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Keywords: Aging. Violence. Old age.

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VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA: até quando?

Teliane Lima Baptista1

RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar a violência

contra a pessoa idosa enquanto uma problemática persistente, constituindo-se numa face perversa do envelhecimento no Brasil. Para tal, evidenciaremos a velhice como uma categoria construída socialmente, em paralelo ao fato de que a violência está associada à concepção ideológica construída em torno da velhice como um declínio a ser evitado, isto é, vivenciamos a tentativa de aniquilação e negação da velhice, pondo como imperativo a perspectiva da construção de uma sociedade capaz de eliminar qualquer tipo de exclusão social. A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Envelhecimento. Violência. Velhice.

ABSTRACT: This article proposes to analyze violence against

the elderly as a persistent problem, constituting a perverse aspect of aging in Brazil. To this end, we will evidence old age as a socially constructed category, parallel to the fact that violence is associated with the ideological conception built around old age as a decline to be avoided, that is, we experience the attempt of annihilation and negation of old age, putting as imperative the perspective of the construction of a society capable of eliminating any type of social exclusion. The methodology used was bibliographic and documentary research.

Keywords: Aging. Violence. Old age.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas observou-se um nítido processo de envelhecimento mundial, decorrente da redução nas taxas de fertilidade e do acréscimo da longevidade. Assim, de 2010 a 2050 o Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2, terá sua população de pessoas acima de 60 anos triplicada, passando de 19,6 milhões a 66,5 milhões. Crescimento populacional este que vem a refletir nos dias

1 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Email: telianelima@hotmail.com

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IBGE. Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/25072002pidoso.shtm> Acesso em: 15 de maio de 2018.

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atuais, ao serem intensificadas e publicizadas problemáticas anteriormente vivenciadas, por vezes naturalizadas, e silenciadas. Dentre elas, aqui tomaremos e a violência, particularmente, a cometida contra os idosos, parte da população vulnerável.

Logo, violência contra idosos se expressa como um fenômeno social, histórico e complexo, manifestando-se de distintas formas ao ultrapassar a agressão física e abarcando modalidades que, por não deixarem marcas, são naturalizadas e subnotificadas aos órgãos competentes, dificultando seu combate efetivo. Á vista disso, a violência contra os anciões passou a se constituir num grave problema de saúde púbica capaz de impactar em distintas esferas da qualidade de vida dos sujeitos, seja física, psicológica, sexual e/ou financeiramente; e socialmente, tornando-se reflexo de uma cultura que, tendencialmente, expele o individuo idoso, relegando-o a marginalidade social.

Por conseguinte, o presente artigo vem a analisar a persistência da violência contra os idosos no Brasil, a qual passou a ganhar notoriedade com a maior proporção de casos (notificados ou não). Para tal, recorre-se a análise da velhice como uma construção social; seguido do exame da violência, uma mazela nociva que se intensifica durante o envelhecer, sendo sua expressão mais cruel à violência familiar; e a institucional/estatal, cometida pelo descumprimento do ordenamento jurídico e ausência de proteção devida. Assim, chegaremos ao ponto de que para obter-se um combate da violência contra o idoso é imperativa uma ressignificação da velhice, em paralelo a construção de uma sociedade capaz de eliminar qualquer tipo de exclusão social, garantindo ao idoso a dignidade devida.

2. VELHICE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL

O envelhecimento populacional hoje faz parte da maioria das sociedades, as quais passaram a vivenciar um período de transição demográfica, de modo que a população jovem transforma-se gradativamente em idosa. Sendo, assim, Beauvoir (2018) enfatiza que durante a Idade Média a velhice permaneceu mal conhecida, tratada como sinônimo de doença, de modo que, é somente com o surgimento da Geriatria e Gerontologia, a partir do século XX, que houve maior sistematização de pesquisas, buscando intervir e entender a velhice, permitindo a compreensão do envelhecimento enquanto um fenômeno natural,

um processo sequencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de morte (OPAS, 2003, p.152)

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Logo, o processo de envelhecimento e sua consequência natural, a velhice, constituem-se num desgaste natural das estruturas orgânicas. Ou seja, em condições normais (senescência) a velhice não equivale a uma patologia (senilidade), está podendo ser evitada com a adoção de um estilo de vida mais ativo e saudável. Contudo, torna-se evidente que a velhice é uma categoria construída socialmente, já que “o homem não vive nunca em estado natural; na velhice, como em qualquer outra idade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade a qual pertence” (BEAUVOIR, 2018, p.13).

