção e compensação dos danos materiais, ambientais e sociais resultantes do rompimento da barragem, assim

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como baixas de ativos da Companhia (Samarco, 2015). Dentre eles, tem-se a constituição de provisão para recuperação socioambiental e socioeconômica, que afetou o resultado, em R$10 bilhões, já descontada a valor presente utilizando taxa livre de risco de 7,185%, no sentido de custear ações emergenciais, programas reparatórios, programas compensatórios, entre outros, oriundos do desastre (Samarco, 2015).

Nas demonstrações com data de referência em 31 de dezembro de 2016 a quantificação do prejuízo causado pelo desastre à empresa recebe uma dimensão considerável (Samarco, 2016). No parecer da auditoria independente torna-se evidente que a mesma busca se resguardar, apontando além da situação dos fluxos de caixa das atividades operacionais consolidados que encerraram o ano negativos no montante de R$2,594 bilhões em suas operações consolidadas, informaram também que a Companhia vem negociando suas dívidas financeiras com o objetivo de alongar os prazos e reestruturar as condições contratuais (Samarco, 2016). Já a Companhia também vem cumprindo medidas cautelares, como depósitos judiciais compulsórios e bloqueio de contas que também têm reflexo direto na redução das disponibilidades da mesma, configurando um período de incerteza (Samarco, 2016)

Os ajustes contábeis ocorreram em decorrência de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC (Acordo), nos autos da Ação Civil Pública movida pela União Federal, estados de MG e ES, e outros, onde a Samarco se compromete a estabelecer medidas e ações para reparações e compensações socioambientais e socioeconômicas decorrentes do rompimento da barragem de Fundão. Além disso, também são partes no processo a Vale e a BHPB, que ajustam a possibilidade de, caso a Samarco não seja capaz de cumprir o Acordo, a Vale e BHPB serão responsáveis por este desembolso, na proporção de suas participações acionárias de 50%. Nesta Ação, foi entendido que os desdobramentos do desastre são tão expressivos que, em junho de 2016, foi criada a Fundação Renova, cujos gestores e mantenedores são a Samarco, a Vale e a BHPB, planejada especialmente para desenvolver e implementar os programas de reparação e compensação ambiental, social e econômica, conforme o Acordo, sendo o orçamento para 2016 e 2017 de R$3,2 bilhões, e com previsão de desembolsos até o ano de 2030 (Samarco, 2015).

Conforme notícia veiculada no jornal El País, Bedinelli (2017) destaca que as 68 multas ambientais aplicadas pelo IBAMA e pelos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo à Samarco totalizam 552 milhões de reais, e até a data da publicação da sua versão digital, apenas 1% havia sido pago, estando o restante passando por recursos judiciais e não estão provisionadas.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para que fosse possível conhecer as características das demonstrações contábeis de cada empresa, bem como analisar a existência de mudanças relacionadas ao rompimento da barragem de rejeitos, empregou-se a técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2011). A autora define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que contempla de forma ampla, a lexicometria, a enunciação linguística, a análise de conversação, e no caso desta pesquisa, da documentação e de dados. Os

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objetivos desta técnica são a superação da incerteza e o enriquecimento da leitura, que agregam uma interpretação própria e mais abrangente do autor, a partir de uma leitura atenta e com a descoberta de conteúdos e estruturas (Bardin, 2011).

Para que a análise seja válida, se empregou a análise categorial para captação dos elementos significativos do texto estudado. Para manipulação de mensagens (conteúdo e expressão deste conteúdo) – objetivo da análise de conteúdo (Bardin, 2011) – desenvolveu-se: (i) pré-análise, (ii) exploração do material e (iii) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

