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Do Tabaco : abuso e perigos

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Academic year: 2021

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(1)

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DO TABACO

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B O E PERIGOS

D I S S E R T A Ç Ã O INAUGURAL PARA A C T O G R A N D E SEGUIDA DE DEZ VóPÔSIÇOES

APRESENTADA Á

ESCOLA MEDJGO-GIRDRGICA DO PORTO

E .

DEFENDIDA SOB K PRESIDÊNCIA DO EXC.°»»-SHR:

DR. AGOSTINHO ANTONIO DO SOUTO

POR

/NT0N1O AUGUSTO -D'p-LIYEIRA

- - ^ ^ ^ ^ Í S S y ^ í í S : * ^ ^ PORTO T Y P O G R A P H i A O C C 1 D E N X A I 5 0 RUA DA PICARIA 5 4 1878

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DIEECTOK

O ILL."'» E EXC.™ SNR. CONSELHEIRO, MANOEL MARIA DA COSTA LEITE SECBETABIO

0 ILL.™ E EXC.""> SNR. ANTONIO D'AZEVEDO MAIA

C O R P O C A T H E D R A T I C O

LENTES CATHEDEATICOS

. , r, . . °3 M.t.m M E EXC.»J BNBS.

I." Cadeira — Anatomia descriptlva

2.° Cadeira-Pny/iológia .' ' ' S ^ w ? * , " ' ? L e b«l -3.- Cadeira - Historia a t u r a i 'dos 0 a r l°8 L°P e 8' J u O Í O r

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mulheres de parto e dos

recem-nas-7.» Cadeira - Pathologia' i n i e r n a - D r' A e°s t i n h o A n t o n i° *> Souto. M 0 3 K < & ' . M i ■ ■ • ^ ' o - ' o d ' O l i v e i r a Monteiro.

9> Gale'sZgBSJE SruSea" ' Ed^rl R°d r i?M°d a ™~ " » * .

^ C a o ^ M ^ a ^ = d f = í n = L e m o 8 .

giene privada e publica e

toxicolo-12g»laCadeaira - Pathologia'geral ' se- D r' J°S é F - A y r e S d e G < m T O Í a 0 3 0 r iO -P h 'a™0Í0c ? Ía e h i S t 0 r Í a m e d Í C a- • • Ï J ' ^ o Ayres Pereira do Valle.

* ehx da Fonseca Moura. LENTES JUBILADOS

Secção medica . . f Dr. José Pereira Reis.

v J Dr. Francisco Velloso da Cruz.

I Visconde de Macedo Pinto. *- José d'Andrade Gramaxo. Secção cirúrgica . f A n.t o nÍ ° Bernardino d'Almeida.

s < Luiz Pereira da Fonseca.

(_ Conselheiro, Manoel M. da Costa Leite. LENTES SUBSTITUTOS

Secção medica J Antonio d-Azevedo Maia Secção cirúrgica. ; Yl c e n'e Urbino de Freitas.

B { AugustoHenriqued'AlmeidaBrandSo.

1 Vaga

LENTE DEMONSTRADOR

(4)

( R E G U L A M E N T O D A E S C O L A , D E i ò D ' A B R I L

DE 184O, ART. I 55).

(5)

1)0

Chorado condiscípulo

FEUX Dl FONSECA W f i l , JUNIOR

, A tua morte foi um profundo golpe, uma iro-nia pungentíssima vibrada pelos desdéns do des-tino aos feixes d'esperanças que emmolduravam a tua e a nossa carreira. Não era preciso tanto para que a consciência forjasse atténuantes ás des-crenças de certa ordem de scepticos. Se no mun-do mun-dos espíritos, que despiram o invólucro ma-terial, e dado devassar o que pertence a este nao tentes adivinhar o amargor da lagrima que me oscilla entre as pálpebras.

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A MEUS PAES

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As vivas alegrias, como as fundas tristezas, são incompatíveis com as expansões palradoras. O laco-nismo conceituoso ou a mudez completa possuem uma eloquência bem mais expressiva. Permitti, pois, que aos carinhos e ás palavras consoladoras de mi-nha mãe, aos sacrifícios e ás palavras d'estimulo de meu pae, eu responda simplesmente e laconicamen-te: obrigado.

(7)

MANOEL DE JESUS ARAÚJO ROCHA

K

JOÃO D'ÀKAUJO ROCHA E SILVA

Reuno-vos n'uma pagina só, n'um amplexo único, porque não sei destrinçar a qual de vós quero mais.

VOSSO IRMÃO E PRIMO

õinionio.

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(8)

^ A M I N H A P R I M A

A EXC.m a SNR."

D. ERVERINA DAS MERCÊS PEREIRA DE SOUSA

O meu trabalho é pobre, mas representa a mi-7 ; nha emancipação scientifica, o meu ultimo passo

fP como estudante e o primeiro do meu tirocínio co- S*\

\T) mo clinico. Offereço-lh'o, porque estou certo que o çty UL estima duplamente.

Pt^IMO

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ntonio.

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AREKTSS

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AOS fifôîGQS AOS C O M P A N H E I R O S D E CASA O. D. G.

0 Sancton

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(10)

Se os tempos de condiscipulado recordam a época em que me achava ainda n'uma posição transitória e indefinida, n'um equilíbrio instá-vel, também memoram as alegrias ligeiras e descuidosas da mocidade, a ausência do grave e sorumbático pensar no futuro, o nenhum cuida-do pelo dia d'amanhâ, a era das aspirações e dasidéas mais levantadas e generosas, da dedi-cação pelos grandes princípios e do interesse pelo apostolado da sciencia—a austera religião do futuro.

Poderão desapparecer do meu espirito, sem enérgicos protestos talvez, os processos de clas-sificação das plantas, os caracteres d'uma dada espécie d'animaes, ou a forma e os contornos do bico do ornithorinco; a vossa physionomia, porém, conservar-se-ha indelevelmente gravada n'elle, com o relevo e o colorido que dão os grandes pintores aos seus quadros queridos.

Não faltarei á verdade se vos disser que, no exercício da minha clinica, irei recordando pelo caminho, como occupação agradável, os episó-dios em que fosteis actores.

o vosso AMIGO

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O Exe.""0 SNB.

DR. AGOSTINHO ANTONIO DO SOUTO

A erudição e a modéstia completam-se mu-tuamente: prehdem-se e prendem. Pois bem; não se offenda com o meu pobre offerecimento nenhum d'esses predicados, mas n'elles está a sua razão de ser.

O DISCÍPULO AGRADECIDO

oAntonio o/Lugusto d'Oliveira.

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Ao Exe.»» Snr.

l\ JOSÉ CARLOS LOPES

O dever é para mim uma religião. Creio prestar-lhe culto transportando para aqui uma palavra, que v. exc.« me fez gravar na alma, des-de o meu segundo anno : gratidão. Dedicando-lhe o meu trabalho, não faço mais do que ma-nifestar um sentimento que é sincero — o reco-nhecimento.

o D I S C Í P U L O AQKADECIDO

Jfotttoiuo JWauòlo yOíiwlta.

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AO GRANDE OPERADOR AO CONSUMMADO CLINICO

O Exc.mo SNB.

PEREIRA PIMENTA

Como agradecimento pelas suas proveitosas lições, desinteressados e úteis conselhos,

OPPERBOB

O MAIS OBSCURO DISCÍPULO

(14)

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AOS DIGNOS MEMBROS DO JURY

A minha dissertação inaugural é uma espécie d'auto de corpo de delicto d'un processo crime em que é réo o tabaco, eu o auctor, jurados os leitores, v. exc.» os juizes. O auctor pede a isempçáo de cus-tas para si e a sentença condemnatoria para o réo.

Offerece

P ^AUCTOR.

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DA SUA ESCOLHA

Nos vastíssimos domínios da hygiene ha um as-sumpto—o uso immoderado do tabaco, que me parece ter uma importância subida para todos, mas especialmente para os indivíduos que têm a seu car-go velar pela saúde, bem-estar e aperfeiçoamento da humanidade; e tanto mais transcendente" é aquel-la importância, quanto é certo que este pernicioso habito se tem espalhado por quasi todos os mem-bros masculinos das différentes classes sociaes, e ten-de granten-demente a generalisar-se e e'stenten-der-se ao sexo frágil. Por este facto, que se me affigura sobre-modo significativo, tem o assumpto um interesse d'actualidade, e tel-o-ha emquanto durar o abuso

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ou emquanto a planta não mudar de propriedades ; este ultimo facto, porém, quer-me parecer que não se realisará, pois que as leis da natureza não po-derão ser alteradas com o fútil e único fim d'evi-tar á humanidade as funestas consequências da sa-tisfação d'uma necessidade factícia, d'um capricho mal entendido ou d'uma imitação que a não honra demasiado.