A velhice, então, é vivenciada de formas distintas, a depender da sociedade, de modo que os significados atribuídos à velhice podem ser construídos e reconstruídos. Assim, Lemos et al. (2001) discorre sobre as acepções da velhice, remetendo-se as sociedades antigas, afirmando que não existe concepção uniforme e absoluta, já que

Para os Babilônios a imortalidade e formas de como conservar a juventude estiveram muito presentes. A Grécia Clássica relegava os velhos a um lugar subalterno e a beleza, a força e a juventude eram enaltecidas como se evidenciava para alguns filósofos gregos. Porém, Platão trouxe uma nova visão [na qual] a velhice conduziria a uma melhor harmonia, prudência, sensatez, astúcia e juízo. Na sociedade romana os anciões tinham uma posição privilegiada. O direito romano concedia a autoridade de “pater famílias” aos anciões. [...] Em sociedades antigas o ancião era visto com uma aura de privilégio sobrenatural que lhe concedia uma vida longeva e como resultado, este ocupava um lugar primordial, onde a longevidade se associava com a sabedoria e a experiência. Assim era nas sociedades orientais, principalmente na China e Japão. (p.12)

Vê-se que a imagem da velhice varia conforme o tempo e lugar, sendo perceptível que a integração do velho a coletividade estava vinculada a sua eficácia. Assim, para Platão o enaltecimento da velhice relacionava-se a questões politicas, já que somente estariam aptos a governar aqueles que “após uma educação que deve começar na adolescência e frutificará plenamente aos 50 anos” (BEAUVOIR, 2018, p.114), situação que se assemelhava a Roma, onde se postulava a cresça na sabedoria arcaica para governar.

Para a autora supracitada, a China constitui-se numa exceção, ofertando uma condição singular de vida aos velhos. Ponto de vista também compartilhado por culturas tribais da América Latina, em a velhice é considerado o mais belo período da vida, existindo um código de normas de respeito. Nelas conhecimentos, experiência, habilidades são valorizados e o controle da família (tribo) é exercido pelo idoso – condição semelhante também é vivenciada no Oriente, resultante de uma educação milenar que prega o respeito.

Com a queda do Império Romano e findada a Idade Antiga, os anciões foram perdendo seu lugar de destaque na sociedade, tornando-se vitimas da “superioridade juvenil” (LEMOS et al.,2001). Tem-se a difusão de um estigma relacionado à velhice, considerada um dos piores infortúnios que pode atingir o homem. Portanto,

A idade média desprezava o farrapo humano: julgava-o particularmente repugnante entre as pessoas idosas. A renascença exalta a beleza do corpo: o da mulher era

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posto nas nuvens. A feiura dos velhos só pode parecer mais detestável ainda. Nunca a feiura da mulher foi tão cruelmente denunciada (BEAUVOIR, 2018, p. 155).

As mulheres anciãs eram comparadas a feiticeiras, aliadas a agentes diabólicos, sendo, conforme Lemos et al (2001) perseguidas e executadas, numa verdadeira “caça as bruxas”. De certo, o homem medieval temia e buscava meios para escapar da velhice, através da magia ou da medicina; e disseminavam-se estereótipos em torno do envelhecer – perceptível em meio ao inicio do século XVI, nas obras de Willian Sheakespeare, o qual “lança sobre os velhos um olhar sem complacência: ‘muitos velhos já parecem estar mortos; são pálidos, lentos, pesados e inertes como chumbo’ escreve ele em Romeu e Julieta” (BEAUVOIR, 2018, p.173). Torna-se notório que em sociedades que se tem a primazia da força e exaltação da beleza a velhice é desvalorizada.

