• Nenhum resultado encontrado

Magistratura alternativa : o poder judiciario como instrumento modificador dass relações sociais de poder

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Magistratura alternativa : o poder judiciario como instrumento modificador dass relações sociais de poder"

Copied!
221
0
0

Texto

(1)

LÉDIO ROSA DE ANDRADE

D I S S E R T A Ç Ã O A P R E S E N T A D A AO C URSO DE P Ó S - G R A D U A Ç Ã O EM D I R EI TO DA U N I V E R S I D A D E FEDERAL DE SANTA CA T AR IN A

COMO REQUISITO Á OB T E N Ç Ã O DO TÍTULO

DE MESTRE EM CI ÊNCIAS HUMANAS - E SP E C I A L I D A D E DIREITO

ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEI IVO CARLIN

F L O R I A N Ó PO LI S 1 992

(2)

i i

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L DE S A N T A C A T A R I N A C E NTRO S Ó C I O - E C O N Ô M I C O

C URS O DE P Ó S - 6 R A D U A Ç À 0 EM DI REITO

A d i s s e r t a ç ã o M A G I S T R A T U R A ALTERNATIVA : O P OD ER Ü U D I C I Á R I O COMO I N S TRUMENTO M O D I F I C A D O R DAS R E L A Ç Õ E S S O C I A I S DE PODER

e la b o r a d a por LÉDIO ROSA DE ANDRADE

e aprovada por todos os membros da Banca E xa mi na do r a, foi julgada a de q ua da para a o bt e n ç ã o do título de M E S T R E EM C I ÊNCIAS H UMANAS - E S P E C I A L I D A D E D IREITO

Florianópolis, 05 de j unho de 1992.

BANCA E XA M I N A D O R A Prof. Dr. Volnei Ivo Carlin

Prof. Dr. José Eduardo Faria

Des. fisc. M ap oleão Xavier do A ma r an te

Professor O r i en t ad or

C oo rd enador do Curso

(3)

e pela imprescindível o r i e n t a ç ã o .

Ao amigo Nelson Edson Ubaldo, pelas conver s as e i nc i t a m e n t o à e s c r i t a .

À P r of e s s o r a Mestra Nair M a r t i n s de Oliveira, pela r e v i s ã o g r a m a t i c a l .

Á P r o fe ss or a Nilda S il v ei ra Souza, por adequar a d i s s e r t a ç ã o às normas metodológicas.

A M a r l i s e Longo, pelas inúmeras fo tocópias efetuadas.

A C l a u d i a n e Longo Motta, pela imensurável paciência de imprimir todas as versões.

 P r of es so r a Mara St ringer da Fonseca, por e m pr e st ar seu c o n h e c i m e n t o da língua inglesa.

 Prof es so r a Cecília C a b a l l e r o Lois, por e m p r e s t a r seu c o n h e c i m e n t o da língua espanhola.

À Professora Mestra A m a l in e Boulus Issa Mussi, pelos últimos incentivos.

E, em especial, a meu irmão Doutor Léo Rosa de Andrade, por ter co m p a r t i l h a d o comigo cada linha deste trabalho.

D E D IC O a dissertação a minha família, para que possa, no p re sente e no futuro (Karina e Lidiane), conhecer os motivos de minha luta.

(4)

RE SU MO

A presente d i s s e r t a ç ã o evita ser só uma p es qu is a acadêmica, p r e t en de nd o c o n s u b s t a n c i a r - s e em uma pr oposta a l t e r n a t i v a de ação para a m a g i s t r a t u r a brasileira.

Pressup õe - se que, h av e n d o Oustiça em um país, seus h a b i ta nt e s, pelo menos no m a t er ia l, d e v e r i a m conviver em co nd i ç õ e s m u it o próximas. Entretanto, não o bs ta n te estar, em tese, a a d m i n i s t r a ç ã o da üustiça, no Brasil, sendo exercida sob a r e s p o n s a b i l i d a d e do Poder CJudiciário desde sua criação, d i f i c i l m e n t e se verá outro país com tantas e tão grandes d i s c r e p â n c i a s sociais como as e x i s t e n t e s em nossa nação. U l t r a p a s s a n d o uma simples c o n s t a t a ç ã o de dificuldades, tal r ea l id ad e c o n f i g u r a - s e num estado de óbito do atual modo de gerir a üustiça, seja na sua concepção, seja na sua aplicação.

Impõe-se postular, então, o alternativo. Um Direito al t e r n a t i v o ao vigente, capaz de contemplar, ao menos, garant i as ao sonhar outras formas de viver, mesmo de ser. Longe de al vitrar uma mudança para a ss istir aos pobres, propõe-se uma m a g i s t r a t u r a militante, relendo o Di r ei to e redefinindo o papel do julgador, t r a ns fo rm a nd o a p r es t a ç ã o jurisdicional em uma prática para a libertação da sociedade.

(5)

a t i v i d a d e forense, possível a part i r do o lhar o mundo de outro enfoque, de onde se nega uma o r d e m que di vi d e a população, f az e n d o do Di r ei to um i n s t r u m e n t o a favor das d e s i g u a l d a d e s sociais. Ao m ag is trado, então, em face dessa c o nstatação, r e c o m e n d a - s e um c o m p r o m i s s o é t ic o com a d i s t r i b u i ç ã o efetiva de J us t i ç a material.

A d i s s e r t a ç ã o é c om p o s t a de cinco capítulos: são estudados, no primeiro, os p e n s a m e n t o s d o g m á t i c o e crí ti co do Direito. No segundo, a n a l i s a - s e como os m a g i s t r a d o s se vêem e como a soci ed a de os vê. No terc ei r o, b u sc a- se de mo n s t r a r ser, a p rática t r a di ci on a l dos m a g i s t r a d o s , já no c o n c u r s o de acesso, p as sa nd o pela instrução p r o ce ss u al e pelas d ec isões jurídicas, até seu c o n v í v i o pessoal com a co m un idade, uma forma de m a n u t e n ç ã o das relações sociais de poder. No quarto, propõe-se, ao julgador, formas a lt e r n a t i v a s de agir em todos os espaços por onde p e r p a s s a m suas atividades, para t r a n s f o r m a r - s e em um agente m o d i f i c a d o r do estabelecido, c o m p r o m e t i d o com os anseios da população. Por último, v e r i f i c a m - s e as reações à forma proposta, de laborar e de pensar o un i ve rs o jurídico. Conclui-se, a s s e v e r a n d o ser, o Poder Ju di c iá ri o, de fundamental importância a qu al q u e r regime de m oc rá ti c o, mot i vo pelo qual não pode c i n g i r - s e à mera aplicação de q u al qu er lei, ir r esponsavelmente, sem medir co nseqüências. E n t e n d e - s e a m a g i s t r a t u r a alternativa como mais uma forma de e m an ci p ar a sociedade, e n ca mi n h a n d o - a a um viver diferente, onde todos possa m c om p a r t i l h a r de uma vida d i g n a .

(6)

A B S T R A C T

The pr es e n t d i s s e r t a t i o n avoids being me re l y an academic research. It intends to c o n s u b s t a n t i a t e in a p r o p o s i t i o n of a l t e r n a t i v e action for the B ra z i l i a n mag i s t r a t u r e .

As su mi n g that there is Justice in a country, its inhabitants, at least in the ma terial side of it, should c oh a b i t in very near c on d i t i o n s . Although, in thesis, the a d m i n i s t r a t i o n of the Ju s t i c e in Brazil has been p r ac t ic ed under the r e s p o n s i b i l i t y of the j u d i c i a r y power since its creation, hardly one will see another co un t r y with so many and such great social d is c r e p a n c i e s as t hose ex i s t i n g in our nation. S u rp a s s i n g a simple ev idence of d if f i c u l t i e s , such reality re flects the state of obit of the c u r r e n t m an n e r s in a dm i n i s t r a t i n g the Justice, be it in its c o n c e p t i o n or in its application.

It is necessary, then, to p o st ul a te the a lternative. An al te r n a t i v e Law from the one in vigour, cap ab l e of giving, at least, the p o s s i b i l i t y of dreaming of other living condi ti on s ard existence. Far from suggesting a change in helping the poor, we propose a m i l i t a n t m a g i s t r a t u r e rerea di ng the law and r e de te r mi ni ng the role of the judger by changing the c o n t r ib u ti on jurisdic ti on al in a pract ic e for the liberation of

(7)

w or ld from a d i f f e r e n t p e r s p e c t i v e where we deny an order that d iv i d e s the po pu la ti o n, that makes the Law an i n s tr u me nt in favour of social di sparity. To the m a g i s t ra te , then, in the face of this e vidence, we s uggest an aethical e n g a g e m e n t e with the e f f e c t i v e d i s t r i b u t i o n of material justice.