Combater, pois, em nome d'um bem precioso — a saúde, d'uma aspiração geral —o bem-estar so-cial, d'um desejo invencível e d'um ideal que nos

ele v a — 0 aperfeiçoamento, esse terrível habito que

tem cooperado grandemente na obra da degenera-ção da nossa espécie, tal é o meu fito, e é também, a meu vêr, razão mais que suficiente para justificar a escolha que fiz d'esté assumpto para a minha dis-sertação inaugural. Por mais que se tenha escripto a este respeito, por muito que se tenha dito relativa-mente aos perigos e inconvenientes do tabaco e fei-to descer o açoute da censura sobre os indivíduos que, conhecendo as propriedades toxicas d'esta plan-ta, não têm, comtudo, a coragem e a força de von-tade suficientes para reagir contra a moda e, de mais, a franqueza d'avisar os outros, tudo isso é pouco, emquanto não se insinua no espirito de to-dos a convicção das verdades que se expendem. Po-dem andar, pois, na bocca de toda a gente os peri-gos do tabaco, podem ser a these de todas as dis-cussões, o assumpto de todas as conversas, tornar-se mesmo um logar commum, sem que, por isso, se deva dizer com razão que é nulla ou pequena a im-portância d'um livro onde elles se apontem.

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Extir-pado o vicio, serão então extemporâneas as boas-vindas ao livro, visto haverem desapparecido as ne-cessidades que o sollicitavam, as razões que o re-clamavam e que justificavam a sua publicação e a sua existência.

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A historia do tabaco deve interessar grandemen-te os indivíduos que fazem uso d'esta planta vene-nosa, como os deveria interessar a historia d'uni amigo intimo, d'um companheiro inseparável. Ne-nhum d'elles deve effectivamente ignorar o passado do vegetal que, embora se diga que não sahiu do no-vo mundo senão para vir matar o antigo, presta to-davia o grandíssimo serviço de lhes occupar as ho-ras vagas, de os distrahir, de os desenfadar, ou por outra, de lhes matar um tempo preciosíssimo, essa cousa a que os inglezes chamam dinheiro. Mais tar-de terei tar-de referir-me a estas suppostas vantagens.

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A historia da planta de Nicot é uma historia tris-temente celebre. Escrevel-a, equivale a apontar uma serie de crimes de que a planta foi o instrumento, e um numero enorme de práticas de bruxaria, de que foi principal inÛuente uma rainha de França —Ca-tharina de Medicis. Mas não antecipemos. O uso do tabaco começou na Europa, para imitar os sel-vagens do Novo Mundo ; continuou, para lison-gear uma rainha e um homem notável ; espalhou-se, para entretenimento dos que ignoravam as suas pro-priedades deletérias; radicou-se, por habito e para ser mais uma mina explorada pelos agiotas ; conser-var-se-ha, talvez, para que nos costumemos a ma-nusear venenos e para que possamos contar perfei-tamente o tempo que gastou o tabaco em completar o fácil trabalho da degeneração humana, quica irre-mediável. Começou, pois, no Novo Mundo'e não data d'hontem. Um missionário hespanhol, chama-do Fray Romano Pane, que tinha sichama-do levachama-do á America, nos navios de Christovão Colombo, com o fim d'apostolisar o christianismo entre os selva-gens indígenas, observou nos ministros da religião (Testes povos os effeitos d'uma exaltação fanática, attnbuida por elle, talvez com razão, ao vapor ene-briante das folhas do tabaco. Vendo pois, n'esta planta, os elementos d'uma revolução que favorece-ria o triumpho da causa que evangelisava, possuiu-se da idéa de a transportar e aclimatar na Euro-pa, mandando a Carlos v, seu soberano (i5i8) algumas sementes do vegetal, que tantos males ha-via d'acarretar á humanidade n'um futuro não lon-gínquo e que talvez contenha em si um dos germens

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que fará dos homens uma espécie animal transitó-ria, fadada ao desapparecimento, á destruição, como tantas espécies d'animaes e vegetaes de que não se encontram specimens senão nos museus, entre os milhares de fosseis das nossas collecções.

E o homem d'hoje—tremo de o dizer! — será, para uma raça futura que reúna as condições preci-sas de vitalidade, um dos motivos dos seus estudos paleontologicos; pertencerá à sciencia que se occupa dos fosseis, caso elle conserve os terríveis hábitos do tabaco, do alcool, ópio, hachisch, etc., mesmo a des-peito das prescripções da hygiene.

Foi pois, n'esse tempo, que principiou a cultura do tabaco para uso da Europa. A ilha de Cuba foi a região escolhida pelo governo hespanhol para essa cultura, conservando por algum tempo o privilegio da exploração e da venda. Não tardou muito, po-rém, que Portugal seguisse o exemplo da Hespa-nha, cultivando-o em alguns pontos do que hoje é império independente e que outr'ora fora possessão sua —o Brazil; mas, se foi elle que commet -teu o erro de o mandar cultivar em primeiro logar após a Hespanha, também foi elle (compensação que não cohonestou completamente aquelle acto) que primeiro o submetteu ao regimen fiscal, não sei se com o intuito de lhe restringir o uso, se somente com o de engrossar o thesouro. O cardeal Santa Cruz, que por esta época exercia em Lisboa as funccões de nuncio do Papa, mandou-o cultivar na Italia. Outras nações seguiram o exemplo e entre ellas deve mencionar-se a França. Efectivamente João Nicot, embaixador d'esse reino em Lisboa, fez

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presente da planta á rainha Catharina de Medicis, encarecendo-a como remédio efficaz para a cura das hemicraneas e de diversas doenças. Este homem, porém, não gosou por muito tempo e socegada-mente, a gloria de haver importado para a França a cultura do tabaco, porque André Thibet veio dis-putar-lh'a, apresentando titulos bastantemente ver-dadeiros para lhe tirar a gloria laquelle acto, que seguramente o levaria á posteridade. Isto, porém, que hoje seria considerado como soberanamente ri-dículo, mostra perfeitamente que a certa espécie de gloria é mil vezes preferível uma obscuridade tranquilla. Catharina de Medicis, tomando sob sua égide a planta de Nicot, visto que as suas virtudes lhe favoreciam uns planos tenebrosos que acaricia-va na mente ambiciosa, começou a servir-se d'ella nas suas práticas d'adivinhaçao e de magia, o que estava muito espalhado n'esses tempos d'obscuran-tismo.

Casada com Henrique, ao depois segundo do nome, por influencia de seu tio o papa Clemente vu, só encontrava, para chegar ao throno —sua as-piração capital, um obstáculo grande —a vida do delphim Francisco. Entretanto, este individuo ap-pareceu envenenado, e o tabaco, dil-o a historia, parece ter sido o instrumento do crime. Francisco n' o primeiro dos filhos de Catharina, soffria d'uma doença de pelle contra a qual tinham sido estéreis todos os recursos da medicina d'aquelle tempo. Ex-perimentaram, n'esta conjunctura, o remédio dos índios, o tabaco: applicando-o sob a forma de po-mada sobre as ulceras da pelle do rei, tiraram

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tno resultado a sua morte, com todos os sympto-mas, conhecidos hoje, d'envenenamento pela nico-tina.

Sabendo, pela narração d'Américo Vespucio, que os padres dos Índios tomavam como inspirações do seu bom génio (o tabaco) as estranhas impres-sões que lhes causava a embriaguez do seu fumo, Catharina de Medicis teve a idéa de os imitar; e foi envolvida nas camadas espessas d'esse fumo re-pellente, que ella concebeu, dizem, o tenebroso plano da Saint-Barthelemy, a horrorosa matança dos Hu-guenottes. O narcotismo que lhe aconselhara a ma-tança dos protestantes, devia mais tarde aconselhar-lhe a dos catholicos.

Effectivamente, em virtude da má educação que ella tinha dado aos filhos e do ascendente que con-servava sobre elles, obrigando-os a commetter toda a espécie de crimes, tornou-se patente o ódio que o povo e os grandes da nação votavam á familia real e formou-se a histórica Liga. O duque e o car-deal de Guise, irmãos e influentes mais para temer do que nenhuns outros n'esta alliança secreta, paga-ram bem caro a sua ousadia, porque recebepaga-ram a morte por ordem da rainha ou dos filhos. Esta mu--lher, fanática e supersticiosa como era, patrocinava

a planta quanto podia e empregou toda a sua in-fluencia para que o uso d'ella não diminuisse nas práticas medicas e magicas d'esse tempo. Gonse-guiu-o, porque o exemplo é sempre contagioso, mor-mente quando elle vem d'algum personagem que por qualquer titulo alcançasse jus á celebridade ;. e a corte de Catharina de Medicis tinha o prestigio e

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G ascendente, que a cidade de Paris recebeu como por herança e faz que seja acceite sem reparo e sem critica tudo o que parte d'ahi, d'esse grande centro da moda, que avassalou todas as idades, ambos os sexos e todas as classes sociaes.