Paralelamente, em quase todas as formações sociais, que perpassam do escravismo ao capitalismo (baseadas na exploração do homem pelo homem), percebe-se um contraste entre o destino dos velhos que pertencem às classes abastadas e os que fazem parte das classes pobres, entre os que exploram e os que são explorados. Assim,

Tanto ao longo da historia como hoje em dia, a luta de classes determina a maneira pela qual o homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão miserável e um Onassis (BEAUVOIR, 2018, p.14).

Distinção que se acentua no Modo de Produção Capitalista, onde a velhice impacta ferozmente na classe trabalhadora empobrecida, já que ai “a força de trabalho é [...] comprada não para satisfazer, mediante seu serviço ou seu produto, às necessidades pessoais do comprador. Sua finalidade é a valorização do capital” (MARX, 1996, p.251). Assim, “no mundo capitalista, o interesse, a longo prazo, não conta mais [...]. A economia é baseada no lucro; é a este, na prática, a que toda a civilização está subordinada: o material humano só interessa enquanto produz. Depois, é jogado fora” (BEAUVOIR, 2018, p. 13).

Nessa sociedade em que se impera a máxima mercadológica, isto é, “quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização”, de modo que “o velho sente-se um individuo, que luta para continuar sendo um homem” (BOSI, 1994, p.78-79)3. Agora aposentado com limitações físicas, o ancião é visto como um “peso morto”, condição que é reforçada pela negação da velhice, de modo que relutamos em reconhecer no velho a nossa futura imagem. Veremos, então, que na sociabilidade do capital as representações acerca da velhice advêm da ideologia construída pela classe dominante, referindo-se ao conjunto de ideias que ocultam a sua própria origem nos interesses sociais de um grupo particular da sociedade. Ou seja,

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BOSI, Ecléa. Memoria e sociedade: lembrança dos velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão, assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes [...] (MARX; ENGELS, 2009, p.67).

Nota-se que um condicionamento cultural e ideológico em torno da velhice que advém da classe detentora do poder econômico e que também detém o domínio ideológico; e que “adota a posição cômoda de não considerar os velhos como homens” concepção a qual a sociedade inteira torna-se cumplice. Assim, a partir do momento em que o homem perde a sua serventia no mercado de trabalho, pela redução das suas habilidades, é descartado e impelido a uma condição desumana, como assinala Beauvoir (2018):

A sociedade impõe à imensa maioria dos velhos um nível de vida tão miserável que a expressão “velho e pobre” constitui quase um pleonasmo; inversamente, a maior parte dos indigentes é de velhos. O lazer não abre ao aposentado possibilidades novas; no momento em que é, enfim, libertado das pressões, o individuo vê-se privado de utilizar sua liberdade. Ele é condenado a vegetar na solidão e no enfado, decadência pura. (p.12)

Ao ancião não é ofertado á condições dignas de sobrevivência, sendo até culpabilizados pela crise da Previdência Social, como sinônimos de um “peso”, os quais os trabalhadores ativos têm de “carregar”. Á vista disso, os idosos são submetidos à pobreza e a dependência de recursos públicos, ocasionando desigualdades sociais e acesso restrito a bens e a serviços produzidos socialmente (TEXEIRA, 2009). De qualquer forma, Minayo (2005) argumenta que “na cotidianidade, as marcas estruturais são a base naturalizada de atualização das várias formas de violência que se expressam entre e intraclasses e segmentos sociais [...] as discriminações e os estereótipos que mantêm a violência” (p.14), as quais não estão alheias ao processo de produção material da vida.

“violência” é uma noção referente a processos e as relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais. (p.13)

Ora, a violência também é um produto das relações sociais de produção, sendo encontradas suas expressões em distintas formações sociais. Contudo, se nas sociedades primitivas o recurso à violência dava-se como uma estratégia natural de manutenção da sobrevivência; nas sociedades de classe, a violência passa a ser utilizada contra o próprio sujeito, como instrumento de opressão e escravização. Conforme Lessa e Tonet (2012):