No primeiro, denominado pré-análise, foi feito uma organização no intuito de analisar a influência do rompimento da Barragem de Fundão às empresas no setor de mineração do Brasil, especialmente no setor de mineração de minerais metálicos. Para tanto, pesquisou-se no site da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros S.A. (B3), instituição a qual estão vinculadas as empresas com capital aberto no país, a lista das empresas de minério no Brasil; optou-se pelas instituições de capital aberto tendo em vista que suas demonstrações devem estar publicadas e, consequentemente, divulgam com maior frequência e transparência os relatórios e demonstrações de cunho social e ambiental, mesmo que estas sejam, de maneira geral, de caráter voluntário. Conforme busca no site da B3 realizada em julho de 2017, 4 (quatro) empresas exploravam o setor de mineração de minerais metálicos no Brasil, cujos relatórios foram analisados e comparados neste estudo, que são: Bradespar S.A., Litel Participações S.A., MMX Mineração e Metálicos S.A. e Vale S.A. O escopo do estudo não comporta a Samarco, por este visar outras empresas do setor, e por ser de capital fechado.

Como o marco temporal percebido nas características do setor de minério no país foi o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, foram analisados o ano posterior e o ano anterior ao trágico episódio. Assim, foram considerados os relatórios relativos a 2014, 2015 e 2016, para que pudessem ser estabelecidas variações no conteúdo das divulgações, ou seja, foram exploradas demonstrações veiculadas antes e depois do acidente, e a rapidez proposta no conservadorismo de Basu (1997). Usou-se como base documental os relatórios contábeis finais da seção de relações com investidores dos sites das empresas selecionadas. Não foram utilizados outros relatórios e divulgações para não fugir do escopo contábil.

Baseado na estrutura de missões da pré-análise propostas por Bardin (2011) foi feita, primeiramente, uma leitura flutuante, de materiais diversos relacionados às empresas do setor de minério, ao rompimento da barragem de rejeitos e aos reflexos econômicos e socioambientais deste fato. Diante destas definições, foi feita a escolha dos documentos a partir dos relatórios sociais, ambientais e demonstrações contábeis, bem como notas explicativas destas entidades, em busca de alterações significativas no que tange a provisões, precauções e minimização dos riscos para que rompimentos como o da Samarco não voltem a ocorrer, assim como o reflexo deste acontecimento na evidenciação contábil destas empresas e a presença do conservadorismo. Assim, os documentos selecionados relativos aos anos de 2014, 2015 e 2016, foram os seguintes: (i) Bradespar S.A. – Relatório Anual e Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP), (ii) Litel Participações S.A. – Formulário de Referência e Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP), (iii) MMX Mineração e Metálicos S.A. –

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Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP), e (iv) Vale S.A. – Formulário de Referência e Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP). Em todas as DFPs observou-se, inclusive, o Parecer de Auditoria Independente.

Percebe-se a igualdade na nomenclatura das demonstrações, devido aos padrões empregados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por este motivo todas as empresas apresentam as mesmas categorias e o mesmo padrão de apresentação dos dados contábeis entre outras informações relevantes. Na sequência foram definidos, os referenciais dos índices, a elaboração de indicadores e posteriormente foi feita preparação do material para ser analisado, a partir das definições descritas nesta fase. Como variáveis de inferência na fase de categorização, foram utilizadas as seguintes categorias, obtidas através da leitura flutuante: riscos socioambientais, efeitos contábeis, provisões, teste de impairment e passivos contingenciais.

O segundo polo cronológico da análise de conteúdo, denominada exploração do material, consiste em uma aplicação sistemática das decisões tomadas, sendo aplicada com a análise dos relatórios selecionados (Bardin, 2011), realizadas através de leitura direta do material. Por fim, a partir desta operacionalização, passou-se à última fase da análise de conteúdo, que se trata da inferência sobre o material analisado e consequentemente a resolução dos objetivos propostos na pesquisa.

4 ANÁLISE DOS RELATÓRIOS

Ao analisar cada empresa e suas formas de evidenciação a partir dos passos propostos pela análise de conteúdo, buscou-se identificar alterações relevantes no conteúdo das informações evidenciadas, bem como averiguar a presença do conservadorismo nas atividades realizadas antes, durante e depois do rompimento da barragem de rejeitos da empresa Samarco. Na Tabela 1 estão reunidas as características da estrutura societária das empresas.