Para provar a influencia d'um alto patrocínio sobre o bom acolhimento feito a esta ou áquella moda, basta lembrarmos-nos do successo imrnenso da primeira crinoline que appareceu no reinado de Napoleão nr para encobrir o estado interessante da imperatriz Eugenia. Esta crinoline espalhou-se tanto pelos diversos paizes do mundo, que as fabricas de todas as nações, dizem, estiraram mais aco para estas espécies de caixas metallicas do que o que se-ria preciso para uma linha férrea que desse a volta do mundo. Como este exemplo citam-se muitos.

Quasi todos os homens começaram a usar o ta-baco em pó, á imitação de Carlos ix, que era obri-gado a isso, por ordem da rainha, «para purgar os humores estrumosos do seu cérebro», visto que as doutrinas d'esse tempo consideravam o nariz como o emunctorio d'aquelle centro nervoso. Emprega-vam-o também associado ás cinzas das andorinhas novas e dos seus ninhos, segundo as prescripcões do medico Leander, para tratamento das doenças pul-monares ; e o que os levava a acreditar nos bons resultados d'esta prática era a crença de que as an-dorinhas e o tabaco, vindo de longe, não podiam ser senão enviados de Deus para os curar dos ma-les desconhecidos. Correu algum tempo, sempre de vento em popa, para a planta da rainha; e n'essa época, em que as trevas eram espessas, mormente

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em medicina, vista a sua complexidade, havia dous elementos como base das sciencias medicas : o ele-mento quente e o eleele-mento frio. Eram, pois, duas somente as causas de doença —o principio frio e o principio quente. Correspondentemente, eram tam-bém duas as classes de medicamentos: os frios que debellavam as doenças d'origem quente, e os quen-tes que curavam as d'origem fria. O principio a

con-traria contrartis curantur» ainda não tinha

compe-tidores nos homens do vicio psorico. Ora, o tabaco já era considerado por muitos como um remédio para quasi todas as doenças, uma panaceia univer-sal A lógica, porém, não via com muito bons olhos os titulos com que elle se adornava e começou a propalar que a planta não podia ser simultaneamente remédio d'ordem fria e d'ordem quente, e por con-seguinte, se curasse as doenças d'ordem fria, nao poderia debellar as d'ordem quente. Isto era rasoa-vel, e d'aqui as discussões, as brochuras, os pam-phletos e as satyras, ora defendendo, ora accusando o tabaco. Com isto foi nascendo uma grande cele-bridade e um consumo extraordinário para o ve-getal, porque todos queriam ter conhecimento de causa e ser juizes n*este pleito interessantíssimo. Con-tinuava ainda a debater-se a questão, sem que a ba-lança pendesse para um ou outro lado, quando os negociantes, que costumam aproveitar-se de tudo e explorar todos os veios lucrativos, mandaram os seus navios ao archipelago das Antilhas para tra-zerem grandes quantidades da planta, que tomou o seu nome d'uma pequena ilha d'aquelle grupo, cha-mada Tobago. Eil-o, pois, tornado em fonte de

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re-ceita para os agiotas, que se entretinham em fazer reclames pomposos elogiando, tanto quanto o per-mittisse a credulidade dos povos, as propriedades maravilhosas, as virtudes quasi sobrenaturaes da panaceia universal. Alguns estados concederam o monopólio da exploração e venda d'esté género a de-terminados individuos, mediante uma quantia infi-nitamente pequena com relação aos lucros. O ouro que elles extrahiam d1este manancial inesgotável

ser-vía-lhes, não só para fazer a apologia da planta, mas para calar os recalcitrantes, e ainda para obrigar a desapparecer das bibliothecas todos quantos livros vizassem a depreciar as propriedades miríficas da herva de Santa Cruz. Decorreram os tempos, com vária fortuna para a planta, até que um dia foi con-siderada muito digna d'entrar na composição da Triaga, o mais complexo representante da polyphar-macia — essa nova panaceia universal, essa pedra philosophai da medicina. Mas, um dia, a Triaga re-cusou-se a curar as doenças mais simples, e o ta-baco, encontrado em flagrante delicto de ter causado varias mortes súbitas, foi considerado como suspei-to, como intruso, como perturbador das proprieda-des curativas do também chamado Electuario, e den-tro em pouco deixou de fazer parte d'elle e foi ca-hindo em descrédito perante os seus mais fervoro-sos admiradores. Porém, ó lei das compensações ! esse idolo dos Índios, esse favorito da rainha, desde que deixou de figurar na Triaga e descia para o oc-caso da sua gloria, começou, como tudo o que de-clina, a ser instrumento do vicio, e se, pelas suas

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male-ficas, não era ingerido no estômago, nem introdu-zido nos olhos e nos ouvidos em satisfação ao uso, começou comtudo a ter novo emprego, a ser intro-duzido no nariz sob a forma de pós, mais talvez por luxo do que para resuscitar os tempos de Carlos ixr

em que elle servia para extrahir os celebres humo-res estrumosos. A arte de tomar pitadas estava ain-da na infância ; não se tinham inventado instrumen-tos análogos aos dlioje para moer o tabaco e para o trazer no bolso,, bem acondicionado ; havia apenas uma raspadeira de metal, que o reduzia a um pó grosso, á medida da necessidade, ou melhor, da ve-leidade e do capricho de cada um. Estava dado o primeiro passo no caminho do vicio, que ainda hoje se conserva com a força e o viço do que é novo e valente; isto por mal da humanidade, que lhe tem soffrido e continuará a soffrer as terríveis consequên-cias. Assim se insinuou o tabaco nos costumes da época pelo lado fraco do luxo; desde esse tempo começaram a usar-se as caixas do tabaco, tor-nando-se um appendice indispensável a todos os in-divíduos que occupavam um logar distincto na so-ciedade. Este uso radicou-se tanto, que a tabaqueira já tinha um papel diplomático, a ponto de tornar-se etiqueta oíferecerem-se reciprocamente uma pitada, nas suas caixas d'ouro ou prata, os indivíduos que iam começar a discussão das altas questões do Es-tado. O exemplo d'estes altos personagens fez que o povo concebesse uma elevada idéa d'esté pó, que elles introduziam no nariz; um dia surprehendeu-se esse mesmo povo a fazer como elles, trazendo em caixas de madeira e de chifre esse maléfico pó, que

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ainda hoje reveste com espessa camada côr de luto as paredes das suas escancaradas narinas. Passa-ram-se cem annos d'experiencia, durante os quaes se procurou saber se o tabaco, insinuado no nariz, tinha effectivamente a propriedade de «extrahir os humores estrumosos do cérebro», o qual, nas theo-rias d'aquelle tempo, enviava, por intermédio d'esses humores, certas emanações deletérias aos différentes órgãos e produzia assim as doenças. As esperanças n'elle depositadas tinham, porém, sido frustradas, porque as doenças não deixavam d'atormentar a hu-manidade; antes parecia que criavam novas forças e vigor desusado. A confiança nas suas virtudes de-generava quasi em indifferença, e este uso começava a ser tido na conta de pouco limpo; foi n'esta con-junctura que recomeçaram as luctas e se espalharam livros sem conta depreciando-o, accusando-o acre-mente como causador de novos males.

Os negociantes então acudiram a salvar os seus lucros d'esté furioso ataque, e n'esta lucta do inte-resse contra a razão, não venceu esta ultima, por-que appareceram as seitas dos fumistas e dos mas-cadores ; isto no reinado de Luiz xm. Estes usos no-vos estavam em relação com umas novas theorias a respeito das doenças. « Não é pelo cérebro—diziam estes innovadores—que se devem atacar as doenças: é pelo estômago. É n'este ventrículo que recebe o alimento, que fermentam todos os humores peccan-tes, residuo impuro da digestão. É pois ahi que se deve levar o correctivo, a panaceia». Como se vê, com estas palavras, que accusam o atraso da

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scien-cia laquelle tempo em que o humorismo era um dogma, justificavam elles o uso de mascar e fumar, argumentando igualmente com análogos costumes dos indios, costumes relembrados pelos marinheiros que desembarcavam nas costas da America. De mais, em França incitava-os também o exemplo d'um homem, commandante d'um corsário francez, o celebre Jean Bart, que obrou prodigios de valor no modo original como se escapou do laço que lhe armara o capitão do navio de guerra inglez, que fo-ra mandado em perseguição d'esté vulto que tanto honrou á França. Esse homem cachimbava, e co-mo, pelos seus feitos gigantes, se tornou o heroe da moda, todos pretenderam macaqueal-o, usando o cachimbo, como em outro tempo despertaram o es-pirito d'imitaçao a camisa vermelha de Garibaldi, o colleté branco de Robespierre ou os bofes da cami-sa de Mirabeau. No decurso dos annos, os três mo-dos d'usar o tabaco—de fumo, em pó ou mascado— soffreram alternativas de gloria e de desprestigio; mas, se os bons tempos em que elle era considerado, já como panaceia, já como inspirador de mágicos e bruxas, passou, adquiriu comtudo nos tempos actuaes grande predomínio, entrando resolutamente e atrevidamente na orbita da moda, da etiqueta e do luxo ; invade todas as classes, todos os logares ; torna-se um idolo a quem todos sacrificam, até os governos que o patrocinam como se elle não conti-vesse o maior de todos os venenos vegetaes — a ni-cotina—como se fosse d'uma innocencia exemplar ! Comtudo, a sciencia tem hoje demonstrado