The essay consists of five chapters: the first studies the do gmatical and critical t h o u g h t s of the law. The second a na l y s e s how m a g i s t r a t e s see each other and how society sees them. The third searches to d e m o n s t r a t e that it is, the tradional pr a ct ic e of the m ag is t ra te s, already in the a f fl u en ce of acess, passing by the processual i n st ru ct i on s and by the juridical d ec i si on s up to his/her personal social contact with the c om munity, a mann er of m a i n t e n a n c e of social relations of power. The fourth suggests, to the judger, al te r n a t i v e ways of acting in all spaces where they acc om pl is h their ac tivities in order to become a mo di f i e r agent of the established, co mp r o m i s e d with people's yearning. And finally, the fifth c h a p t er verifies the r e a ct io ns to the form propo se d of el ab o r a t i n g and of t h inking the juridical. We co nc l ud e affirming that the Our id ica 1 Power is of fundamental importance to any d e m o c ra ti c system. For this reason it cannot be r e st ra i ne d to the ap pl ic a ti on of the law irresponsibly wit ho ut measur in g the c o n s e qu en ci es . We unde rs ta n t by an a l t e r n at iv e m a g i s t r a t u r e as one more form to e m a nc ip at e the society leading it towards a di ff e r e n t way of living where everyone can share a dignified

(8)
(9)
(10)

X S U M ÁRIO I N T R O D U Ç Ã O ... 001 C A P Í T U L O I A Q U E S T Ã O DO D I R E I T O ... 007 1. P e n s a m e n t o dogmático ... 009 2. P e n s a m e n t o crítico ... 023 C A P Í T U L O II V I S Õ E S SOBRE A M A G I S T R A T U R A ... ... 039 1. Dos m a g i s t r a d o s ... 041 2. Da s o c i e d a d e ... 047 C A P Í T U L O III A M A G I S T R A T U R A COMO FO RMA DE M A N U T E N Ç Ã O DAS R E L A Ç Õ E S DE PO DER NA S O CIEDADE ...056 1. P rática judicial ... 064 1.a. C o n c u r s o de acesso ... 067 1.b. E xe r c í c i o jurisdicional ... 071 1.b.1. Instrução processual ... 074 1 . b .2 . Sentença ... 090 2. C o nvívio social ... 098 i

(11)

C A P Í T U L O IV

M A G I S T R A T U R A COMO IN STRU MENTO DE T R A N S F O R M A Ç Ã O

SOCI A L ... 107 1. P rática judicial ... ....116 1.a. C o n c u r s o de acesso ... 124 1.b. E x e r c í c i o jurisdicional ...127 1.b.1. Instrução pr o cessual ...135 1 .b.2. Sentença ... 141 2. C on v í v i o social ...158 C A P Í T U L O V RE AÇÕ ES ... 168 C O N C L U S Ã O ... 186 B I B L I O G R A F I A ... 192 APÊN DICE 1 ... 207 A P ÊNDICE 2 ... 208 APÊN DI CE 3 ... 209 APÊND IC E 4 ... 210

(12)

I N T R O D U Ç Ã O

A p r e s e n t e di s s e r t a ç ã o é uma pr op o st a a l t e r n a t i v a à atual p r á t i ca do Poder üu d ic iário. A forma tra d ic io na l de operar dos m a g i s t r a d o s nao atende às d e ma n d a s sociais, antes isola o Poder, da sociedade. Isso ocor re por c o n s e q ü ê n c i a de estar, a p r e s t a ç ã o j u r i s d i c i o n a l , a l i c e r ç a d a no p o s i t i v i s m o jurídico, a t a n do o ato de julgar a um p r o c e d i m e n t o técn i c o - f o r m a 1.

m a g i s t r a d o s d e sc o ns id er a m, ao decidir, as forças sociais em ação, c on t r i b u i n d o para a mante nç a da sociedade e s t r a t i f i c a d a . Assim, o Poder J u d i c i á r i o convive como uma inaceitável r e al i d a d e s o c i o e c o n ô m i c a , sem, contudo, sequer ponderar a n e c e s s i d a d e de alterar seu c

i 1 tem uma das maiores c o n c e n t r a ç õ e s de renda do planeta, r e s u l t a n d o em milhões de pessoas c l a s s i f i c a d a s como miseráveis, com quase metade de sua p o pu l aç ão passando fome. Situação mais a t e n t a t ó r i a a qualquer padrão razoável de. c i v i l i z a ç ã o existe em re la ç ã o às crianças. M il ha r es mor re m por subnutrição. As s o b r e v i v en te s fatalmente acabam est igmat-i za'd.a.s por de ficiências físicas e mentais graves. Muitas são mortas d ia r i a m e n t e pela polícia e por e s quadrões de extermínio, a soldo

(13)

de fontes o f i c i a l m e n t e não i d e n t i f i ç a d a s . (1)^7?)

Tal si t ua çã o não é natural. Ao contr ár i o, "as prin ci p ai s d e s i g u a l d a d e s sociais, no seio da s o c i e d a d e são f u n d a m e n t a l m e n t e p ro d u t o s sociais, cri a do s e m a n t i d o s pelas instituições da p r o p r i e d a d e e herança, do poder p o l í t i c o e militar, e a po iados em crenças e doutrinas, embora nem sempre re si s t a m in te ir a me nt e às am bições de indivíduos fora do comum."

(2)

E n t e n d e n d o - s e Poder como a c a p a c i d a d e de conseg u ir re al iz a r o bj etivos, de impor vontades, de mand ar e ser obedecido, de dec i di r sobre os rumos da sociedade, de poss ui r patrimônio, de gozar a vida em c on d i ç õ e s c iv il i za da s, de cont ro l ar as instituições, de us u fruir de bens de consumo, chega-se à co n c l u s ã o de ser, o mesmo, ex er c i d o por ínfima parcela da população.

As atuais relaç õe s sociais de poder m a n t ê m a sociedade d i vidida em camadas. (3) Essa forma injusta de o rg an ização vem p er d u r a n d o na h is tória nacional, apesar da certeza de estar, o Poder Judiciário, em seu trabalho cotidiano, aplicando Justiça, ou, pelo menos, o que, tr a d i c i o n a l m e n t e , se entende por tal. Fica ev idenciada, contudo, na prática, a

inversão de suas funções. (4)

Não obstante, o Poder Ju d i c i á r i o ainda é, para alguns, a esperança de salvação nacional. Tanto parte da população em geral, como inúmeros intelectuais, entre eles juristas, a creditam ser, os magistr a do s, agentes c apazes de modifi c ar os desvios legislativos e executivos, c o r r i g i n d o a própria lei, quando injusta. A ss i m é o p e n sa m en to de Ives Gandra

(14)

M artins: "Em q u a d r o tio dest it u íd o de p e r s p e c t i v a s , cujos e fe i t o s n eg a ti vo s o Brasil já principia a pe rc e b e r nos p ri m e i r o s m e se s de vigência da Carta Suprema, a única e s p e r a n ç a que resta é a de que o Poder J u d i c i á r i o reponha o País na ordem, r e t i r a n d o - o da d e s o r d e m instituída pelos senhores c o n s t i t u i n t e s . " (5) M u ni d o s da mesma e xp e c t a t i v a e st ã o Ro gé ri o e José Rogé ri o Tucci, ao afirmarem: "Já é tempo, sem dúvida alguma, de c oi bir-se, neste país, a imoralidade le gi s l a t i v a que, a par da a d m i n i s t r a t i v a , implica o caos social e e c o n ô m i c o em que afunda, dia a dia, cada vez mais (...) E isso, m e l h o r do que qu al qu e r outro m o d u s operandi, é obra adequada à a t ua ç ã o dos agentes do Poder Ju di ciário, derradeira e s p e r a n ç a dos que, s ed entos de Justiça, c rêem nas poss ib il i da de s e no f u tu ro deste imenso gigante, ainda adormecido, que é o Brasil!". (6)

Para Railda Saraiva, "todas as s o c i e d a d e s são c a r a c t e r i z a d a s por reações dialéticas de c o n t i n u i d a d e e mudança. A c o n t i n u i d a d e é m a n t i da pelos controles sociais e pela educação, formal e informal, que transmite o legado social acum ul a do às novas gerações. Existem, em co n t r a p a r t i d a , cond iç õ es gerais que e s t i m u l a m a mudança social, r e s s a l t a n d o - s e entre elas o aum en t o de c o n h e c i me n to s e a o c o r r ê n c i a do c on flito soc i a 1." (7)

> E n t e nd en do o Direito como uma fonma de g

, . , . •»» , . O ÓOte*

co ntrole social, (8) e a ce it a nd o a afirmaçao tr an sc ri t a, emergiu a idéia do pr e se nt e trabalho, para buscar d e m o n s t r a r estar a postura tradicional na ma g istratura, gara nt i nd o a p e r p e t u a ç ã o do status quo, da ordem estabelecida. Pretende-se c on t r i b u i r para o a umento de c o n h e c i m e n t o e c o n s c ie nt i za çã o (9) dos juizes acerca

k

(15)

do c o n f l i t o social, p o s s i b i l i t a n d o a adoção de uma postura a lt e r n a t i v a , de agentes de m u d a n ç a da sociedade. A t r a n s f o r m a ç ã o poderá o c o r r e r com base em uma nova p rática dos magistrados, com o p r o p ó s i t o de atuarem, bu s c a n d o al t e r a r a atual relação de poder, c o o p e r a n d o para a c o n s t r u ç ã o de uma sociedade justa, i gualitária, (10) não u n i f o r m i z a d o r a e, ef et ivamente, d em o c r á t i c a . A elaboração de s u b s í d i o s t eó ricos para tentar s us t e n t a r essa postura a l t e r n a t i v a é o ob j et iv o central do trabalho.