Tabela 1 -Empresas de capital aberto do setor de mineração de minerais ferrosos

Empresas Estrutura Societária Investidas Relacionadas

Bradespar S.A. Banco Bradesco Vale S.A.; CPFL Energia

Litel Part. S.A.; BNDESPAR; Mitsui; Valepar S.A. Litel Particip. S.A. Banco do Brasil Valepar S.A.; Litela S.A.; Litelb S.A. Bradespar S. A.

MMX S.A. Grupo EBX Nenhuma Nenhuma

Vale S.A. Bradespar S.A.; Valepar S.A.; BNDESPAR; Invest. Estrang. ADR Samarco S.A.; MBR

S.A.; Diversos Litel Part. S.A. Fonte: Elaborado pelos autores com os dados da pesquisa.

Pode-se verificar que a Vale S.A. é investidora da Samarco S.A., que detém a barragem de rejeitos que se rompeu, bem como é empresa investida da Bradespar S.A. e é parte relacionada com a Litel Participações S.A., através da Valepar S.A., não tendo ligação direta apenas com a MMX S.A., que pertence ao Grupo EBX de investimentos. A seguir são

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apresentadas as informações relevantes aos objetivos deste estudo constantes dos relatórios de cada empresa.

4.1 Análise dos Relatórios da Bradespar

A Bradespar S.A. (Bradespar) atua desde 2000 como uma companhia de investimentos, controlada pelo mesmo grupo controlador do Banco Bradesco, e tem como objetivos: receber parcelas do patrimônio do Banco Bradesco e permitir a administração mais ativa de investimentos não financeiros. Sua carteira de investimentos é composta por duas investidas: a Vale e a CPFL Energia no período de estudo. A receita operacional da Bradespar, diferentemente do que se possa presumir, provêm do resultado da equivalência patrimonial na Vale, que inclui juros sobre o capital próprio e/ou dividendos recebidos e dos juros das ações resgatáveis recebidos da Vale; dos juros sobre capital próprio e/ou dividendos recebidos da CPFL Energia e dos ganhos realizados na alienação de investimentos.

Inicialmente, nos relatórios de 2014, verificou-se que a postura da empresa era de adquirir ações nominativas escriturais, com o objetivo de permanência em tesouraria ou possível alienação ou cancelamento, evidenciando de maneira transparente, porém não tão esclarecedora como nos anos subsequentes. Já no seu relatório de referência de 2015 a companhia exprime a preocupação com as mudanças no cenário econômico do setor de minério de ferro, decorrente do rompimento da barragem da Samarco. Com isto, devido à inconsistência do mercado, a empresa reavalia a política de remuneração mínima, para que dessa forma possa proteger os direitos econômicos de seus acionistas, já que este impacto vivido pelas empresas do setor de mineração reflete diretamente o resultado de suas investidas.

Convém ressaltar, que foi criada uma nova seção, dentro do formulário de referência do mesmo ano, denominada “Os Principais Fatores de Riscos da VALE”. É descrito que a Vale está envolvida em procedimentos legais que poderão ter substancial efeito negativo sobre seus negócios no caso de resultados desfavoráveis, com ênfase à possibilidade de haver acidentes ou incidentes durante as operações dos negócios, envolvendo suas minas e infraestrutura relacionada, tais como barragens, usinas, ferrovias, portos ou navios, demonstrando a relevância do rompimento da barragem da Samarco para esta empresa. Assim, verifica-se que a companhia demonstra preocupação em manter sua legitimidade perante o meio social e, principalmente, com seus acionistas, já que houve aumento da exposição dos riscos da atividade, utilizando suas demonstrações para isto, conforme descrito por Suchman (1995) e demais autores mencionados. Tem-se, inclusive, declaração de que as atividades inerentes ao segmento podem resultar em danos ou destruição de propriedades, instalações e equipamentos, poluição, danos ao meio ambiente e interrupções de certas atividades de negócio, podendo trazer um custo inviável ao negócio, além da insuficiência na cobertura do seguro, em análise desta fragilidade.

