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DA INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA AO FEMINICÍDIO: POR QUE RORAIMA É O ESTADO BRASILEIRO MAIS PERIGOSO PARA SER MULHER?

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REPATS, Brasília, V.6, nº 2, p 91-135, jul-dez, 2019

DA INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA AO

FEMINICÍDIO: POR QUE RORAIMA É O ESTADO

BRASILEIRO MAIS PERIGOSO PARA SER MULHER?

FROM THE INVISIBILITY OF VIOLENCE TO

FEMINICIDE: WHY IS RORAIMA THE MOST

DANGEROUS BRAZILIAN STATE TO BE A WOMAN?

Mónica Montana

*

RESUMO: A Violência de gênero sempre existiu, não obstante, o trabalho das

comunidades epistêmicas e de diversas Organizações Internacionais de Defesa aos Direitos Humanos, aliado ao maior acesso às informações, fez com que esse problema social tivesse maior discussão e visibilidade internacional, exigindo ações políticas articuladas e medidas jurídicas nos planos nacionais. O contexto de omissão dos Estados em relação às frequentes agressões contra as mulheres permitiu que essas vítimas fossem silenciadas tanto pelos agressores tanto pelas instituições estatais que, por vezes, posicionaram-se de maneira conivente diante de episódios violentos envolvendo as mulheres, as adolescentes e as crianças. O relevo sob o qual foi se configurando a violência na sociedade contemporânea acabou por atenção internacional, merecendo tutela especial e, de certo modo, procurando-se evitá-la, ou, pelo menos, que não ocorresse de modo explícito. No Brasil, o cenário da violência doméstica acentuou-se sistematicamente, revelando a dimensão da problemática, uma vez que as mulheres passaram a ser vítimas fatais constantes, em virtude da negligência em massa que desencadeou a banalização dos vários tipos de violência doméstica e que terminam em números preocupantes de feminicídios de mulheres, crianças e adolescentes.

ABSTRACT: Gender violence always exists, it does not prevent, the work of

epistemic communities and several International Human Rights Defense Organizations, combined with greater access to information, caused this major and important international social problem, requiring articulated political actions and legal measures national plans. The context of states' omission in relation to aggressions against women is allowed by those who suffer silenced both by the aggressors and by the institutions that, at times, position themselves conniving in the face of violations caused by women, such as adolescents and children. The relief under which it was configured as violence in contemporary society ended up for international attention, deserving special protection and, in a certain way,

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trying to avoid it, or, at least, that did not occur in an explicit way. In Brazil, the domestic violence scenario is systematically accentuated, revealing a problematic dimension, since women are victims of constant fatal accidents, due to negligence in the mass that triggered the trivialization of the various types of domestic violence and that ends in worrying numbers of femicides among women, children and adolescents.

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INTRODUÇÃO

A Violência contra as mulheres, adolescentes e crianças sempre existiu nas sociedades, não obstante, o trabalho das comunidades epistêmicas, movimentos sociais e de diversas Organizações Internacionais de Defesa aos Direitos Humanos, aliado ao maior acesso a informações, fez com que esse fenômeno mundial e grave problema sócioestrutural, por décadas subestimado, tivesse maior visibilidade internacional e debate em todas as esferas, principalmente finalizando a década de 1990.

Fatos que exigiram pesquisa, estudos acadêmicos, ações políticas e jurídicas dos Estados nacionais e maior participação da sociedade civil, especialmente representados nos estudos feministas. Em tal dimensão, é mister destacar que os feminismos e sua epistemologia feminista foram chaves analíticas para começar a debater esses problemas enraizados nas culturas, as instituições e os Estados (GOMES, 2018). Para efeitos deste trabalho, entende-se o feminismo em sua pluralidade expressa em um conjunto de práticas desenvolvidas pelas mulheres, com objetivo de enfrentar a realidade que as exclui, subjuga ou discrimina.

Num trato desigual entre homens e mulheres, a violência contra elas (adultas, adolescentes e crianças) tornou-se um dos graves problemas sociais que são minimizados em muitos países e continentes. Em que pese serem visíveis sob diversas formas, as consequências da violência de gênero tanto nas vítimas como na sociedade como um todo, continuam sendo ignoradas, e em algumas culturas, até justificadas; ora por questões ligadas à religião, a etnia ou a cultura, ora pela estrutura patriarcal.

A estrutura das sociedades patriarcais tende à minimização de tais problemas, mas, nas últimas décadas, tem-se debatido esses assuntos vinculando a segurança e o bem-estar das mulheres, adolescentes e crianças como desafios e responsabilidades dos Estados Nacionais1.

1 O processo histórico-político de formação dos Estados contemporâneos concebeu, a partir da década de 1980, a configuração atual em que o Estado é o responsável por assegurar a ordem e a segurança contra ameaças internas e externas dirigidas à população, e vista em dimensão macroespacial, aos Estados nacionais. A partir do século XXI, as ameaças à ordem do Estado adquiriram naturezas difusas, o que ficou claro após os acontecimentos do 11 de setembro de 2001, de modo que o termo segurança tornou-se o cerne dos discursos políticos e todos os

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Diante do aumento e a frequência da violência contra as mulheres, adolescentes e crianças, a responsabilização do Estado começou a ser proclamada nos estudos sobre gênero, em razão dos diferentes crimes e atos violentos que se cometem pelo simples fato de ser mulher. Em tal dimensão, é mister destacar a participação de ONGs, movimentos de mulheres e feministas, bem como a atuação dos meios de comunicação responsáveis por denunciar a violação constante de direitos humanos e econômicos e, principalmente, a letalidade da violência praticada contra as mulheres, expressada no que se denomina femicídios, assunto a ser explanado conceitual e historicamente na seguinte seção.

A interligação estabelecida em alguns trabalhos nesse âmbito evidenciaram que na maior parte dos casos de feminicídios a violência está entre episódios cíclicos que antecedem os femicídios. Por outro lado, o feminicío serve para silenciar as violências sexuais cometidas em atos de estupro, os quais podem acontecer ao longo da vida da vítima, ou que podem ocorrer em condições de vulnerabilidade2 com estranhos.

No caso da violência doméstica nos seus diversos graus3, sabe-se que ela tem sido subestimada por décadas é cíclica, e como assinalado, termina na maior parte das vezes em feminicídios. No Brasil, a violência doméstica é sinônimo de violência intrafamiliar. Conceitualmente, diferencia-se da violência familiar, uma vez que, a primeira possui como elemento norteador a unidade doméstica, desprezando-se o vínculo de parentesco. Enquanto a segunda, utiliza-se dos laços consanguíneos ou afins.

Tanto nos casos de violência intrafamiliar como nos casos de estupro, acusar a própria vítima de ser responsável por provocar o comportamento do

assuntos passaram a ser regidos pelo objetivo de canalizar as ameaças e garantir a segurança em várias dimensões, (como ou tal qual) a segurança humana.

2 Por vulnerabilidade, entenda-se as condições em que uma vítima não apresenta aptidões físicas, químicas ou emocionais para se defender da agressão. Por exemplo, pessoas com deficiência mental ou sob efeitos de drogas e álcool. Também existe a vulnerabilidade social, por exemplo, quando uma mulher ou adolescente frequenta um ambiente com presença predominante masculina e sua presença suscita, pelas suas prendas de vestir, palavras, gestos ou atos libidinosos, podendo chegar ao estupro e mesmo ao feminicídio.

3 No Brasil, por exemplo, mediante a Lei Maria da Penha se reconhecem as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme preleciona o Art. 7º da mencionada legislação.

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agressor constitui-se como outra forma de violência: a psicológica. Em ambos os casos é comum uma visão distorcida da realidade devido à cultura do machismo e à preponderância do macho sobre a fêmea, outorgando aos homens direitos inexistentes sobre suas vítimas.

