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“Um boi Zepelim enfeitiçado...” : trajetória de vida do vaqueiro “Doutor de Vito” e as vaquejadas “pega-de-boi no mato” no sertão sergipano dos anos 1950

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

“UM BOI ZEPELIM ENFEITIÇADO…”: trajetória de vida do vaqueiro

“Doutor de Vito” e as vaquejadas “pega-de-boi no mato” no sertão

sergipano dos anos 1950

José Adeilson dos Santos

São Cristóvão

Sergipe - Brasil

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JOSÉ ADEILSON DOS SANTOS

“UM BOI ZEPELIM ENFEITIÇADO…”: trajetória de vida do vaqueiro

“Doutor de Vito” e as vaquejadas “pega-de-boi no mato” no sertão

sergipano dos anos 1950

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Sergipe, como requisito obrigatório para obtenção de título de Mestre em História, na Área de Concentração Cultura, Memória e Identidade.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Lindvaldo Sousa

São Cristóvão

Sergipe - Brasil

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Santos, José Adeilson dos

S237b “Um boi Zepelim enfeitiçado-”: trajetória de vida do vaqueiro “Doutor de Vito” e as vaquejadas “pega-de-boi no mato” no sertão sergipano dos anos 1950 / José Adeilson dos Santos; orientador Antônio Lindvaldo Souza. – São Cristóvão, 2018.

143 f.: il.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Sergipe, 2018.

1. História – Festas folclóricas – Aquidabã (SE). 2. Cultura. 3. Rodeios. 4. Cultura popular. 6. Matos, José Aloísio de. I. Souza, Antônio Lindvaldo, orient. II. Título.

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Ao Doutor de Vito, herói da ―pega‖ do boi Zepelim

e a todos os vaqueiros de vaquejada-de-boi no mato pelos cantos do sertão sergipano.

À memória de Zepelim, famanaz boi das caatingas dos sertões sergipanos.

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AGRADECIMENTOS

Chegando ao fim desta peleja, muita emoção e sentimentos se elevam como tributo ao empenho e dedicação para atingir o objetivo deste estudo. Desde o início, um grande desafio. E uma vontade maior: apresentar para a renomada academia Universidade Federal de Sergipe e para a comunidade científica, um tema de referência da cultura regional do sertão sergipano, de onde procedo. Tratar de vaqueiros e de vaquejadas. De pessoas do campo e da roça, juntando-se a este trabalho com suas falas e testemunhos sobre aspectos do tema que privilegiei estudar. E parecendo um vaqueiro em obstinada busca de gado arredio, me considerei ―teimoso‖ em busca deste objetivo: o título de mestre na área de conhecimento da História.

Entretanto, sozinho não chegaria a lugar nenhum. Melhor dizendo, nem teria ―arrancado carreira‖. E para o contrário, contei com o incentivo e a companhia de muitos. Que depois de Deus, acreditando ser a força que me tem conduzido perante a tantos desafios, me acompanharam. Reconheço, e agradeço:

Ao professor doutor Antônio Lindvaldo Sousa, meu orientador. Para todas as minhas deferências. Por ter sido um dos primeiros a apreciar minha proposta de pesquisa. E ter aceitado ser ―timoneiro‖ do rumo que tomei para seguir com este estudo. Sem as observações deste grande mestre, não teria chegado muito longe. Perfeita condução deste trabalho. Que tornou-se nosso!

Aos professores do curso Mestrado de História, Universidade Federal de Sergipe, de cujas disciplinas tive grandiosa contribuição e embasamento teórico para o êxito desta atividade acadêmica.

Aos colegas da turma com quem compartilhei ideias, boas discussões e a construção de saberes e aprendizado. Neste sentido, ressaltando Valéria Santos por todos os acolhimentos. E a estimada Jéssica Souza, minha ex-aluna do ensino médio e nesta pós-graduação, minha solícita parceira perante às atividades acadêmicas. Terna e agradável, não se desacostumou de chamar-me ―professor‖.

Aos professores doutores Claudefranklin Monteiro (UFS/SE) e Joceneide Cunha (UNEB/BA) que participando da banca de qualificação deste trabalho, fizeram observações importantes e me indicaram muitos caminhos e veredas para o êxito desta empreitada.

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Ao amigo e professor-mestre Jorge Henrique, pela colaboração inestimável na fase de construção (elaboração do projeto) deste estudo.

Ao colega historiador Thiago Fragata, pelo incentivo e colaboração com ideias e material que adotei para referências neste texto.

Ao professor Minervino Almeida, pela contribuição de suas lembranças e considerações sobre a referência do boi Zepelim, no contexto da cultura dos vaqueiros dos sertões sergipanos.

Aos vaqueiros encontrados nas paragens sertanejas, por cujas memórias este trabalho encontrou raízes e importância. Que não posso descuidar-me dos nomes como são conhecidos no sertão sergipano: Tonho de Chico da Bela Vista, João Pepeta, Adelson de Mariquinha (meu genitor), Maurício do Pajeú, Anselmo Correia, Miguel do Pajeú, Manoel de Amadeus e Zé Piaba. A todos, os meus sinceros agradecimentos!

De modo especial a José Aloísio de Matos, pela recepção acolhedora e as boas horas de conversas sobre a sua vida, a sua história e seu nome, como o considerado vaqueiro-herói ―Doutor de Vito‖ das ―vaquejadas e pegas-de-boi no mato‖.

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Se a causa é justa, vale a teimosia! A luta já compensa… e a honra é sempre vitória!

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RESUMO

A vaquejada pega-de-boi no mato é manifestação cultural do ambiente dos sertões nordestinos e, por conseguinte, sergipano. É própria do ambiente da pecuária extensiva, do ―ciclo do couro‖ (século XIX), perante o processo de ocupação e povoamento da região com a criação de gado à solta, no ambiente das áreas de caatinga. É secularmente compreendida como festa, cuja continuidade até os dias atuais é protagonizada pelos sujeitos sertanejos como prática e representação - categorias de análise (de Roger Chartier) que nos servem de referências teóricas. Por este estudo discutimos o tema como importante expressão das culturas e identidade regional dos homens do sertão. Em relação a outros trabalhos, diferenciamos nossa abordagem pela apropriação do recurso teórico metodológico do gênero biográfico, permitindo sobressair-se a trajetória de um sujeito do meio rural. Trata-se do personagem José Aloísio de Matos, um octogenário vaqueiro do município sergipano de Aquidabã, conhecido pela alcunha Doutor de Vito, cuja história de vida é marcada como homem da atividade criatória. E como próprio desse labor, aprendeu buscar gado solto ―nos matos‖. Prática que tornou-se entretenimento de pega e vaquejada de pega-de-boi no mato e por ela, este vaqueiro alcançou o lendário e misterioso boi Zepelim, projetando-se de fama. E para esta finalidade, valorando o sentido do desafio junto à comunidade vaqueirama.

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ABSTRACT

The vaquejada manatee in the bush is a cultural manifestation of the environment of the northeastern sertões and, therefore, Sergipe. It is typical of the extensive cattle ranching environment, the "leather cycle" (19th century), before the process of occupation and settlement of the region with the breeding of livestock in the environment of the caatinga areas. It is secularly understood as a party, whose continuity up to the present day is carried out by sertanejos subjects as practice and representation - categories of analysis (by Roger Chartier) that serve as theoretical references. For this study we discuss the theme as an important expression of the cultures and regional identity of the men of the hinterland. In relation to other works, we differentiate our approach through the appropriation of the methodological theoretical resource of the biographical genre, allowing to highlight the trajectory of a subject of the rural environment. This is the character José Aloísio de Matos, an octogenarian cowboy from the Sergipe municipality of Aquidabã, known by the nickname Doctor de Vito, whose life history is marked as a man of the creative activity. And as a result of this work, he learned to search for loose cattle "in the bushes." Practice that became entertainment of handle and vaquejada of handle in the bush and by her, this cowboy reached the legendary and mysterious Ox Zeppelin, projecting itself of fame. And for this purpose, valuing the sense of the challenge with the community vaqueirama.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 01 – Encontro com o senhor Maurício do Pajeú 24