Na comunidade primitiva a violência também estava presente, contudo com um papel social inteiramente distinto. Na disputa entre tribos ou bandos, tratava-se de garantir a posse de fontes de alimentação, locais de abrigo, etc. E, no interior do próprio bando ou tribo, a carência poderia resultar na violência entre indivíduos. Neste último caso, contudo, havia um limite. Como a sobrevivência de cada um, mesmo do mais forte do grupo, dependia da sobrevivência de toda a comunidade, a

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violência raramente levava a ferimentos graves ou à morte dos envolvidos. Com a sociedade de classes, a violência ganha uma nova função social. Ela agora está a serviço da reprodução da propriedade privada. Matar passa a ser uma atividade econômica e socialmente valorizada. [...] A violência passa a ser uma atividade essencial para a reprodução da sociedade e todas as relações sociais, desde as familiares até as da vida cotidiana, terminam sendo contaminadas por ela (p.14-15).

É claramente visível que a violência possui bases materiais, postas pela exploração do trabalho e formação de classes sociais antagônicas. Assim, no capitalismo a violência vem a ser um meio cuja finalidade está no proveito econômico, isto é, o ponto de partida para que a violência se instaure sob uma face nefasta, vem a ser o advento da propriedade privada dos meios de produção, ocasionando a submissão de sujeitos em condições inferiores, por não possuírem meios necessários de sobrevivência. Se ao ancião sob a logica capitalista, pautada na produtividade, é considerado improdutivo e obsoleto; tem-se uma perspectiva de aniquilamento da velhice, ameaçando o futuro da humanidade.

2.1 Violência enquanto a face perversa do envelhecer no Brasil

Conforme Minayo (2005) a violência contra a pessoa idosa manifesta-se enquanto um fenômeno que deve ser analisado sob três parâmetros: demográficos, em meio o crescimento acelerado e a expressão acentuada das necessidades da pessoa idosa; sócio antropológicos, mediante atribuições sociais delegadas a idade cronológica através de direitos, deveres e poderes; e epidemiológico, enquanto um grave problema se saúde pública frequentemente naturalizado ficando oculto nos usos, nos costumes e nas relações entre as pessoas como uma forma de agir natural. Tais aspectos enaltecem características cruciais a compreensão e combate a violência contra o idoso.

Logo, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), define a violência contra a pessoa idosa como qualquer ato, único ou repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente de confiança, que cause dano ou incômodo. Tal definição que traz alguns delimitadores da violência: à intencionalidade ou não intencionalidade do agente; a existência de um vínculo significativo e pessoal que gera expectativa e confiança; e uma ação, dano ou risco significativo de dano.

Sendo, assim, a violência praticada contra a pessoa idosa, explicita ou sutil, pode se manifestar de distintas formas na sociedade, não necessariamente de maneira isolada:

(a)estrutural, aquela que ocorre pela desigualdade social e é naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação; (b) interpessoal nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e (c) institucional, na aplicação ou omissão na gestão das politicas sociais pelo Estado e pelas instituições de

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assistência, maneira privilegiada de reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo e de discriminação (MINAYO, 2005, p.15).

Torna-se evidente que a problemática da violência contra o idoso está vinculada as desigualdades de classe, como exposto por Texeira (2009) ao afirmar que envelhecimento do trabalhador é a expressão da Questão Social, de modo que, por não possuírem rendas advindas da propriedade e riqueza socialmente produzida, capazes de garantir uma velhice digna, os idosos são submetidos à pobreza4, à dependência dos recursos públicos e privados, ao abandono, etc. Simultaneamente, a população idosa é posta numa condição vulnerável a sofrer violência, diante do contexto de marginalização que a sociedade impõe a todas as pessoas excluídas do mercado de trabalho; de modo que há de se notar que a violência anda de mãos dadas com as formas de discriminação, as quais são submetidas os idosos, taxados como “descartáveis” e “peso morto”.