Nessa dimensão, cabe destacar os sentimentos de posse de seus parceiros-agressores sendo relativizado socialmente os sinais e as formas de violência, que podem iniciar com um grito, gestos de ameaça, puxões de cabelos e tapas no rosto, agravados pelo silêncio das vítimas e a sensação de serem culpadas e merecedoras dos maus-tratos e da violência. A relativização da violência contra as mulheres, adolescentes e crianças denominamos miopia social, a qual contribui com o aumento dos casos de feminicídios no mundo.

Em conformidade com o dossiê de 2018, Feminicídios do Instituto Patrícia Galvão, o sentimento de posse também está presente nos casos de familiares e conviventes que praticam violências sexuais contra meninas e mulheres e depois cometem também feminicídios. Menciona-se ainda, que é muito comum o homem tentar abusar sexualmente da mulher e, se encontrar qualquer resistência, termina ceifando a vida dela.

Para essa instituição, ao abordar a realidade brasileira, o feminicídio praticado por ex ou atual parceiro, tem como um dos responsáveis, além do homem, o Estado. Essa afirmação se consolida porque é o serviço público, que dada sua estrutura precária, condena à morte já anunciada a milhares de mulheres brasileiras, ao não estruturar uma equipe especializada capaz de dar segurança para a mulher e responsabilizar aquele homem.

A dependência econômica do provedor e a falta de programas de inserção ao mercado de trabalho para as vítimas, assim como a ausência de casas provisórias que as acolham e protejam se convertem em razões para que estas retornem à convivência com seu agressor. Consequentemente, as denúncias de violência são retiradas enquanto os episódios de agressões podem se intensificar, culminando em homicídio.

O vínculo desses crimes com a omissão de direitos humanos, oportunizou diversas mobilizações sociais, bem como estudos acadêmicos e reformas legais

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as quais exigem dos Estados nacionais ações políticas, econômicas e jurídicas tendentes a mitigar a banalização desses crimes contra o gênero feminino.

A dinâmica crescente de atos violentos, vitimando mulheres, crianças e adolescentes nos diferentes continentes, deverá avançar rumo à responsabilização dos Estados nacionais, já que como visto, esses tipos de violência são de cunho estrutural e cultural, porque não se percebe que a violência é cíclica, passível de ser evitada com políticas e programas eficazes e, sobretudo, que tem de ser combatida com a reeducação da sociedade.

A omissão na gestão dos Estados desses novos temas de segurança, que afeta às mulheres e a sociedade como um todo, se vê traduzida no crescimento da violência doméstica e nos índices de feminicídios e estupros. A realidade brasileira, encaixa-se nesse contexto. O incremento de estupros, feminicídios e diversidade de ataques contra o gênero feminino são um indicador de que o Estado nacional está falhando nas suas políticas públicas e de segurança.

Encarar os feminicídios como um fracasso do Estado pode trazer mudanças sociais e políticas mais efetivas acerca dos assuntos de gênero, pois deve compreender-se que os Estados nacionais são responsáveis pelas agressões cometidas e pelas vidas ceifadas.

Essa responsabilização, no caso brasileiro, tem como exemplo, os recursos apresentados perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), apresentados em 1998, por uma vítima de violência doméstica, que deu nome à Lei Maria da Penha, legislação que pretende inibir, punir e proteger as mulheres contra a violência intrafamiliar. Da análise do caso supracitado, verifica-se que o Brasil foi responsabilizado pela OEA em 2001 por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres4.

Em muitos países a violência familiar é considerada “normal”, mas deve ser vista como precursora de um problema maior, já que por exemplo, em lares conflituosos, os filhos tendem a reproduzir comportamentos agressivos aprendidos quando são vítimas de violência. Na atualidade, sabe-se que muitos

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feminicídios são evitáveis quando o Estado cumpre seu papel, porque por trás da violência existe conivência social e institucional. As diferentes formas de violência contra as mulheres indicam raízes culturais com traços que exacerbam o machismo secular.

Nessa direção, torna-se fundamental mencionar que a não efetivação dos direitos previstos nos marcos legais, a não implementação de serviços de atendimento especializados, a aceitação e naturalização de hierarquias de gênero e raça, e a banalização de uma série de violências anteriores pelas próprias instituições do Estado, contribuem para a continuidade das agressões praticadas contra mulheres, crianças e adolescentes. Por outro lado, merece ser destacado que os ciclos de violência, em suas diferentes modalidades estão nas raízes dos feminicídios5. A título de exemplo, violência doméstica e sexual até o desfecho fatal, assuntos que são explanados em maior profundidade nas seções subsequentes.

Os estudos de Walker (1979); Oliveira (2012) sobre violência intrafamiliar indicam que esse tipo de conduta está longe de ser episódica e, pelo fato de ter sido socialmente tolerada foi e ainda é considerada um assunto que incumbe unicamente ao casal. Essa percepção (de não intromissão), simbolicamente legitimou os abusos contra as mulheres, que, terminam aceitando com resignação atos violentos por parte do provedor do lar INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO (2013); (MONTANA, 2017). As vítimas, frequentemente escondem os episódios e as marcas da violência física ou sexual somada à psicológica. Em alguns casos, as cicatrizes da violência sexual, intrafamiliar e estrutural são ocultadas no silêncio, o qual é mantido por medo, dependência econômica, vergonha social ou, porque simplesmente não acreditam que o Estado possa protegê-las.

Foi supracitado que a violência é cíclica, e, de fato, a frequência da violência contra mulheres, crianças e adolescentes praticada nos diferentes círculos sociais pelos homens, tende a se tornar costumeira ao ponto que a sociedade a minimiza e ignora, preponderando uma miopia social ante os abusos

5 Material disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/como-evitar-mortes-anunciadas/. Acessado em 01/04/2019.

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que tem cunho nas raízes culturais do machismo e na aceitação de papeis ou rotulações sociais6 para o gênero. Essa afirmação, encontra sustento em Godelier (1982), baseado em dados antropológicos, defende a hipótese de que em todas as sociedades, mesmo nas mais igualitárias, as hierarquias de poder sempre existiram e essas foram outorgadas aos homens, constituindo sociedades lesiva e legitimamente patriarcais.

Nessa distribuição de papéis a estrutura hierárquica de poderes finais pertence aos homens, dando a esses uma série de vantagens e permissões. Assim sendo, os homens passam a adquirir um status no qual, inclusive, o uso da força é possível, permitido e até justificável7.

A estrutura social com a definição de tarefas e funções passou a ser legitimada na atualidade. Combater gritos, dedos apontados no rosto, ameaças verbais, gestos obscenos, golpes, puxadas de cabelos, estupro e a objetificação da mulher passou a ser um dos maiores desafios a serem superados em todos os continentes no novo século, dada a invisibilidade8 da mulher e a miopia social dominante.

A omissão desses problemas pelos Estados nacionais contribui a que certos padrões comportamentais lesivos à segurança psíquica e física da mulher sejam minimizados, por conta disso, ainda persistem práticas culturais nas que se admitem casamentos com crianças, mutilações genitais, estupros em guerra,

6 Cabe ao homem ser provedor do lar. A mulher deve cuidar dos filhos e do lar. Os homens podem trair, porque são homens. As mulheres devem tolerar as infidelidades para conservar o parceiro. Os homens não choram.