Imagem 02 – Encontro com o vaqueiro ―Doutor de Vito‖ 30

Imagem 03 – O vaqueiro Doutor de Vito, aos seus 22 anos 48

Imagem 04 – Encontro com o vaqueiro Miguel do Pajeú 54

Imagem 05 – Mapa do Estado de Sergipe e suas mesorregiões 56

Imagem 06 – Centenária sede - Fazenda Pajeú – Porto da Folha/SE 61

Imagem 07 – ―Curral-de-paus‖ - Fazenda Pajeú – Porto da Folha/SE 62

Imagem 08 – Tonho de Chico da Bela Vista - dos tempos do boi Zepelim 66

Imagem 09 – Tonho de Chico da Bela Vista - falando do boi Zepelim 68

Imagem 10 – Vaqueiros em evento de pega-de-boi no mato 108

Imagem 11 – Vaqueiro em evento de pega-de-boi no mato 109

Imagem 12 – Professor Minervino – memória da saga do boi Zepelim 125

Imagem 13 – Manoel de Amadeus, senhor das pegas-de-boi no mato 130

Imagem 14 – Uma ―velha-guarda‖ de vaqueiros de pega-de-boi no mato 131

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO I – COM O DOM E PAIXÃO, PARA SER O VAQUEIRO ―DOUTOR DE VITO‖ 23

1.1 - Para além de um doutor, um vaqueiro 29

1.2 - ―Quem faz o vaqueiro bom, é o cavalo bom‖ 36

1.3 - Ser vaqueiro de pega-de-boi no mato: dom e paixão 40

CAPÍTULO II – NO SERTÃO DE CAATINGAS, VAQUEIROS, GADO E PELEJA 49

2.1 - Para gado desacostumado com gente 52

2.2 - Nas ―pegadas‖ do boi Zepelim 64

2.3 - Boi Zepelim, e uma fama de custo alto 78

2.3.1 - Da notícia ao convite: um ―Doutor de Vito‖ entra em cena 82

2.3.2 - Com o ―Doutor de Vito‖, o final da saga do boi Zepelim 86

CAPÍTULO III – POR ―ZEPELIM‖, CAVALOS E VAQUEJADA: UM SERTÃO DE FAMAS 93

3.1 - Sem preconceito, ―cabra-macho… Sim, senhor!‖ 106

3.2 - Aboios e toadas: para exaltar fama de gado e de vaqueiros 110

3.3 - Contra o ―Zepelim‖ de famas, mais do que teima e coragem de vaqueiro 117

3.4 - Vaquejada: um misto de ―peleja‖ e festa 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS 133

FONTES 138

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho, tratamos da manifestação cultural realizada no ambiente dos sertões nordestinos que é a pega-de-boi no mato, vindo a tornar-se vaquejada de boi-no-mato. É compreendida como a gênese da profissionalizada ―vaquejada de mourão‖.1

Constituída como nosso tema de estudo, a abordamos com o objetivo de realizarmos uma discussão sobre a sua importância no contexto cultural de parte do Nordeste2 brasileiro. Apropriadamente das áreas semiáridas dessa região, tipicamente marcadas pela vegetação de caatinga3 e pelo aspecto econômico da pecuária extensiva (de gado bovino).

Originalmente provém do trabalho dos vaqueiros que, dentre tantas atividades (próprias do manejo com o gado à solta), também consistia em dar conta das reses dispersas pelas matarias das propriedades rurais. E quando constituída na modalidade de vaquejada, como definida por Câmara Cascudo (1966, p. 17) tornou-se para a exibição ―… de força ágil, provocadora de aplausos e criadora de fama‖ para os vaqueiros. Por estes sentidos e ―representação‖, a prática se tem mantido como expressão da cultura popular4

nordestina e, própria dos aspectos da identidade desta região e do homem sertanejo.

No campo da produção historiográfica, o trabalho junta-se a outros escritos com destaque para o mesmo tema. Que em comum se assemelham por contextualizarem a prática da vaquejada, como sendo decorrente da atividade pecuária extensiva. E depois como uma modalidade mista de festa e esporte do meio rural.

1

Esta modalidade ocorre em estruturas sofisticadas (de parques e arenas) organizadas para derrubadas de bois, perseguidos em pista por duplas de vaqueiros sobre seus cavalos. Este conjunto é profissionalmente treinado para o referido espetáculo.

2

Termo discutido sob diversas acepções e conceitos, cuja abordagem tratamos em páginas constantes do segundo capítulo deste trabalho.

3

Como para o significado da categoria ―Nordeste‖, também apresentamos em parte desta escrita (segundo capítulo) a caracterização para os termos ―caatinga‖ e ―sertão‖, importantes no contexto de nossa abordagem. De tal maneira, trataremos os conceitos de ―herói‖ (e de heroísmo), de ―macho‖ (e de machismo) como construções e representações culturais.

4

Relacionamos o objeto deste estudo à categoria ―cultura popular‖, mesmo entendendo o termo como polissêmico. De acordo com Roger Chartier (1995, p. 185), trata-se de um ―conceito historiográfico‖, construído a partir dos ―modos de usar‖ e das ―práticas sociais‖. Da maneira como Burke (1989) concebeu o significado de cultura, também sendo ―… de muitas definições concorrentes‖. Entretanto, entendemos que esta categoria é devida para o tema deste estudo. Que também pode ser compreendido sob a perspectiva de ―culturas do povo‖, conforme Natalie Davis (2002), que passou a se interessar pela vida dos homens comuns e, pelos temas de um universo de práticas até então não compensados pela história tradicional. Para efeito, priorizando fontes sobre as vidas de pessoas. Priorizando reconhecer formas da vida como artefatos culturais e não, apenas, itens na história.

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De início, reportamo-nos à clássica obra de Luis da Câmara Cascudo, A vaquejada nordestina e sua origem (1976), que reconstitui o trajeto histórico desta prática desde a segunda metade do século XIX, relacionando-a como própria do manejo da pecuária extensiva do Nordeste brasileiro. No entanto, não atribui destaque ou especificidade de algum sujeito envolvido com a referida prática.

No artigo de Félix e Alencar (2011) O Vaqueiro e a Vaquejada: do Trabalho nas Fazendas de Gado ao Esporte nas Cidades, os próprios autores destacam em resumo que, o trabalho aborda as transformações na vida dos vaqueiros dos sertões nordestinos. Homens que tinham como principal dos divertimentos, apenas as festas de apartação praticada nas fazendas. E sobre a atividade que antes era tida como rural, hoje faz parte do cotidiano das grandes cidades do nordeste e do Brasil. Neste sentido, tratando-se da ―vaquejada de mourão‖.

Pelo artigo de Almeida (2011) Festas Rurais e Turismo em Territórios Emergentes, algumas reflexões são feitas compreendendo a importância da valorização do patrimônio imaterial, a partir das festas rurais realizadas nas regiões do Nordeste, Goiás e Minas Gerais, atraindo a atenção do turismo. Neste enfoque, há referência direta para os eventos de vaquejadas de ―pega-de-boi no mato‖ em Sergipe. Trata de sua historicidade e de seus aspectos característicos. Comenta sobre as frequentes ―corridas‖ realizadas pelos vaqueiros do meio rural e, em destaque como grande evento, a ―Festa do Vaqueiro‖ promovida anualmente no município sergipano de Porto da Folha.

Também em parceria de escrita, Almeida e Menezes (2008) dão conta de nossa temática, através do artigo A Representação Cultural da Vaquejada Resiste no Sertão Sergipano do São Francisco. Analisam as vaquejadas na caatinga como uma festa originariamente do ciclo do gado do século XIX, expressando uma representação cultural do sertanejo, um ritual de interação social e entretenimento para as comunidades sertanejas.

Cardoso e Alves (2011), pelo artigo O Gado na Cultura Sergipana reportam que para cultura deste Estado, a presença do boi é marca histórica e identitária. Dado que remete para diversas contribuições. Desde toponímica5 ao âmbito simbólico de práticas culturais e da

5

Chamando atenção para os diversos nomes de cidades e povoações sergipanas, derivados e de referências da pecuária bovina. Segundo Cardoso e Alves (Op. Cit., 2011), denominações como Malhada dos Bois, Gado Bravo (em Tomar do Geru e Capela), Curral dos bois (povoado em Japaratuba e em Simão Dias), Poço do Boi (em Cedro de São João), Currais (em Japoatã), entre outros, são indícios da presença marcante das boiadas na formação e expansão do território sergipense.