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destacam uma mudança na posição da empresa por conta da evidenciação dos riscos do negócio. O cumprimento de obrigações é utilizado como ferramenta para evitar multas regulatórias e danos à sua reputação. Além da preocupação com os valores que serão desembolsados, a empresa enfatiza a importância da reputação de uma corporação de grande porte, pois sua legitimação perante a sociedade na qual se insere é imprescindível para sua sobrevivência, mantendo a postura em 2016.

Além disto, a Bradespar se preocupou em evidenciar, nas demonstrações financeiras de 2015 e 2016, e não em 2014, os riscos relacionados à regulação dos setores, às questões ambientais como o manuseio, armazenamento, descarte e deposição de substâncias perigosas ao meio ambiente e o uso de recursos naturais, regulamentações ambientais, de saúde e segurança, inclusive regulamentação relativa a mudanças climáticas.

Também, os riscos dos negócios e das investidas foram explorados nos primeiros 45% do relatório da Bradespar em 2016, para que somente depois de toda a disposição sobre as incertezas, começassem a ser demonstradas as possibilidades e a posição atual dos ativos relevantes. Nas notas explicativas das demonstrações contábeis, a Bradespar salienta que de acordo com a legislação brasileira e os termos do acordo da joint venture, a VALE não tem a obrigação de prover recursos a Samarco, não faz menção ao acordo que culminou na criação da Fundação Renova e que o investimento da Vale na Samarco foi reduzido para zero e nenhum passivo foi registrado nas demonstrações contábeis da Vale, desta forma não há qualquer impacto contábil no que tange ao rompimento da Barragem de rejeitos da Samarco nas demonstrações da Vale e, consequentemente, na Bradespar.

Portanto, visualiza-se que as demonstrações da Bradespar procuram ausentar a Vale, que é sua investidora, de qualquer responsabilidade com o acontecido, apesar de que, na realidade, isto está longe da verdade, já que a redução do investimento a zero da Vale na Samarco ocasionou prejuízos para ela e seus acionistas.

4.2 Análise dos Relatórios da Litel

A Litel Participações S.A. (Litel) é uma sociedade anônima, de capital aberto, sediada no Rio de Janeiro, cujo objeto social é a participação em outras sociedades, empreendimentos e consórcios, como sócia, quotista ou acionista. Constituída em 1995, sua principal atividade é a participação como acionista controladora de forma direta e indireta na holding Valepar S.A. (Valepar) e de forma direta nas empresas Litela Participações S.A. (Litela) e Litelb Participações S.A. (Litelb). A Valepar é uma sociedade de capital fechado, que tem por objeto, exclusivamente, participar como acionista controlador da Vale. Litela e Litelb são sociedades de capital fechado, cujo objeto é a participação direta no capital da Valepar.

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acionista no capital social da Vale. Por tratar-se de uma holding, as atividades da Litel são realizadas por seus diretores, não havendo funcionários contratados. Os comentários do desempenho da Litel decorrem dos comentários de desempenho da sua controlada indireta, a Vale. Nos relatórios analisados de 2014 e 2015 não há qualquer menção ao rompimento da barragem de rejeitos ou à Samarco. Já nos relatórios de 2016 a única menção ao caso ocorre na descrição do grupo econômico vinculado e dos riscos exclusivamente à participação indireta da companhia na Vale, através da Valepar. Não há, também, menção da redução do investimento da Vale na Samarco, nem reconhecimento de provisões para perdas, o que indica uma conduta imprudente por parte da empresa.

4.3 Análise dos Relatórios da MMX

As informações declaradas pela MMX em seus relatórios não fazem qualquer menção à tragédia, ou sobre os riscos da atividade e possíveis despesas que podem ocorrer por isto. A falta de alinhamento às outras empresas do setor possivelmente possa ser explicada pela situação do grupo EBX no período analisado. A empresa passa desde outubro de 2014 por dificuldades que culminaram em um pedido de recuperação judicial homologado em setembro de 2015; informações extraídas da DFP da MMX (2015), esclarecem que o plano de recuperação ainda não refletiu nas demonstrações financeiras por não ser possível a mensuração até a publicação das mesmas.

