III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação
PUCRS
A crítica analítico-lingüística de E. Tugendhat à noção de
“comportamento consigo mesmo” de Heidegger
Marcos Fanton, Ernildo Stein (orientador)
Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humans, PUCRS,
Resumo
O presente estudo tem por intuito investigar a aplicação do método analítico-lingüístico a determinado problema filosófico, qual seja, o problema da autoconsciência e da autodeterminação. Nesse sentido, ele está estruturado em três partes: (1) uma introdução à filosofia analítica da linguagem de Ernst Tugendhat, esclarecendo seu método e suas perguntas fundamentais; (2) uma introdução ao tema da autoconsciência e da autodeterminação, tal como é vista por Tugendhat; e, finalmente, (3) avaliar quais as vantagens e desvantagens de uma leitura analítica dos textos de Martin Heidegger, a partir desta temática.
Introdução
Em seu livro, Lições introdutórias à filosofia analítica da linguagem1, Ernst Tugendhat procurar elaborar o projeto de uma semântica formal como disciplina fundamental sucessora da ontologia. Para isso, o autor requer, em um primeiro passo, um movimento crítico e destrutivo da abordagem tradicional, objetivística, de determinadas teorias filosóficas, para, então, tentar criar um conjunto de conceitos (meios categorias) tão amplo quanto o da ontologia. Este segundo passo está conectado à necessidade de estabelecermos uma posição filosófica, obtida a partir de: (1) uma motivação não-arbitrária, isto é, precisamos do engajamento de uma forma determinada de questionamento; (2) uma justificação dessa posição, na medida em que todas as sentenças, ao levarem uma pretensão de verdade, referem-se a um contexto de justificação, isto é, exigem razões e contra-razões; e (3) uma
1 TUGENDHAT, Ernst. Lições introdutórias à filosofia analítica da linguagem. Trad.: Ronai Rocha Ijuí: Unijuí,
universalidade, ou seja, o alcance de um âmbito supremo no qual todas as outras posições filosóficas seriam admitidas como menos abrangentes.
Tugendhat esclarece, contudo, no prefácio de seu livro, Autoconsciência e autodeterminação, que as tarefas descritas anteriormente tomam parte de uma “concepción sistemática de uma disciplina fundamental lingüístico-analítica”2, o que difere, em certa medida, de uma concepção metodológica desta filosofia. Esta, por sua vez, considera, como único modo de explicação de conceitos – a tarefa primordial do filósofo analítico-lingüístico – , a “indicación de las reglas de uso de las palabras correspondientes”3. Assim, Tugendhat submete as possibilidades construtivas – e não apenas destrutivas – desta última concepção à prova, submetendo-a à análise de um tema específico da filosofia, qual seja, a autoconsciência e a autodeterminação.
O objetivo geral do trabalho, então, é perceber o modo específico com que a filosofia analítica da linguagem de E. Tugendhat opera, ou seja, o seu modo de filosofar e avaliar quais as suas contribuições para leitura de outros autores da história da filosofia. Entre estes, escolhemos Heidegger, tendo em vista a relevância das críticas realizadas por Tugendhat, como, por exemplo, aos conceitos heideggerianos de verdade, de alétheia, de realidade, de ser, etc.
Outro objetivo fundamental da pesquisa é a refletir acerca da viabilidade da diferenciação entre filosofia prática e filosofia teórica, tal como é realizada por Tugendhat, a partir da diferença entre razão prática (a pergunta pela vida boa) e razão teórica (a pergunta pelo modo como compreendemos uma sentença), e quais as suas conseqüências para a sua concepção de filosofia como tal.
Metodologia
O proceder metodológico deu-se a partir da leitura de textos filosóficos submetidos a uma análise crítico-descritiva.
Resultados (ou Resultados e Discussão)
Um resultado imediato que poderíamos, de antemão, apresentar é a necessidade de realizarmos um exame lingüístico-analítico dos textos de Heidegger, uma vez que, apesar de suas intuições relevantes, faltou-lhe um “critério de prova” para seu método descritivo. Além
2 TUGENDHAT, Ernst. Autoconsciencia y autodeterminación. Trad.: Rosa Helena Santos-Ihlau. México: FCE,
disso, a análise lingüística torna-se extremamente importante, tendo em vista os dois aspectos dos textos heideggerianos, vistos por Tugendhat: (1) a incontrolabilidade de sentido; e (2) o tom evocativo das palavras. Tendo consciência disso, é-nos exigida uma “tradução” dos conceitos de Heidegger para uma comunicação controlável e intersubjetiva.
Porém, o que se pode discutir são as vantagens e desvantagens de uma posição filosófica que se baseia única e exclusivamente no modo como utilizamos os conceitos. Trazendo esta questão para um debate contemporâneo, poderíamos perguntar: quais as diferenças entre a filosofia analítico-lingüistica de Tugendhat e a filosofia fenomenológico-hermenêutica de Heidegger?
Conclusão
Como conclusões provisórias do debate que queremos desenvolver entre Heidegger e Tugendhat, temos: (1) a enorme influência que Heidegger tem sobre Tugendhat, apesar de este desenvolver uma filosofia analítica da linguagem, que não aceita a maioria dos pressupostos da escola fenomenológica; (2) a necessidade de discutir os autores da história da filosofia a partir de uma linguagem filosófica coerente e possível de ser trazida a uma comunicação intersubjetiva; (3) a incapacidade de a filosofia analítica perceber uma dimensão prática, tal como é expressa no conceito de ser-no-mundo, na obra Ser e tempo, de Heidegger; (4) a necessidade de um maior aprofundamento no debate atual entre filósofos analíticos e filósofos continentais.
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