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memória popular, reveladas por expressões como do folclore, da culinária, da arte e da literatura.

Nesta perspectiva de abordagem de um universo mítico da cultura do gado ―vacum”, produzindo um mundo simbólico construído no imaginário popular e tradicional sertanejo, ressaltamos o texto de Giulle Vieira da Mata (2003, p. 41), O Segredo do Boi Misterioso nos Romances de Vaqueiros, como ele destacou:

Pegar o boi mais famoso da região, que desafiava o homem "em suas barbas", passava a ser questão de honra, coragem e "firmeza". Por isso, a atitude do vaqueiro (que o romance atribui também ao boi) deveria fazer jus ao apego de sua gente pela valentia, pela honra, pela palavra empenhada. O homem, que se sentia desafiado em sua capacidade profissional e conseqüentemente em sua integridade, o homem que não tolerava dúvidas quanto a seus atributos pessoais, ousava então entrar no sertão sozinho. Declarava sua auto-suficiência perseguindo o boi, a fama, enfim o boi-Fama.

Referidos trabalhos abordam aspectos da cultura nordestina (e sertaneja) pelo enfoque à manifestação da vaquejada, ao ambiente dos sertões, às figuras do vaqueiro e do boi. Entretanto, de forma generalizada, mantendo o anonimato dos sujeitos, a ausência de seus nomes e de suas ações.

Assim, portanto, são diferentes de nossa perspectiva visto que, prioritariamente, tratamos do nosso objeto a partir do recurso teórico-metodológico do gênero biográfico,6 permitindo que a trajetória de um sujeito do meio rural se sobressaia.

Trata-se do personagem José Aloísio de Matos, um octogenário vaqueiro aquidabãense7 conhecido pela alcunha ―Doutor de Vito‖.8 De cuja história se expressam memórias e lembranças das ―pegas‖ e ―vaquejadas‖ de boi-no-mato que participou ao longo de sua vida, pelos tantos lugares do sertão sergipano.9 Compreendendo os atuais municípios de Graccho Cardoso, Itabi, Gararu, Nossa Senhora da Glória, Monte Alegre de Sergipe, Porto

6

Perspectiva metodológica para qual, mais adiante (em parte desta introdução), explicaremos os motivos de adotá-la como recurso teórico.

7

Próprio do município sergipano de Aquidabã, localizado na mesorregião do Agreste Sergipano e da microrregião de Nossa Senhora das Dores, a 98 quilômetros da capital do Estado, a cidade de Aracaju. Em figura ilustrativa (mapa do Estado de Sergipe e de suas mesorregiões) constante em parte do segundo capítulo deste trabalho, situaremos a localização geográfica deste município. Assim também as demais localidades da região ―Alto Sertão do São Francisco‖, que constitui o nosso corte espacial.

8

No primeiro capítulo deste trabalho, revelamos parte da história do personagem José Aloísio de Matos. Consta, portanto, a explicação sobre o cognome ―Doutor de Vito‖, ditada pelo referente em entrevista que nos foi prestada.

9

Em página do segundo capítulo deste trabalho há imagem ilustrativa desta área geográfica, com informações em nota de rodapé. Em mesma parte, pela leitura de Silva (1981) destacamos aspectos da formação do município de Porto da Folha-SE, acrescentando nosso conhecimento e referências sobre a região do sertão sergipano.

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da Folha, quando ainda eram genuínas povoações (primeiras décadas do século passado). Região constituída como corte espacial deste nosso trabalho pela tradição dos eventos de ―pega‖ e ―vaquejada de boi no mato‖, da cronologia dos anos cinquenta do século passado aos atuais dias. Justificada pela condição de áreas de vegetação de caatinga,10 de pecuária extensiva, de promoção destes eventos por parte de fazendeiros e criadores de gado “vacum”. Também por ser, ainda hoje, uma região esquecida e relegada pela escrita e produção historiográficas. Faltando muitas histórias e memórias de sua gente, que podem vir a se tornar objetos de estudo, como assim estamos fazendo a partir da figura de um vaqueiro.

A década de mil novecentos e cinquenta é o nosso marco temporal. Anos de histórias e lendas, para a fama do boi chamado Zepelim. Que decorrente o imaginário popular, até se acreditava que era um boi protegido por feitiço. Que carregava o espírito de se envultar na mata, fazendo com que os vaqueiros o perdesse de vista. E no ano de mil novecentos e cinquenta e quatro foi alcançado pelo vaqueiro Doutor de Vito, em campanha empreendida no ambiente das matas de caatinga do município sergipano de Porto da Folha.

O tema é do nosso interesse pelo entendimento da sua relevância social e cultural. Para isto refletimos sobre a permanência desta manifestação, a ―pega‖ e ―vaquejada de boi-no-mato‖, mantenedora de elementos rústicos11

frente ao universo da ―indústria cultural‖ que bem oferta ―entretenimentos de massa‖. Como continua e tem sido recriada, à maneira original da segunda metade do século XIX, no contexto do ciclo do couro. E, fundamentalmente, criando sentidos e significados para as pessoas. Sejam estes (sentidos e significados) de identidades e pertencimento/revivescimento histórico e cultural ou, objetivamente, do universo das ―representações‖. Onde sentidos e significados são próprios tanto para as singularidades, como para o coletivo.

De ordem pessoal pelo fato de ser descendente de vaqueiro e, natural da região que é cenário deste trabalho. Por ter crescido ouvindo histórias de personagens famosos, que marcaram épocas enfrentando desafios para a ―pegada‖ de bois marrentos, embrenhados nas matas de caatinga. E pela minha formação acadêmica, ser um pesquisador mergulhado na cultura do sertão com proximidade aos fazeres e saberes de sua gente.

10

No contexto do nosso marco temporal, década cinquenta do século passado, com abrangente e densa área coberta desta vegetação. Atualmente, com poucos extratos em reserva (com mais vegetação secundária).

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E deste universo, nos relacionarmos com aspectos da identidade regional sertaneja, cabendo identificação com os sujeitos próprios deste meio. Convivendo com a sua arte, a sua religiosidade, a sua linguagem e vocabulário, as suas festas! Condição que viabilizou experiências subjetivas junto ao nosso objeto de estudo (vaquejada de boi-no-mato) para dele tratarmos, construirmos narrativas com uma linguagem próxima à cultura da gente sertaneja, do meio rural. Dos vaqueiros, por excelência. À maneira ditada por Ankersmit (2012),12 pelo qual estamos sendo ajudados a pensar nossa relação de sujeito com o nosso objeto. De tal sorte que, em todo tempo, assim nos revelamos presentes neste texto.13 Revisitando o passado, dialogando com as fontes e interferindo junto as mesmas.

Pois essa ressonância do passado no sujeito da experiência só é possivel com a condição de que ela não é distorcida por aspectos do sujeito exteriores ao objeto, ou seja, o próprio passado. E, como vimos, essa notável proeza epistemiológica só pode ser executada em termos de estados de ânimo e sentimentos. Então, para colocá-lo de maneira paradoxal, a subjetividade é aqui a própria condiçao de objetividade.

Fazendo uma ―escrita da história‖14

cuja linguagem dá-se a partir da (nossa) experiência e relação com o nosso objeto de estudo, de forma ―sinestésica‖ tal qual formulada por Johan Huizinga15 e, apropriada por Ankersmit (2012),16 discorrendo:

… sensação, na qual sujeito e objeto aproximam-se mais uns dos outros, em que você pode ter uma fusão real entre sujeito e objeto e um tipo de unio

mystica dos dois. E, de fato, de acordo com a primazia da experiência com

relação à linguagem … mais apropriada para expressar a experiência. Aqui, não é a linguagem (e teoria) que determina a experiência, mas sim, a experiência que determina linguagem (e teoria) sujeito e objeto, darnos-á termos ….

Para, portanto, provermos a construção deste nosso texto histórico ancorado no referencial teórico Roger Chartier, a partir de suas categorias ―práticas‖ e ―representações‖ culturais. Agora mantendo diálogo com Ankersmit, relacionando a escrita da história como uma ―representação‖, como assim diz: ―[...] a representação apresenta-nos a certos aspectos

12

ANKERSMIT, Franklin Rudolf. A Escrita da História: a natureza da representação histórica. Londrina: Eduel, 2012, p. 247.