A Ernst & Young (EY), responsável pela auditoria independente das demonstrações contábeis da MMX afirma uma incerteza de continuidade da empresa, fraqueza nos controles internos, além de indicar uma relevante dúvida sobre a capacidade operacional da auditada, o que demonstra que a MMX passa por um período delicado, tendo em vista que a reputação da empresa não depende exclusivamente da situação do mercado e das outras empresas do setor, já que os desafios mais relevantes são de ordem interna. Ressalta-se que, nos relatórios analisados, não há qualquer menção ao rompimento da barragem de rejeitos ou à Samarco, apenas aos riscos inerentes à atividade de mineração, mas não há qualquer provisão ou contingências neste sentido, contabilizações e evidenciações relacionadas à Recuperação Judicial, tampouco isto foi indicado pela auditoria independente realizada.

4.4 Análise dos Relatórios da Vale

A Vale S.A. (Vale) é uma sociedade anônima de capital aberto e tem seus títulos negociados nas bolsas de valores de São Paulo – BM&FBovespa (B3), Nova York – NYSE, Paris – NYSE Euronext e Madri – LATIBEX, sendo, portanto, uma companhia de abrangência internacional. Reitera-se que a Vale é detentora de 50% (cinquenta por cento) das ações da Samarco, junto com a BHPB. Em análise das Demonstrações Financeiras do exercício de 2014, não se encontra nenhuma menção ou evidenciação ao fato do rompimento da barragem da Samarco. Por outro ângulo, também não há

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qualquer dizer sobre a Barragem de Fundão e se existem riscos socioambientais com o seu funcionamento, ou de qualquer barragem. Quanto a Samarco, são evidenciados os valores que seriam “normalmente” descritos, como: situação do investimento, dividendos recebidos, valores de partes relacionadas, entre outros.

Na Carta do Presidente, constante deste conjunto de demonstrações, menciona-se que, em 2014, a Vale reforça seus compromissos com a saúde, segurança, responsabilidade social e ambiental, sendo dito que foi investido US$865 milhões em proteção e conservação ambiental. De mesmo modo, faz parte das demonstrações financeiras o demonstrativo do Balanço Social. Porém, a Carta do Presidente, Balanço Social ou declaração de valores investidos em questão não se verificam nas demonstrações de 2015 e 2016. Assim, tem-se um prejuízo nas evidenciações, e na consequente legitimação, pela perda da informação agregada, que ocorre justo nos anos onde estas informações seriam mais necessárias para o mercado, de forma a possuir um pronunciamento da empresa acerca do momento que passou. Neste momento, a Vale perde a oportunidade inicial de fornecer explicações sobre como o fato abordado afetou a situação econômica da empresa.

Já nas Demonstrações Contábeis do exercício de 2015, ano do rompimento da barragem, a Vale demonstrou na Nota Explicativa nº 4 – “Evento relevante – Rompimento da barragem da Samarco Mineração S.A.” os dizeres vinculados a tal fato e a afetação à companhia. É evidenciado, que houve a determinação da suspensão das atividades da Samarco pelo Governo de MG, e que a Samarco está trabalhando em conjunto com as autoridades para mitigar os efeitos ambientais e sociais decorrentes do evento, bem como que a Samarco constitui uma joint venture entre a Vale e a BHPB.

Em decorrência do evento e da relação jurídica entre investida e investidora (joint venture), a Vale demonstra que foi realizada redução dos valores do investimento na Samarco para zero, sendo, assim, contabilizado impairment – redução ao valor recuperável de ativos, no valor de R$510 milhões. O motivo apontado foi que a Vale não é obrigada a prover recursos a Samarco, devido aos termos do acordo de joint venture. Portanto, é caracterizado que não ocorreram efeitos no fluxo de caixa da Vale no exercício findo em 2015 por causa do rompimento da barragem e, de mesmo modo, não foram registrados nenhum passivo nas demonstrações da Vale. Contudo, aponta-se pela improcedência disto, já que efetivamente ocorreram prejuízos para a Vale e seus acionistas, bem como foi obrigada a participar da Fundação Renova, já mencionada, que tem o dever de indenização às vítimas.