Para atingir o r e s u l t a d o desejado, o estudo, ela b or ad o, em quase sua t ot a l i d a d e , com base em pesquisa b i b l i o g r á f i c a e, em pequena parte, com fun da me n to em pesquisa de campo, t e n d o como instrumento um q u e s t i on ár i o, inicia com uma a nálise sobre os pensamentos d o g m á t i c o e crítico do Direito. Após, e s t u d a - s e como os m a g i s t r a d o s se vêem e como a sociedade os vê. Em seguida, busca-se d e m o n s t r a r ser, a prática t ra d i c i o n a l dos magistrados, já no c o n c u r s o de acesso, passando pela instru çã o processual e pelas d ec i s õ e s jurídicas, até seu c on ví vi o pessoal com a comunidade, uma forma de m a n u t e n ç ã o das relaçõ e s sociais de poder. Na seqüência, elabo ra -s e uma proposta a l t e r n a t i v a de agir aos ma gi st r ad os , com a f in alidade de se a lterar os r e sultados sociais atuais da p restação j u r i s d i c i o n a l , o que c u l m i n a r i a com uma p rática de possível t ra n s f o r m a ç ã o social. Por último, serão ve ri f i c a d a s reações a esta nova visão da m a g is tr at u ra , vindas, não só do p róprio Poder Judiciário, mas també m da sociedade como um todo.

(16)

N OTAS

1- Sobre a realidade socioeconômica brasileira, encontra-se: "0 Brasil tem una das maiores concentrações de renda do planeta, com 1% dos mais ricos possuindo 17,3% da riqueza nacional (5% da mesma classe possui 39,4%), e os 50% mais pobres detendo apenas 10,4%. A última década registrou o empobrecimento de 90% da população, possuidora de 53,4% do 'bolo1, denominação criada pelos economistas a serviço do sistema militar implantado no país em 1964, agora detentora de 46,8%, enquanto 10% enriqueceu, aumentando seu patrimônio de 46,6% para 53,2%. Mais expressivo ainda, foi o enriquecimento de 30% auferido por 1% da população, no mesmo período de dez anos, com a grande massa sendo atolada na miséria (...) hoje há, nas ruas brasileiras, 60 milhões de pessoas (contingente de seres humanos superior à população da maioria dos países do nundo) classificadas caio miseráveis (...) tem-se 40% da população brasileira passando fane, algo em torno de 53 milhões de pessoas, conforme dados publicados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), relativos a 1985, número que deve atingir atualmente 65 a 70 milhões de habitantes, o que t o m a nosso país campeão de pobres e indigentes na Anérica Latina, destacando-se por sua desmesurada desigualdade social. Essa nultidão tende a ampliar como resultado do crescimento do Produto Intemo Bruto - PIB - abaixo do aumento populacional (...) No Brasil, 30% delas (crianças) são atingidas por desnutrição crônica. Como corolário, tem-se a morte diária de mil crianças menores de quatro anos. Por falta de alimentação adequada na infância, 20% da população brasileira entre 20 a 25 anos podem ser considerados nanistas. No Nordeste os jovens são, em média, 13 centímetros menor que um norte americano. No Sul, a diferença é de 7 centímetros. Existe, ainda, 36 milhões de menores carentes, 8 milhões de meninos na rua, em t o m o de 10 milhões de crianças exploradas e escravizadas no trabalho, mais de 300 (atualmente mais de mil) morrendo anualmente nas mãos de policiais, ou de matadores profissionais. Existe, tanfoém, 500 mil meninas prostituídas e envolvidas com drogas." ANDRADE, Lédio Rosa de. Acabou o caiumismo? Diário Catarinense, Florianópolis, 8 fev. 1991. p. 6. 0 dado referente a quantidade de crianças assassinadas por policiais ou pistoleiros profissionais foi atualizado can base em notícias veiculadas pela Rede Globo de Televisão, no programa Fantástico, transmitido no dia 20 de janeiro de 1991. (Xitras informações podem ser encontradas in FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito : os juizes em face dos novos movimentos sociais. São Paulo : Revista dos Tribunais,

1991. p. 96-106.

2- BOTTCMDRE, T. B. As elites e a sociedade. Trad. de Otávio Guilherme C. A. Velho. 2. ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1974. p. 117.

3- Digna de nota a seguinte afirmação: "De maneira permanente, uma sociedade hierárquica só é possível na base da pobreza e da ignorância." ORWELL, George. 1984. Trad. de Wilson Vello- so. 19. ed. São Paulo : Cia Ed. Nacional, 1985. p. 178.

4- Não obstante entender-se que a classe dominante é carpos ta de frações que interagem, pelo fato de não pertencer ao trabalho discutir o tema, toma-se a liberdade de usar expressões cotio classes dominantes, privilegiadas, dirigentes e outras afins, querendo que sejam sinônimas e significantes de pessoas que, considerando-se sua posição social, atuem com vantagem sobre a maior parcela da população.

(17)

1989. p. 292.

6- TUOCI, Rogério Lauria, TUOCI, José Rogério Cruz. Constituição de 1988 e processo : re- gramsntos e garantias constitucionais do processo. São Paulo : Saraiva, 1989. p. 254.

7- SARAIVA, Railda. Poder, violência e criminalidade. Rio de Janeiro : Forense, 1989. p.

1.

8- Não se pretende discutir neste trabalho as formas de controle social, entretanto, é de ser registrado entender-se o Direito dognático, assim cotno a religião, a nadia, as forças armadas, o ensino oficial, a família, como agentes ideológicos e/ou repressivos do Estado, controladores da sociedade, sempre visando impedir qualquer mudança. "Sendo o direito una técnica especificamente elaborada para manter o controle social, a dogpnática jurídica não se limita apenas a cumprir satisfatoriamente esta função; devido a sua impenetrabilidade, a dogmática jurídica tanfoém fecha todã possibilidade de mudança e de adequação as situações conjunturais." FARIA, José Eduardo, WARAT, Luis Alberto, ALVES, Alaor Caffé et al. A Crise do Direito numa Sociedade em Mudança. Brasília : Ed. da UriB, 1988. p. 32. (Coleção Roberto Lyra Filho. Pensamento crítico do direito, 1).

9- Não se aspira deter a verdade, para "conscientizar" terceiros. Não. Deseja-se

incentivar um debate, buscando un saber libertador, capaz de produzir sentimentos e levar os julgadores a transformar sua prática, na procura de irudanças sociais.

10- Fala-se em igualdade no sentido de proporcionar a todo o povo condições de usufruir dos serviços e bens de consumo por ele produzidos, bem cano de participar das decisões sobre seu futuro, respeitando-se as diferenças inerentes ao ser humano. Concorda-se com Luis Alberto Warat, quando afirma: "0 surrealismo é uma grande advertência contra o totalitarismo eniwtido nas reivindicações igualitárias, contra o totalitarismo do consenso e das semelhanças.

Participar, igualitariamente, em crenças prestabelecidas é uma forma encoberta de

totalitarismo. Reivindicar a necessidade de que todos sejam iguais é uma forma nuito sutil de instaurar o controle. Sempre é mais fácil controlar un rebanho. A diferença e sempre una ameaça, dificulta as estratégias do controlador." WARAT, Luis Alberto. Manifesto do surrealis­ mo jurídico. São Paulo : Acadêmica, 1988. p. 43. Chama-se, no texto, de uniformização, o que Warat entende por igualdade.

(18)

C A P Í T U L O I

A Q U E S T Ã O DO DI REITO

I n d e p e n d e n t e do sistema ju rí d i c o a ser enfocado, pode, a Ci ên ci a do Direito, (1) ser a na l i s a d a de duas formas distintas. A primeira, de visão dogmática, c a r a c t e r i z a d a por uma postura t r a d i c io na l, formal, com base em preceitos p re es ta b e l e c i d o s . A segunda, an tí po d a desta, re a li za um exame crítico, onde nada é a d m i t i d o como certo, imutável, a b s o l u t a m e n t e justo e universal. Lá, a certeza é a pauta, aqui o q u e s t i o n a m e n t o é a fonte básica da investigação. Divergem, sobretudo, quanto ao c o m p r o m e t i m e n t o do D ireito com a r ea li d ad e social. Os dogmáticos p r e n d e m - s e ao seu estudo isolado, fora do c on t e x t o social, r e s t r i n g i n d o - o à esfera jurídica, não p er q u i r i n d o sobre suas c o n s e q ü ê n c i a s na vida cotidiana da sociedade. Uma vez o b e d e c i d o s os prin cí p io s formais, estará o Direito legitimado, suas t eorias tidas como justas, não se c o n s i d e r a n d o as r el a çõ es sociais concretas. Os juristas t r a d i ci o na is a fa stam-se e fazem afastar o Direito dos problemas mundanos, como se não e x i s t i s s e inter li ga çã o e in te rd ep e n d ê n c i a e ntre eles. Dic ot om iz a m o ser humano em jurista e cidadão. Os

(19)

c r í t i c o s da dogmática, ao c o n t r á r i o , p re o c u p a m - s e menos com as q ue s t õ e s formais do Direito, b u s c a n d o aferir a r e p e r c u s s ã o de sua ap li c a ç ã o no viver a f e t i v o das pessoas.