Em sua expressão interpessoal a violência se manifesta nas formas de interação cotidiana; já na institucional, vemos a aplicação e/ou omissão das instituições (dentre elas o Estado) na prestação de serviços e suporte a população idosa, reproduzindo relações de poder, domínio, discriminação e negligencias. Assim, a existência dessa última abre vias a disseminação da interpessoal, reforçada pela estrutural já que

A violência contra a pessoa idosa está situada nesse contexto de negação de vida, de desestruturação do poder legitimado pelo direito, seja pela transgressão da norma e da tolerância, seja pela transgressão da confiança intergeracional, pela negação da diferençam pela negação das mediações de conflito e pelo distanciamento das relações efetivas dos potenciais idosos ou ainda pelo impedimento de sua palavra, de sua participação (FALEIROS, 2004, p.13 aput PAZ; MELO; SORIANO,2012, p.61)

Nota-se que a violência, sob a logica do sistema capitalista, manifesta-se enquanto expressão de poder e dominação, as quais ocasionam conflitos sociais e intergeracionais. Podemos pontuar os tipos mais explícitos de violência contra a pessoa idosa: abuso físico, psicológico, sexual, financeiro e abandono, negligência e autonegligência – tipologias que devem ser compreendidas e debatidas, visando à intervenção e combate efetivo.

O abuso físico abrange atos que incorporam força física com a finalidade de causar lesões ou qualquer outro tipo de sofrimento físico e até a morte, impelindo os idosos a fazerem o que não desejam. É oportuno pontuar que, “frequentemente a pessoa idosa se cala sobre os abusos físicos e se isola para que estranhos não tomem conhecimento desse tipo de sofrimento que prejudica sua saúde mental e sua qualidade de vida” (MINAYO, 2014, p.14). Já o abuso psicológico (ou emocional) caracteriza-se pela submissão ou exposição a

4 Conforme Minayo (2014) “Embora o Brasil tenha reduzido os índices de pobreza na população idosa (segundo o IBGE (2013), apenas 6% hoje vive abaixo da linha de pobreza), somente 25% dos aposentados vivem com três salários mínimos ou mais. Portanto a maioria é pobre” (p.17)

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agressões verbais, ou gestuais, com o objetivo (ou não) de menosprezar, aterrorizar, expressar preconceitos ou discriminação ao sujeito pelo fato dele ser idoso:

Ele ocorre quando se diz: “você já não serve para nada”; “você já deveria ter morrido mesmo”; “você só dá trabalho”! Muitas vezes, as pessoas até nem dizem, mas a pessoa idosa sente, pela atitude de quem a trata! Estudos mostram que o sofrimento mental provocado por esse tipo de abuso contribui para processos depressivos e autodestrutivos, como ideações, tentativas ou suicídio consumado (MINAYO, 2014, p.15).

Nota-se que um tipo de violência pode acarretar outro, já que o abuso psicológico pode desencadear outra forma de violência, a autoinfligida que “se manifesta em autonegligências, ideações, tentativas de suicídio e suicídio consumado. Nesses casos, não é o ‘outro’ que abusa, é a própria pessoa idosa que se maltrata” de modo que “as atitudes de autodestruição estão associadas a processos de desvalorização, negligências, abandono e maus-tratos de que a pessoa idosa é vítima” (MINAYO, 2014, p.16), isto é, ela ocorre como consequência de outras modalidades de violação.

É oportuno lembrar que pessoas idosas mais pobres e que possuem dependência financeira são as mais vulneráveis a sofrerem abusos. Por conseguinte, tem-se o abuso financeiro e econômico incorporando a exploração impropria, ilegal ou não consentida de recursos financeiros e patrimoniais do idoso, geralmente isto ocorre no ambiente familiar – o que não impede que ocorra externamente, a exemplo, no sistema financeiro com empréstimos consignado aliado a juros abusivos. Paralelamente, o idoso também está sujeito à violência sexual, a qual na maioria dos casos tem como vitima a mulher idosa e refere-se ao ato e/ou jogo sexual de caráter hetero e/ou homossexual,

que estimulam ou utilizam a vítima para obter excitação sexual e práticas eróticas e pornográficas, por meio de aliciamento, violência física e ameaças. [...] Os principais tipos de abuso são beijos forçados, atos sexuais não consentidos e bolinação. Uma forma de abuso pouco comentada é o controle da sexualidade da pessoa idosa por parte de familiares ou funcionários de ILPI que consideram os velhos assexuados. Frequentemente, atitudes repressivas de filhos ou cuidadores impedem a pessoa idosa de ter uma vida afetiva saudável. (MINAYO, 2014, p.15)

De certo, o idoso é visto como um ser assexuado pela sociedade e até por profissionais de saúde, emergindo inúmeros casos de enfermidades transmitidas sexualmente, como problema de saúde pública, expressando um tipo de violência institucional, já que ao idoso é negado o devido atendimento e oferta de serviços que lhe garantam uma vida sexual saudável.