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exube-rantemente, pela observação quotidiana e por expe-riências variadas, que elle é prejudicialissimo á saú-de, qualquer que seja a forma por que se use; tem mesmo archivado factos, nos quaes se prova que o seu emprego em medicina, apesar de cuidadoso, tem acarretado dezenas de mortes. Um poeta notável de França, Santeuil, foi envenenado, por brincadei-ra, com o pó do tabaco. Assistia elle certo dia a um jantar entre amigos ; e, como era partidário do taba-co, alguns d'elles tiveram a extravagante idéa de lhe deitar uma pitada no copo de vinho, o que foi suf-ficiente para lhe produzir a morte. A historia falia ainda d'um certo conde de Bocarmé, que, d'harmo-nia com sua mulher, Lydie de Fougnies, envenenara seu cunhado Gustave Fougnies, visando a receber o património que lhe tocara por morte de seus pães. O processo, porém, que lhe instauraram, deu como evidentemente provado o crime, não sem deixar na memoria de todos o nome de Bocarmé e o do ve-neno, que foi a nicotina —o alcalóide do tabaco. Emfim, os archivos de medicina estão cheios de ca-sos fataes em que o tabaco foi o instrumento assas-sino, quer fosse manejado por mãos criminosas, quer empregado em boa fé ou por descuido, ou mesmo por brincadeira ; e estes, juntos aos por certo mais numerosos, que a falta de testemunhas deixou na obscuridade, são mais que suficientes para justificar a phrase em que eu dizia: «a historia do tabaco é tristemente celebre»; de mais, cooperam ainda efi-cazmente no conseguimento do fim que me propuz : lançar o odioso sobre a planta que nos impelle pelo plano inclinado da degeneração — esse espectro das

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sociedades modernas, esse pezadello dos nossos so-nhos, esse remorso das nossas consciências, esse tro-peço pesado e escolho immense da hygiene, esse phantasma ameaçador da nossa raça, da nossa es-pécie e da nossa individualidade.

(31)

Transportaremos para aqui os resultados a que chegou o dr. Wright nas experiências a que proce-deu e das quaes pretendia deduzir a acção physio-logica do tabaco. Estes resultados e outros a que chegaram différentes experimentadores notáveis, taes como Claude Bernard, e que não poderemos apon-tar n'este nosso trabalho, porque não nol-o permit-tiriam os seus limites, naturalmente estreitos, serão uma das bases em que nos estribaremos para apre-sentar as desordens orgânicas e funccionaes que mencionaremos seguidamente. Eis o artigo do dr. Wright :

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a acção sedativa do tabaco. Tenho visto a extre-ma prostração das forças caracterisada pela dila-tação da pupilla, o relaxamento e a resolução dos membros, a emissão involuntária das urinas e a sahi-da sahi-das matérias fecaes, quando, guarsahi-dasahi-das as devisahi-das proporções, o coração se achava pouco affectado. Não é pois exacto, segundo a minha experiência, po-derem explicar-se os effeitos sedativos do tabaco por uma diminuição de força e de frequência na acção do coração. Este agente tem uma influencia dire-cta sobre o systema nervoso e indiredire-cta sobre o ór-gão central da circulação. A acção do tabaco sobre o homem parece-me a mesma que sobre os animaes inferiores. Não me tem sido possivel descobrir que elle pudesse affectar o cérebro, como órgão da in-telligencia, senão diminuindo a sua acção. As mi-nhas observações e experiências tendem todas a pro-var que o estado de soffrimento das faculdades in-tellectuaes, consecutivas á acção do tabaco sobre a economia, é sempre devido a uma perturbação na circulação, dependente da influencia depressiva do tabaco.' Comtudo, uma excessiva prostração pôde ter logar sem alteração considerável da intelligencia. Segundo as minhas observações, o óleo essencial do tabaco, obtido por meio do ether, dá logar aos mes-mos effeitos physiologicos que a infusão aquosa. Toda a acção estimulante produzida pelo óleo em-pyreumatico é devida a alguma materia irritante ge-rada sob a influencia do calor. (Entrevê a nicoti-na—1846). Os cães, aos quaes se tenha adminis-trado desde i3 até 37 centtgrammas de tabaco mis-turado com os alimentos, cahem pouco e pouco em

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enfraquecimento grande, depois n'um marasmo com-pleto e acabam por perecer. Observei, em particu-lar, a intermittencia d'acçâo do coração; habitual-mente a paralysia das extremidades posteriores, a perda apparente das faculdades genitaes e um affas-tamento absoluto dos contactos sexuaes. Os testícu-los amollecem, enrugam-se, e os múscutestícu-los voluntá-rios soffrem a mesma alteração. Os pellos tornam-se ásperos e depois cahem ; as pupillas acham-tornam-se di-latadas, os olhos lacrimejantes e finalmente banha-dos d'um pus ichoroso. A ulceração gangrenosa das pálpebras mostra-se, juntamente com a cegueira, ordinariamente nos últimos tempos da vida. Depois da morte, o sangue fica sempre fluido e desprovido de fibrina, e sobretudo pobre em glóbulos rubros. O coração é pallido, molle, d'um menor volume que no estado normal.

« Não se observa rigidez cadavérica e a putrefa-cção marcha com rapidez. No decurso das experiên-cias, as gengivas entumescem-se e sangram com fa-cilidade, os dentes abalam-se e muitas vezes mes-mo chegam a destacar-se. A membrana mucosa da bocca, do nariz, da tracheia é mais molle, mais vo-lumosa e mais vascular que ordinariamente. Vigian-do com cuidaVigian-do os effeitos, sobre o homem, Vigian-do uso muito tempo prolongado do tabaco, não encontrei nenhum que não estivesse ligado d'uma maneira immediata ou remota á influencia physiologica as-signalada mais acima. Eu attribuo a esta causa uma multidão d'accidentés que tenho visto apparecer em indivíduos d'uma constituição forte, robusta, nervo-sa, em consequência d'um uso desordenado do

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ta-baço; e mesmo depois d'uni emprego mais mode-rado em indivíduos physicamente menos favoreci-dos. O systema nervoso, como já disse, é que prin-cipalmente soffre. Muitos indivíduos tornam-se ob-tusos, de caracter irritável, indecisos, sem energia; os músculos dos movimentos voluntários perdem o seu vigor e as secreções depravam-se. Não encon-trei nunca, uma única excepção a este facto : que nos fumadores a voz muda de tom, sem duvida em consequência do relaxamento dos tecidos, ou que se acha enrouquecida e enfraquecida por uma se-creção mucosa exaggerada. Tenho visto muita vez o uso frequente do tabaco de fumo dar logar a uma tosse nervosa d'irritaçao, com ou sem augmente da secreção da membrana mucosa tracheo-bronchica. Este uso perturba,- no meu entender, as funcções do systema nervoso e especialmente nas suas rela-ções com os órgãos dos sentidos, os da reproducção e da digestão. Creio ter reconhecido que elle produz a atonia e todas as consequências que d'ella deri-vam. Tenho visto muitos casos nos quaes me era impossível provar que o emprego habitual do tabaco não fosse seguido d'inconvenientes. Encontrei ainda maior numero d'elles em que este emprego tinha tra-zido comsigo resultados perniciosos. Emfim, não co-nheço um só exemplo de vantagens devidas a esta prática, se ella as tem, que não tivessem podido ser obtidas por meios menos perigosos».

Claude Bernard, o exímio professor do Collegio de França, dizia n'uma das suas lições em 1856, referindo-se ao principio venenoso do tabaco, com o qual fizera as experiências :

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«Este alcalóide (a nicotina) é um dos venenos mais violentos que se conhece. Algumas gottas de-positadas na cornea d'um animal, matam-o quasi instantaneamente. A nicotina, pela apparencia sym-ptomatica dos seus effeitos e pela sua actividade, aproxima-se muito do acido prussico. Um coelho que foi envenenado pela instillação, nos olhos, de duas ou très gottas d'esta nicotina, já um pouco al-terada pelo contacto do ar, succumbiu rapidamente. Todos os animaes são accessiveis á sua acção. En-saiamol-a em mammiferos, aves, reptis, sempre com o mesmo resultado e produzindo sempre sympto-mas análogos. Por qualquer via que se administre, o animal é fulminado. Morre em convulsões d'uma violência excessiva. A acção da nicotina attinge os nervos, os músculos e o systema vascular».