13

Importante ressaltar a nossa presença em registros fotográficos/imagens constantes neste trabalho, ilustrando contatos com as fontes orais, para a realização de entrevistas.

14

Apropriando-nos da expressão que entitula a obra de Ankersmit (2012), aqui servindo-nos de referência.

15

ANKERSMIT, 2012, Op.cit., p. 239, reporta-se a este autor com o título “Huizinga e a sinestesia”.

16

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16

da realidade representada, de forma que você pode chamar a atenção de alguém para certas características de algo‖.17

Destacando, ainda, como o autor prosseguiu em relação à construção do texto histórico, compreendendo que o mesmo ―[...] não é nada como uma cadeia simples de palavras e frases de um estudioso irremediável - mas uma representação (grifo nosso) do passado que realmente pode funcionar como um substituto para o próprio passado‖.18

E como já tendo-nos reportado às histórias de vaqueiros que foram definidos como heróis, frente à fama de bois ―de marras‖, tornou-me muito atrativo saber do lendário boi Zepelim. E mergulhando na cultura do outro, dando-se o encontro de (e com) experiências subjetivas, damo-nos conta da trajetória do personagem Doutor de Vito, o vaqueiro que conseguiu a façanha de alcançá-lo.

Assim, portanto, convergindo para a definição de nossa opção de tê-lo como sujeito do nosso estudo, as pegas e vaquejadas-de-boi no mato, no ambiente do sertão sergipano na década de 1950. Sendo que através de sua biografia e por meio das memórias,19 dele e sobre ele, passamos a ter um olhar diferenciado sobre esta manifestação cultural e sobre aspectos das identidades sertanejas. E mais que, pelo exitoso desafio da ―pega‖ do mateiro (caatingueiro) boi Zepelim, o mais marrento que o sertão ouvira falar, tornou-se objeto da ―representação‖ de um herói. Passando a ser visto como um ―vaqueiro-herói‖. E pela referida façanha, tornava possível o sonho da fama e do prestígio, de tanto valor e significados no contexto social (da época) em que o nosso sujeito estava envolvido. De tal modo, o contexto ―falando mais alto‖ para a construção e aparecimento (da trajetória) do sujeito. Da maneira como Giovanni Levi (2002) entende, através de sua tipologia biografia modal.20 E que nos serve de referencial teórico para pensarmos a história de vida do sujeito Doutor de Vito, sob a referência do nosso objeto de estudo que se enquadra no campo da História Cultural.

17 Ibid., p. 194. 18 Ibid., p. 238. 19

A categoria ―memória‖ é basilar para este estudo de orientação teórica-metodológica a partir do gênero/método biográfico, e uso de fontes orais. Nesta perspectiva, à maneira como Alberti (2007, p.183-4) passou a conceber a ―entrevista de História oral‖ como um ―documento-monumento‖, passamos a entender ―memória e história‖ com sentido de edificação. E pelo autor Walter Benjamin (1987), realçamos outra compreensão a partir dos seus conceitos ―memórias voluntárias‖ e ―memórias involuntárias‖ (que adiante abordamos como referências teóricas). Ainda para o mesmo tema, nos serviremos das idéias de outros autores como Halbwachs (2004), com uma concepção ―mais geral‖ sobre o termo e, de Michel Pollack (1992) que trata a memória como ―fenômeno coletivo e social‖.

20

Pela descrição de Dosse (2009, p. 215) sobre o percurso da escrita biográfica, lemos de Giovanni Levi a perspectiva do tipo de biografia modal no sentido de que as biografias devam servir para ilustrar os comportamentos individuais, contudo inteirados com o meio social em que vivem.

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Desta perspectiva historiográfica, servem-nos os conceitos de práticas e representações históricas e cultural como categorias teóricas de análise, a partir da fundamentação de Roger Chartier (1990, p. 17). Que por seus fundamentos compreende que o objetivo da História é ―identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler‖.

Neste trabalho, os sentidos das ―representações‖ e ―práticas‖ estão reportados por diversos meios (e maneiras): pelo conteúdo das falas dos vaqueiros e pelos seus cantos / cantorias de aboios e toadas. Pelas obras do artesanato de couro, que cuidam da confecção de suas indumentárias. Pelas suas crendices e todo um imaginário da cultura do gado. Por todo um universo traduzido pelas memórias que nos foram dispostas. Que apareceram mediante nossa interferência, pelo exercício das entrevistas executadas junto às diversas fontes orais, reveladas neste nosso trabalho.

Memórias que até então, ―acalmadas‖ no inconsciente de vários personagens, foram despertadas. Para nos revelar fatos, lembranças e ―causos‖ de tempos de gado em caatinga, criando-se à solta. Vezes perdido, vezes tangido. E quando ‖teimoso‖ (demais) para ser juntado à boiada, passando a ser perseguido por vaqueiros, cavalos e cães.

Além de memórias próprias destes guardiões do passado, também pelos mesmos nos vieram memórias repetidas, provenientes de outros. Contando-nos, à maneira como se diz: ―de quem se ouviu falar‖ ou ―de quem se ouvir dizer‖. Repetindo memórias de pais, de avós, de outros mais velhos, para que se dê a reprodução de aspectos culturais e tradicionais partilhados e de referência destes personagens.

Seguindo o conceito de Benjamim (2012, p. 45), estas são as ―memórias involuntárias‖ como ―[...] força rejuvenescedora capaz de enfrentar o implacável envelhecimento‖. Ao nosso ententer, em relação ao(do) passado. Em nosso trabalho, portanto, estas memórias se desenovelaram como fios de reminiscências e ajudaram-nos tecer a saga do boi Zepelim. Assim também a história do vaqueiro Doutor de Vito, construído pela força da “mémoire involontaire” como um ―herói‖ da cultura do gado. São nestas memórias, mesmo em estado dormente no inconsciente das pessoas, que a vivência21 dos sujeitos está guardada e se inserem acontecimentos para serem lembrados (distintamente dos acontecimento vividos).

21

Conceito apropriado de Dilthey, para cujo entendimento servimo-nos do seguinte princípio: ―tudo aquilo que se apresenta para nós não é senão como algo dado no presente. Mesmo quando uma vivência é passada, ela só está presente para nós como algo que é dado na vivência presente‖. De acordo com: DILTHEY, Wilhelm. A

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18 acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que um acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois. Num outro sentido, é a reminiscência que prescreve, com rigor, o modo de textura. Ou seja, a unidade do texto está apenas no actus purus da própria recordação, e não na pessoa do autor, e muito menos da ação. (BENJAMIN, 2012, p. 37).

Os acontecimentos lembrados e as histórias de gado e de vaquejadas ―pega-de-boi no mato‖ – nosso objeto – estão contidos, portanto, no universo destas memórias. Estão cristalizados nas lembranças (e em trajetórias de vidas) de pessoas com ―vivências‖ no contexto destas ―práticas‖ e ―representações‖. De acordo com Wilhelm Dilthey (2010, p. 223), fazendo-se valer, então, na memória ―[...] o significado como a forma de apreensão da vida‖ (grifos nossos).

A vida e aquilo que é revivenciado possuem, então, uma relação particular das partes com o todo. Trata-se da relação das partes do significado para o todo. O que se dá o mais claramente possível na memória. Em toda ligação vital, na qual nossa totalidade se relaciona consigo mesma ou com os outros, retorna o fato de as partes possuírem um significado para o todo.22 (DILTHEY, 2010, p. 219).

Denotando a atenção que Wilhelm Dilthey atribui à ―vida‖, não nos decorreu estranheza sua defesa em referência à ―biografia‖ como recurso para que se dê o objeto da história23.

Como poderíamos negar, que a biografia possui um significado eminente para a compreensão do mundo histórico! Afinal, é justamente a relação entre as profundezas da natureza humana e a conexão universal da vida histórica difundida que é efetiva em cada ponto da história. Aqui se encontra a conexão originária entre a própria vida e a história.24

Assim como o objetivo de nosso trabalho consiste em abordar a continuidade de uma prática da cultura regional dos sertões (especificamente do sertão sergipano), a partir da experiência individual (embora compartilhada), não podíamos imprescindir da ―biografia‖ como aporte metodológico.