O abandono também é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou deserção dos responsáveis de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção, como ocorre quando a pessoa idosa é conduzida a uma Instituição de Longa Permanência (ILPI). Já a negligência refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos aos idosos por parte dos responsáveis, privando-a do atendimento de necessidades

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básicas, promovendo seu adoecimento e morte (MINAYO, 2014). Ou seja, a negligência consiste em não cuidar ou cuidar mal do idoso, sendo o seu grau mais extremo o abandono. Visando fundamentar estatisticamente as assertivas elucidadas, demonstrando a proporção das denuncias e casos de violência, recorremos a analise do Balanço Anual da

Ouvidoria do Disque Direitos Humanos de 2017, isto é, o Disque 1005, um serviço telefônico de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denuncias de violação de direitos humanos. Assim, das 142.665 denuncias de violações recebidas, 33.133 eram relacionadas à violência contra a pessoa idosa e 68.870 de violações. Em meio às denúncias de violações: 76,84% envolvem negligência; 56,47%, violência psicológica; e 42,82%, abuso financeiro e econômico. Ou seja, os casos de negligencia ainda são os mais notificados, ocasionando lesões e traumas físicos, emocionais e sociais.

Entretanto, é necessário ter consciência de que tais dados constituem-se numa ponta do iceberg da problemática, na medida em que existe uma subnotificação de casos registrados, ocultando a magnitude do fenômeno. Fato que pode estar vinculado ao receio da vitima em denunciar o agressor, o qual comumente possui uma relação afetiva e reside com a vitima, já que 52% dos agressores(as) eram os(as) filhos(as), seguidos por 33% que englobam desde netos(as) a vizinhos(as), paralelamente, 85% dos casos relatados ocorreram na casa da vitima, de modo que

É muito difícil penetrar na intimidade da família. Se para mulheres em situação de violência, em muitas situações, é difícil denunciar o marido agressor, para as pessoas idosas a dificuldade acentua-se muito mais em denunciar ou declarar que seus filhos são os agressores. Muitas pessoas idosas se culpabilizam pela violência sofrida ou então ou acham que é normal da idade sofrer a violência. (SÃO PAULO, 2007, p.24)

Em outras palavras, o local em que mais o idoso deveria se sentir seguro, é onde se encontra mais ameaçado. Todavia, devemos pontuar que além da fragilização das relações familiares e a própria dinâmica econômica, a falta de suporte, aos cuidadores domésticos (geralmente um familiar pouco preparado para essa função), por parte do Estado reforça a ocorrência de violência no seio familiar (QUEIROZ, 2007)6. Afirmativa que não tenta eximir a culpa do agressor, mas que visa ultrapassar as aparências do fenômeno, já que a situação do cuidador (envolto por barreiras físicas, sociais, econômicas emocionais envolvidas no ator de cuidar), deve se analisada nessa teia que envolve a violência. .

Quanto ao perfil da vitima sob o aspecto de gênero: 64% são mulheres; 32% são homens e 5% não informaram. Dado que transparece que a violência contra a população

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Tal mecanismo recebe denuncias relacionadas a violações cometidas entre os grupos sociais tidos como mais vulneráveis, dentre eles o da população idosa, crianças, população em situação de rua. 6

QUEIROZ, Zally P.V. Quem cuida de quem cuida? In: Violência doméstica contra a pessoa idosa: orientações gerais. São Paulo: SMS, 2007

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idosa anda de mãos dadas com a violência contra a mulher, isto é, o fato de ser idosa e ser mulher, a torna duplamente vulnerável a todos os tipos de violência.