Mr. Gubler diz, entre outras cousas :

«As pequenas doses (de tabaco) repetidas, actuam como diurético e menos habitualmente como laxante. Em doses fortes, o tabaco determina prom-ptamente nauseas, seguidas de vómitos e de purgação, com dores abdominaes e sensação incommoda no epigastro. Ao mesmo tempo produz-se uma fraque-za extraordinária, com relaxamento muscular, tremu-ras nos membros, anciedade, tendência syncopal, en-fraquecimento da vista e confusão das ideas. As pu-pillas dilatam-se; o pulso torna-se pequeno e frequen-te; a respiração algumas vezes laboriosa ; a pelle res-fria, cobre-se d'um suor glacial, e alguns movimentos convulsivos podem vir completar o quadro. Se, po-rém, a dose é toxica, esse momento de desordem motora é seguido d'um período de paralysia e de

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torpor que precede a morte. Em quanto estes sym-ptomas se desenrolam, existe uma diminuição con-siderável da sensibilidad<tactil; raras vezes apparece um verdadeiro somno».

Estes dados são valiosos e constituem uma syn-thèse quasi completa das desordens orgânicas pro-duzidas pelo'tabaco.

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Com os nossos costumes, as nos-sas paixões, as nosnos-sas misérias, o homem não morre, mata-se.

FLOURENS. *Z>a longevidade, pag. 32.

O que fica expendido com relação á planta de JNicot, e ,a demasiado para se prever que o seu uso pelo menos quando exceder certos limites, deve tra-zer inconvenientes graves para a saúde, visto não ser compatível com dia a existência, na economia, d'um veneno como a nicotina. Este alcalóide havia sido entrevisto no tabaco por Vauquelin, em iSo9,

quan-do, ao apresentar a composição d'esta planta, dizia que, alem do muriato d'ammoniaco, acido acético, etc., continha um principio acre particular. Wilson

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Brodie e Emmest, em 1813 escreveram um traba-lho em que se apontava como veneno um óleo era-pyreumatico, tirado das folhas do tabaco, por dis-tillacáo, e em 1828, Posselt e Reimann extrahiram a nicotina das différentes espécies de nicociana, e as propriedades toxicas d'aquelle alcalóide começaram então a ser estudadas com precisão, de modo que hoje já se descrevem, um por um, os symptomas do envenenamento nicotico. Esses symptomas são différentes, segundo o envenenamento é rápido ou lento. Fallaremos dos que pertencem a este ultimo caso, a propósito das perturbações orgânicas e func-cionaes attribuidas com sobrados motivos ao uso desmedido do tabaco. Os do envenenamento rapi-do, qualquer que seja a via d'introducçao da nico-tina ou pela mucosa bocal, ou pelo estômago, ou

directamente pelo sangue ou por qualquer fenda, são sempre e quasi immediatamente, uma pertur-bação particular da respiração, uma agitação vio-lenta e convulsiva do diaphragma, movimentos va-riados dos músculos e phénomènes convulsivos te-tânicos, vómitos, evacuações excrementicias, saliva-ção, urinas abundantes e, por fim, a morte.

' Os operários, que trabalham nas fabricas em que o tabaco soffre a preparação conveniente para ser entregue aos consumidores, apresentam um certo numero de perturbações, que estão em harmonia com o seu sexo e idade; com a quantidade e a

mer-da mer-da nicotina que contém a espécie de tabaco en-tregue ao consumo pela fabrica; com o grau de re-sistência vital que apresenta o individuo; com a qua-lidade do trabalho em que se occupa, sendo certo

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que por este facto estão uns operários, mais que . os outros, sujeitos ás emanações deletérias e

conse-quentemente em maior opportunidademórbida; com o calor, a fermentação e o pó; emfim, com um certo numero d'outras circumstancias que poderão ser pre-vistas com facilidade pelos indivíduos que aos co-nhecimentos medicos indispensáveis reunam os ad-qu.ndos n'estes estabelecimentos industriaes, onde vao envenenar-se milhares d'individuos, para simul-taneamente preparar veneno para os outros. Ora a impressão que recebem esses operários nos pri-meiros dias da sua aprendizagem é certamente muito incommoda, a julgar pelo que elles relatam ; e o que e certo e que todos encontram grande dificuldade em hab.tuar-seáquelle ambiente, que não prima pela pureza; alguns até são obrigados a deixar a fabri-ca, visto experimentarem quasi sempre n'esses dias uma cephalalgia, ás vezes muito intensa, nauseas perda d'appetite, insomnias e também diarrheia. Da-do o caso que o operário tenha coragem e forca para perseverar, supportando estes primeiros symptomas d envenenamento, soffre quasi sempre, com o de-correr do tempo, uma mudança profunda, que me-rece ser archivada. A pelle apresenta-se com um aspecto particular; tem uma cor algum tanto escu-ra, especial, uma transição entre a cor proDria da

chlorose e a das cachexias. Esta côr é tão caracterís-tica e singular, que um certo numero de medicos, principalmente aquelles que vivem em relações mais ou menos im mediatas com os operários das fabricas de tabacos, conhecem por ella os indivíduos de dif-férentes povoações que trabalham na mesma

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indus-tria Entretanto, para que os operários adquiram este

faciès particular, é necessário que tenham pelo

me-nos dous anme-nos d'aprendizagem, dous anme-nos d ab-sorpcáo das partículas da solanacea de que trata-mos;' é preciso, em ultima analyse, que elles attinjam o estado que chamam d'aclimataçao. A curiosidade bem entendida, aquella que constitue o primeiro pas-so para a acquisiçáo dos conhecimentos e um dos elementos mais importantes para a constituição das sciencias, perguntará qual é a alteração orgânica de que exteriormente é traducção essa cor especial? U que a alguns homens da sciencia parece mais rasoa-vel para explicar o facto, é admittir uma modifica-ção, qualquer que ella seja, do sangue, consequên-cia da acção lenta e prolongada do tabaco, isto e, uma espécie d'envenenamento produzido pela sua absorpcáo ou d'algum dos seus princípios. Alem de ser esta a explicação mais natural, a única talvez admissível, é a absorpção confirmada também pek>s symptom» que dissemos serem as primícias dos primeiros trabalhos do operário, como sao dores de cabeça, insomnias, nauseas, diarrheia, etc. Ha ainda um facto que parece tirar toda a duvida de que o sangue se acha alterado; este facto foi notado e apon-tado por M. Hurteaux e é o seguinte: quando se sangram os operários, o sangue extrahido raras ve-zes apresenta o que os franceve-zes chamam couenne e o coagulo ordinariamente é molle. Isto, na

opi-nião do illustre medico, é um indicio de que a fibrma diminuiu no sangue, o que parece ser confirmado pela frequência com que se realisam as congestões n'estes individuos, principalmente as passivas. Nas

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mulheres são ellas reveladas pela abundância dema-siada dos catamenios, que também são mais aproxi-mados do que antes de se entregarem ao novo mo-do de vida. É pois, ao tabaco, que cabe a respon-sabilidade, deixem-me dizel-o assim, de todos estes males, que apparecem, ora como effeitos primitivos, ora como effeitos secundários, da acção do seu al-calóide, cujas propriedades toxicas não podem oc-cultar nem os governos, nem os proprietários d'es-tas industrias — os primeiros interessados no incre-mento e extensão do consumo d'esta planta, con-sumo prejudicialissimo á saúde, ao supremo bem das nações.

Mas, inconvenientes d W r a ordem e também de summa importância, reclamam as nossas attenções, e não devem ser esquecidos; pois, alem de pesarem necessariamente na balança da consciência social, são também uma alavanca fone para abalar os cré-ditos do vegetal, que entrou nos domínios da moda e do luxo — esses sorvedouros das fortunas as mais colossaes e da honra a mais impolluta —com as bul-ias ou o passaporte falsos d'uma protecção, eleva-da sim, mas apesar d'isso somente baseaeleva-da na igno-rância das suas propriedades toxicas e na crença em virtudes medicinaes illusorias. É innegavel que um» parte da população do mundo não tem uma alimen-tação suficiente, e, se nem todos esses indivíduos morrem de fome, arrastam, todavia, uma vida de for-çados jejuns e de misérias inauditas, o que é talvez mais assustador. Ora, sendo verdade que a terra é a nossa mãe commum, a principal productora das plantas que servem para alimentação nossa e