7 Exemplo dessa afirmação encontra sustento em episódios de infidelidade feminina, na qual se legitima socialmente que o homem lave sua honra provocando a morte da parceira. Alguns países de Oriente Médio e da África, apedrejam mulheres por adultério. Ver a esse respeito: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/09/pena-de-apedrejamento-comeca-a-diminuir-no-mundo-islamico.html

8 Essa invisibilidade deve-se à subestimação social da mulher em termos físicos, emocionais, políticos e econômicos. A qual pode se deduzir do seu desdobramento no âmbito laboral e no cumprimento de tarefas cotidianas. A ela cabe desenvolver-se como profissional, mãe, esposa, ou em mais âmbitos, sobrecarregando-a física e/ou emocionalmente. Outra forma de invisibilidade, refere-se ao trabalho doméstico, que passa a ser legitimado como um papel próprio da mulher, sem remuneração, mas que cabe a ela exercer, pelo fato de ser mulher. Em termos econômicos, sabe-se que as mulheres ganham, em média, salários menores do que os dos homens, mesmo que tenham a mesma qualificação e responsabilidades nos cargos que exercem. Politicamente, a presença feminina em cargos públicos, e no comando de certas funções destinadas aos homens, a presença feminina é baixa (a título de exemplo, Presidência da República, Forças Armadas, entre outras).

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ou estupros coletivos, além de diversas formas de discriminação econômica e política contra a mulher. Omitir o problema e não debater essa realidade, aumenta a dimensão da gravidade da situação de insegurança do gênero feminino. Em função disso, não são criadas políticas públicas adequadas ou instrumentos legais para combater com rigor os diferentes tipos de violência de gênero (MONTANA, 2017).

Segundo Montana (2017), a violência de gênero é um comportamento que se apreende e cria raízes difíceis de cortar sem o eficiente papel do Estado. Estudiosos sobre a violência entendem ser um fenômeno cultural9 que deve ser analisado separadamente da agressividade, que, é uma conduta biológica10. Quem pratica violência doméstica o faz por razões diversas à preservação objetiva de manter sua integridade. Um sujeito pode, por exemplo, responder agressivamente quando sua integridade se vê ameaçada, isto é considerado um instinto de preservação e, portanto, manifesta uma resposta biológica. Mas, a violência de gênero tem sido aprendida de geração em geração, envolvendo papeis patriarcais, sendo desse modo perpetuada nas sociedades até se converter numa violência simbólica e costumeira.

Destarte, o desejo e a tendência de causar danos aos outros, por razões diferentes, se introduz num sistema sociocultural, para manifestar poder, posse

9 Para Soares, no caso do Brasil, a violência se mostra intrínseca ao processo de formação da sociedade brasileira estando presente nas lógicas autoritárias e na imposição cultural desde os tempos da colonização. (SOARES, 2015). No mesmo sentido, Adorno, destaca que a sociedade brasileira egressa do regime autoritário correspondendo às estruturas autoritárias, gerando tendências sociais como crescimento da delinquência urbana, violência e homicídios contra as mulheres, emergência da criminalidade organizada e graves violações de direitos humanos que comprometem a consolidação da ordem política e democrática.

10 Flores, com base em Raine et al. (1996) e Raine e Liu (1998), compreende que a biologia contribui para o fenômeno da violência. Os estudos de Raine et al. (1996) e Raine e Liu (1998), identificaram a partir de uma combinação explosiva que “fragilidades biológicas, estimadas pela presença de problemas neurológicos, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e complicações de parto, combinadas com um ambiente familiar inadequado, especialmente no primeiro ano de vida. Nas amostras estudadas, holandesas e norte-americanas, o risco de se envolver em comportamentos criminais era de mais do que o dobro do representado pela presença de apenas um deles – fragilidade biológica ou ambiente inadequado isoladamente – correspondendo a mais de 2/3 do total de crimes cometidos pelos cortes estudados”. Com essas mesmas bases, Flores realizou estudos tendo como amostra 21 jovens violentos, mas sem condenações criminais de Porto Alegre, identificando três variáveis cuja presença aumenta significativamente o escore de violência utilizado: problemas obstétricos, maus-tratos na infância e história familiar positiva de criminalidade. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n1/a19v07n1.pdf.

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ou subjugação, frente alguém em estado de vulnerabilidade ou desigualdade. Nesse sentido, a conivência social e a própria institucionalização dos diferentes tipos de violência contra as mulheres, é considerada a causa do aumento dos feminicídios, que podem ser evitados com a ação oportuna do Estado.

Esse pensamento vai de encontro, por exemplo, com a realidade brasileira, que, analisada por Oliveira (2012, p. 152), indica que as mulheres, em nome da sacralidade da instituição familiar, se resignam à violência. Para a autora, “esse fenômeno que acontece no plano microssocial ganha, a cada dia, mais adesão no interior de diversos lares brasileiros”. Destaca também que “em face de um cenário de subjugação do gênero feminino, a concessão de um tratamento diferenciado às mulheres que não são respeitadas em seus lares faz-se imprescindível”, sendo colocado em relevo que a “estruturação de um aparato judiciário aliado ao fiel cumprimento da lei por parte dos operadores do direito é capaz de equilibrar as desigualdades gritantes entre os sexos e garantir às mulheres condições mínimas de dignidade”.

O dossiê da Instituição Patrícia Galvão (2013) e Montana e Melo (2018) também apontam para a importância de uma estrutura adequada e uma maior capacitação dos servidores públicos que lidam com a violência de gênero. Isto por que, muitos feminicídios podem ser evitados se a violência intrafamiliar for reprimida via legal, educativa e mediante a coordenação de diferentes políticas públicas (MONTANA, 2017). Porém, como supracitado, a conivência social e a institucionalização da violência contra as mulheres têm raízes culturais ligadas ao machismo, derivadas do modelo patriarcal de organização que são difíceis de combater sem a plena conscientização da sociedade acerca da seriedade desses problemas e da importância de sua discussão.

Nessa linha de pensamento, Andréa Vasconcelos, coordenadora da entidade Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMURR), entende, quando analisado o caso do Brasil e, especificamente o de Roraima, que há uma cultura de submissão feminina muito forte11, realidade que é comprovada pelo alto

11 Ver: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/02/07/tres-medidas-protetivas-sao-concedidas-por-dia-a-vitimas-de-violencia-domestica-em-roraima.ghtml

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número de casos de violência contra a mulher e pelo número ascendente de feminicídios.

A submissão das mulheres aparece como um fenômeno nacional, que em Roraima, toma traços particulares, conforme assinalado por Vasconcelos (2018), devido a aspectos culturais, sociais e econômicos. Culturalmente tem-se imputado ao homem o papel de provedor da casa e à mulher cabe as tarefas domésticas. Isso acarreta, um medo de se posicionar quanto a violência no lar, pois a mulher teme perseguição, represálias econômicas e, inclusive, desmoralizar a imagem da família. No entendimento dessa socióloga, “tudo isso é fruto de uma dependência emocional ocasionada pela forma que a mulher sempre foi tratada no Brasil”12.

Há desafios a serem superados em todas as culturas para conseguir uma convivência menos violenta e ameaçadora à integridade das mulheres. Em tais dimensões, o papel do Estado é fundamental, intervindo com políticas públicas educativas e de segurança, perseverando na aplicação dos preceitos jurídicos com rigidez para punir e combater os diferentes tipos de violência de gênero.

Nessa linha de pensamento, ratifica-se que os feminicídios são evitáveis porque há uma série de violências e de costumes que são constituintes e antecedentes a ele, tal como assinala o dossiê Feminicídio, do Instituto Patrícia Galvão, de 2013, no qual se destaca que os feminicídios são a ponta do iceberg e a consequência da omissão do Estado no combate ao machismo, os quais revelam falhas para garantir a segurança das mulheres13.