A mi sé r i a s i s t e m á t i c a de parte da sociedade, q u e s t ã o notória e i n j u s ti fi cá v el , nega a l e gi ti mi d ad e (2) da Ci ên ci a üurídica. A a p l i c a ç ã o do Direito, para ser c o n s i d e r a d a justa, neces s ar ia me n te , deve g a r a n t i r a chance de vida digna a toda população, onde a idéia de igualdade de c o ndições, não c o n f u n d i d a com uniformi za ç ão , a l c a n c e foro de p o s s i b i l i d a d e , pois "'uma justiça 'justa' r e qu er uma sociedade ta mb é m 'justa', que antes que nas leis, deve ser nas relações sociais de p r o d u ç ã o e d i s t ri bu i çã o. '" (3)

S eg ue -s e uma aná l is e sobre as p os t ur as d o g m á t i c a e crítica da Ciê nc i a do Direito.

(20)

1. P e n s a m e n t o d o g m á t i c o

Para uma c o m p r e e n s ã o ampla sobre o s i g n i f i c a d o de do gm á t i c a jurídica, n e c e s s á r i o se faz c o n c e i t u a r dogma. São pr ec e i t o s e s t a b e l e c i d o s a priori e a p r e s e n t a d o s como v er dades d e f i n i ti va s, incontestáveis, tidos como naturais, sem i nfluência ideol ó gi ca em sua elaboração. São feitos para serem a ceitos e seguidos, sem d is c u s s ã o ou an ál is e crítica. Não se a dmi te dúvidas ou q ue st io n a m e n t o s . Melhor d e f i n i ç ã o é dada por A g o s t i n h o Ra ma l h o M arques Neto:

"Dogma é assim, em s e n t id o lato, aquela adesão acrítica a um sistema de verdades est a be le ci d as , cuja v al id ad e não se questiona, e de cujo c o nt e ú d o ideológico, que oculta a realidade, g e r a l m e n t e sequer se suspeita." (4)

0 pen sa me n to dogmático, por p retender ser perfeito, a cabado e neutro, serve como fonte de m a n u t e n ç ã o das relaçõ e s sociais de poder estabele ci da s , atuando como uma es pé ci e de freio a qualquer p o s s i b il id a de de mudança. É um eficaz argume nt o de dominação, co n s o l i d a n d o a desigualdade, a

(21)

Lyra Filho d e m o n s t r a com c lareza a função do dogma na m a n u t e n ç ã o das d i f e r e n ç a s entre pessoas, q u an do e x p l i c i t a seu papel c a m u f l a d o r dos fatores ideológicos na c o n s t r u ç ã o da estrutura social:

"0 dogma, afinal, atra ve ss a a história das idéias como uma verdade absoluta, que se pretende e r g ue r acima de qu al q ue r debate; e, assim, capt ar a adesão, a pr etexto de que nao cabe c o n t e s t á - l a ou a ela propor q ua l q u e r a l t e r n a t i v a . Neste viés, terá, s e m p r e , uma t endência a c r i s t a l i z a r as ideologias, m a s c a r a n d o inte r es se s e c o n v e n i ê n c i a s dos grupos que se instalam nos a pa r el ho s de controle social, para dit ar e m as normas em seu p róprio benefício. Como toda ideologia, aliás, não é q u es t ã o de má-fé, uma vez que produz a c eg u e i r a mental e tem como resu lt ad o um delírio d e c l a m a t ó r i o " (5)

A dogmática ju rídica deve ser e n te n di da de forma ampla, en globando tanto a corren te defe ns or a do a fa s t a m e n t o do Direito do a m b i e n t e social, j us t i f i c a n d o seu f un d a m e n t o em critérios a p r i o r í s t i c o s , i d e n ti f ic an do - o com pri n cí pi os ideais absolutos, como a divindade, a lei natural, a c on s c i ê n c i a humana, o instinto social, a moral, p r o d uz i nd o a idéia de possi bi l id ad e de um Di re it o universal, imutável e constante, legitimando o o r d e n a m e n t o jurídico vigente, como na que vê a essência da Ciência Ju r íd ic a no e n t e n di me n to do objeto

(22)

11

X

pelo sujeito, t endo o c o n h e c i m e n t o como r e s u l t a d o da experiê nc i a, ou seja, "o e s t u d o c i e n t í f c o do D i r ei to é o estu d o do D ir e i t o e x p e r i m e n t a l m e n t e c o n s t a t a v e l ". (6) Nos dias atuais a norma é tida como a base do o r d e n a m e n t o jurídico, e n t e n d e n d o - s e o Di re it o intralei. Os text os legais vigentes sao passí ve is , apenas, de serem i n t e r p r e t a d o s em seus as p ec to s g r a m a ti ca l, lógico, sistem át ic o, sem outr as di va gações. Nesses enfoques, ora o p rincipal dogma j u rí d i c o é a crença em valores absolutos, p ré-fixados, t r a n s c e n d e n t a i s , ora é a a d o r a ç ã o à norma,

legitimada por si só.

Ou tr or a a e x p r e s s ã o jurídica s u s t e n t a v a - s e sob o valor supremo da d iv indade. A idéia de serem as leis emanadas de deus, t o r n a v a - a s indiscutíveis, certas, boas, c riadas para serem c um pridas, pois o criador, onip ot e nt e, nunca passível de erro, r e p r e s e n t a r i a o justo. Com a l ai c i z a ç ã o do Estado, o a pa r a t o ju r íd ic o perdeu seu fund a me nt o d i vi n o e sua le gi ti m aç ão en co n t r o u outras fontes. Pa s sa-se a a ss e v e r a r que o homem, por i nt ermédio de sua razão interior, cria seu u ni verso jurídico, r e s u l t a d o de sua inteligência, de seu instinto social ou da ordem natural das coisas. Não há t r a n s fo rm aç ão , pois a j u s t i f i c a ç ã o m e t a f í s i c a do Direito tamb ém está ao lado dos d e t e n to re s do poder.

" A laicização do direito a partir da R e n a sc en ça não t ra n s f o r m a r á v e r d a d e i r a m e n t e as coisas: a Deus suceder -s e- á a Razão ou a Natureza, a m e ta f ís ic a su bs ti t ui rá a teologia. Da mesma maneira, as i nstituições jurídicas serão a na lisadas a partir de um

(23)

certo número de noções, t a nt o a da natureza das coisas como a de vo nt a d e ou de equ i lí br io . Por c o n s e g u i n t e , a ciência j ur ídica é g o ve r n a d a por 'conceitos' e modos de r a c i o c í n i o que lhe vêm de o utro lado, de um sítio que é s uposto ser o c e n tr o de todo o pensamento: a a b s t r a ç ã o m a t a f í s i c a . " (7)

Da mesma forma, m e s m o d i s t a n t e do s u b j e t i v i s m o j u s n a t u r a 1 i s t a , o p o s i t i v i s m o j u r í d i c o não modifica a si tu a ç ã o do Direito, apenas substitui a a d o r a ç ã o a deus pela a d o r a ç ã o à norma, contin ua n do , o o r d e n a m e n t o jurídico, a r e p r e s e n t a r interesses d is t a n t e s da sociedade.

"Entretanto, é i n t e r e s s a n t e ob s er va r que os c on t eú do s e valores c o nt i d o s na forma de uma norma jurídica são i nq u es ti on á ve is , não pelo que eles s i g n i f i c a m ética ou pol i ti ca me n te , mas som en te porque sao c on te ú d o de uma norma jurídica. 0 argumento de a u t or id a de do d o g m a t i s m o ju r í d i c o burguês não se sustenta mais num valor supremo, tipo a idéia de divindade, mas em uma lógica interna ao sistema j ur íd i co que emerge de sua natureza t é c n i c o - f o r m a l ." (8)

A d ogmática jurídica, desde sua origem na j u r i s p r u d ê n c i a romana, vem servindo para p reservar as c o r r e l a ç õ e s de forças na sociedade, sempre bu sc a nd o manter a

(24)

13 Y

o r d e m e st a b e l e c i d a , sem nada p e r q u i r i r sobre sua justeza, t r a b a l h a n d o c o n t i n u a m e n t e para os d e t e n t o r e s do poder.

" E n q u a n t o a p r u dê nc i a grega - em A r i s t ót el es , por e x e m p l o - era uma pr om e ss a de o r i e n t a ç ã o para a ação no sent id o de se d e s c o b r i r o c e rt o e o justo, a j u r i s p r u d ê n c i a romana era, antes, uma confi rm a çã o, ou seja, um f u n d a m e n t o do c e rt o e do justo. Com isto, a j u r i s p r u d ê n c i a t o r n o u - s e entre os ro ma n o s um dos i n s t r u m e n t o s mais ef et i v o s de p r e s e r v a ç ã o da sua comunidade, quer no sentido de um in s t r u m e n t o de au to ridade, quer no s entido de uma i nt egração social ampla."