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d'où-tros animaes que aproveitamos para différentes usos, não é menos certo que ella tem sido desviada do seu destino natural e providencial, pois que a obri-gamos a produzir tabaco, ou por outra, fumo que se esvae, e veneno que mata o individuo e promette

destruir a espécie. É para lastimar que em pleno sé-culo xix, quando a zootechnia e a agronomia ou um dos seus ramos — a arboricultura—tratam de aperfeiçoar, com óptimos resultados, as espécies ani-maes e vegetaes de que mais proveito se possa co-lher, só o homem trate de degradar a sua espécie, deixando-se invadir, sem reacção, pelos vicios recom-mendados pela moda —essa rainha universal, que é uma provocação ás idéas de democracia da épo-ca e uma satyra ao espirito d'independencia, que só nos deixa curvar perante a realeza do talento, a única realeza do futuro. É ainda para lastimar o facto de se permittir que a terra se desate em

fru-ctos de maldição, quando a sua força gratuita podia ser empregada na producção de tanta planta util! É triste ver perder tantos terrenos férteis, tantos

cui-dados, adubos e tempo! Cada baforada de fumo expirada por um fumador equivale a uma fatia de pão roubada aos pobres, ás classes desprotegidas. O que seria, porém, dos indivíduos que actualmente vivem á custa do tabaco, cultivadores, operários das fabricas, agentes encarregados da venda, etc., se elle fosse votado ao ostracismo, ao esquecimento —o mais digno tumulo das cousas inúteis e mormente das prejudiciaes ? A questão deslocou-se, não se re-solveu, dir-me-hão. Muito bem: aqui está uma res-posta fácil, decisiva. Pois as plantas úteis, que

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sub-stituissem o tabaco, não occupam grande numero de pessoas, para o seu cultivo, venda, transforma-ção dos seus productos em pão, carne, tecidos, as-sucar, etc. ? E não seria isto trocar um trabalho pre-judicialissimo por outro muito util, indispensável até ? Demais, o tabaco é um prejuízo enorme para a for-tuna publica; se não, addicionem-se os gastos cau-sados pelas doenças que produz o tabaco (e veremos que são innumeraveis), pelos incêndios e pelas explo-sões devidas á falta de cautela dos fumadores, pelo trabalho do seu amanho, pelos terrenos destinados á sua cultura, pelos contrabandistas e os emprega-dos nomeaemprega-dos para lhes dar caça e evitar aquelle mal, etc. ; compare-se esta somma com a que recebe o thesouro pelos direitos sobre o tabaco, e vêr-se-ha que aquella quantia, representada por tantas parcel-las valiosas, ainda que parece passarem desaperce-bidas, deve exceder muito a que recebe o thesouro, o que se pôde traduzir dizendo que o uso do tabaco produz, mesmo na fortuna publica, um desfalque

enorme.

Considere-se, de mais a mais, o que gastará um individuo, victima d'esté vicio, em tabaco, lumes, cachimbo, papel, caixa, bebidas para refrescar a boc-ca aquecida e irritada pelo fumo, tempo perdido a beber e a fumar, pois que o tempo é dinheiro, e vêr-se-ha que em qualquer ponto de vista que nos colloquemos, o tabaco não tem senão inconvenientes. E que diremos também do modo de acondicionar o rapé, mettendo-o em caixas de chumbo? Ha, nos annaes da sciencia, factos bem averiguados de enve-nenamentos saturninos, devidos á absorpcão, pela

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membrana pituitária, de saes de chumbo formados graças principalmente ao acido acético do tabaco e ao chumbo das caixas onde é armazenado o rapé a fim de lhe conservar a frescura e a humidade. Até as plantas perdem a vitalidade, murcham e seccam, desde que se colloquem no ambiente das fabricas de tabaco, mesmo que ahi se lhes prodigalisem todos os cuidados que, n'outro meio, lhes dariam as con-dições d'uma vegetação exuberante.

Se á influencia funesta dos miasmas productores d'um certo numero de doenças se addiciona a acção reconhecidamente debilitante do tabaco, parece fora de duvida que a resultante destas duas forças que actuam sobre o organismo deve ser para elle muito funesta. E se, theoricamente, é isto assim, a experiência vem corroborar estas vistas theoricas, mostrando que nas grandes epidemias d'origem mias-matica, cholera, typho, malaria, dysenteria, febre amarella, etc., os indivíduos que primeiro são ataca-dos e mais cedo succumbem são exactamente aquel-les que mais se entregam ao vicio de fumar ou que costumam mascar abundantes quantidades de taba-co. Isto é significativo e d'uma clareza luminosa.

Emfim, ninguém ignora a inergia toxica do curara — essa quinta essência dos venenos, que augmenta singularmente a potencia mortífera das settas dos selvagens, hervadas com essa synthèse de variados venenos componentes: pois sabe-se hoje positiva-mente que o tabaco é um dos principaes elementos de tal composto.

Antes d'entrar no estudo particular do envenena-mento lento, ou no das perturbações orgânicas,

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in-tellectuaes e moraes, que pôde trazer comsigo o uso immoderado do tabaco, seja-tios permittido tran-screver para o nosso trabalho um trecho d'um auctor francez, Mr. Decroix, que apresenta em resumida synthèse a censura mais justa e rigorosa que em tão poucas palavras se pôde fazer d'esse uso.

«Ha três séculos a esta parte, taes progressos se têm realisado nas sciencias e nas artes, tantas mudanças se hão operado nos nossos costumes e hábitos, que, se um dos nossos avoengos do sécu-lo xvi voltasse á terra, mal acreditaria na realidade do que havia de ver e, como o propheta David, excla-maria : « vós sois uns deuses ». (Ps. LXXXI, V. 6). Entre

as descobertas que mais deveriam chamar a sua at-tenção, notar-se-hiam certamente essas machinas que, deixando escapar baforadas de fumo e de va-por, produzem uma força prodigiosa, applicada aos trabalhos mais variados e que transportam os pas-sageiros e as mercadorias com admirável rapidez. Mas, o que lhe pareceria não menos curioso seria ver igualmente os homens, deixando escapar pela bocca e mesmo pelo nariz, baforadas de fumo como pe-quenas machinas a vapor: homens a vapor.

Naturalmente elle supporia que este habito, com-pletamente desconhecido na Europa no seu tempo, deve produzir eífeitos maravilhosos e apressar-se-hia a fazer as seguintes perguntas:

—« Esta invenção tem por fim augmentar a for-ça muscular, tornar o homem mais activo no traba-lho, mais rápido na carreira ?»

—« Não, precisamente, responderia o fumista, ad-mittindo que fosse sincero; o tabaco tende antes a

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produzir a negligencia, a diminuir a actividade, por-que, para bem fumar é preciso repouso».

Acreditando sempre em alguma descoberta ma-ravilhosa, o nosso antepassado perguntaria então se o tabaco possue a propriedade de prevenir as doen-ças, de prolongar a vida, etc.

—« De modo nenhum : os medicos pretendem, ao contrario, que o tabaco muitas vezes produz doen-ças e encurta a existência».

—«Mas então deve ser muitíssimo agradável o fumar, para que a seducção seja mais forte que o instincto de conservação?»

—«Senhor, aqui tendes o meu charuto : dae-me a honra de o saborear...»

O avoengo, depois de ter aspirado algumas por-cõesitas de fumo:

— «O vosso charuto é um horrível veneno, que me produz o effeito d'um vomitivo, e mesmo...»

«Ah! é porque vós não estaes habituado». —«Forçam-vos, pois, a adquirir esse habito?» —« Ao contrario : geralmente, nossos pães e nos-sos mestres aconselham-nos que não fumemos, e mui-tas vezes até nol-o prohibem».

O antepassado, ficando completamente desorien-tado :

— «Quanto vos pagam para fumar?» O fumista a rir-se d'esta ingenuidade :

—«Sabei, pois, senhor, que o tabaco se ven-de mais caro que o pão».

—«Mas, então, para que adquiris esse habito?» —«Ah! Meu Deus, é... para fazer como os outros».

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—«Como! Envenenaes-vos para fazer como os outros? Mas, remontando á origem, como é que tal habito se introduziu na Europa?»

—« Soubemos que os selvagens da America fu-mavam e fizemos como elles».

—« E é assim que fosteis buscar igual habito aos selvagens? Estou admiradíssimo por ouvir essas cou-sas; custa-me realmente a acreditar... Estaes

dou-dos !»

« Deixando n'este ponto o fumista, o antepassado exclamaria como o propheta: O homem desceu ao nivel dos irracionaes. (Eccl. m, v. 19)».

Estudaremos em seguida mais detidamente as perturbações orgânicas e funccionaes devidas á acção toxica do tabaco, percorrendo, por motivos de methodo, os différentes apparelhos da economia. Entretanto, procuraremos harmonisar, tanto quanto fôr possível, a importância capital d'esté assumpto com os limites naturalmente estreitos d'um trabalho que, como este, é feito em condições especiaes.

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NA ECONOMIA HUMANA

Sendo, como é, o tabaco o mais violento de to-dos os venenos vegetaes, pela nicotina que contém, perfeitamente se podem avaliar e prever as pertur-bações que elle deve produzir na constituição phy-sica e moral do homem, e, como consequência for. cada, na sociedade onde elle representa o elemento constitutivo. A ordem de considerações, em que te-mos entrado, tornou-nos, por certo, mais fácil a com-prehensão d'esté ponto.