A frequência da violência intrafamiliar e o aumento das taxas de homicídio em razão do gênero estão diretamente relacionados com a assistência inapropriada do Estado e com o enraizamento da cultura patriarcal. De conformidade com Oliveira (2012), os contumazes abusos por parte dos provedores da casa têm raízes na cultura patriarcal que é aprendida. Disso se deduz, que, se a violência é assimilada pelas vítimas e pessoas em seu entorno, o respeito às mulheres e a seus direitos também. Desse modo, para evitar esses

12 Ver: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/02/07/tres-medidas-protetivas-sao-concedidas-por-dia-a-vitimas-de-violencia-domestica-em-roraima.ghtml

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dois problemas e construir uma sociedade progressista, o empoderamento das mulheres é fundamental, assim como a desconstrução de papéis e hierarquias de poder socialmente aceitos, uma vez que estes imprimem relações de profunda desigualdade entre homens e mulheres, procedentes da cultura patriarcal que caracteriza a construção dos Estados Nacionais (ALAMBERT, 1986; MONTANA, 2017).

Em sociedades patriarcais, caracterizadas pela dominação do homem se reproduzem e alimentam relações de superioridade e inferioridade entre os sexos, estabelecem-se certos papéis e se desenvolvem nocivos sentimentos de posse; possibilitando, não apenas a emergência de preconceitos que contribuem com a continuidade da prática da violência de gênero, como também permeiam a coisificação14 e objetificação da mulher. Nesse tipo de estrutura hierárquica e dominante são introduzidas desigualdades e relações injustas nas interações sociais (ALAMBERT, 1986; SCHMITT, 2016). Assim evidencia-se, necessidade e urgência de se romper com comportamentos machistas e com padrões abusivos, visíveis nos diferentes tipos de violência perpetrada contra as mulheres, crianças e adolescentes nos Estados Nacionais.

Quebrar os ciclos de violência intrafamiliar e romper com a conivência social é o primeiro passo para evitar o incremento de estupros e feminicídios. A reforma da visão estatal acerca desses problemas, traduziria mudanças nas políticas públicas e de segurança; bem como ajudaria a desconstruir as estruturas e a cultura que estabelece papeis de supremacia entre os sexos. Dito em outras palavras, o Estado é responsável por evitar a violência de gênero, que, está caracterizada pela incidência dos atos violentos em função do gênero ao qual pertencem as pessoas envolvidas. O Estado é responsável por sua reestruturação, há violência porque alguém é homem ou mulher e há violência porque um desses indivíduos faz uso de força sobre o outro ou lhe coage e submete, sem que o Estado consiga agir com eficiência e eficácia para coibir os homens e proteger as mulheres.

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Existem padrões de violência que podem ser aniquilados, em primeira instância, mediante a intolerância dos atos que atentam contra os direitos e a dignidade das mulheres. Em segundo lugar, reconhecendo que a luta contra a violência de gênero é uma obrigação do Estado. É vital reconhecer a importância de todas as pessoas participarem ativamente nos processos de desconstrução do pensamento machista. Em terceiro lugar, é necessário fortalecer as instituições, melhorar as estruturas e o atendimento às vítimas, fato que implica em investimentos de capacitação dos agentes públicos que atendem às vítimas nos diferentes tipos de violência.

O reconhecimento oficial desses problemas, bem como o reconhecimento de que a violência de gênero é quase um sinônimo de violência contra a mulher, significou uma conquista da luta feminista. São as mulheres as maiores vítimas do uso da força ou de agressões verbais ou coações psicológicas, físicas e sexuais. Em tal dimensão, é revelador um fragmento do dossiê do Instituto Patrícia Galvão (2013), no qual se afirma que nos crimes sexuais que culminam em feminicídios, praticados por desconhecidos, a desumanização do corpo feminino, encarado muitas vezes como objeto é marcante, inclusive, evidenciando o ódio e a misoginia que levam a desfigurar as vítimas ou a mutilar suas partes íntimas. Nesse último aspecto, deve ser destacado que, um dos mais sórdidos casos de violência contra as mulheres, crianças e adolescentes, relacionado a estupros, multilações e feminicídios, além de outros tipos de violência, aconteceu na Colômbia, durante 62 anos de conflito armado, tempo durante o qual o corpo das mulheres foi e é considerado -campo de guerra- dos grupos alçados em armas, dos paramilitares, do próprio Estado e da delinquência comum15. Em outro sentido, a violência de gênero aparece sob a expressão -o corpo da mulher é campo de batalha-, desta vez na França16.

15 Essa denominação foi dada a conhecer pela ACNUR, iniciando o novo século. Reconhece-se que, no conflito armado, são vários os atores que submetem às mulheres a todo tipo de violência, onde o corpo feminino é objeto e espaço de guerra. Ao não proteger às mulheres e nem oferecer garantias para que os diversos crimes cessem, o Estado da Colômbia, converte-se em ator estatal da violência e dos feminicídios.

16 Dois episódios na praia chamaram a atenção da sociedade europeia. De um lado, uma mulher é obrigada por quatro homens a ficar nua, na frente deles, por considerarem que levava demasiada roupa. Pelo outro, na frente do esposo e dos filhos, uma mulher é agredida verbal e

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Em ambos casos, campo de batalha ou campo de guerra, é utilizado para certas concepções de Estado, de alguns homens e de uma parte da sociedade. Por trás dessas expressões podem ser encontrados ordens hierárquicas, poder e níveis conflitantes de gênero: os machos (no comando/poder) submetem as fêmeas (às suas vontades). Poder e submissão, são aspectos mais do que simbólicos da violência.

O combate às expressões de violência, discriminação e desigualdade das mulheres se tornou uma bandeira a ser defendida com maior eco na década de 1990. A tese de que os feminicídios devem ser considerados o maior indicativo da indiferença estatal aos atos de violência de gênero tomou maior força no novo século, quando foram veiculados nos meios de comunicação crimes que impactaram a sociedade pela sua extrema crueldade contra as mulheres, tal como os empalamentos.

Merece destaque o fato, como será visto a seguir, um amplo debate que teve início nos anos 90(s) nos Estados Unidos, quando o termo femicidio foi apropriado por mexicanas, para denunciar a existência de feminicídios em Ciudad Juárez, cidade fronteiriça ao norte do país. Posteriormente, o diálogo teórico e as denúncias alcançaram vários países da América Latina. Tal como assinalado por (GOMES, 2018).

Os apelos do falecido Kofi Annan, Ex-secretário Geral da ONU, também tiveram incidência na mesma década, já que esses problemas vieram a ser discutidos relacionando-os à violação dos direitos humanos. Um dos mais emotivos discursos de Kofi Annan, realizado em 1997, destacou três grandes problemas mundiais do pós-Guerra Fria que estão relacionados à falta de equidade e justiça no mundo e, por outro lado, estão relacionados com a omissão dos direitos humanos e com a violência, havendo especial destaque para a violência contra as mulheres.

Annan, num primeiro momento referiu-se às assimetrias da globalização, as quais acentuam as desigualdades sociais e econômicas mundiais. Em um segundo momento, referiu-se às guerras e aos conflitos, que mostram o poder

fisicamente ao estar, na praia, em topless. Em ambos eventos, se perfila gostos de gênero contrapostos, mas ente complementares,

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de coação de alguns Estados sobre outros, ou mesmo sobre seu próprio povo, vitimando especialmente as mulheres. O Fomento do terror e a violência impede a paz e a garantia das liberdades, desencadeando por sua vez insegurança humana. Por último, Annan, referiu-se à pandemia da violência contra as mulheres17, sendo reconhecido que esse é um fenômeno que atinge todas as camadas sociais, de todos os Estados nacionais, independentemente dos traços culturais, níveis de desenvolvimento social e econômico ou de instrução. Nas palavras de Annan, tornou-se necessário “proteger os direitos e a dignidade

das pessoas, em especial das mulheres, que tantas vezes eram pisados

Grifos das autoras.