(9)

Mesmo após o d e c l í n i o do Império Romano, na Idade Média, quando o d i re i t o c o n f u n d i a - s e com a religião, o p e n s a m e n t o d og má ti c o c on ti nu ou a laborar em prol dos man da nt es .

"Neste sentido, a teoria do D i r e it o medieval, ao c o n c i l i a r o e sp í ri to grego da fronesis, no s entido de o r ientar a ação, com o es p ír i t o roma no da prudência, no s entido de c onf ir ma r o certo e o justo, instaura pouco a pouco uma teoria que vai servir ao d o mí n i o político dos príncipes, como in st ru m en to do seu poder." (10)

(25)

procura seu fu nd am e nt o, c o n s u b s t a n c i a - s e no d i r e i t o escrito, n or matizado, não obst an te , co nf o r m e adverte Oosé E d u a r d o Faria,

(11) ser e ns i n a d o como ente natural, i nt r í n s e c o ao p róprio homem, em uma c o n c e p ç ã o s u p r a - s o c i a l . A p r e s e n t a - s e como a p o s s i b i l i d a d e do e s t u d o da o rdem legal posta, de forma neutra, sem qualq ue r c o n t e ú d o ax i ol ógico, sociológico, a nt ro p ol ó g i c o , o ntológico, e t i o ló gi c o, te leológico, d eo nt ol ó gi co , psíquico, político, e co nômico, enfim, metaj ur í di co . P re t e n d e a pl i c a r o Di re it o através de um métod o técnico, formal, b u s c a n d o a i nt e rp re ta ç ão c i e n t í f i c a da lei quando na a p l i c a ç ã o aos casos concretos. Assim, c u m p r e m - s e as leis por serem leis. O b e d e c e m - s e às a u t o ri da de s por serem a u toridades. 0 p e n s a m e n t o d o gm á t i c o t ra n s c e n d e ao p ró p r i o jurídico, t r a n s f o r m a n d o - s e em um modo de v i d a .

As crianças, no seio da família, ou ao r e c e b e r e m os p r im e ir os e n s i n a m e n t o s re ligiosos e educacionais,

(12) bem como os jovens nos bancos un iv ersitários, são educados para c u m p r i r e m a lei, nada p e r q u i r i n d o sobre sua justeza. Não aprendem a veri fi ca r a l eg it im i da de do poder instituído, mas sim r e s p ei tá -l o i n c o n d i c io na l me nt e. "Qualquer indagação que vise a esc l ar ec er o porquê de devermos nos conduzir de dete rm i na da maneira, e não de outra, terá como resposta um simplista p o r q u e - a - l e i - a s s i m - o - d e t e r m i n a ." (13)

Luis A lberto Warat dividiu o m é to d o dogmá t ic o em três etapas, (14) a saber:

1- D ireito igual ao o r d e n am en to jurídico. As

leis possuem c on ce it o s exatos, estáveis, indiscutíveis, com si gnificados certos;

(26)

15

2- E l a b o r a ç ã o dos dogmas, c a t e g o r i a s , a f o r i s m a s e pr in c í p i o s juríd i co s obt i do s dos c o n c e i t o s e x t r a í d o s dos textos legais;

3- S i s t e m a t i z a ç ã o , u n i v e r s a l i d a d e e i n v a r i a b i 1 idade da Ciência Jurídi c a. F o rm aç ão dos c o n c e i t o s ger a is sobre todos os institutos jurídicos, r e s u l t a n d o a Teoria Geral do Direito.

Afirma, o autor, (15) pretender, a dog m át ic a, m e s m o ao de ci d i r contra texto legal, m a n t e r - s e c i e n t í f i c a . Para tanto, por i n t er m éd io de um p r o c e s s o retórico, m a n t é m a v ig ência e l e g i t i ma çã o do Direito positivo, ne ga n do os fatores a x i o l ó g i c o s da d ecisão m o d i f i c a d o r a , ditos m e r a m e n t e semânticos, f a z en do crer serem inerentes a ele as d o u t r i n a s e j u r i s p r u d ê n c i a s . Com base nessa falácia, o Poder J u d i c i á r i o , sem sequer a rr an h a r os dogmas p o s i t i v is ta s, legisla por i n t e rm éd i o de súmulas e julgamentos, m o d i f i c a n d o a lei, cr ia n d o até m e sm o novos in stitutos jurídicos, como a e x c l u d e n t e de ilicitude inventada por decis õe s judiciais, sem q ua lquer p re v i s ã o legal, pelo p a g a m e n t o do cheque em it id o sem a devida p r o v i s ã o de fundos, antes do r ec e b i m e n t o da denúncia. (16) João José C al d ei ra Bastos elaborou estudo cujo objeto é a de ci s ã o con t ra a lei penal no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Vários casos c on c re to s são citados, a p r e s e n t a n d o j u lg amentos f r o n t a l m e n t e contra os textos legais. Não obstante, em todos, os j u l g ad or e s p ro c u r a r a m dar uma imagem de l eg alidade à decisão, o m i t i n d o o fato de terem julgado d i v e r s a m e n t e da lei. "E como não fica bem, na maioria das vezes, firmar de pú bl ic o que se está d e c i d i n d o contra a lei, convé m manter as aparências, mesmo com s a c r i f í c i o

(27)

dos c on c e i t o s mais ru d i m e n t a r e s do d i r e i t o . " (17)

0 Direito d o g m á t i c o chega ao d i s p a r a t e de p r e t e n d e r r egular as ações b e l i g e r a n t e s , v e nd en do a imagem de obter tal, t e nt a n d o dar uma a p a r ê n c i a de le galidade h u m a n í s t i c a às he ca t o m b e s p a t r o c i na da s por interesses eco nô mi co s , id eo ló g ic os ou religiosos. Ora, a g u er ra é, e s s e n c i a l m e n t e , a n t i j u r í d i c a , sem qualquer p o s s i b i l i d a d e de legitimação, por ser fruto da g an ân c ia humana. Como pode a d og má ti ca ju st i f i c a r a matança, mui ta s vezes unilateral e covarde, dando-a como um ato legal, p r e t e n d e n d o convencer e x i s t i r imposição de regras de c on d u t a aos combates? Não há como r e g ul ar a essênc ia da violência. Não se faz a guerra d e n t r o de normas, mas por sobre

elas. Tal a titude serve, apenas, para manter agressões,

j us t i f i c a n d o - a s , a tendendo aos i nt e r e s s e s da prepotência, do c o l o n i a l i s m o e da exploração.

A dogmát ic a só r e c o n h e c e a a pl i c a ç ã o de Justiça, se r e s p ei ta do s seus dogmas, impedindo, desta forma, o d e s e n v o l v i m e n t o das instituições j ur ídicas. Afirma-se como o objeto do Direito, o bem comum, a ordem, a segurança e a c o n d i ç ã o de d es e n v o l v i m e n t o social. Deixa, entretanto, c o n s c i e n t e ou não, de rec on he ce r que em uma sociedade f undada em c o nd i çõ es dife r en te s de vida, essas abstrações servem, ex cl us i va me nt e , para manter o poder da classe dominante, pois seus interesses as conceituam, a t e n d e n d o as suas c on ve n iências. Possui a dogmática, por exemplo, inúmeros tratados sobre a moradia, nada lhe importando, entr et an to , ao lavrá-los, o fato de inexistir casa para grande parte da p o pu la çã o morar. Fala em m e r c a d o livre para um povo sem poder aquisitivo. Coloca a

(28)

17 tf

p r o p r i e d a d e privada c o mo uma das bases da o r g a n i z a ç ã o social, mas lhe m an t ê m o ac e s s o restr it o. Ora, se a p r o p r i e d a d e é tão importante, por que não e s t e n d ê - l a a cada ci da d ã o ? A C o n s t i t u i ç ã o Federal e n u m e r a vários di re i t o s e g a r a n t i a s a

população, os quais, se cumpr id o s, p r o p o r c i o n a r i a m uma vida m e l h o r a todos. No en tanto, as ga ra n t i a s j u r í d i c a s dadas pela d o g m á t i c a p e r m a n e c e m m o r t a s nos textos legais, e n c a r r e g a d o s de e s c a m o t e a r a justiça social, pois apenas p e r m i t e m sua previsão, nunca a efetivação.