Se, na exposição d'estas desordens, devemos, para proceder methodicamente, adoptar um pro-gramma pelo qual tenhamos de pautar esta parte

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do nosso trabalho, será o seguinte: examinaremos os apparelhos sobre que elle actua, quer por conta-cto direconta-cto, quer indirectamente, após a absorpção, apontando duas ordens de lesões — as orgânicas e as funccionaes. As primeiras seguil-as-hemos no nariz, olhos, bocca, estômago, intestinos, fígado, la-ryngé, pulmões, coração, rins, bexiga, apparelho genital, medulla-espinal e cérebro. Nas segundas fal-laremos da digestão e hematose, pelo que diz res-peito á vida animal, e das da intelligencia, morali-dade e sociabilimorali-dade, pelo que toca á vida de rela-ção.

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PRINCIPAES

Estas lesões são peculiares aos indivíduos que usam o tabaco em pó, aspirado pelo nariz. Este pó, que vae depositar-se na mucosa nasal em cama-das mais ou menos espessas, provoca, pela acção irritante que possue, uma fluxão que augmenta a secreção ordinária d'aquella membrana, fazendo que o tabaquista seja obrigado frequentíssimas vezes a tirar o lenço do bolso para não manchar a roupa, o papel em que lê ou escreve, etc. Todas as caute-las, porém, são poucas, vendo-se elle dentro em pouco possuidor d'um fato, que não prima pela lim-peza, antes exhala um cheiro repugnante e capaz de fazer recuar para distancia respeitosa os

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indivi-duos que não rendem culto a um vicio tão pouco limpo. Este inconveniente, porém, que não seria de grande ponderação perante a seducção d'uma pitada fungada com força, com ademanes cómicos, com a maestria da longa prática, é de todos, aquelle que menos importância encerra. Outros existem bem mais para temer. Effectivamente, nos indivíduos de-bilitados por qualquer causa, de constituição mór-bida muito pronunciada e com predisposição para as ulcerações, a membrana mucosa do nariz, tor-nando-se a séde d'uma inflammação chronica, em virtude da persistência das irritações, escoria-se e ulcera-se principalmente por effeito da grande força exigida para a expulsão das mucosidades e do pó, alojados nas anfractuosidades nasaes; a suppura-ção estabelece-se e, decompondo-se o pus, dá isto logar a um cheiro repellente que caractérisa a ozena. . Isto, porém, ainda mais se accentua desde que a ulceração se estende até aos cornetos e aos outros ossos mais profundos que podem ser affectados de carie, chegando mesmo os cornetos e as cartilagens a cahir em porções ou totalmente. O que se pôde dizer, commum a todos os tabaquistas, por mais ro-busta que seja a sua constituição, é que a mucosa, estando assim infiammada chronicamente, dificulta a respiração pelo nariz a ponto de os tornar pouco agradáveis companheiros de cama pela sonoridade da sua respiração, principalmente durante o somno ; chega mesmo a tornar impossivel o duplo acto res-piratório por essa via e então são obrigados a fa-zel-o pela bocca, o que é incommodo e traz comsigo funestas consequências, como, por exemplo,

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adecom-posição e fermentação mais fáceis das partículas alimentares que ficam entre os dentes, d'onde alte-ração d'esses órgãos, mau cheiro, etc. Aquella in-flammação chronica, estendendo-se á parte poste-rior das fossas nasaes e até ao véo palatino pela lei da irradiação das inflammações nas mucosas, evita que se faça normalmente a resonancia da voz n'es-tas partes, de modo a alteral-a. É vulgar a altera-ção nas qualidades do som da voz, n'estes indiví-duos.

Não param aqui as desordens. O tabaco tem uma acção estupefaciente sobre os nervos, tal que os que presidem ao sentido do olfacto perdem as pro-priedades que os tornavam aptos para este fim, e aquelle sentido, ou se torna obtuso, ou desapparece completamente. E não se diga que isto é de pequena monta, pelo facto de alguns pretenderem que aquelle sentido é pouco importante, quasi um luxo da eco-nomia orgânica.

Affirmar isto, é avançar uma proposição gra-tuita, sem provas, é contradizer a palavra economia, applicada tão significativamente ao nosso organismo, como que a indicar-nos que nada ha ahi que seja luxo e, pelo contrario, que tudo tem um destino es-pecial, tudo desempenha um papel, mais ou menos util. Effectivamente, o sentido do olfacto não é inu-til, mas tem um fim importante, qual o de velar pela nutrição e pela conservação do individuo. Pois não é por elle que recebemos as emanações das co-midas, emanações que vão provocar e estimular o appetite e que nos fazem acceitar ou rejeitar as sub-stancias que convêm ou que são prejudicraes para

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o nosso organismo ? Não é elle que nos faz evitar os logares onde o ar se acha impregnado de miasmas deletérios e nos leva a viver n'aquelles onde o ar seja mais puro? Estaria julgado e classificado, pois, o uso que leva a tão tristes consequências.

Mas não terminam ellas aqui. Um individuo, nas condições acima figuradas, quando exhala, da roupa e do nariz, principalmente, um cheiro repel-lente e insupportavel—o da ozena —está condemna-do ao isolamento, a uma sequestração forçada, é até objecto d'uma aversão da parte dos outros homens, aversão invencível, que lhe deve produzir grandes apprehensões com relação ás qualidades d'elles, que o deve tornar de'sconfiado, triste, irascivel, hypo-chondriaco, mysantropo e cruel, que, emfim, lhe de-ve ende-venenar a existência, tornar-lhe a vida pesada como um fardo immenso, aborrecida, insupportavel e, quem sabe? uma causa menos forte tem levado mais que uma vez á cobardia do suicídio.

A inflammação da mucosa nasal pôde estender-se por analogia e continuidade de tecidos, e ainda pelas relações nervosas, ao apparelho ocular. O ca-nal nasal e os pontos lacrymaes são a via de com-municação e de continuidade d'um com o outro ap-parelho. Estabelecida a conjunctivite, ordinariamen-te dupla, pôde ella tornar-se chronica, a conjunctiva hypertrophiar-se, desviar os pontos lacrymaes das suas naturaes relações, e então o liquido lacrymal, que encontra um duplo obstáculo para chegar ás narinas, onde deve evaporar-se no ar, que ahi é re-novado pelo acto da respiração, corre sobre as fa-ces e, em virtude das suas propriedades irritantes,

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corrosivas até, chega a arregoal-as e, na opinião d'al-guns, a determinar producções pathologicas de na-tureza pouco benigna. Demais, deduz-se facilmente,

da existência d'estas entidades pathologicas, uma pathogenia real de certas fistulas lacrymaes. Com effeito, podem as lagrimas, levadas naturalmente até ao saco lacrymal, ser ahi detidas pela obstrucção inflammatoria do canal nasal, e então, por uma de-mora longa, determinar por irritação a formação d'um abcesso, que provoca o adelgaçamento da pelle, a sua ruptura e, por consequência, o estabelecimento d'uma fistula, ás vezes duradoura e teimosa em ex-tremo, necessitando uma operação cirúrgica, que nem sempre é seguida de bons resultados. Demais, a acção estupefaciente do tabaco pôde estender-se até ao globo ocular e, o que é facto apontado por alguns medicos e notavelmente o dr. Hutchinson, que apresentou um trabalho a este respeito na

Ga-zette hebdomadaire, de 20 de novembro de 1863,

o que é facto, dizia, é que o tabaco deve ser con-siderado como a causa de muitas das amaurozes, não só dos indivíduos que usam o tabaco em pó, mas dos que fumam ou mascam.

Este modo d'usar o tabaco em pó e aspirado para o nariz, está quasi a ser substituido entre os homens por outro habito, o de fumar. Entretanto, o sexo frágil não está com tenções de deixar apagar o fogo sagrado, e já algumas senhoras trazem, como objectos indispensáveis, uma caixa de rapé, peque-na e bem feita, e um lenço vermelho, grande, pe-sado, opulento d'humidade e exhalando, não .os estafados aromas de agua de Colónia, mas o cheiro

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penetrante do tabaco e do muco em fermentação, em decomposição adiantada. Que as velhas o façam para distracção dos seus males chronicos, para entre-tenimento dos seus ócios inevitáveis, vá ; mas que também as jovens vão pedir á planta da rainha uma voz rouca e nasal, uns olhos vermelhos e immo-veis, a ausência do olfacto, uma velhice prematura e, mais que tudo, um hálito repellente, faz nau-seas, revolta o estômago, gera a idéa de fazer uma viagem, não á lua inhabitavel, mas a um outro mundo habitado, onde não tivesse havido um Nicot ou uma Catharina de Medicis, onde o tabaco não fosse conhecido, onde se tornasse mesmo impossí-vel a sua vegetação.

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Quasi todos os órgãos do apparelho digestivo experimentam a acção maléfica do tabaco em.towo ou mascado. A côr amarello-escura dos dentes dos fumadores tem sido notada por toda a gente, e con-tribue muito para os denunciar áquelle a quem o fumo incommoda, sobretudo junta a outros signaes

q u e, pelo seu conjuncto, se tornam característicos.