A discussão aberta promovida por Kofi Annan e em alguns trabalhos acadêmicos, relatórios de agências e de organizações não governamentais alertaram para a importância de dar ao tema o relevo que merece no diálogo político. Com isso, abriu-se margem para que os Estados estudem medidas preventivas e punitivas, modifiquem suas leis e implementem programas de maior efetividade. Apesar dessas conquistas, ainda diversos relatórios assinalam os mapas da violência de gênero e índices de feminicídios e de estupros alarmantes em algumas regiões, indicando falhas dos Estados nacionais para lidarem com esses fenômenos que negligenciam os direitos das mulheres a se sentirem seguras e com garantias suficientes para gozarem de seus direitos humanos.

O aumento de feminicídios no mundo e várias outras atrocidades cometidas contra a condição de gênero pelo fato de ser mulher, induziu a que em muitos Estados nacionais fortaleçam as leis. O fato de certas legislações serem brandas ou inexistentes para casos de violência extrema contra as mulheres, sua psique e seus corpos no âmbito internacional, resultam em práticas vistas de forma comum18, sendo aceitas em algumas nações, frente à

17 Consta no discurso: O primeiro consistia em assegurar que a globalização beneficiasse todos e não apenas alguns mais favorecidos. O segundo era sair da desordem mundial que se instalou depois do fim da guerra fria, substituindo-a por uma ordem verdadeiramente nova, um mundo onde reinassem a paz e a liberdade, como prevê na nossa Carta. O terceiro consistia em proteger os direitos e a dignidade das pessoas, em especial das mulheres, que tantas vezes eram pisados. Material disponível em: https://www.unric.org/pt/actualidade/6192

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violação de direitos humanos. Casamentos com crianças, mutilação genital feminina em alguns países19, além de crimes como estupros coletivos, tráfico de pessoas e escravidão sexual e estupros em conflitos armados, são alguns dos exemplos que figuram na lista de violência de gênero que impactam a Comunidade Internacional e que devem ser combatidos, tanto por seus níveis de atrocidade, assim como por objetificar a condição e a dignidade das mulheres. Destaca-se que o abuso sexual, em qualquer caso, fere o corpo e a psique da mulher, criança e adolescente, não merecendo tolerância em nenhuma sociedade, assim como a violência doméstica.

A América Latina figura como um continente em que prepondera o machismo e junto a esse fenômeno consolidam-se diversas violências contra as mulheres, incluindo práticas de alta crueldade20. A violência intrafamiliar e sexual é frequente nos países latino-americanos, tal como apontam as pesquisas de Contreras et al. (2010), os quais, compreendem que o machismo atua como ato de dominação, encontrando respaldo nas construções sociais que auxiliaram na consolidação da figura da mulher como um ser frágil –passível de ser dominado- o qual necessita de pulso forte para guiá-lo ou possuí-lo, submetendo-o a sua vontade.

Os pilares sociais e políticos latino-americanos são marcados por uma acentuada dominação masculina, considerando-se a submissão feminina como uma qualidade a ser preservada no meio social. Tal fato desencadeou uma notável sistemática de violência de gênero, tal violência contra as mulheres, adolescentes e crianças passaram de acontecimentos aleatórios a fenômenos estruturais de grande peso e preocupação local e internacional.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 2017) enfatizou que os assassinatos de mulheres no Brasil, por exemplo, não se tratam de um

19 A Circuncisão feminina ou mutilação genital feminina (MGF) consiste na remoção ritualista de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos. Essa prática é feita com uma lâmina de corte e a maior parte das vezes sem anestesia. Essa prática está concentrada em 27 países africanos, também na Indonésia, Iémen, Curdistão Iraquiano. Cabe mencionar que é praticado em vários locais na Ásia, Médio Oriente e em Comunidades Expatriadas em todo o mundo, assim como em Egito e Etiópia (UNICEF, 2016).

20 Ver a esse respeito: Na América Latina, ser mulher pode ser risco de vida. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ser-mulher-pode-ser-risco-de-vida-na-america-latina. Acesso em 15 nov. 18.

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problema isolado, mas são sintomas de um padrão de violência de gênero contra elas, sendo resultado de valores machistas profundamente arraigados na sociedade brasileira.

A percepção da violência de gênero, principalmente a violência contra as mulheres e crianças, ganhou espaço no debate mundial contemporâneo. Atos de extrema crueldade tais como o empalamento21, vieram a ser noticiados com maior frequência em países como Argentina, Colômbia e Brasil, e diversos atos violentos tornam-se cada vez mais conhecidos graças aos meios de comunicação22 e às de redes que trabalham em prol da segurança do gênero feminino.

Na América do Sul, é conhecido que os números de estupros23 contra vulneráveis24 aumentam, assim como os casos de falecimento de crianças vítimas de vários tipos de abusos, dentre eles os sexuais. Episódios de violência física e psicológica em ambientes domésticos e laborais tornaram esses temas assunto de estudo e foco de políticas públicas no continente, considerado um dos mais violentos para o gênero feminino.

Dadas essas circunstâncias, foi destacado pela ONU25 que:

Condena enérgicamente todos los actos de violencia contra la mujer y

las niñas y, a este respecto, de conformidad con la Declaración sobre la eliminación de la violencia contra la mujer, exige que se eliminen 21 Ver a esse respeito o seguinte caso: O chocante caso de abuso e morte de jovem de 16 anos que provoca indignação na Argentina. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-37692722. Acesso em 15 de nov de 2018 22 A esse respeito podem ser destacadas as seguintes notícias: G1 reúne mais de 4 mil notícias de violência contra a mulher em 10 anos. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/g1-reune-mais-de-4-mil-noticias-de-violencia-contra-mulher-em-10-anos.html> e O papel da mídia na superação da cultura de violência contra as mulheres (Agência Patrícia Galvão – 22/05/2015). Disponível em: < http://www.compromissoeatitude.org.br/o-papel-da-midia-na-superacao-da-cultura-de-violencia-contra-as-mulheres-agencia-patricia-galvao-22052015/> Acesso em 14 de outubro de 2018. 23 De conformidade com a previsão do art. 213, caput, do Código Penal Brasileiro, considera-se estupro a seguinte prática: constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. BRASIL. Código Penal. Decreto Lei Nº 2848 de 07 de 1940.

24 De acordo com a tipificação do crime de Estupro de Vulnerável, contida no art. 217 – A, do Código Penal Brasileiro, entende-se por vulnerável o menor de 14 anos, idosos, pessoas com deficiência, enfermidades ou equiparadas. BRASIL. Código Penal. Decreto Lei Nº 2848 de 07 de 1940.

25 Relatório Especial sobre la violencia contra la mujer, sus causas y consecuencias. Disponível em: https://www.ohchr.org/SP/Issues/SRWomen/Pages/SRWomenIndex.aspx. Acesso em 13 out. 18

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todas las formas de violencia de género en la familia, en la comunidad y dondequiera que sea perpetrada o tolerada por el Estado, y pone de manifiesto el deber que tienen los gobiernos de no emplear la violencia contra la mujer, actuar con la necesaria diligencia para prevenir, investigar y, de conformidad con la legislación nacional, castigar los actos de violencia contra la mujer y de adoptar medidas apropiadas y eficaces respecto de los actos de violencia contra la mujer, ya se trate de actos perpetrados por el Estado, por particulares o por grupos armados o facciones en lucha, y proporcionar a las víctimas el acceso a unos medios de reparación justos y eficaces y a una asistencia especializada, incluida la asistencia médica.

O Brasil é apontado como um dos países com índices crescentes de violência contra as mulheres, adolescentes e crianças. Esse fato fez com que, em 2013, ocupasse o 7º lugar entre os países onde mais se mata mulheres no mundo e, em 2015, ocupou o 5º lugar. Além disso, tal como destacado por Montana (2017, p. 144) “as cifras do Relatório da ONU são reveladoras, pois indicam que o número absoluto de homicídios femininos no Brasil foi de 4.762, no ano de 2013, o que equivale dizer que 13 mulheres, por dia, foram assassinadas”.