"A r e a l i d a d e b ra si leira, contudo, revela que nem m e sm o os d i r e i t o s s ociais mais e l e m e n t a r e s e n c o n t r a m - s e hoje a s s e g ur ad os para a m a i o ri a da população, tal o c on t ra st e e ntre a m i s é ri a e a o p u l ê n c i a p r o d u z i d o por p r o f u n d a s d e s i g u a l d a d e s sociais, re gi o n a i s e

«

s e t o r i a i s - c o n t r a s t e esse que permite e q u i p a r a r o Brasil ao m esmo nível social de uma E tiópia." (18)

Os d o g m á t i c o s vivem no m un do da retórica, do formalismo, da técnica, d i st an te s da c on di çã o real de vida da população, de sua indigência, de suas aspirações, mas c on ti nu am a c ha n do -s e ci e n t i s t a s sociais, p o s su i do re s de um mét o do e um objeto, baseados em um p e n s a m e n t o l ó g i c o - d e m o n s t r a t i v o . Dizem-se neutros, a n t i i d e o l ó g i c o s , d e f en so r es de um d i r e i to puro, af as ta d o de q u al qu er m i s t i f ó r i o r e lativo à busca do Direito ideal, justo. (19) Mera ilusão, pois o p o s i t i v i s m o jurídico é, ao contrá r io da ve r b o r r a g i a aparente, e m i n e n t e m e n t e ideológico,

(29)

a s erviço de toda e s p é c i e de a u t o r i t a r i s m o ou t o t a l i t a r i s m o p olítico, "pois e x e r c e p r e c i s a m e n t e a função i d e o ló gi ca de o c u l t a r as c o n t r a d i ç õ e s in t rí ns ec a s a uma so ci e d a d e de c l a s se s na e s t r u t u r a c a p i t a l i s t a e l egitimar as normas p r o m a n a d a s do Est a do soc ia l is ta , embo r a com b at a este último." (20)

Nova me n te , W a ra t m a n i f e s t a - s e sobre o a s s u n t o :

"A d o g m á t i c a é uma a t i v i d a d e c o n s a g r a d a ao est u do de uma a r g u m e nt aç ão , com a qual quer j u s t i f i c a r ou legitimar, apoi ar ou s ug er ir uma so l uç ão ou uma decisão. Se trata de uma a t i v i d a d e p r e o c u p a d a em saber 'como' fazer, mas não em saber 'por quê'. Esta última seria a p r e o c u p a ç ã o e p i s t e m o l ó g i c a ."

(

2 1

)

Desta forma, o Dir e it o r e d u z - s e à pura a nálise t é c n i c o - f o r m a l , p ar tindo de pr em i s s a s legais gerais, a p l i c a n d o - a s a um caso concreto, c u l m i n a n d o com uma d ecisão do juiz, p r e t e n d e n d o ser um p ro ce s so lógico dedutivo, sem qu al q u e r sentimento, p r e o c u p a ç ã o ou r e s p o n s a b i l i d a d e social. T o rn a- se um c o n h e c i m e n t o m e r a m e n t e ac um u l a d o r e reprodutor, nunca t ra ns fo r m a d o r , m esmo em se tr at a n d o de uma s o ci e da de d e s m e s u r a d a m e n t e injusta.

"A ciência jurídica c lá ss i ca u ni c a m e n t e serve para d es cr e ve r os m e c a n i s m o s que r e p r i m e m o eu. Por tabela ela reforça os m e c a n i s m o s sim bó li co s da m i l i t a r i z a ç ã o do

(30)

c ot idiano. Em última instância, o que a p r e e n d e m o s da cu l t u r a jurídica instituída é a pre st ar c o ntas." (22)

É de se r e g i s t r a r o p e n s a m e n t o d i a m e t r a l m e n t e o p o s t o de Tér ci o S ampaio Ferraz Or., ao dizer r e p r e s e n t a r a d o g m á t i c a uma abertura para a i n t e r p r e t a ç ã o dos textos legais. A f i r m a :

"Sua função, como nos diz Luhmann, não

consiste, assim, no p r in cí p io da

i n e g a b i 1 idade dos pontos de partida, mas apenas depende dele. P ode-se afirmar, por isso, e p ro va v el m e n t e , contra a visão do senso comum, que a D ogmática não rep re s en ta uma pris ão para o es pí r i t o mas, ao contrário, um au m en to de liber da de no trato com textos e e x p e r i ê n c i a s v i n c u l a n t e s ." (23)

Entende, Tércio, ser a d ogmática um agente e st ab il i z a d o r , e vi tando o co n fl it o social, por int er mé di o da d e c i d i b i 1 i d a d e , r e s u l t a n t e das várias po s s i b i l i d a d e s de se ap li ca r o Direito. Não se pode, é verdade, disc or da r de ser a d o gm á ti ca um agente e s t a b i l i z a d o r do social, por co n se qüência, da ordem vigente. Mas é ex a t a m e n t e neste ponto que está seu m aior problema, pois, como agente es tabilizador, evita os m o v i m e n t o s sociais e, em corolário, as mudanças nec es s ár ia s para inverter uma sociedade injusta. Assim, a d i s c r i c i o n a r i e d a d e na a p l i c a ç ã o dos textos legais dentro do p ensamento d o g m á t i c o não

(31)

a c e s s o ao capital. Ademais, a p r o b l e m á t i c a nio está c i r c u n s c r i t a à f l e x i b i l i d a d e na i n t e r p r e t a ç ã o da norma, mas no seu q u e s t i o n a m e n t o , bem como no do p r ó p r i o Direito. Quem deseja m ud a n ç a s , não pode decidir para e s t a b i l i z a r uma r e a l i d a d e social ti râ n i c a . 0 próprio autor r e c o n h e c e nao eliminar, a dogm át i ca , os conf l it os , apenas os t o rn a su p ortáveis. Serve "a um e n f r a q u e c i m e n t o das tensões s o c i a i s na medida em que n e u t r a l i z a a pr es s ã o exercida pelos p r o b l e m a s de d i s t r i b u i ç ã o de poder, de r e c u r s o s e de b e n e fí ci os ao t o r n á - l o s abstratos e, neste sentido, m a n i p u l á v e i s . " (24) P r o c u r a c o n c i l i a r as c on t ra di çõ e s, mas nunca eliminá-las. A d e c i s ã o judicial, para ele, apenas impede a co n t i n u a ç ã o de um c o n f l i t o , sem, contudo, r e s o l v i - l o ou e li m i n á - l o . Isso significa ser a l ib e rd ad e apregoada pelo uso da d o g m á t i c a de cunho m e r a m e n t e formal, pois ao e s co nd er os g ri t a n t e s c onflitos sociais, m a n t é m a injustiça da o rdem e s ta b el ec id a. Tal pens am en t o diz r e s p e i t o à visão tradicional de ser o todo social harmônico, c a b e n d o ao Poder Judi ci á ri o apenas julgar as d i vergências entre p a r t i c u l a r e s , m an te nd o e ga ra n t i n d o a paz re i na nt e no sistema, tido como justo. Assim, o julgador, sujeito neutro e afastado do objeto, litígio entre partes, aplica as normas e m a nt ém a ordem. Todavia, carece de coerê nc i a

a base desse pensamento, pois o social é desarmônico,

conflit an t e, dividido em i n t er es se s colidentes. As lides j ur í d i c a s não podem, também, ser af a s t a d a s desse contexto. 0 ju lg ad o r sujeito con f un de -s e com o objeto a ser julgado, sem

(32)

21

y

n e ut r al id ad e, sendo, q ue r e n d o ou não, um lado, parte de uma das c am a d a s da s o c ie da de . Até o momento, sua açio está sendo em favor dos a qu i n h o a d o s .

A propósito, no d i s c u r s o de fensor da e q ü i d i s t â n c i a da pessoa do m a gi strado, a d o g m á t i c a é implacável, pois p re t en de que ele seja um ser insensível, neutro, t é c n i c o / c i e n t í f i c o , imparcial, com c a p a c i d a d e de e xa m i n a r um caso c o n c r e t o à luz dos textos legais, sem a p a r t i c i p a ç ã o de sua ideologia, f ormação, cabedal de cultura. A arte de an al i s a r a lei, para a dogm át ic a, significa apenas e n q u a d r a r um ato humano q ua l q u e r em uma lei aplicável à espécie. "Por extensão, a pe squisa dos f u n d a m e n t o s foi-se atrofiando, r e s t a n d o ao jurista mais as t é c n i c a s de c oo r d e n a ç ã o e a p l i c a ç ã o de d i s p o s i t i v o s n o r m at iv os . " (25) Ao se c ur varem a estes p r oc e di me nt os , resta m t ra ns fo r m a d o s , homens e mulheres, em máquinas. (26) Pr oc u r a - s e d es tr ui r o se n ti me nt o, a paixão, o amor, a a legria de viver, para c on s t r u i r a c on v i v ê n c i a formalizada, sem emoção.

"0 p o s it i vi sm o é, pois, uma utopia de sinal invertido, porque nele o juiz a parece como um autômato, quando, na verdade, sabe-se que mesmo o juiz que se compraz com o aut o ma ti sm o não é autômato, dado que, às

vezes inconsciente, às vezes

i n c o n f e s s a d a m e n t e , o juiz aplica suas normas

por meio e influência de sua p rópria

subjetividade." (27)

(33)

n ec e s s i d a d e s , entre a razão d o g m á t i c a e a su b j e t i v i d a d e incoerente, surge a crise, chegando, hoje, "até aos fundamentos, ao seu potencial argu me n ta ti ve , à sua prax is decisória, aos r e s p e c t i v o s r e s u l t a d o s p r od u zi do s c o n s c i e n t e ou

i n c o n s c i e n t e m e n t e e aos conteúdos de f o r m a ç ã o p ro fi s s i o n a l . " (2 8)

Os juristas n e c e s s i t a m t i ra r o D i r e i t o dessa c ri se a que foi levado pelo p e ns am en t o d o g m át ic o, m e r o descritor do visível, e isso só ocorre rá quando a d o t a r e m um pensamento crítico, capaz de levantar as condi çõ es de sua produção, bem como de seu futuro, fa ze nd o aparecer o invisível à realidade presente. Esta es pé c ie de análise retira a C i ê n c i a Jurídica de seu isolamento, levando-a ao mundo real, t o r n a n d o - a interligada aos demais fenô me no s da sociedade, c o m p r o m i s s a d a com a história. Este é um meio possível de achegar o D ir e i t o ao c o t i d i a n o das pe ss oa s comuns.