1 parte os epitheliomas ou cancros epithehaes dos l a b L e da lingua, attribuais ao uso do.tabaco, pelas irritações successes que elle produz n e r c órgãos, quer por contacto próprio, quer pelo calor

quSe IhL'communica, ou a fumadeira, ou o cigarro

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os queimar até ás extremidades ; á parte, dizia, es-ses tumores malignos, soffrem as gengivas uma ir-ritação repetida e uma outra acção especial depen-dente da absorpção da nicotina por endosmose, as quaes lhes produzem uma inflammação chronica que as entumece e torna esponjosas, acompanhada d'uma côr escura anormal, da varicosidade das suas veias superficiaes e d'uma tendência pronunciada a sangrar sob o minimo esforço. Gera-se, pois, um estado proximo do escorbutico, a que se junta, de mais a mais, um cheiro repugnante, devido, quer ao tabaco em si; quer ao mau estado dos dentes; quer ás gengivas,*cuja parte esponjosa soffre ás vezes um começo de putrescencia ; quer á fermentação dos restos alimentares e á decomposição do muco, so-bretudo nos indivíduos que têm anginas chronicas, ainda dependentes do uso do tabaco; quer, finalmen-te, ao conjuncto de todas ou parte d'estas causas. A inflammação pôde mesmo irradiar-se e transmittir-se ás membranas alveolares—espécies de meios en-tre os dentes e os ossos, onde se acham os alvéolos -y

como consequência d'esté facto, as membranas, tendo augmentado de volume, deslocam os dentes, fazen-do-os subir, tornar vacillantes e cahir totalmente. Po-dem também, e isto é mais frequente, cahir em fra-gmentos, pelo facto da acção corrosiva e directa do tabaco sobre elles, produzindo a carie. Ora, a falta de dentes, alem de desfeiar os individuos, traz com-sigo inconvenientes sérios, que apontaremos. Mas devemos dizer primeiro, que também soffrem a acção tópica do tabaco os nervos que presidem á gus-tação, tornando obtusa a sensibilidade d'estes

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ner-vos einutilisando, por conseguinte, não só os esfor-ços e os resultados magniûcos da arte culinária, mas também, e sobretudo, o fim da natureza, providen-cial e previdente em extremo, creando um prazer inexcedivel em cada uma das funcções mais impor-tantes do organismo —a digestão, que assegura a conservação individual, e a geração, que firma a con-servação da espécie. Um d'esses prazeres, pois, que são um estimulo poderoso ao exercício necessário d'estas funcções, quasi desapparece por acção do tabaco, que embota e enfraquece esta sensibilidade especial. De mais, uma das condições precisas para tornar saborosos os alimentos, é a dissolução, e esta não se faz sem tal ou qual mastigação, e esta não se opera bem sem dentes. Ainda, pois, por este la-do ficavam irrealisaveis os planos da natureza. A estes inconvenientes accrescem as dores de dentes, as mais incommodas de todas as dores, quer se at-tenda á sua intensidade, ás vezes enorme, quer á facilidade com que ellas se despertam, bastando o contacto do ar frio, dos alimentos quentes ou duros, etc. E todos sabem que ellas se produzem frequen-tes vezes pela carie ou por todas as causas que, como o tabaco, põem a polpa nervosa a descoberto, corroendo a parte dura.

A aspiração do fumo do tabaco, obrigando a fa-zer na bocca o vacuo, repetidas vezes, determina a reintrancia das bochechas para aquella cavidade, por entre as arcadas dentarias, e esta reintrancia dá um aspecto pouco agradável, sobretudo aos indivíduos novos, e isto pelo contraste com as regiões malares, d'uma saliência proporcional ao grau das depressões.

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A acção tópica do tabaco ou a propagação da in-flammação da mucosa gengival, trazem comsigo a inflammação, ordinariamente chronica, das amygda-las e da pharyngé. D'aqui, uma sensação de seccu-ra e d'irritaçao, que levam natuseccu-ralmente ao uso das bebidas mais ou menos alcoólicas. A diminuição da temperatura, que, como veremos, é também um dos effeitos do tabaco, leva igualmente a este resulta-do. E um vicio accrescentado a outro, é mais uma confirmação do abyssus abyssum invocai. Da au-sência, ou da má trituração dos alimentos, resultam as digestões difficeis e prolongadas, um trabalho ex-cessivo da parte do estômago, as dyspepsias, que fa-zem perder todas as energias que caracterisam o in-dividuo, entorpecendo, não só a actividade physica, mas a potencia intellectual e o vigor moral. É tam-bém quasi sempre cortejo das digestões difficeis a mudança de caracter, a irascibilidade, o desejo da solidão e a hypochondria, essa terrível doença cu-jas consequências tanto são para temer. Sobrevêm ainda, como complicações usuaes, o vomito nervo-so, a pyrosis, o cancro do pyloro, constipação de ventre, etc. O estômago, pois, soffre com a acção directa do tabaco, cuja nicotina é engulida pelos que mascam, com a falta do exercício dos dentes e com as perdas enormes de saliva, pois que, nos indiví-duos entregues ao uso d'essa planta, é grandemen-te exaggerada aqueila secreção, por virtude d'irrita-çao. Alguns crêem lisongear o seu amor-proprio di-zendo que não cospem e não expellem como os ou-tros a saliva abundante, com o fim de estancarem essa fonte de desperdício e renderem culto á

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limpe-za. Mas isto equivale a evitar um mal para cahir n'outro maior. Efectivamente, quer a saliva seja reabsorvida no local da producção, quer seja engo-lida, o envenenamento é mais rápido, mais prom-pto, porque n'ella está dissolvida uma grande par-te da nicotina, mormenpar-te nos indivíduos que

mas-cam.

D'entre os annexos do apparelho digestivo, está provado que é o fígado que mais soffre, sendo cer-to que são muicer-to frequentes as hepatites resultantes do envenenamento nicotico. A bile é, por este facto, obrigada a demorar-se demasiado nos canalieulos destinados á sua circulação, o que faz que se reab-sorva parte do seu liquido e se formem com facili-dade cálculos biliares.

É a este facto de reabsorpção da bile, que alguns querem attribuir aquella côr especial chloro-cache-tica que notamos, a propósito das perturbações de-terminadas pelas emanações do tabaco, nos operá-rios que tinham a seu cargo preparal-o. Vá-se di-zendo de passagem e a propósito, que, se não ha uma única razão plausível, que desculpe os consu-midores do tabaco e imitadores servis dos selva-gens, a necessidade de matar a fome é uma atté-nuante, ainda que pequena, para esses operários. Digo pequena, porque não é esse o único modo de vida, e, para alguns dos misteres, que fornecem di-nheiro para prover ás necessidades mais urgentes, não é longa nem difficil a aprendizagem.

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A acção irritante do fumo do tabaco e o esten-der-se, por continuidade e semelhança de tecidos, a inflammação chronica da pharyngé á laryngé, são dous elementos que se conjuram para determinar a producção d'uma laryngite que se torna ordinaria-mente chronica, graças á persistência das causas. D'aqui, a tosse mais ou menos intensa, um pri-meiro passo talvez para a tisica laryngea, caso ha-ja predisposição, certamente uma perturbação nas qualidades da voz, notavelmente o timbre e a in-tensidade. E por isto que se perderam aquelles bel-los modebel-los de vozes sonoras e trovejantes que bas-tavam para commandar exércitos immensos, tendo

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hoje de ser substituídas, como impotentes e roucas, pelas trombetas a cujo som manobram taes exérci-tos, esses espantalhos das pequenas desordens e, ó antithèse ! esses agentes dos enormes crimes que cha-mam guerras, esses instrumentos automáticos dos maiores ambiciosos de todos os tempos, esse con-juncto de vidas pujantes de que dispõem os reis para satisfação d'umas veleidades ambiciosas e irracionaes. E que diremos da voz dos oradores, quer elles se achem no púlpito, quer nas salas dos parlamentos, ou dos tribunaes, voz que não é senão a sombra do que foi, na opinião dos que estudaram estas particu-laridades ? Não ha hoje Jeremias bastantes, que las-timem com as cores negras d'uma cruel verdade to-dos os desvios das sociedades modernas ; o espirito d'esté século mesmo já não tolera que se chorem esses desvios e substituiu a lagrima e as lamenta-ções pelo escalpello da critica mordaz e pelo azor-rague da ironia, que fere mas que fructifica. Se a época é de combate e a lucta se généralisa, era talvez um crime cruzar os braços em attitude cho-rosa, deixando campear infrene um vicio pernicioso.

De numerosas experiências de physiologia com-parada, feitas com a nicotina, sobre différentes ani-maes, e sobretudo nos que mais se aproximam da hierarchia que occupamos na escala zoológica, tem-se deduzido que os effeitos d'ella sobre os pulmões se traduzem pelas desordens seguintes, apontadas nos livros que tratam do assumpto: irritação dire-cta da mucosa bronchica pela acção narcotico-acre do fumo; diminuição do calibre e da contractilidade dos canaes em que circula o ar e o sangue ;

Referências

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