Construção do Mundo Histórico nas Ciências Humanas. Tradução de Marcos Casanova. São Paulo: Editora da UNESP, 2010, p. 220).

22

DILTHEY, 2010, Op.cit., p. 219.

23

Em texto de seu livro ―A contrução do mundo histórico nas ciências humanas” (2010, p. 239), o autor defende esta perspectiva inferindo-se ao seguinte problema: é possível tomar a biografia como uma solução universalmente válida de uma tarefa científica (grifos nossos)?

24

(21)

19

E dada nossa leitura de Dilthey,25 pela qual nos certificamos da sua filiação ao terreno biográfico como método (historiográfico), o adotamos como referencial teórico para fundamentação desta nossa opção metodológica.

Entretanto, para o recurso deste gênero biográfico nos decorreu, fundamentalmente, a leitura de Dosse (2009)26. Importante por sua descrição em relação ao percurso da escrita biográfica, onde nos decorreu o tipo ―biografia modal‖, de Giovanni Levi. Por sua referência, o sentido das biografias é que devam servir para ilustrar os comportamentos individuais, contudo inteirados com o meio social que vivem. Por esta perspectiva, então, compreendemos a viabilidade de tomarmos o caminho desta referência teórica para apropriarmos a biografia do sujeito junto ao objeto do nosso trabalho. E que em parâmetro com o sujeito em si, repercute mais (fala mais alto) do que este.

Por esta perspectiva, então, compreendemos a viabilidade desta referência teórica para apropriação de uma biografia,27 visando contextualizar os sentidos e a importância do nosso objeto de estudo.

Para a sua abordagem, desde as fases da escolha do tema e definição de sua questão norteadora, a perspectiva de pesquisa antevia registros descritivos, narrativas e subjetividades.

Isto nos veio. Foi-nos trazido por diversos sujeitos da cultura do sertão. Falando-nos da coragem de vaqueiros na esteira de seus cavalos, buscando bois na caatinga – o cenário das ―vaquejadas de pega-de-boi no mato‖.

Portanto, as memórias e experiências de quem dialogamos sobre este tema da cultura nordestina, imprimiram mais significados para este (nosso) objeto de estudo. Por esta importância, sob à referência de Alberti (2005, p. 172) compreendemos os interlocutores ―como unidades qualitativas‖. Em tal sentido, apropriadas para este trabalho que, em perspectiva, trata um universo de significados, representações, crenças, valores, atitudes. Enfim, de subjetividades. Para as quais, devidamente, empregamos uma abordagem qualitativa.

E como dito, a opção pelas subjetividades inclui as fontes orais, textos impressos e virtuais. Estas, por exemplo, colhemo-nas da internet, visitando sites com documentários sobre temáticas relacionadas ao sertão nordestino, destacando a cultura do gado e a figura do

25

DILTHEY, Op. Cit. 2010.

26

DOSSE, François. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa. São Paulo: EDUSP, 2009.

27

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20

vaqueiro. Com depoimentos e testemunhos destes atores, sobre o seu cotidiano, suas ―práticas‖ e ―representações‖.28

Destacando ainda o suporte virtual (da internet), por este recurso demos conta de leituras seletivas e reflexivas sobre História Cultural, práticas e representações culturais, e gênero biográfico. E, apropriadamente, sobre as categorias vaquejadas (contemplando a modalidade pega-de-boi no mato), vaqueiros, sertão, caatinga e Nordeste.

Pela perspectiva do tema tomando como referência o recurso de uma trajetória de vida, a presente pesquisa foi apropriada, mais intensamente, ao método da história oral. Notadamente sob o aporte das memórias, com a efetiva contribuição das fontes orais.

Consideramos, portanto, que seja do horizonte das memórias que as fontes orais robustecem o tempo histórico, nutrindo-o de (re)construções ou figurações dos cenários de quem conta/reconta histórias. Ou mesmo, estórias. Vivências próprias do seu universo social e cultural, dos seus comportamentos e manifestações.

Pela História Cultural e o recurso metodológico da História Oral, o caminho é o da inovação por darem atenção especial para pessoas e gentes. Estas que, antes, se viam fora da História, a exemplo de camponeses, mulheres, idosos, vaqueiros. Como assim encontramos a figura de José Aloísio de Matos, o Doutor de Vito, nosso vaqueiro primeiro. E depois tantos outros como Maurício do Pajeú, Adelson de Mariquinha, João Pepeta, Miguel do Pajeú. E Antônio Alves de Farias, o Tonho de Chico da Bela Vista. Tantos que já se dispuseram e, são vozes (vivas) aqui neste trabalho.

Falarão e se apresentarão por meio das entrevistas que adotamos como técnica (estruturada, semi-estruturada e aberta) e dos tipos: entrevistas temáticas ou de história de vida.29 Entendendo, à luz da leitura de Alberti (2007), como um dos procedimentos da história oral, viável para um estudo de abordagem qualitativa, como este se enquadra.

Assim posto, esta dissertação está dividida em três capítulos.

28

ABOIO. Direção Marília Rocha, Produção Marília Rocha e Helvécio Marins Jr. Brasil: Produtora Lume, 2005. Em 73 minutos. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=RjqsKZrgTks>. Acesso em: 22 de agosto de 2017 e VAQUEIROS CANUDOS. Direção Manoel Neto e Miguel Teles, Produção Executiva João Felipe de Almeida e Márcia Nunes: Centro de Estudos Euclides da Cunha – CEEC/UNEB, 2016. Em 60 minutos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8idbDiEFNpw> Acesso em: 15.11.2017.

29

De acordo com Alberti (2007, p. 175) ―as entrevistas temáticas são as que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido, enquanto as de história de vida têm como centro de interesse o próprio indivíduo na história, incluindo sua trajetória desde a infância até o momento em que fala, passando pelos diversos acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de que se inteirou‖.

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21

No primeiro – Com o dom e paixão, para ser o vaqueiro Doutor de Vito – apresentamos o personagem José Aloísio de Matos, o vaqueiro Doutor de Vito, mediante sua trajetória de vida identificada com a atividade da pecuária. Neste sentido, ressaltando o ambiente da família e as condições pelas quais foi nascido e criado. Em cujo contexto, chama-se atenção para influências de pessoas e de situações que o promoveram como um vaqueiro, num ambiente de trabalho, e como absorvido pelo gosto de domar gado. Tornando isto imanente pelo desafio das ―pegas‖ e ―vaquejadas‖ de boi no mato. Entretanto, esta abordagem é de ordem posterior a uma prévia apresentação do cenário em que se processa a relação homem e gado, no ambiente da pecuária extensiva. No ambiente das caatingas dos sertões nordestinos, onde se originam a manifestação das ―pegas‖ e ―vaquejadas‖ de boi no mato.

No capítulo seguinte – No sertão de caatingas, vaqueiros, gado e peleja – inicialmente apresentamos qualificações para a primeira categoria que nomina esta parte do estudo - o termo ―sertão‖. Destacando, principalmente, a que comprende o campo do conhecimento geográfico. Do mesmo modo, abordamos a heterogeneidade de definições relacionada ao termo ―nordeste‖, tratado conceitualmente por especialidades distintas, como as das ciências humanas e das ciências sociais.30 Em dada contextualização, situamos a (apresentação da) área geográfica do sertão sergipano, no cenário da segunda metade do século passado, no âmbito de sua principal atividade econômica – a pecuária extensiva. Constando as propriedades rurais de extensas áreas de caatinga, susceptíveis à dispersão de gado bovino por estas matas. Entra em cena, portanto, a origem e trajetória do boi Zepelim neste descrito ambiente. A sua vida e os percalços de perseguição são contados aqui neste capítulo, dando-se as principais narrativas por parte de quem o acompanhou como animal criado à solta. E por, excelência, pelo senhor Antônio Francisco de Farias, o vaqueiro Tonho de Chico da Bela Vista, natural e morador do município de Porto da Folha – SE.