(34)

2. P e n s a m e n t o C r í t i c o

Ao c o n t r á r i o da postura dogmática, fe ch a da em si mesma, e n c l a u s ur ad a em p r e c e i t o s rígidos, tidos como v er d a d e s absolutas, o p e n sa me n to c r í t i c o é aberto, não p r e t e n d e r e p r e s e n t a r a verdade, não se c o n s i d e r a universal e imutável. É acessível à crítica e faz a ut o c r í t i c a , jamais impondo q u a l q u e r axioma como perfeito e de f i n i t i v o . Não há fetiches a serem c ultivados. C a r a c t e r i z a - s e pela dinâmica, pela renovação. "Isso nos leva a uma ad ve r tência importante, no sentido de que o 'discurso crítico' não pode ter nenhuma pretensão de co mp l etude, nem pode pretender falar a l t e r n a t i v a m e n t e em nome de nen hu ma unidade ou harmonia, já que está em processo p e r m a n e n t e de e laboração." (29) Realiza um e s t ud o global da Ciência D urídica, não apenas anal is an do os fatos postos, mas pe r q u i r i n d o sobre sua orig em e suas conseqüê nc ia s .

E nq uanto a cult ur a jurídica tra di ci o na l age para eterni z ar as instituições, a teoria crítica do Direito visa a tr an sf or ma r a sociedade, para e di fi c a r uma nova ordem, ca l ca da em uma eqüitativa di vi s ão de poder entre os cidadãos. Deseja um novo Direito, d i r e ci on ad o aos interesses da gra nd e massa populacional, hoje banida das benesses da legislação, mas submetida às suas obrigações.

(35)

"(...) A intenção da Teoria C rítica c o n s i s t e em de fi n i r um pr o je to que p o s s i b i l i t e a mudança da s o c ie da de em função de um novo tipo de 'sujeito histórico'. T r a t a - s e da e m a n c i p a ç ã o do homem de sua c o n d i ç ã o de alienado, de sua r e c o n c i l i a ç ã o com a natureza n ã o - r e p r e s s o r a e com o p r o c e s s o h i st ór i co por ele moldado. A Teoria Crí t ic a tem o mér it o de d e m o n s t r a r até que p onto os indivíduos es tão c o i s i f i c a d o s e m o l d a d o s pelos d e t e r m i n i s m o s h i s t ó r i c o - n a t u r a i s , mas que nem sempre estão ci en te s das inculcações h e g e m ô n i c a s e das fa lácias ilusórias do mundo oficial. A Teoria Crítica provoca a a u t o c o n s c i ê n c i a dos agentes e dos m o v i m e n t o s sociais que estão em d e s v a n t a g e m e/ou em d e s ig ua ld ad e s, e que sofrem as injustiças por parte dos setores

dominantes, das classes ou elites

p ri v i l e g i a d a s . " (30)

A teoria crítica possui dois o b je ti vo s básicos. 0 primeiro, como dito acima, é perse gu ir a mudança social para criar justiça material. 0 segundo, p ro p e d ê u t i c o do anterior, tem como função d e s m i ti fi ca r o d i scurso d o gm á t i c o tradicional, m o s t r a n d o seu caráter ideológico, a p r e s e n t a n d o - o a

socie da de desnudado, p o s s i b i l i t a n d o que se veja a serviço de quem ele está. Tal atitude leva à co n sc ie nt iz a çã o, m o d i f i c a n d o

(36)

25

os hábitos, m e t a m o r f o s e i a n d o as atitudes, c r i a n d o um ima gi n ár io a lt e r n a t i v o , a c ab a n d o com a p a ss iv id a de . A m p l i a n d o a a br an gê n ci a, üosé Eduardo Faria, ao an al i s a r a a b o r d a g e m p r o b l e m a t i z a n t e do Direito", a p re s en ta as seguin te s p r e o c u p a ç õ e s f un d a m e n t a i s :

"(a) rev e la r os m e c a n i s m o s d i s c u r s i v o s a partir dos quais a c ultura j ur í d i c a de inspiração n o r m a t i v i s t a e f o r m a l i s t a se tra n sf or ma num c o n j u n t o f e t i c h i z a d o de d i s c u r s o s ;

(b) cr i t i c a r as imp li ca çõ e s po lí t i c a s e ideológicas das c o n c e p ç õ e s p o s i t i v i s t a s de d ireito e de Estado, m a s c a r a d a s pelos p rin cí p io s da s e p a r a ç ã o do pú bl ic o e do privado e da pr i ma zi a da lei como g ar an ti a do

indivíduo;

(c) propor a inversão do r ac i o c í n i o j urídico tradic io na l, que postula uma análise e st r i t a m e n t e ju ri d i c i s t a do di re i t o e do Estado, e n f a t i z a n d o - s e o j ur í d i c o como político e o p ol í t i c o como tendo sempre c o m p on en te s normativos;

(d) rever as bases e p i s t e m o l ó g i c a s que têm c om an d ad o a Ciência do Direito, de mo n s t r a n d o como as crènças t eó ricas dos juristas em torno do problema da o b j e t i v i d a d e de seu c o n h e c i m e n t o cum p re m uma função de 'legitimação sistêmica', por meio da qual os

(37)

c o nf l it os s ociais sào vistos sob a ótica de re lações i n t e r - i n d i v i d u a i s h a r m o n i z á v e i s pelo direito; e

(e) superar os m o n o c ó r d i o s debates que m o s t r a m o d i r e i t o apenas a partir de uma

p er sp ec t iv a a bs t r a t a e como um saber e x c l u s i v a m e n t e técnico, d e s t i n a d o à c o n c i l i a ç ã o de in te r e s s e s individuais, à p re s e r v a ç ã o e à a d m i n i s t r a ç ã o de interesses gerais e à a p l i c a ç ã o de s anções inspiradas (e i ndir et am e nt e tu te l a d a s ) pela m oral." (31)

0 primeiro dogma a ser desnudado, diz

r es pe it o à falá ci a de ser, a lei, i n t r i n s i c a m e n t e justa, neutra, bem como de r e p r e s e n t a r os des ej os da sociedade. Com isso, v e r i f i c a r - s e - á não ser, o Direito, si nô n i m o de norma, que é veículo de domin aç ão . A crítica deve ser iniciada pelo próprio sistema r e p r e s e n t a t i v o . 0 Poder L e g i s l a t i v o jamais r ep r e s e n t o u os interesses populares, ao contrário, sempre foi c o n s t i t u í d o por r e p r e s e n t a n t e s da elite. A atual c o m p o s i ç ã o do Cong re ss o Nacional é a m aior prova. (32) É fato púb li co e notório serem as eleições, no Brasil, decididas pelo peso do dinheiro, pela influência de cabos el eitorais v i n c ul ad os a co ro né i s políticos, ou por c ap i t ã e s de empresa, pelo uso da "máquina" pública e por influência da mídia. Não há uma v e rd ad ei r a r e p r e s e n t a t i v i d a d e , mas, sim, um mote jo eleitoral, r e s u l t a n d o em um p a r la me nt o v inc ul ad o aos grupos d et entores de interesses. 0 t r a n s c r i t o a seguir se aplica ao contexto:

(38)

27

"De mesmo, as i n s t i t u i ç õ e s r e p r e s e n t a t i v a s são de pouco valor, e podem ser m e r o i n s t r u me nt o da tirania ou da intriga, q u a n d o a g en e r a l i d a d e dos el e i t o r e s nio está s u f i c i e n t e m e n t e interessada em seu p r ó p r i o g o v e r n o para dar-lhe seu voto, ou q u an d o a m a i o r i a dos eleitores, q u a n d o votam, não o f az em segundo os interesses do bem público, mas o fazem por d i n h e i r o ou por i nd a g a ç ã o de pessoa influente, que por razões p a r t i c u l a r e s p re t e n d e m favorecer. A el e i ç ã o pop u la r p r a t i c a d a dessa maneira, ao invés de ser uma g a ra nt ia contra o mau governo, r e p r e s e n t a uma en gr e n a g e m adicional no seu m e c a n i s m o . " (33)

Assim, um o r d e n a m e n t o ju r ídico popular, o r i u n d o desse tipo de legislador, seria autofágico, pois atender aos desejos do povo, via legislação, acarretaria uma m u d an ça nas re lações sociais de poder e, em corolário, o fim do p róprio p a r l a m e n t o nos moldes em que sempre existiu. Tal r ea l id ad e a g r a v o u - s e nos países ditos socialistas. Neles, "o o b j e t i v o do direito, c o n f u n d i n d o - s e com o da política, é fo r ne ce r à s oc i ed ad e não só uma o r g a n i z a ç ã o econômica de acordo com estas leis, mas também educar os cidadãos, m o s t r a n d o - 1hes a natureza, hoje censurável, de c o m p o r t a m e n t o s que eram c om pr ee n s í v e i s , e até mesmo normais na era ca pi t a l i s t a . " (34) Em c o ns eq üê n ci a, a p o p u l a ç ã o ficou submetida aos desejos do Estado, c o n s t i t u í d o de