Por outro lado, são relatadas as atitudes tomadas pela Samarco em decorrência do evento, de que esta reconheceu provisões para remediação socioambiental com base nas informações disponíveis na época, mas estabelece que não há exatidão nos valores. Pelo mesmo motivo é posto que passivos contingentes não podem ser estimados naquele momento. Entretanto, há um aumento expressivo no valor estimado de passivos contingentes decorrentes de processos ambientais, de R$2.881

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milhões em 2014, para R$5.224 milhões em 2015, sendo um acréscimo de 81,32%. Contudo, em relação a evidenciações de gastos específicos com o intuito de prevenir ou evitar eventos que ocasionem danos ao meio ambiente, não é verificado em item específico.

Quanto às contingências, ainda em 2015, são explorados os processos judiciais interpostos até aquele momento em virtude do rompimento da barragem, que são: a Ação Civil Pública contra a Samarco, Vale e BHPB movida pela União Federal, Estados do Espírito Santo e Minas Gerais e outras autoridades governamentais, que estabeleceram como valor total da ação o valor de R$20,2 bilhões; ações movidas por Investidores nos Estados Unidos, no Tribunal de Nova Iorque, alegando que a Vale fez declarações falsas e enganosas ou omitiu divulgações acerca dos riscos e perigos das operações da barragem de Fundão, reivindicando indenização e supervisões pela empresa; outras ações movidas por indivíduos diversos que se sentiram prejudicados pelo evento danoso e procuram indenização por danos pessoais, morte por negligência, lesão comercial ou econômica, quebra de contrato e violação dos estatutos. Como consequência da natureza preliminar destes fatos, não foi possível determinar, na época das demonstrações, nenhum intervalo de possíveis desfechos ou estimativas confiáveis da exposição potencial e resultados de todos os processos, e, assim, nenhuma provisão ou passivo contingente foi reconhecido pela Vale. Neste contexto, nenhuma indenização foi reconhecida nas demonstrações contábeis da Vale e da Samarco, o que configura uma postura que abala o Conservadorismo, pelo fato de que, mesmo com valores incertos, deveriam ter sido reconhecidos, como o foram no ano seguinte, analisado a seguir.

Todas as ações judiciais promovidas contra a Samarco, Vale e BHPB são demonstrações públicas de afetação a legitimidade das entidades, de modo que prejudicam a aceitação social, através do mercado, da sua atividade e, portanto, fazem questão de mencionar que não há desfechos, naquela época, em nenhum deles. Isto coaduna como uma manobra para tentar recuperar a legitimidade perdida, assim como mencionado por Schumann (1995), de forma a minimizar as perdas nas suas ações.

Também, o fato da companhia Vale ter evidenciado tão rapidamente em suas demonstrações financeiras do ano de 2015, a partir da data do rompimento da barragem de Fundão, todas as evidenciações e explicativas constadas neste ano, confirmam que o conservadorismo esteve presente na contabilidade, apontando que as más notícias são demonstradas mais prematuramente do que as boas notícias, como ressaltado por Basu (1997). Em especial, destaca-se o fato do reconhecimento de impairment, reduzindo a zero o valor do investimento na Samarco, já que as atividades desta foram suspensas e havia alta incerteza na sua retomada, que continua até a data deste estudo. Além disso, tudo isto se comprova como um esforço da Vale em legitimar suas atitudes, de maneira a manter a legitimidade que já possuía, e afastar as consequências negativas que tal acontecimento possa implicar à imagem da empresa. Desta forma, se vislumbra uma preocupação da empresa em manter sua legitimidade no mercado, mas é curioso que a companhia não menciona o que faz para

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consertar a legitimidade perante as famílias atingidas pela tragédia, que sofrem com seus efeitos até hoje ou do que fez para evitar novas tragédias, assim como ocorrido em Brumadinho no ano de 2019.