Em tempo mais recente, ano 2019, a CIDH manifestou preocupação quanto à elevada incidência de assassinatos de mulheres no Brasil no início do ano, já que em janeiro de 2019, segundo a comissão, 126 mulheres foram mortas em razão de seu gênero, além do registro de 67 tentativas de homicídio26. Até o mês de março de 2019 as cifras permaneceram crescentes. Houve 137 tentativas de homicídio em virtude do gênero e 207 feminicídios foram, de fato, consumados no Brasil27, ou seja, em menos de dois meses, o número de feminicídios quase dobrou em relação ao número apresentado até janeiro deste ano. Além disso, os números de denúncias realizadas junto aos canais de proteção demonstram-se preocupantes28, evidenciando que muitas mulheres

26 Ver a esse respeito: http://www.falaseriocanaa.com.br/2019/02/em-2019-numeros-de-feminicidio-assustam/

27 Segundo Nascimento, em dados disponibilizados ao Jornal O Globo, até o inicio de março de 2019: “344 casos de feminicídio - foram 207 episódios consumados e 137 tentativas. A taxa de letalidade é de 60%, com 222 vítimas identificadas, em crimes ocorridos em todos os estados brasileiros, além do Distrito Federal. A média é de 5,31 casos por dia, ou um caso a cada quatro horas e 31 minutos nos primeiros 64 dias do ano”. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/mais-de-200-feminicidios-ocorreram-no-pais-em-2019-segundo-pesquisador-23505351. Acesso em 12 de maio de 2019.

28 O balanço anual realizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos demonstrou que “No período de janeiro a junho deste ano, o Sistema de Ouvidoria Nacional de

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chegam a procurar apoio especializado, mas que nem sempre dão continuidade ao procedimento investigatório, em razão da ausência de informações ou até mesmo medo de sofrerem represálias por parte do agressor.

Os multifacetados exercícios de resistência das mulheres que são ou foram agredidas e/ou violentadas no âmbito da unidade doméstica revelam a necessidade de tornar o sistema penal brasileiro mais rigoroso, além disso, torna-se imperiosamente necessário prover aos agentes públicos destinados à atendê-las maior capacitação para que possam assegurar o bem-estar e o cuidado adequado das vítimas. Além disso, a eficiência no atendimento das mulheres agredidas atua como fator imprescindível para o combate à violência doméstica, elevando-a a um patamar de visibilidade e importância antes desprezado pelo Estado.

A violência deve ser prevenida e, nessa dimensão, muitos feminicídios poderão ser evitados mediante a reeducação de quem comete o ato violento. Paralelamente, devem existir esforços por melhorar o próprio sistema, seus agentes e estruturas físicas. Somente assim poder-se-á evitar que a violência intrafamiliar termine incrementando as cifras de feminicídios, no estado de Roraima e no Brasil. Nesse contexto, também se destaca a forçosa necessidade de empoderar as mulheres, investir em programas sociais e econômicos que lhes permita limitar a dependência financeira e afetiva dos parceiros.

Para Oliveira (2012), que analisou a violência intrafamiliar, esse rigor nas leis deve ser capaz de deter, ou, ao menos, amenizar a expressão da violência doméstica, não mais intimidada pelos vínculos de consanguinidade e afinidade. O cenário de subjugação do gênero feminino, a concessão de um tratamento diferenciado às mulheres que sofrem violência intrafamiliar e/ou qualquer tipo de abuso faz-se imprescindível que além do endurecimento e rigor na aplicação das leis, haja um entendimento adequado acerca da violência, por parte dos

Direitos Humanos (SONDHA) recebeu o total de 46.510 denúncias. Entre elas, ameaças (1.844), cárcere privado (1.243), feminicídio (36), tentativa de feminicídio (2.688), homicídio (6), tentativa de homicídio (67), trabalho escravo (14), tráfico de mulheres (16), violência contra a diversidade religiosa (11), violência doméstica e familiar (35.769), violência física (1.1050), moral (1.921), obstétrica (116), policial (385), sexual (1.109) e virtual (180)”. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/agosto/balanco-anual-ligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres. Acesso em 12 de agosto de 2019.

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funcionários que lidam com as vítimas. No primeiro caso, Oliveira (2012, p. 152) entende que “somente a estruturação de um aparato judiciário aliado ao fiel cumprimento da lei por parte dos operadores do direito é capaz de equilibrar as desigualdades gritantes entre os sexos e garantir às mulheres condições mínimas de dignidade”.

A frequência de episódios violentos entre casais tem dado um alerta ao Brasil, torna-se preocupante o aumento de feminicídios no país, especialmente nas regiões norte. Por exemplo, em 2015, a ONG Human Watch Rigths revelou que as cifras de assassinatos de mulheres em Roraima é de 11,4 a cada 100 mil habitantes. Esse comportamento foi corroborado pelos Mapas de Violência de 2011 a 2015, nos quais pode-se verificar que a região norte apresenta os índices mais altos do país. Nesse quadro, há uma tendência que chama a atenção para efeitos de pesquisa acadêmica e de ação política: o estado de Roraima apresentou cifras em constante crescimento, as quais também foram ratificadas no Mapa da Violência de 2018, apresentado pelo IPEA em junho de 2018 (MONTANA, 2017; MONTANA e MELO, 2018).

No ano de 2016 foram assassinadas no país um total de 4.645 mulheres, o que representa uma taxa de 4,5 feminicídios para cada 100 mil brasileiras; registrando-se aumento de 6,4% em 10 anos, de 2006 a 2016. No documento consta que as taxas de Roraima flutuam bastante ao longo da série histórica, mas que estes “chegaram a picos de 14,8 em 2013, 11,4 em 2015 e, com exceção de 2011, nos demais anos a taxa de homicídios de mulheres em Roraima foi superior à taxa brasileira” (IPEA, 2018, p.45).

Esse mesmo instituto também revelou que em 20 Unidades da Federação, a violência letal contra mulheres negras cresceu no período estudado, e os piores desempenhos ocorreram em Goiás e no Pará. Um fato relevante da edição de 2018 do Atlas da Violência, é que também considerou os registros administrativos de estupro no Brasil. O informe indica que, em 2016, as polícias brasileiras registraram 49.497 casos de estupro, conforme informações

do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número contrasta com os

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com a pesquisa, certamente as duas bases de informação possuem uma grande subnotificação.

Se as cifras ora mencionadas são preocupantes, torna-se ainda mais alarmante a análise em volta do plano de eficácia e efetividade das previsões legais, responsáveis por regular a aplicabilidade de medidas preventivas e punitivas em casos de violência contra a mulher e feminicídios.

A violência doméstica é uma prática no Brasil e mesmo não sendo considerada grave, essa contribui no aumento dos feminicídios, cujas bases em ocasiões estão na banalização de agressões verbais e físicas. Por outro lado, tal como assinalado por Oliveira (2012, p. 151), a ineficiência da justiça e o tratamento antiquado ofertado às vítimas antes da incidência da Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) foram fatores que contribuíram para a banalização da violência doméstica e a sua consequente descriminalização informal. Violência essa que, como supracitado, pode vir a anteceder aos feminicídios.

Apesar de algumas evidentes conquistas, em matéria legal, sabe-se que existe um longo caminho a ser percorrido. O Brasil, tal como visto, integra um vergonhoso ranking mundial de violência e feminicídios, cobrando legislações mais eficazes, planos de ação estatal eficientes e, programas re-educativos, sendo o estado de Roraima um caso que merece especial análise e particular atenção, porque as cifras de feminicídios e estupros podem ser maiores às contabilizadas, dada a precariedade das estruturas existentes no estado.