(39)

uma m i n o r i a e não de todo o povo, pois a p r e g o a v a m que "os c i d a d ã o s d e v e m o be d e c e r às leis sovi é ti ca s porque elas são justas, e são justas porq ue o Estado é um Estado soci a li st a, que e x i s te no inter es se de todos e não no interesse de uma cla s se p r i v i l e g i a d a . " (35) Ora, m es m o p r e t e n d e n d o ser o m a ior a t r i b u t o da pop ul aç ã o, a leg al id ad e c om u n i s t a cumpriu, em sua história, a fun çã o de oprimir, sufocar a gente sob aqueles r eg imes, na t en t a t i v a , inclusive, de dar ares de legalidade à f ac ín o ra d i t a d u r a "s t a 1 i n i s t a ". As m ud a n ç a s o co r r i d a s nos países do Leste europeu, p r i n c i p a l m e n t e a d e s a g r e g a ç ã o da URSS, c o m p r o v a m essa a ss ertiva. (36)

Lebrun d es m a s c a r a tamanha léria, ao afirmar: "Repto lançado a todo o r a c i o n a l i s m o de o r ig e m grega, que Hobbes resu m e nesta fórmula: 'É a autoridade, não a verdade, que faz a lei'. As teorias r a c i o n a l i s t a s do Estado t en t a r ã o corrigir esta áspera sentença, a p r e s e n t a n d o o Estado como o reino da V e r d a d e sobre a terra, a e n c a r n a ç ã o da Dustiça, o instrumento da v er d a d e i r a Liberdade, etc. Mas é a palavra de Hobbes que apreende, em sua pureza, a e s s ê n c i a da so be ra n ia ." (37)

A teoria crítica do Direito não se restringe, portanto, em buscar, m a n t e n d o - s e as condições s ó c i o - p o l í t i c a s atuais, a e l a b o r a ç ã o de leis mais adequadas a uma r ea lidade, pois estas t ra d u z e m as garan ti as das vantagens da classe

(40)

29

d o mi n an te , p os s u i d o r a do poder c o e r ci ti vo , o que lhes pe rm it e o b r i g a r as pessoas a fazerem e c u m p r i r e m suas vontades.

"Assim, a e s s ê n c i a da Legislação não está no Sujeito, no Objeto, no Direito, na idéia do d o m í n i o da von ta de coletiva do povo ou em q ua lq u e r outra c o n d i ç ã o tão confusa e indefinida, mas sim no fato de que aqueles que c o n t r o l a m a v i ol ên c ia o r ga ni za da d i s p õ e m

de poderes para forçar os outros a

obedecê-los, faz en do aquilo que eles q u e re m que seja feito. Assim, uma d efinição exata e irrefutável para legislação, que pode ser entendida por todos, é esta: 'As leis são regras feitas por pe ss o as que g ov ernam por meio da violên ci a o r g a n i z a d a que, quando não acatamos, podem fazer com que aqueles que se recusa r am a o b e d e c ê - l a s sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte.'".

( 3 8 )

A Ciência Du r ídica deve ser entendida, em si m e s m a , como uma possível força t r a n s f o r m a d o r a , t r a n s c en de n do a função de apenas interpretar os textos legais. Pode, inclusive, via um pr ocesso h e rm en êu t ic o emancip ad or , dar novo sentido às leis, pr o c u r a n d o adaptá-las aos interesses da coletividade. A teoria crítica do Direito é forma de e nc a m i n h a r a ma gi s tr at ur a a seu verd ad e ir o papel. "Papel que não é nem de desafio nem de confronto, mas de serena a p li c aç ão da lei, sob a ótica do

(41)

justo", (39) tendo às mãos uma p o s i ç ã o d ef inida de qual co nd u t a a d o t a r .

Um outro fator im portante da visão c r í t i c a é não e n t e n d e r o Direito u n i c a m e n t e como a em a n a ç ã o da v o n t a d e do Estado. Existe, e é fato a ser reconh ec i do , o Dir e it o e x t r a - e s t a t a 1, criado nas ruas, com suas regras, j u l g a m e n t o s e p e n a l i d a d e s . Não é f o r m al iz a do , mas possui e f i c á c i a e, até mesmo, legitimidade. Não há como negar, por exemplo, os có di g o s c o n s u e t u d i n á r i o s e x i st e nt es nas g r a n d es favelas br a s i l e i r a s . 0 d e s r e s p e i t o a estas regras conduz, inclusive, à pena de morte.

A e x i s t ê n c i a de Direitos dessa natureza, a t u a n d o paralelamente, signi fi ca que nem todas as d em a n d a s são r e s o l v i d a s pelo Poder J u d i c i ár io . Por sua inefi ci ên c ia , a J u s t i ç a oficial vem se a fa stando, em grande pro po rç ão , da p o p u l a ç ã o que resolve, ela própria, a grande mai o ri a das suas d es a v e n ç a s , com base em uma ética marginal.

Quanto mais impopular e ineficaz for o

D i r e i t o oficial, maior am pl i t u d e terá o D ireito não oficial. Este, por sua vez, t a m bé m é d i t ad o pelos mais poderosos, c o n t r o l a d o r e s da c e 1 era 1 idade , criad or e s de c on d u t a s e o p r e s s o r e s de massas m a r g i n a l i z a d a s , po s su id or es de v er d a d e i r o arsenal paramilitar. Há, todavia, um outro a specto positivo. Q u e s t õ e s t r a d i c i o n a l m e n t e d i s c u t i d a s só no âmbito jurídico, e de forma técnica, estão sendo, na atualidade, politi za d as , r e c r i a n d o o sentido do Direito, p ro bl e m a t i z a n d o - o , m i s t u r a n d o o j u r í d i c o com o social. (40) T r a t a - s e de um Direito popular, s e d i m e n t a d o nos anseios da p o p u l a ç ã o d e v i da me nt e organizada, f or ma d o r de normas c o n s u e t u d i n á r i a s , com c a p a ci da de de intervir

(42)

31

no sistema jurídico o fi cial, i n v er t en do a ordem dos valores, p r e p o n d e r a n d o suas n e c e s s i d a d e s sobre o f o r m a l i s m o técnico. F o r m a - s e um sistema j u r í d i c o d e m o c r át i co , or i un do e legi ti ma do pela população, que pa ssa a ex er c e r sua inf lu ên c ia na o r g a n i z a ç ã o do país, podendo, com isso, t r a n s f o r m a r as relações s ociais de poder.

"0 a p a r e c i m e n t o de m o v i m e n t o s sociais c r e s c e n t e m e n t e o r g a n iz ad os , d e s a f i a n d o a r i g i d e z lógic o- f or ma l dos sistemas jurídi co s e j ud icial m e d i a n t e a p o l i t i z a ç ã o de questões a p a r e n t e m e n t e técnicas, p r o c u r a n d o assim criar novos di re i t o s a partir de fatos p olí ti co s, tem aberto c aminho para práticas c o n t r a d i t ó r i a s que c o m p r o m e t e m o o r d e n a m e n t o vi ge nt e a partir da di sc u s s ã o de proble ma s e s p e c í f i c o s - entre eles, as re la ç õ e s entre capital e trabalho, locadores e locatários, p r o p r i e t á r i o s e posseiros, p r o d u t o r e s e c o n s u m i d o r e s , etc." (41)

A C i ê n ci a Jurídica, portanto, não pode, para não ficar à margem da história, c o n t i n u a r se c o n s u b s t a n c i a n d o apenas na forma.

"0 direito como processo e em cons ta nt e d ev e n i r constitui um feixe d i a l é t i c o em que a tuam f o r m a l i z a ç ã o (o âmbito normativo), e fi c á c i a (o aspecto da vigência social, e não apenas formal, das normas) e l eg it im id a de (o

Referências

Documentos relacionados

E para opinar sobre a relação entre linguagem e cognição, Silva (2004) nos traz uma importante contribuição sobre o fenômeno, assegurando que a linguagem é parte constitutiva

(Os jornalistas lidam mal com as estatísticas e os técnicos que as formulam em modelos matemáticos também não conseguem apresentar múltiplas leituras da realidade epidemiológica

Ao introduzir a disciplina de Didática de ensino da Educação Física, as abordagens estudadas nas práticas pedagógicas dentro de um processo de planejamento do ensino, propiciam

Due to the doubts and questions about the inflammatory reaction caused by chemical castration, this study aimed to use infrared thermography to detect, evaluate and monitor

Miembro titular del Centro de Historia Universitaria Alfonso IX de la Universidad de Salamanca, del Consejo Asesor del Instituto Antonio de Nebrija de Estudios sobre la Universidad

Os relatos evidenciam as marcas de Bertha na memória de seus familiares e pessoas de convívio, com alusões às datas comemorativas, quando a casa era aberta aos convidados, e ao

[...] alertamos para a necessidade de pesquisas que po- deriam se dedicar a investigar como os programas de for- mação de professores universitários estão sendo desen-