No terceiro e último capítulo – Por Zepelim, Cavalos e Vaquejada: um sertão de famas – privilegiamos o recurso metodológico da História Oral e o aporte das memórias que, no contexto da cultura dos sertões nordestinos, tratam as práticas das ―pegas-de-boi no mato‖. Prioritariamente, as memórias e narrativas que acolhem o nosso objeto de estudo, indo especialmente ao encontro do mistificado boi Zepelim. Reconstruindo sua saga e história de fama, com final marcado por ter sido alcançado pelo vaqueiro Doutor de Vito (em campanha

30

Como da Geografia, da História e da Sociologia conforme destacamos em notas, da página inicial deste capítulo.

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22

de equipe) correndo em cavalo sobre os matos de caatinga. E tendo o apanhado, pela primeira vez, quando na condição de animal adulto. Feito boi marruá.

Em decorrência, abordamos a construção do atributo de heroísmo à figura do referido personagem. A construção do nome de vaqueiro respeitado, em seu ambiente de grupo e no contexto de desafios de gado arredio, à solta pelas caatingas. De vaqueiro ―ousado‖ e ―destemido‖, por cujas qualificações apresentamos uma concepção (compreensão) sobre a (uma) idéia de ―macho‖, indo de encontro a ―machismo‖. Entretando, esta é uma abordagem (de gênero) que mesmo interessante, apenas se tornou adjacente ao nosso tema.

A continuidade do texto retoma o êxito da investida do vaqueiro Doutor de Vito, repercutindo em sua trajetória de vida o sentido de fama. E por fim, abordamos a vaquejada pega-de-boi no mato sob a perspectiva de sua continuidade, como manifestação cultural no ambiente dos sertões. Nos sertões sergipanos, propriamente, como evento de encontro e de confraternização de pessoas.

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23

CAPÍTULO I

COM O DOM E PAIXÃO, PARA SER O VAQUEIRO “DOUTOR DE VITO”

Com dez cães arrodeado O vaqueiro lhe avistou Botou o cavalo nele Mais ele num aguentou O vaqueiro Doutor de Vito Neste dia lhe pegou Maurício do Pajéu, vaqueiro e aboiador (sobre a ―pega‖ do boi Zepelim), janeiro de 2016.

Sr. João Pepeta: É… é; outros fala …! Mais, o troféu poderia dar a ele!

Autor: Sei, sei…

Sr. João Pepeta: é… poderia dar a ele!! Era, era… Autor: E esse Doutor, é (eu conheci)… mais eu queria que o senhor falasse: - Era realmente um vaqueiro bom?

Sr. João Pepeta: Era um hominho pequeno, mais era um vaqueirão!

João Joaquim dos Santos, João Pepeta, 85, de Graccho Cardoso-SE, sobre o Doutor de Vito (entrevista em 05 de julho de 2014).

Quando a vaquejada de ―pega-de-boi no mato‖ é pensada como tema das práticas culturais dos sertões nordestinos, notadamente a tríade ―vaqueiro/cavalo/boi‖ se entrecruza. Sempre se enreda em trama comum constada nas narrativas, cantorias, memórias e escrita de quem se reporta a este evento. Por motivo de preferência ou de escolha poderá, em determinada ocasião, mais se destacar a figura de um vaqueiro, ou de um cavalo, ou de um boi. Contudo, trama mais enriquecida e mais composta, não poderá prescindir do encadeamento de todos estes elementos.

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24

Foi assim que se revelaram as várias histórias rememoradas pelo senhor Maurício Nunes dos Santos, de cognome Maurício do Pajeú, 70 anos, quando o entrevistamos em data 26 de janeiro de 2016. Um cidadão natural de Monte Alegre de Sergipe, porém muito mais natural do sertão sergipano; pois, sua história de vida também se acolhe pelas terras dos municípios de Porto da Folha e de Nossa Senhora da Glória, onde atualmente reside.

Porém, fácil mesmo é encontrá-lo na maior parte dos ajuntamentos de vaqueiros e de apreciadores de ―corridas de mato‖ – notadamente nas reservas de caatinga ainda mantidas e preservadas no território do semiárido sergipano. Nestes encontros que todos celebram como festas, os visitantes e vaqueiros de toda região se acostumaram com a voz marcante do senhor Maurício. Seja num palco, no lombo de um cavalo ou a partir de um carro de som, anunciando vaqueiros e comitivas. Puxando versos de vaquejadas em sonoros aboios31 e toadas32.

Imagem 01 – Encontro com o senhor Maurício do Pajeú

Fonte: Arquivo do autor – Nossa Senhora da Glória/SE, em 08.01.2016

A figura de um homem de pele negra e de bigode branco, com chapéu de couro (artesanalmente bem trabalhado e adornado) sobre a cabeça, já está incutida na memória de quem frequenta os melhores eventos de pega-de-boi no mato pela região do semi-árido sergipano. Associando-o ao espetáculo da ―peleja‖ ao boi ―marrento‖ e ―bom corredor‖, para

31

De acordo com o Dicionário Folclórico Brasileiro (2012), de Luís da Câmara Cascudo, o termo corresponde a ―canto sem palavras, marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem o gado. Dentro desses limites tradicionais, o aboio é de livre improvisação ….

32

Descrito em dicionários, a exemplo do organizado por HOUAISS ―toada é qualquer cantiga de melodia simples e monótona, de texto em verso geralmente curto, sentimental ou jocoso. Vê em HOUAISS, Antônio (Coord.). Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2007. (01 Cd-rom).

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25

ser alcançado pelo vaqueiro audaz e afoito à aventura. Um tipo sempre confiante na sua destreza e no apoio indispensável de seu treinado cavalo. Seu grande parceiro!

E das lembranças e memórias deste interlocutor, enfocando as vaquejadas de ―pegas-de-boi no mato‖ e os personagens envolvidos com o evento, nos deu conta de fatos e episódios marcantes desta modalidade de vaquejada. Como nos disse: “da vida de gado”. E sobre homens-vaqueiros, na prática de ―correr boi‖ no/pelo mato dos sertões sergipanos, quando inteiros de caatinga. E sobre a existência e façanha de bois famosos, que desafiaram a coragem e a teimosia de vaqueiros da região. Criando disputas e competições. Assim nos reportou alguns lendários bois das caatingas e vaquejadas do sertão sergipano, como o Ouro Fino, o Leão, o Flor do Campo e o Ponta Mole.33

E lá meu pai saiu pro lado do Pajeú, comprou uma propriedade prá lá e eu tive o prazer de encontrar Miguel do Pajeú quando eu tinha treze anos de idade .... E nós se unimos e aí surgiu a festa do boi Ouro Fino e vários bois naquela época que a gente ia atrás de adquirir os bois que eram soltos no campo; muito às vezes a gente passava muitos dias sem ver... mas se juntava a vaqueirama e ía por mato e findava encontrando aquela rês para encurralar como eles chamavam antigamente; depois surgiu esse boi como uma diversão para a vaqueirama porque o boi foi difícil de pegar.

Animais lendários e patenteados no imaginário popular dos vaqueiros e população do interior sertanejo (principalmente de quem sabia sobre animais que ambientavam nos esconderijos das vastas matas de caatinga) como bravios, misteriosos e até encantados. Idênticos aos presentes nas páginas dos ―romances do Ciclo do Gado‖34

e, na realidade das comunidades rurais nordestinas de pecuária extensiva.

33

MAURÍCIO DO PAJEÚ, entrevista concedida ao autor, em Nossa Senhora da Glória-SE. Em 08 de janeiro de 2016.

34

Esta qualificação de “romances do Ciclo do Gado” está contida no artigo O Segredo do Boi Misterioso nos Romances de Vaqueiros (2003), de Giulle Vieira da Mata destacando um elenco de obras do folclore nordestino, como: a "Morte do Touro Mão de Pau", de Genésio Amaldo, O Boi Mandigueiro e o Cavalo Misterioso do cordelista José Bernardo da Silva. E outras de autores anônimos, mas coletadas por referenciais como José de Alencar e Sílvio Romero; respectivamente O Rabicho da Geralda por José de Alencar e O Boi Espácio e A Vaca do Burel, coletados por Sílvio Romero. Posteriormente, a terminologia ―romances do Ciclo do Gado‖ é retomada no escrito A Representação do Ciclo do Boi nos Romances Tradicionais, apresentado por Doralice Fernandes Xavier Alcoforado, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia, no 23º Simpósio Nacional de História – Londrina / 2005. Segundo a autora, objetiva-se neste trabalho analisar o processo de reelaboração simbólica no contexto da atividade pecuária no Nordeste brasileiro. Para esse estudo, o foco é a epopéia de corajosos e destemidos vaqueiros na tentativa de aprisionarem indomáveis barbatões criados em campos abertos. Como referência, apropria-se de antigas publicações como as já citadas (e trabalhadas) por José de Alencar: O Rabicho da Geralda e por Sílvio Romero: O Boi Espácio e A Vaca do Burel. Ainda mais (entre outros relacionados) o cordel O Boi Misterioso – de Leandro Gomes de Barros.