Baseados em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IPEA e FBSP (2018), constataram que o estado de Roraima lidera a taxa de feminicídios relacionados a mulheres não negras, em um estudo que compara três unidades federais do norte do país, a saber, Rondônia, Tocantins e Roraima, conforme ilustra a seguinte figura.

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Fonte: IPEA e FBSP (2018), a partir de dados do IBGE.

No informe de 2018 é indicado pelo IPEA (2018, p.52), que, “catorze mulheres indígenas foram mortas em 2016 e não foi contabilizada nenhuma morte de mulher branca ou amarela, havendo um caso de cor/raça ignorada”. Destacam também que no período de 2006 a 2016, “o número de mulheres indígenas mortas foi 98”.

Um dos aspectos a serem destacados é que não existe confiabilidade nos dados. Isto porque as mortes de mulheres indígenas praticamente não são reportadas, devido ao fato da distância de algumas comunidades indígenas dos órgãos competentes. Em tal direção, o IPEA e FBSP (2018, p. 52-53) indicam que, “embora possam ser levadas em conta questões referentes à qualidade dos dados e às flutuações maiores em decorrência da população diminuta do estado, as informações são consistentes com os relatórios da ONG Human Rights Watch (2017)”. Destacando o fato, como já mencionado, essa organização apontou o estado de Roraima como o mais letal para mulheres e meninas no Brasil. Ratificando essas informações o Conselho Indigenista Missionário (Cimi, 2017), indica que Roraima teve o maior número de vítimas indígenas assassinadas. Os números evidenciam o resultado do acúmulo de opressões e violências que as mulheres negras e indígenas sofrem, tal como afirmado pelo IPEA e FBSP, 2018.

Preocupada com a realidade do estado de Roraima relativa à violência de gênero, a CIDH, afirma que os casos que chegaram a seu conhecimento exigem do Estado a implementação de estratégias abrangentes de prevenção e reparação integral às vítimas, além de investigações “sérias, imparciais e eficazes dentro de um período de tempo razoável”, que possibilitem a punição dos autores dos crimes. Uma das medidas que se fazem urgentes, segundo a CIDH, é a formação, a partir de uma perspectiva de gênero, de agentes públicos

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e pessoas que prestam serviço público29. Além disso, é mister destacar que devido ao aumento dos feminicídios em todo o país, com ênfase para o estado de Roraima, torna-se imperioso exigir do Estado, o monitoramento eficaz do ápice da violência, que ceifa a vida de tantas mulheres. A falta de padronização e de registros atrapalham o monitoramento de feminicídios no país, conforme assinala o levantamento realizado pelo G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no qual se indica um aumento de 6,5% dos feminicídios de 2016 a 2017.Por fim, cabe destacar que não apenas a legislação é suficiente, educar é preciso. A mulher que se torna uma vítima fatal, pode ser resultado de agressões diversas, muitas vezes permitidas em silêncio e padecidas em razão do medo e da vergonha de denunciar os seus agressores.

Para evitar o aumento das cifras de violência e dos feminicídios com causa no gênero, já que os assassinatos poderiam ser evitados, caso as mulheres tivessem opções concretas e apoio para conseguir sair do ciclo de violência, também é necessário realizar mudanças estruturais e culturais, que perpassam por políticas socioeducativas referentes ao gênero. Mudanças que alcancem os aplicadores da lei, os funcionários das delegacias, equipe médica, ou seja, todos que lidam com as vítimas. Em suma, é preciso enxergar a violência como já foi descrita e que de fato é: um problema socioestrutural e cultural, resultante da miopia social.

Coloca-se em relevo as palavras de Margarette May Macaulay, presidenta e relatora da CIDH, que reconhece o valor da lei que tipifica o feminicídio no Brasil, e, ao mesmo tempo em que entende ser essencial que as autoridades competentes não minimizem a gravidade das queixas prestadas pelas vítimas, considera que “é inadmissível que mulheres com medidas protetivas sejam mortas, que não contem com espaços seguros, ou que suas queixas não sejam devidamente tomadas em consideração. A violência de gênero contra as

29 A esse respeito ver: CIDH expressa sua profunda preocupação frente à alarmante prevalência de assassinatos de mulheres em razão de estereótipo de gênero no Brasil. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2019/024.asp

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mulheres é uma questão de gravidade real e as autoridades, do mais alto nível, devem enfrentá-la com a maior seriedade e urgência”30.

Do mesmo modo, faz-se necessário destacar que nas análises da ONG

Human Rights Watch31, baseada nos informes do IPEA e FBSP (2018), no caso

de Roraima, destaca a falta de estrutura nas delegacias locais, assim como a ausência de preparo dos agentes de segurança, como fatores que contribuem no aumento dos feminicídios no estado. A banalização de queixas anteriores aos feminicídios, de violência doméstica, também é uma variável que incide na realidade roraimense.

O papel do Estado, como formulador de políticas públicas que freiem a escalada da violência é primordial, tal como assinalado por Montana e Melo, 2018, autoras que destacam a responsabilidade do governo estatal no sentdo de melhorar a infraestrutura física, já que atualmente, em 2019, o estado apenas disponibiliza uma Delegacia da Mulher, para atender cerca de 255 mil mulheres, em um horário de atendimento que não é 24 horas e, que, funciona de segunda a sexta. Assim, fica evidente que, se o Estado não auxiliar a mulher para que a progressão da violência não continue, o passo seguinte é a vítima encontrar a morte.

2 DISPOSITIVOS LEGAIS DE PROTEÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA E OS FEMINICÍOS NO BRASIL

Conforme os dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG) das Nações Unidas 2.089 mulheres foram vítimas de feminicídios no Brasil (MONTANA, 2017). O percurso histórico entre a previsão e a consolidação de mecanismos judiciais de proteção às mulheres no âmbito nacional está marcado por anos de sofrimento silencioso e impunidade. Em virtude disso, as concepções contemporâneas deram espaço no ordenamento jurídico brasileiro aos instrumentos que buscam garantir a proteção da mulher,

30 A esse respeito, verificar a notícia veiculada pela Agência Brasil: Número de assassinatos de mulheres no Brasil em 2019 preocupa CIDH. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-02/numero-de-assassinatos-de-mulheres-no-brasil-em-2019-preocupa-cidh.

31 A advogada da ONG, Maria Laura Canineu, brindou entrevista Universia. Material disponível em: https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/06/06/roraima-tem-a-maior-taxa-de-feminicidio-desde-2010-entenda-o-porque.htm. Acessado em 01/10/2019.

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principalmente, no meio familiar. Nesse sentido, observam-se as disposições contidas na Lei 11.340 de 08 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, que se consolidou no âmbito nacional a partir da análise do caso Maria da Penha, nº 12.051, levado à apreciação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA32.

Das ações legislativas voltadas a garantir a prevenção e punição dos atentados domésticos contra a mulher está a Lei Maria da Penha 11.340/2006 e a Lei 13.104/2015, responsáveis por incluir no rol do art. 121 do Código Penal a modalidade de homicídio qualificado chamada de feminicídio. Todavia, ainda é possível perceber que o alto índice de agressões que envolvem extrema crueldade contra a mulher é resultado da inefetividade da legislação vigente, que, embora se apresente como um avanço na seara jurídica é passível de críticas contundentes.

Nesse plano, destacam-se as várias formas de violência sofridas pelas mulheres, crianças e adolescentes que se apoiam estrategicamente nos pilares de concepções machistas e autoritárias33, nas quais se ergueu a sociedade contemporânea, tal como assinalado por Balestro e Gomes (2015, p.45). Além disso, é amplamente conhecido que os números de estupros contra vulneráveis aumentaram e são cada vez mais frequentes os episódios de agressão doméstica e os feminicídios no país. Esse fato faz com que o Brasil apresente uma dinâmica crescente de violências que atingem a mulher, tal como destacado na seção anterior.