Compreende-se, assim, que o idoso vitima de violência é inserido num contexto de múltiplas negações, sendo a mais expressiva a negação do reconhecimento do idoso enquanto sujeito de direitos portador de dignidade humana, por parte da comunidade e do próprio Estado. Este ultimo, que se faz omisso na preservação da existência e da vida do ancião, pelo não cumprimento da legislação em vigor e efetivação de politicas e ações de enfrentamento, revelando o drama vivenciado pela velhice no Brasil. Põe-se, então, a tona uma das modalidades de violência, por vezes silenciada, a institucional/estatal:

Estado violenta e viola através do descumprimento de seu papel de executor de políticas e de ser o principal responsável pela garantia dos direitos, entretanto, vem sendo aquele que fomenta as discrepâncias entre o direito legal e o direito real no cotidiano dos idosos pela não efetivação da Política Nacional do Idoso e pelo descumprimento na execução e garantia dos Direitos conforme o Estatuto do Idoso, pelo contrário, registram-se nas ações do Estado omissões, paralelismos de ações com a multiplicidade, diversidade e sobreposição de papéis e ações fragmentadas e focais nos programas governamentais. (p.67)

Ao considerarmos tais indagações, nos deparamos com o fato de que a violência contra o idoso tem raízes profundas, extrapolando a mera ausência de legislações ou políticas protetoras, as quais existem, mas não são aplicadas, evidenciando a persistência da violência contra idosos na contemporaneidade. Sendo, pois, necessário descortinar o véu nebuloso que oculta a sua base material. Afinal, de que vale tratar os efeitos se são desconsiderando as causas? Á vista disso, a análise da violência contra os idosos requer considera-la como uma categoria social conectada às condições políticas e econômicas, que constituem uma sociedade de classes; aliado aos significados atribuídos a velhice, de modo que

Quando compreendermos o que é a condição dos velhos, não poderemos contentar-nos em reinvindicar uma “politica da velhice” mais generosa, uma elevação das pensões, habitações sadias, lazeres organizados. É todo o sistema social que está em jogo, e a reinvindicação só pode ser radical: mudar a vida (BEAUVOIR, 2018)

De certo, o combate efetivo da violência contra o idoso requer uma transformação radical dos significados atribuídos à velhice, de modo que o idoso tenha valorizados seus atributos e garantido a dignidade devida nessa etapa da vida, aliado a modificação dessa forma de sociabilidade, na perspectiva da construção de uma sociedade capaz de eliminar qualquer tipo de exclusão social.

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Diante dos fatos elucidados, compreendemos a relevância de retirar da obscuridade uma problemática que a sociedade teima em ignorar e ocultar: a violência contra a pessoa idosa, que persiste na contemporaneidade, transparecendo a falta de preparação da sociedade e do governo brasileiro para o envelhecimento populacional.

Conjuntamente, é perceptível que a violência anda de mãos dadas à concepção envolta em torno da velhice, enquanto uma expressão das relações sociais (desiguais) produzidas em certos contextos relações e estruturas; envolvendo relações materiais de poder, sendo expressão das desigualdades sociais, antagonismos de classe e de uma logica de descarte de um sujeito que não é mais produtivo, um “ônus social”, numa sociedade em que impera a máxima da lucratividade.

Por conseguinte, o combate da violência e requer uma alteração dessa forma de sociabilidade, realidade que não impede o fortalecimento de medidas de prevenção e punição aos infratores na ordem vigente, além da aplicabilidade legal dos dispositivos existentes, sendo necessária uma atitude ativa da sociedade, revalorizando socialmente idoso como semelhante e não como o outro, já que a desvalorização da velhice é uma perda para todos, já que o envelhecimento é um processo biológico inevitável, e negar tal realidade é retroceder a barbárie, decretando o autoaniquilamento prematuro da humanidade.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 10 de nov. de 2018.

BRASIL. Disque Direitos Humanos Relatório 2017. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/ouvidoria/dados-disque-100/relatoriobalanco-digital.pdf> Acesso em: 05 de set. de 2018.

BRASIL. Lei n° 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.741.htm> Acesso em: 11 de nov. de 2018.

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Referências

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