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26

Nesta contextualização já referenciamos a leitura de Cardoso e Alves (2011) que exaltam a presença do boi, sendo historicamente marcante tanto na toponímia do Estado como no âmbito simbólico que se preserva junto à memória popular. E para ilustrar o simbolismo da cultura do gado como peculiar à identidade do homem do sertão sergipano, recorreram à citação do conto Mágua de Vaqueiro, do escritor maruinense Alberto Deodato Maia Barreto (1922, pp. 13-39 apud Cardoso e Alves, p. 211), incluído no livro Canaviais: contos e novelas, publicado em 1922. Tendo como cenário o ambiente rural do município sergipano de Gararu – SE, o texto

Narra a ―corrida ao ´Pintadinho`, cuja fama enchia muitas léguas dos sertões do nordeste‖. Pintadinho era um gado bravo, supostamente enfeitiçado pela velha Lauriana que morava ―nos terrenos da Miaba‖. Há nove anos, ele fugira estropiando vários vaqueiros. Para pegar Pintadinho, seu proprietário, o coronel Rocha, contratou seis destemidos aboiadores cearenses para correr atrás do boi enfeitiçado, cujo nome ―se falava em voz baixa‖ por medo da mandinga de Lauriana.

A história deste boi ―Pintadinho‖ não foi rememorada pelas narrativas do senhor Maurício do Pajeú. Entretanto, ele não pôde deixar de nos falar sobre o mais famoso dos bois, do elenco de fama como ―arredios‖, ―marrentos‖, ―misteriosos‖, ―encantandos‖ – o boi chamado Zepelim, dos campos de caatinga do sertão sergipano de Porto da Folha e redondeza além!

Maurício do Pajeú: - Ele nasceu numa fazenda lá... fazenda Júlia; Farias (região de Porto da Folha) e pra lá se criou-se! E os donos do boi eu não conheci, né? E nem vir falar! Era gado que nascia nas mata e ninguém nem sabia quem era os dono! E esse boi deu muito resultado!

Autor: - O senhor sabe de algumas outras histórias, ou algumas outras crenças em relação ao boi?

Maurício do Pajeú: - Ah, vinha vaqueiro de todo canto e cada vez mais crescia o nome dele. Quando foi um dia o ―Doutor de Vitor‖ da cidade de Aquidabã, filho do véio Vítor. O velho era muito rico, aí comprou um cavalo aí disse: - você tem que pegar esse boi. Aí ele foi… chegou lá, se encontrou com um pessoal que conhecia o boi, e chegou a correr boi.35

35

Entrevista concedida pelo senhor Maurício do Pajeú, em Nossa Senhora da Glória - SE. Em 08 de janeiro de 2016.

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27

Muitas impressões, portanto, suscitadas pela referência ao Zepelim, um boi misterioso nas (das) matas de caatinga do sertão sergipano! E depois como ouvir falar, sendo por mais de uma década desafiador de legião de vaqueiros dos Estados de Sergipe, Pernambuco e Alagoas.

- E quem pegasse esse boi, como se constituiria no imaginário, nos comentários e conversas de vaqueiros e populações dos sertões afora?

De fato para alimentar o universo das ―verdades‖, ―curiosidades‖ e ―anedotas‖ sobre o sentido do ―risco‖ e o ―desafio‖ para os indivíduos destemidos a ―correr boi‖, em meio a espinhenta vegetação de caatinga!: - Para atingir, mesmo, o qual fim?: - O da demonstração de coragem, valentia ou da ousadia masculina? – Ou da ilustração do ―cabra macho‖36 sertanejo, já romanceado na literatura regionalista tendo o cenário do ardente semiárido nordestino?

De sorte, também tornar-se-ía referência privilegiada pelos cantos e entoamentos dos cantadores do sertão, dos poetas e cordelistas. De todos estes verdadeiros garimpeiros de memórias, de histórias vivas e pulsantes de pessoas comuns, mas que marcam lembranças e contextos históricos regionais, locais, das vidas interioranas. Memórias colhidas para serem descritas, contadas e, cantadas! Ultrapassando singularidades individuais para o alcance de um coletivo. Assim como ensina Halbwachs37 (2004) no que tange aspecto relacionado à memória:

Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco certa quantidade de pessoas que não se confundem.

E em mesma perspectiva, tomamos diálogo com a escrita de Nascimento (2008, p. 149) “Terra, laço e moirão”: relações de trabalho e cultura política na pecuária (Geremoabo, 1880 - 1900), abordando a maneira como a literatura (de referência deste autor) descreve os elementos apropriados ao vaqueiro ―corredor de gado‖. Este, por recursos e ―mais pela vontade que tinha‖, tornado diferente em relação aos demais da lida com gado.

36

Em páginas do terceiro capítulo deste trabalho, manifestamos nossa compreensão e sentido desta expressão, no contexto próprio da cultura dos sertões (e do gado) do nordeste brasileiro.

37

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28 Nos romances, por exemplo, os versos que anunciam a partida dos vaqueiros atrás do boi falam da beleza de seus cavalos, da destreza e coragem dos cavaleiros, da vontade de se tornar famoso e também do medo de morrer, da despedida da família etc.

E como dito, se impressionante a narrativa sobre os misteriosos bois do campo selvagem caatingueiro, no ambiente do sertão sergipano o boi Zepelim, tornou-se ainda mais admirável. E o que imaginar do vaqueiro que alcançou e desbancou este ―barbatão‖? Constando das memórias do senhor Maurício do Pajeú, por suas narrativas e versos de toadas, o então corredor de boi, vaqueiro de nome popular Doutor de Vito, é assim decantado:

Não conheci Zepelim Deus me deu um apoio Pra eu ver o retrato dele E a história como foi

Chegando em Porto da Folha Em cima de um carro de boi A história deste boi

Há meios séculos passado Por espinho de xique-xique Seu corpo foi perfurado

E assim pegaro o boi, magro, cego e aleijado Com dez cães arrodeado

O vaqueiro lhe avistou Botou o cavalo nele Mais ele num aguentou O vaqueiro Doutor de Vito Neste dia lhe pegou …38

E pela sua façanha, na sequência dos anos de 1950, manteve-se visto como herói perante à sociedade de vaqueiros. Perante toda região que compartilhava das pelejas ―correr boi no mato‖ e, principalmentre, por onde o boi Zepelim já tinha criado lenda.

Este personagem, octogenário ainda vivo (residente na cidade de Aquidabã-SE), que como diz o senhor Maurício do Pajeú em versos de sua lavra: ―Doutor de Vito, o vaqueiro / Ainda hoje ele parra‖. E, notoriamente, se ancora nas lembranças e histórias de tempos figurados como áureos das vaquejadas do sertão sergipano.

38

Esta toada tem o título Boi Zepelim, 2014, de autoria do poeta Maurício do Pajeú. Segundo o cantador, em entrevista de 08.01.2016, a composição ainda é recente e pouco conhecida no ciclo e meio sertanejo das vaquejadas pega-de-boi no mato.

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29

1.1 - Para além de um doutor, um vaqueiro

Da minha vida eu me orgúio, Levo a jurema no embrúio Gosto de vê o barúio De barbatão a corrê, Pedra nos casco rolando, Gaios de pau estralando, E o vaquêro atrás gritando, Sem o perigo temê. Patativa do Assaré (1978, p. 213)

Das memórias e narrativas de Maurício do Pajeú, tomamos sentido para conhecer de perto o vaqueiro Doutor de Vito, sabendo que o mesmo comemora em vida os seus octogenários anos. Para o intento, em data 22 de junho de 2016 fomos ao seu encontro, na cidade sergipana de Aquidabã. Sem contato prévio, imaginávamos dificuldades para a localização do referido senhor. Isto, também, porque do mesmo só tínhamos a referência de sua alcunha e que poderia ser insuficiente para referenciá-lo. Entretanto, por estas suspeitas demo-nos por enganados! Em tempo comprovemos (mesmo) que no ambiente do interior, mais do que o nome de batismo e de certidão que um indivíduo venha a ter, mais notável é a referência que este tem relacionado com a sua origem genealógica, que provém dos seus antecessores! Como diz na prosa popular: ―que vem dos troncos‖!