Para Montana e Melo (2018), baseadas na percepção de Amartya Sen (2008, p.10), a violência é o resultado do “cultivo de uma percepção da inevitabilidade de uma identidade presumivelmente única (...)”. Para as autoras,

32 Ver a esse respeito: INFORME N° 54/01 CASO 12.051 MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES BRASIL. Disponível em: < http://www.cidh.org/women/brasil12.051.htm> Acesso em 14 de outubro de 2018.

33 Para as autoras: “A violência de gênero está presente na cultura de todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, expressando-se em maior ou menor escala. Culturalmente se reproduz por meio de comportamentos irrefletidos, aprendidos histórica e socialmente, nas instituições como igreja, escola, família e Estado que contribuem diretamente para a opressão masculina sobre a feminina”. BALESTRO, Gabriela Soares. GOMES, Renata Nascimento. VIOLÊNCIA DE GÊNERO: uma análise crítica da dominação masculina. Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 66, p. 44-49, maio/ago. 2015. P. 45

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as sociedades antigas possuíam um histórico de violência exacerbado, sendo considerada prática comum e de autoafirmação do poder.. Elas indicam que revela-se mais forte aquele que, consequentemente, demonstrar-se mais violento. Essas práticas deixaram vestígios até nossos dias atuais, e continuam sendo um fator determinante nas relações sociais, fazendo crescer a vontade dos indivíduos de se sobreporem aos demais, que consideram menos fortes ou mais vulneráveis impondo a eles a violência.

Os atos de violência, o grau dela, a intensidade e a frequência, permitiram que instrumentos jurídicos pudessem ser elaborados no intuito de coibi-la e penaliza-la. Inclusive, porque se chegou à compressão que essa não deve ser tolerada (MONTANA e MELO, 2018). Nacionalmente, esses fatores ora mencionados, diante do crescimento da violência e dos feminicídios obrigaram o Estado a acompanhar tais atos na seara jurídica, através do Direito Penal. Esse ramo do direito é destinado a “proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade” (GRECO, 2017, p. 2). Nesse entendimento, os atos violentos contra a mulher foram tratados primeiramente de forma residual, constituindo um núcleo dos tipos incriminadores34 previsto no Código Penal vigente no Brasil.

A respeito da compreensão do conceito de violência no ordenamento jurídico hodierno, Nucci (2015, p. 776), indica que ela pode ser caracterizada como:

(...) qualquer forma de constrangimento ou força, que pode ser física ou moral. Entretanto, em termos penais, padronizou-se o entendimento de que o termo, quando lançado nos tipos penais incriminadores, tem o condão de representar apenas a violência física.

Do anterior, pode se deduzir que a incolumidade física se constitui como direito a ser protegido, portanto, revela-se como bem jurídico relevante, sendo um avanço jurídico para o entendimento da violência. Para Montana e Melo

34 Entenda-se por tipos penais incriminadores os delitos estruturados no Código Penal vigente. Com isso, verifica-se que as agressões contra as mulheres, antes da promulgação da Lei Maria da Penha, eram submetidos ao trato residual dos crimes tipificados na legislação em vigor, desprezando-se o fato de que os episódios violentos envolvendo pessoas do sexo feminino apresentavam um denominador comum, a saber, o convívio doméstico.

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(2018), o termo violência não pode se restringir apenas à compreensão de que seja uma ofensa física, conforme será tratado posteriormente.

Em matéria de violência doméstica (patamar abrangente e que inclui a violência intrafamiliar), tal como foi explanado anteriormente, esta deve ser entendida como um conceito vinculado ao gênero, do qual derivam várias espécies de agressões, tal como supracitado na seção 1. Assim, faz-se necessário um breve introito do que vem a ser caracterizado como violência no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que, as espécies de violência, bem como as suas previsões jurídicas, norteiam esta seção.

2.1. violência doméstica e violência de gênero prenúncios dos feminicídios

O panorama da sociedade contemporânea concebeu novas nomenclaturas e significados específicos, no que tange aos tipos de violência praticados contra as mulheres. A apreciação jurisdicional residual da violência doméstica não faz jus ao trato específico da questão, sendo necessário atentar-se às peculiaridades que envolvem a questão de gênero, isto porque as demandas relacionadas ao tema necessitam de um trato e legislação direcionada não apenas a punição, mas também e principalmente direcionadas à prevenção.

Para Oliveira (2005, p.13), a nova linguagem foi socialmente construída e, desse modo, sujeita aos fenômenos socio-históricos, ou seja, as percepções acerca da temática foram ganhando força em detrimento do crescimento exponencial de agressões praticadas contra as mulheres. A discussão que envolve questões sobre gênero e violência, em suas diferentes formas, ainda é causa de relutância no meio social. Nessa direção, Saffioti e Almeida (1995) citando Scott (1990), destacam que o gênero é o primeiro modo de dar significado às relações de poder. Note-se que o aporte de significados e percepções que compõem o âmago do que vem a ser gênero, por inúmeras vezes, limitou-se a trazer a imagem do homem como indivíduo superior à mulher, fato que desencadeou uma série de episódios violentos contra as mulheres no intuito de impor o seu poder e submissão.

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Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conceituou a violência de gênero como sendo aquela sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino. A figura da mulher como vítima constante de vários tipos de violência e atrocidades35 fez com que fossem criados mecanismos específicos36 com o intuito de inibir tais comportamentos. As transgressões à lei são frequentes, porque o ciclo de violência tende a se repetir, e mesmo com dispositivos destinados à regulamentação do tema e com o reconhecimento formal da mulher como sujeito de direito, inclusive, no plano internacional, bem como à proteção especial dos Direitos Humanos37, as mulheres continuam sendo assassinadas.

No contexto social e cultural nos quais ocorrem os episódios violentos contra as mulheres, a figura feminina passa, mais uma vez, pelas consequências da opressão masculina, das ideias machistas e organizações patriarcais dos Estados nacionais (NARVAZ e KOLLER, 2006). Os assuntos de violência e feminicídios passaram a ser tratados como temas juridicamente relevantes, após a intervenção internacional. No plano nacional, foi assim como os casos de violência relacionados ao gênero, passaram a ser atendidos no plano legislativo de modo diferenciado. O reflexo da temática sobre a violência doméstica, por exemplo, no plano legislativo, auxiliou na visibilidade, ainda que tímida, sobre as consequências nocivas da consolidação de um sistema social que oprime as

35 Atos que reportam à extrema crueldade.

36 No sentido que, após da promulgação da Lei Maria da Penha, houve uma mudança de percepção e punição sobre as agressões praticadas contra as mulheres. Antes dessa lei, considerava-se a violência doméstica de forma residual, isto é, eram apreciadas e julgadas como delitos comuns. Já com a promulgação da lei em menção, passou a existir um procedimento específico e, além da punição, criaram-se medidas de proteção, reconhecendo-se a mulher agredida como vítima não apenas do agressor, mas como vítima também da construção social, fato esse que exigiu do Estado uma proteção específica e direcionada a sua proteção. 37 DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES de 1993 - Artigo 3º As mulheres têm direito ao gozo e à proteção, em condições de igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural, civil ou em qualquer outro domínio. Tais direitos incluem, nomeadamente, os seguintes: a) O direito à vida; b) O direito à igualdade; c) O direito à liberdade e à segurança pessoal; d) O direito à igual proteção da lei; e) O direito de não sofrer qualquer discriminação; f) O direito de gozar do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir; g) O direito a condições de trabalho justas e favoráveis; h) O direito de não serem sujeitas a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Referências

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