Por último, nas demonstrações contábeis de 2016, o evento do rompimento da barragem é inicialmente mencionado no item “Eventos especiais ocorridos durante o exercício” (Vale, 2016, p. 25), que se referem àqueles que a companhia julga que impactaram com significância o resultado do exercício, a seu critério. Neste item, encontra-se elencada a rubrica “Provisão Samarco”, no valor de R$3,967 bilhões, e remete o leitor a Nota Explicativa nº 21. Pode-se avaliar que este se refere a 29,76% do total dos eventos especiais relacionados, bem como que, nos anos anteriores de 2015 e 2014, esta rubrica tem valor zero.

A referida Nota Explicativa nº 21 - “Passivos relacionados à participação em coligadas e joint ventures”, apesar do nome, se refere exclusivamente, aos acontecimentos, atitudes e provisões da Vale, vinculadas ao rompimento da barragem da Samarco. Primeiramente é apontado que em março de 2016 foi realizado Acordo Judicial, entre Vale, BHPB e Samarco com a União Federal, Estados do Espírito Santo e Minas Gerais e outras entidades governamentais, e pactua a constituição de uma fundação, financiada pela Samarco, com o aporte de R$8,4 bilhões, entre os anos de 2016 a 2021. Frisa-se que a Vale e a BHPB somente serão responsabilizadas diretamente caso não ocorra o cumprimento do acordo pela Samarco. Por conseguinte, como fruto do Acordo, pelos motivos já abordados anteriormente, a Fundação Renova foi criada em junho de 2016, operando efetivamente desde agosto de 2016.

Além disto, consta que devido a Samarco continuar com suas atividades suspensas por determinação das autoridades governamentais, e da incerteza de apontar um momento concreto de retomada, pela falta nos fluxos de caixa e o consequente não cumprimento do Acordo por esta, a Vale constituiu Provisão, em 30 de junho de 2016, no valor de R$3,733 bilhões, além de um adicional de R$234 milhões utilizados pela Samarco para continuação das operações, compondo o item “Redução ao valor recuperável e outros resultados na participação em coligadas e joint ventures”, que afetou o Resultado em 3,94%. É evidenciado que a provisão foi constituída com base na melhor estimativa dos recursos necessários para cumprimento dos programas de reparação e compensação previstos no Acordo, equivalente ao percentual de participação acionária, sendo evidência da obediência ao Conservadorismo. Além disto, o Investimento da Samarco nas demonstrações da Vale continua com valor zero, pelos mesmos motivos apontados em 2015.

Ainda, quanto às evidenciações relacionadas diretamente ao rompimento da barragem em 2016, são detalhados vários processos judiciais movidos por diversos órgãos decorrentes do acontecimento, tendo a Vale como parte passiva – ré. Na Tabela 2 tem-se um resumo dos processos enfrentados pela Vale relacionados ao acidente da Samarco.

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Tabela 2 - Processos da Vale Relacionados ao Acidente da Samarco

Tít

ulo Autores Motivo

Valor Total da Ação Cond ição Atual C ontabilid ade Ação civil pública movida pelo governo federal e outros União Federal, Estados do ES e MG, outras autoridades gov. Indenização e implementação de programas de recuperação e compensação R$20,2 bilhões Pendente Homolog. Judicial de Acordo Sim, Provisão do Acordo firmado Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal Ministério Público Federal Indenização, pagamento de dano moral coletivo

e adoção de medidas voltadas à mitigação dos impactos sociais, econômicos e ambientais R$155 bilhões Pedido de Suspensão Processo, em virtude do Acordo Não Ações Coletivas nos Estados Unidos da América Investidores detentores de American Depositary Receipts da Vale Declarações falsas e enganosas ou omitiu divulgações sobre os riscos e perigos das operações da barragem Não incluso Defesa da Vale, pendente de julgamento Não Denúncia por crimes contra o meio ambiente Ministério Público Federal Crimes contra o meio ambiente, o ordenamento urbano, bem como por delitos contra as

vítimas Não incluso Citação da Vale, pendente de prazo Não

Fonte: elaborado pelos autores, com base nas Demonstrações Financeiras da Vale (2016)