Logo em nossa primeira parada, na praça da cidade e na primeira consulta junto a senhores em bate-papos, fomos indicados ao local de moradia do nosso protagonista! – Chegando, apresentando-nos e abordando a finalidade que nos levava àquela visita; fomos convidados a sentar e ficar à vontade! E atestando cordialidade do homem interiorano, satisfeito em receber a quem lhe bate à porta, reproduzimos como se deu a nossa acolhida:39

Sr. Aloísio: … bateu na porta certa!

Autor: Meu interesse de fazer um trabalho sobre a vaquejada de pega de boi no mato

Sr. Aloísio: Graças a Deus… aparece, tá parecendo as descobertas, né? – Era oculta essa história porque não queria me valorizar!

Autor: Exatamente.

39

Entrevista concedida pelo senhor José Aloísio de Matos, o vaqueiro Doutor de Vito, em Aquidabã/SE. Em data de 22.06.2016.

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30 Sr. Aloísio: Sabe? ... aí incapava, encapava, né?- Mais tudo tem um tempo até quando passaro que descobrir, descobrir. Tire meus pontos? Os pontos que Deus me concedeu, ninguém tira. Então tinha que vir à tona, né? Tinha que vir à tona porque ficava encampando, encobrindo… essa coisa toda né, pra não valorizar!

Mas algo ascendeu de impacto, pois, imaginava encontrar um sujeito que mesmo senil; fosse de corpulência que reportasse um anterior homem de muita força física (em braços e punhos) jus ao empenho requerido para derrubar gado! Ulteriormente, pelas considerações do personagem de nossa busca; certifiquemo-nos de tamanha ignorância quando pela autoridade de suas palavras, o ouvimos dizer que não é a força física o atributo principal ao vaqueiro, mesmo se lida(va) com gado bravio ou marrento. Bastará sempre, força normal; própria de todo o homem normal.

Pela sua ciência, o que sempre diferenciará um bom vaqueiro é a determinação e presteza para cuidar do gado que está sob sua responsabilidade. E para o vaqueiro do seu tempo, quando gado era criado mais à solta, livre de muitas cercas e de ―pastos feitos‖ (para a contenção da boiada); além da inerente força humana em punhos e braços, necessidade maior era por ―coragem‖; ―teimosia‖, ―orgulho‖ – esse misto! Para a doma de gado, e, enfrentamento aos perigos da caatinga. Isto, principalmente, quando era preciso a busca aos animais dispersos e fugidios pelos ambientes de mato fechado, de espinhos e cactáceas. Com natureza de resistência a sol de inclemente verão, já que para o sertanejo o que lhe é perceptivelmente peculiar é este tempo quente, contrário a um outro de chuva na terra – o inverno.

Imagem 02 – Encontro com o vaqueiro ―Doutor de Vito‖40

Fonte: Arquivo do autor – Aquidabã/SE, em 22.06.2016

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Na imagem, registro de encontro com o vaqueiro Doutor de Vito, em Aquidabã-SE, (22.06.2016). Consta da esquerda para direita: Ex-vaqueiro Adelson de Mariquinha, natural de Graccho Cardoso - SE; este autor (centro) e depois, o vaqueiro Doutor de Vito.

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E demos início a nossa conversa!

Estava à frente, portanto, de um homem com estatura um pouco mais de um metro e cinqüenta! Franzino! De olhos vivazes! - Percebi mãos pequenas e de pele engrossada, dada a franquia de muitos calos! Com as marcas da enxada que fez revolver a terra e cuidar dos roçados. Das cordas e arreios que nelas se dobraram, perante às práticas e manejo dos animais da fazenda. Bem receptivo e disposto ao diálogo que tanto (também) o interessava. Disposto, portanto, à conversa para falar de sua história, de modo que a soltando da memória, também retomava sua trajetória de vida e a de muitos outros homens comuns, do seu tempo. Pronunciando-se com voz branda, às vezes soltando palavras inaudíveis (e solicitado a repetí-las) foi traçando lembranças do que foram o seu cotidiano e passado…

Para o objeto de nosso trabalho de pesquisa, a vaquejada de pega-de-boi no mato, encontravamo-nos bem para nos servir do recurso metodológico da história oral,41 no salutar encontro e aporte das memórias (para a história). E do horizonte daquelas, as fontes orais se nutrem e robustecem o tempo histórico nas dimensões das simultaneidades, com (re) construções dos cenários e vivências do entorno de quem conta/reconta histórias (ou mesmo estórias). Notadamente, próprias do seu universo social e cultural, dos seus comportamentos e manifestações. De valores identitários. Nesse diapasão é valiosa a observação de Michael Pollack (1992, p. 201); inclusive dialogando com Maurice Halbwachs:42

A priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente

íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.

Para a História, portanto, visando novas abordagens que privilegiem ―saberes e fazeres culturais‖ de homens e mulheres comuns; as vozes e memórias das ―fontes orais‖ são recursos imprescindíveis. E pertinente a isto Pollack (1992, p. 207) manteve-se atento quando asseverou ―… é óbvio que a coleta de representações por meio da história oral, que é também história de vida, tornou-se claramente um instrumento privilegiado para abrir novos campos de pesquisa‖.

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Conforme já tínhamos salientado em parte introdutória deste estudo, apropriando-nos da leitura de Alberti (2007). E à maneira que entendemos o conceito de ―memórias involuntárias‖, de Benjamim (1987), buscamos nos situar no mundo e na vida passada pelas memórias do nosso interlocutor, o vaqueiro Doutor de Vito.

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Numa primeira perspectiva entendemos que esta relação compreende, ou serve de exemplo de ―novas‖ abordagens historiográficas abarcadas pelo viés dos estudos culturais, objetos da História Social, sob a repercussão e influência da Escola dos Annales em sua fase de maturidade, a partir da segunda metade do século passado. Mais precisamente no contexto da História Cultural que, sob a nossa compreensão fomentou e criou mais espaços como abrigo para as micros-histórias, para a ―história vista de baixo‖ - com novas vozes e protagonistas até então esquecidos, as pessoas do povo.

Conforme salientou Roger Chartier (2002, p. 95) ―… cada micro-história pretende reconstruir, … a maneira como os indivíduos produzem o mundo social, por meio de suas alianças e confrontos, através das dependências que os ligam ou dos conflitos que os opõem‖.

E remetemo-nos à leitura de Guimarães (2007),43 com a discussão que espelha a importância da ―memória‖ no horizonte do historiador de ―revitalizar‖ o passado, com uma escrita alternativa às fontes escriturárias sem, necessariamente, pretender a anulação destas.

Depois à contribuição da historiadora Del Priori (1997),44 pelo seu texto História do cotidiano e da vida privada. Que por esta leitura, embora não tenhamo-nos orientado para discutirmos as categorias ―cotidiano‖ ou ―História do Cotidiano‖ vinculados à ―vida privada‖; melhoramos nossos sentidos e compreensão sobre ―coisas‖ do cotidiano. Na verdade, para bem entendermos, o que é vida cotidiana.

Imprescindindo-nos desta escrita a compreensão de que pelas ―pequenas coisas‖ (como coisas correntes do dia-a-dia), dá-se a construção da história. Não somente por força ou virtude dos grandes fatos e nomes; mas principalmente por pessoas comuns e por seus hábitos e rituais diários.

Como os do nosso protagonista, que após imediatos cumprimentos passamos a saber do seu nome ―de pia‖: José Aloísio de Matos. Como disse, nascido de parto natural. Em casa

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Fazemos referência ao artigo O presente do passado: as artes de Clio em tempo de memória, constante da obra coletiva Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história (2007), organizada por Rebeca Gontijo.

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Referências

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