O primeiro processo na Tabela 2 é o mais detalhado quanto as suas fases de instrução nas demonstrações financeiras analisadas, sendo decorrente dele o Acordo mencionado, que resultou na realização da contabilização da Provisão para Contingências no valor de R$3,733 bilhões, pelo fato da incerteza da Samarco conseguir cumprir com suas obrigações acordadas. Quanto ao segundo processo, movido pelo Ministério Público Federal, apesar de ele possuir o maior valor total atribuído (R$155 bilhões), há movimentos no intuito de sua suspensão, em face do Acordo firmado noutro processo, já que possuem, basicamente, as mesmas causas e motivos. Também, é ressaltado no documento que, em função desses processos estarem em estágios preliminares, não é possível determinar o intervalo de possíveis desfechos ou uma estimativa confiável da exposição potencial neste momento. Portanto, com exceção dos valores já tratados, é mencionado que nenhum outro passivo contingente foi quantificado e nenhuma provisão para os processos relacionados ao rompimento está sendo reconhecida. Esta evidenciação dos litígios judiciais vai ao encontro do exposto por Watts (1993), Basu (1997) e Watts (2003), de que isto caracteriza a presença do Conservadorismo nas demonstrações da

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organização, como tratado anteriormente.

Quanto a isto, o relatório da companhia faz alusão aos fatos que podem afetar a contabilização da provisão, sendo eles: “a) mudanças no escopo de trabalho incluído no Acordo como resultado de análises técnicas adicionais; b) resolução de incerteza sobre a retomada das operações da Samarco; c) atualizações da taxa de desconto; e d) resolução de reclamações legais existentes” (Vale, 2016). Com isso, a companhia busca demonstrar que as despesas a serem incorridas no futuro podem diferir dos montantes provisionados e as alterações nessas estimativas podem resultar no montante da provisão no futuro.

Por outro lado, são relacionadas e contabilizadas “provisões ambientais”, que se referem às provisões decorrentes de processos judiciais referentes a vícios processuais na obtenção de licenças, não cumprimento de licenças ambientais e prejuízos ambientais, sendo reconhecidos com base nas perdas decorrentes dessas ações, amparadas pela opinião de consultores legais. Os valores são R$130 milhões em 2014, R$78 milhões em 2015 e R$25 milhões em 2016, ou seja, ocorreu um decréscimo relevante neste valor. Contudo, os passivos contingentes não foram contabilizados, apenas estimados, e aumentaram de R$5.224 milhões em 2015 para R$5.944 milhões em 2016, um acréscimo de 13,78%. Cumpre salientar que, pela alta probabilidade de ocorrerem, deveriam ter sido contabilizados.

Ponto a ser considerado é que constam das Notas Explicativas das demonstrações financeiras dos anos de 2014, 2015 e 2016, item específico quanto à Gestão dos Riscos da Atividade, idênticos em todos os anos vislumbrados, em que a companhia demonstra as políticas de gestão de risco, com o entendimento de que isto é fundamental para o atingimento dos seus objetivos e a continuidade do negócio. Entretanto, não há menção a riscos socioambientais, de qualquer tipo. Este item restringe-se a explorar a gestão de risco de liquidez, gestão de risco de crédito, gestão de risco de mercado, entre outros, portanto, riscos diretamente ligados as finanças, mencionando, apenas, que são contratados seguros de riscos operacionais, sem mencionar se a questão socioambiental está inclusa.

Contudo, os fatores de risco da atividade são abordados, pormenorizadamente, pela Vale em outro documento – Formulário de Referência – no qual a companhia evidencia as variáveis dos riscos do negócio, em vários tipos, bem como os riscos socioambientais. A Tabela fornece um detalhamento dos capítulos constantes no documento em cada ano, acerca do rompimento da barragem de Fundão e os riscos socioambientais.

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